Cozinha Medieval e Renascentista: Usos e hábitos da sociedade portuguesa
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As receitas foram adaptadas para uma preparação no tempo moderno, proporcionando uma análise real do que marca qualquer prato: o sabor que faz gostar de uma iguaria.
São 64 receitas onde não aparecem os produtos que ainda não existiam e depois vão chegando da América para serem consumidos na Europa. É o caso do cacau, do milho, do feijão, do tomate, do pimento, da malagueta e da batata, entre outros. As receitas são acompanhadas por pequenos textos elucidativos da sua origem e preparação.
I. J. Lacerda
I. J. Lacerda nasceu em Lisboa e está radicado em Munique. Formouse em dietética e nutricionismo na Anne Reijnvaanschool do Wilhelmina Gasthuis de Amsterdão, é diplomado pelo Instituto Superior de Línguas e Intérpretes de Munique (SDI) e licenciado pelo Instituto Superior de Ciências Políticas de Munique. Foi intérprete para organizações internacionais, jornalista e fotógrafo para vários jornais e revistas portugueses e colaborador permanente nas revistas alemãs "P.M. Magazin" e "Eltern" do grupo G+J /Bertelsmann. É investigador sobre História social europeia.
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Cozinha Medieval e Renascentista - I. J. Lacerda
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A arte que vem de longe
Operíodo medieval ou Idade Média engloba a época que começa por volta de 476 d.C. com a queda do império romano do ocidente e acaba para uns em 1453 com a queda de Constantinopla ou Bizâncio, hoje Istambul. Para outros acaba em 1492 com a descoberta da América. No entanto, o tempo das transições é sempre bastante longo, sobrepondo diferentes épocas e hábitos históricos. O séc. XVI é denominado Renascimento.
Portugal é neste espaço de cerca de 1100 anos de História Universal uma mescla de povos latinos, germânicos e árabes e somente no último terço desta época, ou seja desde D. Afonso Henriques até ao fim do reinado de D. João II, é um país relativamente independente, possuindo alguma documentação escrita sobre si próprio, a sua história e os seus costumes. Muito do resto calcula-se que tenha sido assim ou recebemos a informação em segunda mão. O analfabetismo generalizado, a falta de escritos impressos e os incêndios frequentes provocados por guerras ou acidentes foram igualmente razões da falta de documentação sobre esta matéria. Os livros culinários históricos da época na Europa resumem-se a uma escassa vintena de exemplares, dos quais um é português. Essa primeira informação culinária escrita data da época de transição para a Renascença e aparece numa coletânea de receitas da autoria da Infanta D. Maria, neta de D. Manuel I, que ao casar-se com o Duque de Parma levou uma lista gastronómica portuguesa desse tempo para a Itália. Esse manuscrito encontra-se arquivado na Biblioteca Nacional de Nápoles. Isso mostra-nos que a cozinha desses tempos, pelo menos a nobre, deveria ser boa e deixaria alguma saudade. O modo de preparação de refeições não muda rapidamente no tempo e por isso as receitas descritas pela Infanta deviam na altura ser já bem antigas, tal como o são alguns pratos tradicionais que chegaram até à atualidade. O manuscrito de D. Maria revela-nos isso. É o caso das tigeladas de então que eram confecionadas com carne. Um outro registo culinário escrito é o de Domingos Rodrigues que aparece uns 100 anos depois (1680) e repete algumas receitas da princesa. Outros registos soltos provêm dos conventos porque aí eram elaborados e copiados.
O povo, devido às suas constantes carências, demorou séculos a introduzir novas modas na alimentação, andando a sua base de sustento sempre à volta do pão, da fruta, dos guisados de legumes e das papas feitas com farinhas de cereais nos tempos de abundância e com farinha de bolota e castanha em tempos de fome. As papas deram mais tarde origem às açordas. A carne era para os dias de festa, o peixe era para quem o pescava. No Sul da Europa bebia-se vinho, bastante vinho. A cerveja era usada como medicina nos hospícios. Nos tempos de seca ou de falta de cereais chegava-se a ter como base de fermentação toda a espécie de plantas, algumas venenosas como a erva do diabo ou cogumelos silvestres. Por vezes a purga até curava. Daí a cerveja ser usada como medicamento para vários fins.
Agastronomia portuguesa foi influenciada, durante os séculos anteriores à nacionalidade, por hábitos célticos, grecoromanos e depois nitidamente germânicos e árabes, como se disse, sendo abastecida por aquilo que o território nacional possuía. O que não era muito se excluirmos o peixe. A época foi caracterizada principalmente por uma agricultura pobre, um pouco de caça e a criação de animais domésticos. A população no interior ocupava-se principalmente na pastorícia, na costa dedicava-se à pesca e para além disso nada mais produzia do que o necessário para sobreviver e pagar os tributos aos senhores feudais, se os houvesse. Além da guerra, não se tinham outros proveitos. No entanto, a guerra tirava a mão-de-obra dos campos e se havia espólio sob a forma de animais domésticos por um lado, quando os havia, havia carência na agricultura para os alimentar pelo outro. O fenómeno em Portugal é sistémico. Vai nos séculos seguintes repetir-se durante os Descobrimentos e durante os fluxos emigratórios.
A diversidade gastronómica foi mudando a partir do tempo em que o português contactou povos fora do continente europeu. Durante a Reconquista já entrara em contacto com a culinária árabe mais avançada, mas é na época dos Descobrimentos que chegam à mesa portuguesa em quantidade as especiarias e o exotismo do Oriente