Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Elias, o Tolo
Elias, o Tolo
Elias, o Tolo
Ebook105 pages1 hour

Elias, o Tolo

Rating: 0 out of 5 stars

()

Read preview

About this ebook

Elias é um homem que passa os dias a inventar vidas alternativas aos seus vizinhos. Até que de repente começa a confundir fantasia e realidade. E um dia alguém morre, assassinado no seu Bairro. Quem será o criminoso?

LanguagePortuguês
Release dateDec 20, 2011
ISBN9781465758361
Elias, o Tolo
Author

Ágata Ramos Simões

Colaborou na tradução japonesa das obras “Todos os Nomes” e “A Caverna” de José Saramago.Representada com três poemas na colectânea de poesia contemporânea portuguesa, “Ventana A La Nueva Poesía Portuguesa”, editada no México pela Ediciones Desierto.Escreveu “Lisboa singular”, livro infanto-juvenil, publicado em português por uma editora francesa (Éditions 00h00).Teve uma participação no Salão do Livro em Paris, entre os dias 16 e 21 de Março de 2001, convidada pela editora Éditions 00h00.Ganhou o 1o prémio no concurso literário “António Mendes Moreira” da Câmara Municipal de Paredes com o manuscrito “À Procura de um Livro” e ganhou igualmente o 1o prémio ex-aequo no concurso literário Orlando Gonçalves da Câmara Municipal da Amadora com o mesmo manuscrito.No princípio de 2006 foi publicada a obra "Sr. Bentley, o Enraba-Passarinhos" pela editora Saída de Emergência.Participou no DN Jovem durante alguns anos.

Read more from ágata Ramos Simões

Related to Elias, o Tolo

Related ebooks

Literary Fiction For You

View More

Related articles

Reviews for Elias, o Tolo

Rating: 0 out of 5 stars
0 ratings

0 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Elias, o Tolo - Ágata Ramos Simões

    Elias, o Tolo

    By Ágata Ramos Simões

    Copyright 2011 Ágata Ramos Simões

    Smashwords Edition

    Blog: http://www.escrita.blogspot.com/ dunyazade@gmail.com

    Smashwords Edition, License Notes

    This ebook is licensed for your personal enjoyment only. This ebook may not be re-sold

    or given away to other people. If you would like to share this book with another person,

    please purchase an additional copy for each recipient. If you’re reading this book and did

    not purchase it, or it was not purchased for your use only, then please return to

    the site and purchase your own copy. Thank you for respecting the hard work

    of this author.

    INDEX

    UM

    DOIS

    TRÊS

    QUATRO

    CINCO

    SEIS

    SETE

    OITO

    NOVE

    DEZ

    ONZE

    DOZE

    TREZE

    CATORZE

    QUINZE

    DEZASSEIS

    DEZASSETE

    DEZOITO

    DEZANOVE

    VINTE

    Ele tem planos, tem demasiados planos. Em mão. E desconfianças. Mas desconfiança cultivada para mitigar o sereno tédio diário da sua vida. É um homem de quarenta e dois anos com a aparência de cinquenta. Por não ter de trabalhar para viver - vive de um pequeno, mas modesto fundo que herdou do tio-avô paterno, legado mais por piedade que por sentimento de afecto - e por ter um apartamento pequeno herdado da mãe, não o mortificam pensamentos como os da maioria da população. Onde vou arranjar dinheiro para pagar ao banco a prestação que voltou a subir? Como vou comprar os livros aos miúdos em Setembro? E agora, doente, de baixa e a receber menos, como é que faço face às despesas? E o miúdo tem de ir ao dentista. Onde é que eu arranjo sessenta euros?

    O seu martírio é o de arranjar divertimento quotidiano para afastar a modorra da existência.

    Vê os vizinhos, emigrantes a viverem cada casal no seu quarto, a chegarem e a partirem dos apartamentos vizinhos. Vê os sacrifícios, os alugueres exorbitantes. Cheira-lhes os sovacos perfumados a suor após dia valente na labuta. Quase sente inveja e a seguir recorda que não, assim é melhor: passar pela vida como quem está no convés de um cruzeiro às ilhas gregas. A Mikonos. À Turquia. O Mediterrâneo (imaginado) por lar. O seu Mediterrâneo é o suave embalo do lento imaginar de vidas alheias, inventar-lhes histórias e vivências que não são as reais.

    A filha será dele, do ucraniano loiro com a dureza de mármore puro no olhar azul? Não. A miúda tem bochechas vermelhas de boneca de porcelana branca, cabelo castanho-escuro espetado (embora seja loiro, mas hoje ele vê-o como castanho) e lábios cheios de puta de bordel. Decide. Imagina. Foi assim.

