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Pedro na Terra
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Pedro na Terra

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Pedro é um rapaz de dez anos que está na terra dos pais para assistir ao casamento da sua prima favorita: a Pauline. Através do olhar de uma criança diferente vemos as vidas dos seus familiares, alguns dos quais são emigrantes em França. A acção passa-se num Portugal onde ainda se usava a moeda nacional - o escudo. Se Pedro adora Pauline, há outra prima que ele detesta: a Cláudia. Esta acabará por lhe infernizar a vida.

LanguagePortuguês
Release dateMar 25, 2013
ISBN9781301286348
Pedro na Terra
Author

Ágata Ramos Simões

Colaborou na tradução japonesa das obras “Todos os Nomes” e “A Caverna” de José Saramago.Representada com três poemas na colectânea de poesia contemporânea portuguesa, “Ventana A La Nueva Poesía Portuguesa”, editada no México pela Ediciones Desierto.Escreveu “Lisboa singular”, livro infanto-juvenil, publicado em português por uma editora francesa (Éditions 00h00).Teve uma participação no Salão do Livro em Paris, entre os dias 16 e 21 de Março de 2001, convidada pela editora Éditions 00h00.Ganhou o 1o prémio no concurso literário “António Mendes Moreira” da Câmara Municipal de Paredes com o manuscrito “À Procura de um Livro” e ganhou igualmente o 1o prémio ex-aequo no concurso literário Orlando Gonçalves da Câmara Municipal da Amadora com o mesmo manuscrito.No princípio de 2006 foi publicada a obra "Sr. Bentley, o Enraba-Passarinhos" pela editora Saída de Emergência.Participou no DN Jovem durante alguns anos.

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    Pedro na Terra - Ágata Ramos Simões

    Pedro na Terra

    Published by Ágata Ramos Simões at Smashwords

    Copyright 2013 Ágata Ramos Simões

    Smashwords Edition, License Notes

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    Para a Bela, a terna eterna amiga

    INDEX

    UM

    DOIS

    TRÊS

    QUATRO

    CINCO

    SEIS

    SETE

    OITO

    NOVE

    DEZ

    ONZE

    DOZE

    1.

    - Raça do miúdo! Sai daqui!

    A tia gorda entrou a correr e eu fugi, a lamber os dedos de mousse

    - Sacana do miúdo...

    Pois. Só que eu não sou parvo. O casamento é amanhã e eu estou com fome agora! Pois, guardam aqueles doces todos e não podemos levar nem um, começam logo a ralhar e a gritar e às vezes a bater. Só que eu não sou parvo! Amanhã ainda vem longe e como é que eu sei que os grandes não se empanzinam todos, hã, hã? É sempre o costume. Não podes comer isso tudo, faz-te mal! Ficas com dor de barriga! E depois não te venhas queixar. E antes de comer os doces tens de comer (arhg) as couves. Vá, não te faças de fino! E o que é que tu ‘tás a fazer?! E é sempre a mesma história. Nunca mais te trago, deixa lá. Da próxima vez que houver uma festa ficas em casa por seres um menino mau! Olha para a tua prima ali a portar-se tão bem, não sujou o vestido. Nem uma nódoa. E olha-me pró teu estado! Essa mancha já não sai. Sais mesmo ao teu pai... já sujou o casaco por ter entornado o vinho... e amanhã, o que é que ele vai levar? Sim, era para levar aquele fato amanhã. Mas vestiu-o para experimentar e depois esqueceu-se e anda por aí com ele. Mas... pára quieto um minuto! Parece que tens bichos carpinteiros! O que é que tu queres? Sair da mesa! Não! mas, está Qui-e-ti-nho! Irra, sai lá, vai-te lá embora, vai brincar...

    E eu fui. Fui aos doces para amanhã, mas apanharam-me. Hoje só no fim daquela comida horríííível (nem sequer havia batatas fritas de pacote, nem coca-cola, só seven-up que eu odeio) é que trouxeram a sobremesa: um pão-de-ló com pelo menos três andares de altura. De ontem. Cá para mim deve ser da semana passada, do século passado!, duro como estava... Não queres bolo?, começou logo a mãe, a chatear o dia inteiro com doces pràqui, chocolates pràcolá, e agora tens bolo e não queres?! E a avó com tanto trabalho para o fazer, coitada, e tu agora não queres...

