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Galáxia de Frankenstein #1: Os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado
Galáxia de Frankenstein #1: Os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado
Galáxia de Frankenstein #1: Os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado
Ebook391 pages5 hours

Galáxia de Frankenstein #1: Os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado

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About this ebook

Este e-book é uma assemblagem do universo da notícia nos últimos 20 anos no Brasil e no mundo. Dividido em dois volumes, o trabalho é fruto de impressões sobre o jornalismo contemporâneo e experiências profissionais dos jornalistas Geraldo A. Seabra e Luciene A. Santos. A partir de rascunhos, manuscritos, colagens, recortes, anotações, clipping de jornais e pesquisas em sites de busca, os autores refazem o quebra-cabeça do universo jornalístico e buscam remontar o ‘monstro’ da notícia tutelada pela mídia e o Estado, quando a notícia assume a sua dupla face em ‘Galáxia de Frankenstein #1 — os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado’. No primeiro volume, as distorções da notícia pós-máquina de Turing e o advento do Jornalismo a partir de Simulação de Dados. Na esteira do ataque terrorista ao jornal Charlie Hebdo, novas subcategorias da notícia — Jornalismo Anonymous, Jornalismo de Máscaras e Jornalismo Invisível. Na contramão da notícia relevante, o Jornalismo Dolce Vida ainda pulsa pelo mundo e coloca em xeque o Jornalismo de Previsão, Jornalismo JQ e Jornalismo Filosófico. No segundo volume do e-book entra na pauta a notícia social. Para repensar a qualidade de vida nas grandes cidades, a ecologia da notícia assume finalmente a voz do cidadão comum em ‘Galáxia de Frankenstein #2 — os fantasmas da notícia produzida a partir de um jornalismo compartilhado’.

LanguagePortuguês
Release dateAug 27, 2015
ISBN9781310719066
Galáxia de Frankenstein #1: Os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado
Author

Geraldo A. Seabra

It's a professor, journalist and master in media, web journalism and games emulators news. The market worked on Radio Alvorada, Itatiaia Radio, Television Minas Network and Gazette of Belo Horizonte. In the academic sphere taught at the Funorte College, Unipac and UniBH. Yet it was a partner of Millennium Communications Agency. He is currently a professional writer and editor of the Blog of NewsGames. Born in Belo Horizonte (Brazil) is based in Treviso (Italy).

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    Book preview

    Galáxia de Frankenstein #1 - Geraldo A. Seabra

    capa

    Galáxia de Frankenstein #1

    os fantasmas da notícia a partir

    de um jornalismo tutelado

    edição digital

    versão atualizada - setembro 2015

    produzido por newsgames

    volume I

    e-mails dos autores

    seabhra@gmail.com

    luseabhra@gmail.com

    Favcon

    autores

    Geraldo A. Seabra

    Foto_Geraldo_Mac

    É professor, jornalista e mestre em comunicação social, webjornalismo e games emuladores de notícias. No mercado passou por diversos veículos: rádio Alvorada, Itatiaia, Rede Minas de Televisão e Diário de Belo Horizonte. Ainda foi sócio da Agência de Comunicação Millennium. Na esfera acadêmica lecionou na faculdade Funorte, Unipac Lafayete e UniBH. Atualmente é redator do Blog dos NewsGames. Natural de Belo Horizonte (Brasil) está radicado em Treviso (Itália).

    Luciene A. Santos

    Foto_Luciene_Mac

    É jornalista e especialista em comunicação social, webjornalismo e jogos como informação e notícias. No mercado passou assessoras de imprensa e atualmente atua como editora e redatora do Blog do NewsGames. Também foi sócia da Agência de Comunicação Millennium. Natural de Belo Horizonte (Brasil) está radicada em Treviso (Itália).

    prefácio

    Este e-book é uma assemblagem do universo da notícia nos últimos 20 anos. Dividido em dois volumes, o trabalho é fruto de impressões sobre o jornalismo contemporâneo e experiências profissionais dos jornalistas Geraldo A. Seabra e Luciene A. Santos. A partir de rascunhos, manuscritos, colagens, recortes, anotações, clipping de jornais e pesquisas em sites de busca, os autores refazem o quebra-cabeça do universo jornalístico e buscam remontar o ‘monstro’ da notícia tutelada pela mídia e o Estado. Criada a partir de vários corpos sociais, a notícia assume a sua dupla face em ‘Galáxia de Frankenstein #1 — os fantasmas da notícia a partir de um jornalismo tutelado’. Ao longo do livro, os autores defendem a tese de que, se por um lado a ‘velha notícia’ traz alguma informação relevante de outro, é fonte de manipulação contra quem consome notícias sem conferir sua procedência.