    O ucraniano para ganhar a vida na terra dele fazia uns biscates para alguma rede de escravatura branca. Um dia coube-lhe em missão transportar um bebé de vinte e dois meses. Era para ser vendido a pais adoptivos desesperados. A criança silente e adormecida fê-lo recordar as miúdas de sete, dez, doze anos que levava sabe Deus para onde. Abandonou tudo, que era pouco. Não disse nada a ninguém. Pagou papéis falsos. Na Polónia. Na Sérvia. Escondeu-se da polícia na França, na fronteira espanhola. Chegou a Portugal. Trabalhou nas obras anos a fio como ilegal. Não lhe pagavam, os patrões. Legalizou-se há cinco anos. A miúda é portuguesa. Está cá desde os três. Portuguesa. Mais portuguesa que aquilo impossível. O seu ídolo a Britney. A equipa preferida o Benfica. Gosta de sardinhas assadas e é maluca por caracóis. O pai (adoptivo), o pai em segunda-mão!, foi levado a agir por uma culpa que gotejava para um alambique escondido no coração, uma culpa que era a faca quente a deslizar no peito. Assim uma dor serena e morna e profunda apesar de a faca deslizar superfície - como um tubarão a fingir-se solitário. A barbatana que vemos não pertence aos dentes que nos arrancam a carne.

    Mas quando chegou a loira platinada, falsa, alta, sorridente, de mini-saia, a chorar e a abraçar o marido e a filha ele teve de redefinir a história.

    Ah não. Pois. Vê as parecenças com a mãe. E, quando o ucraniano chora e abraça a esposa que mandou vir da pátria anos atrás, distingue as semelhanças do pai com a garota. Há algo presente ao redor dos olhos, uma triste beleza. Um baixar de guarda que os aparenta. A filha maternal; o pai rígido e duro. A filha como uma mãe para o pai. A mãe afinal esteve de férias na terra natal, visitou a velha avó doente e cega. E o casal só alugou a casa vai para quatro meses. Como que ele só se apercebeu disso agora?

    Ocupa-se então a imaginar a vida alheia da menina do terceiro esquerdo. Muito bonita. Mas ele é imune a tesões. Passa pela vida como velho satisfeito pelo que viveu - apesar de nada ter vivido. Vive a falsa sabedoria dos idosos.

    E há a vizinha do lado, velha de facto e mais calada que o nosso homem. Essa seguramente era a mais interessante. Hum. Nem sempre. Havia em Matilde, de setenta e cinco anos, qualquer elemento indefinido que o perturbava. Como a mosca sente uma inqualificável perturbação no ar antes de aterrar de cabeça na teia da aranha diligente.

    Ele não gosta do nome Matilde. Por uma certa aversão e inquietação tende a não se alongar no imaginar de uma outra vida à vizinha do lado.

    Por exemplo, o recém- reformado do outro prédio é decerto espião da CIA no activo.

    Porque...

    (Detém-se, o nosso homem, de caneca de café com leite na mão, a segurar as páginas iniciais do Correio da Manhã e com um olhar vazio pregado na gaiola do canário deserta.) Ora, porque sim. Espiões no activo lêem jornais e sentam-se na esplanada e em bancos de jardim a apanhar sol.

    Têm de o fazer. Deveres contratuais.

    (E este tipo dá um estalinho com a língua, arrota, encosta-se para trás, no rosto o sorriso da Monalisa, contente pelo belo passeio - sem ondas - no seu Mediterrâneo particular.)

    Hoje está um belo dia. Para Elias estão sempre belos dias. A mãe, há trinta anos, vinha perto a revolução dos cravos, fazia bolos de canela e ele e os amigos juntavam-se para ouvir discos proibidos. Mesmo com doze anos não tinha feitio de revolucionário. Fazia gosto aos colegas da escola, nada mais, e os pais viviam numa calma serenidade, almejando pela tal falada revolução cujo cheiro se já sentia no ar.

    Elias tem garras. Mentira. Não tem. Quem as teve era o canário que não chegou a comprar para habitar a gaiola deserta. Ora bem. Como estamos de amores hoje? A mulher do 5º da frente, o 82, o prédio do outro lado da rua. Como é o seu nome? Manoush. Decide que é Manoush por ter traços do médio-oriente herdados da ancestral mouraria que nos colonizou os genes.

    Manoush olha-o directamente com cara de caso. É morena e bonita. Nunca a vê sorrir. Ele desvia a vista, perturbado. Entre um e outro há um silencioso e secreto diálogo:

    Eu sei o que estás a fazer. Pára. Eu não estou a fazer nada, mente.

    "Pára. Não gosto. Não entres na minha cabeça. É privado. Não me espies os pensamentos. Não olhes

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1