    E blá-blá-blá, chiça, quando ela começa, não pára!

    E agora nem pudim, nem mousse, nem aquele bolo de ananás com chantili, nem bolos sortidos, nem rebuçados, nem bolo de amêndoa, nem torta de laranja, nem porra nenhuma. Só os pinheiros. Os pinheiros, os eucaliptos e um cão que se mija por todo o lado, bom, raramente é na rua, escolhe sempre a casa. Qualquer casa. Isto aqui na terra nem há cães de jeito. A tia gorda solteirona (ninguém a quis por ser feia e mal encarada, até tem barba!, a mãe diz que em nova foi desonrada, já sei o que quer dizer, tenho dez anos, mas não sou tolo, o pai explicou-me com um sorriso de orelha a orelha que isso queria dizer que o namorado se tinha servido dela antes do casamento. Achei a palavra «servido» esquisita. Como se a tia gorda fosse um automóvel ou uma trotinete - ó, não importa, eles que são brancos que se entendam); a tia gorda... (perdi o fio à meada), ah!, tem uma gata velha sem dentes que tem duas ou três ninhadas por ano. A tia gorda atão como não quer tanto gato, que não os pode criar, e depois ninguém os quer e é maldade deixá-los na rua, ao deus-dará, assim, mal nascem pega em todos menos em um - para tirar o leite da mãe - e afoga-os em água morna para pensarem que voltam para a barriga da mãe. Não pensam que estão a morrer, mas é como se nascessem outra vez. A tia gorda diz que, se formos a pensar, ela é a modos que uma parteira.

    Amanhã é o dia do casamento da minha prima Pauline. É linda. Sou muito novinho, mas se pudesse casava com ela. Eu só tenho dez anos e a Pauline tem vinte e cinco, mas um dia, quando tiver vinte hei-de casar-me com ela.

    Aau! A estúpida da minha prima Cláudia chegou-se por detrás de mim sem eu notar!

    Deu-me um calduço!

    - Olha o cabeça na lua! ‘Tás a sonhar?

    A Cláudia! A minha prima bem comportadinha! Nunca suja o vestido, sempre tão lavadinho, e nem uma ruga! O-dei-o-a!

    Tem dez anos, mas age como se tivesse o rei na barriga, como se tivesse quinze! Um dia lixo-a! Um dia...

    - Não respondes?

    Avancei para ela com os punhos cerrados e com cara de poucos amigos.

    - Ehh...! Se me bates desato a chorar e a gritar, trago a família toda para aqui e dão-te o arroz. E amanhã não há doces para ninguém.

    Vais ver, vais ver só.

    Recuei um passo.

    - Lindo menino... - começou a passear em meu redor. - Foste à mousse. Não sabes fazer as coisas. A tia deu-me uma taça por ser uma «menina tão bonita» e quando ela não estava a ver ainda tirei uns rebuçados. Aqueles com recheio de cho-co-la-te. Tu não sabes fazer as coisas. Nem sequer roubas como deve ser! E agora vou ter com o Will, dividir com ele o que trouxe. Contigo não divido nada porque és muito burro!

    Foi-se embora a saltitar.

    - Ai um dia... ai um dia...

    Olhei para as mãos e dei-me conta de que formara punhos. Abri as mãos.

    A Felisberta é velha, mesmo velha e (como diz o pai) «embora aquela agilidade de catraia, o não estar capaz de ficar parada um momento, desminta a velhice.» A Felisberta é feia. Tem pêlos duros cinzentos e brancos no queixo que arranham quando beija as pessoas.

    «A Felisberta gosta da sua pinguita», como diz o meu primo em segundo grau João Moanheiro.

    Acorda cedo para tratar da horta, das galinhas, dos coelhos e do porco que anda a engordar há dois anos. «Ainda está fracote. Mato-o no ano que vem.» Cá para mim não o mata, dizem os vizinhos, parece que lhe ganhou afeição ao raio do porco o raio da mulher.