    Para tentar neutralizar os ‘fantasmas’ da notícia, loops narrativos são usados para ajudar o leitor a decifrar as cartas do jogo da manipulação tramado nos bastidores da produção, circulação e consumo da notícia. Como ‘pesadelos’ que vêm e vão, um mesmo assunto pontua mais de um capítulo ou seção do livro, a fim de repensar a notícia a partir da tutela econômica e política. Com efeito, a narrativa cria uma falsa sensação de repetição gratuita. Na verdade, essa redundância quase patológica ressalta justamente como os ‘fantasmas’ da notícia assombram o universo da informação em diversos níveis da cobertura jornalística. Para aproximar o leitor da realidade vivenciada, Geraldo Seabra conduz a narrativa em primeira pessoa em vários pontos do livro. Nessa edição, os aspectos nocivos das práticas jornalísticas de uma imprensa broadcasting serão alvos de análise, crítica e discussão.

    Os autores abordam ainda os motivos pelos quais nos levaram a ser reduzidos à condição de reféns de uma mídia que tutela quase tudo, inclusive o presente. Tudo é efêmero, indiferente, um dia após o outro, como se o mundo permanecesse sempre igual mesmo diante a devastação midiática de uma ecologia cultural mais humanizada. A prova disso é a programação repetitiva emulada pelas estações de radio e TV, que nos revela a esquizofrenia à qual estamos condicionados desde os primórdios da padronização da mídia. Se no início a padronização midiática contribuiu nos processos de educação em massa, a partir dos anos 50, esse modelo deu lugar à manipulação intencional por parte das corporações de mídia para se beneficiar com a ajuda de lobistas e políticos com os quais mantém relações visando atender interesses comuns. Antes dos dois shows de Madonna programados para novembro em Torino (Itália), as rádios e emissoras de TV italianas passaram de uma hora para outra a repetir exaustivamente ‘Ghosttown’ — música tema da nova turnê mundial da pop star norte-americana.

    Com efeito, cada ouvinte foi transformado em caixa de ressonância a fim monetizar a apresentação da pop star na Velha Bota. Em janeiro de 2015 assistimos o multiculturalismo desmantelar-se pela TV. O ataque terrorista à redação do jornal Charlie Hebdo por uma célula islâmica jihadista colocou a pá de cal que faltava no mito da diversidade cultural. De tabela colocou em xeque a edição da notícia com angulação e entonação satírica, com seus mil tons de humor negro sob o signo do Jornalismo JQ. Na esteira dos ataques à liberdade de expressão na França e Dinamarca emerge o Jornalismo Anonymous em que hackers trocam informações anônimas de teor noticioso. Com efeito, os autores abordam também o advento de diversas subcategorias da notícia, a partir do Jornalismo de Máscaras e Jornalismo Invisível, antecipando assim a extinção do jornalismo como concebemos hoje e a afirmação definitiva da ditadura da informação em esfera global.

    Na contramão da notícia relevante, os autores citam ainda o Jornalismo Dolce Vida, produzido ainda na Itália e reproduzido em diversas partes do mundo, ao mesmo tempo, que questiona o Jornalismo de Previsão e a conseqüente ascensão do Jornalismo Filosófico. Recuando um pouco mais no tempo o autor aponta ainda os equívocos e distorções cometidos pela imprensa na cobertura da Guerra do Iraque e nas eleições presidenciais de 2002, quando a TV dividiu as atenções com a Internet, a grande novidade midiática dos últimos tempos. Na rede mundial de computadores, os candidatos puderam fazer propaganda eleitoral livremente, já que o resto da mídia estava atuando sob uma censura de cara nova. A edição da Lei da Mordaça limitou possíveis ‘distorções midiáticas’, mas não impediu que as sutilezas da manipulação das velhas cartas do jogo da mídia. Nessa retrospectiva do lado B da notícia, os autores descem ao submundo das eleições de 1989, para desvendar a maquinaria da manipulação produzida por todos os homens da TV Globo — ou quase todos — em favor de Fernando Collor de Mello, ícone do advento da ascensão da mídia partidária.