    A avó diz que ela é muito prestável. Nos preparativos para o casamento ela ajuda na comida, a pôr e a tirar a mesa não sei quantas vezes ao dia, na limpeza dos talheres, dos pratos e panelas, enfim, no que for preciso.

    Pode-se sempre contar com a Felisberta, diz a avó.

    Tem pouco para oferecer, mas já tem destinados cinco contos da reforma para dar aos noivos, diz a avó. Aprendi que o noivo é que guarda o envelope e os convidados, durante a boda, vão até ele e dão-lhe o dinheiro.

    Mas, diz a avó, o dinheiro que lhes derem não chegará nem na metade para pagar a despesa toda. Também, diz a avó, os pais é que pagaram tudo...

    A Felisberta, eu ia a passar pela casa dela, velhinha e feia, a cair aos bocados, chamou-me para comer qualquer coisa. Pôs um grande pão de milho à minha frente, duro, com aquilo até se podia partir pedra, e deu-me laranjada.

    - E a noiva... já a vi com o vestido... ai que bonita! Ora se no meu tempo...!

    Suspirou fundo e os olhos ficaram húmidos. Disse:

    - Eu estou sempre a dizer às minhas netas: olha lá, tu nunca deixes que um homem te ponha as calças em cima! Isso não! Perdem o respeito todo... nunca deixem que um homem vos ponha as calças em cima! É o que aconselho às minhas netas... eu sei que os tempos mudam, mesmo assim... olha lá, isso chega-te? Toma lá mais um pedaço de broa! Tu come, pequeno, ‘tás a crescer, tens de alimentar-te. És tão magrinho de dar dó! Queres mais laranjada?

    E despejou-me quase o equivalente a meio litro no copo. Aqui na terra a gente passa as férias a comer. À força, quase sempre.

    Insistem para aí um milhão de vezes para comermos, mesmo que a gente diga não.

    Repetem: «Coma! Coma! Coma!»

    - Será que a Pauline, eu conheço-a desde catraia, deixou que... ná! É rapariga séria, decente. Correcta, atinada. Tem um bom emprego lá na França, não ganha mal, casa-se com o Bruno que é electricista, dizem que ganha muito bem, e prontos!, fica com a vida arrumada! Parece que vão lá comprar casa ou já compraram, é velha como o caneco, mas teve de ser para ser mais barata. Arranjam-na bem arranjadinha e depois mandam vir filhos, qu’isto casamento sem filhos é como um jardim sem rosas. Pois, levam-na certa. Mas já tinham casado antes pelo civil, em França. Mete-se Agosto, vieram as férias, e casam-se aqui em Portugal, pelo religioso. Pois, assim é como deve ser.

    Coçou o nariz e puxou um pêlo do queixo. Eu tinha medo que ela me enfiasse pela goela abaixo o grande bocadão de broa que estava em cima da mesa.

    - Ah, o Bruno é bom rapaz, parece que ela vai mais bem servida do que ele! Nunca deu problemas, o moço, enquanto que a Pauline, cala-te boca, salvo seja, é boa rapariga, conheço-a desde bebé, mas enfim, lá tem as suas coisitas...

    Observou-me e eu com medo que me oferecesse mais sei lá o quê mastiguei muito bem mastigado o que ainda tinha na boca.

    - ‘Tás a gostar, ‘tou a ver que sim – acenei com a cabeça e continuei a comer. - Bom, tem direito a tê-las. Quem é que pode dizer que não tem as suas coisitas? Mas o noivo, bom rapaz, melhor não arranjava, diz-se e dizem todos. Pois pois. Ah, vai ser um lindo casoiro. Ah pois vai.

    «Felisberta é incansável. Leva e traz comida, cozinha e guarda pratos e talheres, depois de os lavar. Dá pareceres que mais parecem ordens, mas isso é normal, todos o fazem. É coisa assente.», diz... quem é que foi? Não me lembro, mas trocado por miúdos quer dizer que ela é uma coscuvilheira, mete o nariz em tudo. Também, não admira. A avó contou-me que ela tem um rancho de filhos e que nenhum a vem visitar nas férias. Nem no Natal nem na Páscoa.

    Fui-me

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