    Uma década depois, a polêmica vitória de Lula em 2002 também virou alvo de revisão e análise. Passados mais 12 anos da primeira eleição de Lula, o Brasil virou palco de insatisfação popular pelos quatro cantos do país, corrupção descontrolada e o país com pior índice de desemprego entre os quatro membros do Bric. Após sofrer com o flagelo e ostracismo midiático, a atriz Regina Duarte ganha agora ares de heroína, como quem ousou falar o que pensava em um tempo em que o equívoco da maioria corrompeu o contexto social em um território infestado de fantasmas da notícia. Nesta primeira edição são abordados ainda temas como a proibição do diploma, a crise do ensino de jornalismo, nepotismo no mercado de trabalho e os riscos da profissão de jornalista. Ainda mereceram atenção dos autores a influência do anunciante na edição da notícia, o endeusamento da imprensa e o advento do reality show no território da notícia.

    Nesse caleidoscópio midiático cabe à TV o papel de transformar tudo em meros produtos de um show televisivo. Os próprios governos são a prova que todos somos reféns de um jogo midiático, cuja interdependência se revela nos fantasmas da devastação social engendrados pelos meios de comunicação, que usam a tutela da liberdade de expressão sem medidas para difundir uma liberdade de imprensa irresponsável. Com raras exceções, pouca coisa mudou mesmo com o advento do jornalismo online. Na segunda edição do e-book ‘Galáxia de Frankenstein #2 — os fantasmas da notícia produzida a partir de um jornalismo compartilhado’, os autores colocam em pauta formas proativas de fazer jornalismo e sugerem que simples mudanças de atitude social e política podem transformar a qualidade de vida nas grandes cidades.

    introdução

    ‘Na virada do século, alvorada voraz...‘

    Frase de abertura da música ‘Alvorada Voraz’, do grupo pop RPM (lançada em 1986), cuja tônica sustenta parte da tese levantada neste e-book, que se pronuncia a respeito dos reflexos dos equívocos dos meios de comunicação sobre a sociedade capitalista. Escrita por Luiz Shkiavon e Paulo Ricardo, a letra da música já nos antecipava sobre as mudanças do Novo Mundo, a partir do limiar do Terceiro Milênio. Após 30 anos, a música continua atual. Sem cerimônia, nos remete a um futuro tenebroso, sem perspectivas, do qual já faríamos parte antes mesmo do réveillon de 31 de dezembro de 2000, quando iniciamos o projeto de edição destes dois livros. O temor da nova era já traçava seus contornos sem que qualquer messias fundamentalista pudesse nos avisar.

    Três anos depois, os Estados Unidos e seus aliados lançavam nova ofensiva contra o Iraque, numa demonstração de força, com aval da imprensa internacional tutelada. Apesar dos festivais de notícias na TV, a filosofia do caos tomou conta do planeta, sem que nós fôssemos informados sobre o começo do fim das coisas que nos eram mais caras: amor, identidade, soberania, liberdade. Coube à notícia o papel de dar contornos à nossa alienação diária. Em 2003, o Ministério da Saúde lançou uma campanha no Brasil focalizando os jovens, sob o slogan: - ‘Fique esperto! O cigarro usa o cinema, a TV e a moda pra te viciar’. Neste mundo globalizado, todo mundo veste a mesma roupa, com algumas exceções. Mesmo que não seja de grife, ‘todos’ buscam ostentar marcas mesmo sem muita grana no bolso.

    — Os valores estão mudando ou o ser humano vem perdendo espaço real para coisas sobre as quais detinha algum tipo de controle?

    Embora tenha sido concebido sob a marca de uma cobertura aprofundada e crítica dos fatos, o chamado Jornalismo Moderno contribuiu — e ainda contribui — para o distanciamento, cada vez maior, do homem da sua própria realidade cotidiana, com diversos recursos midiáticos que afastam invés de aproximar as pessoas da informação que realmente interessa. Assim como a TV, o rádio e os jornais são reféns do poder do capital, que acaba por corromper toda a esfera produtiva da notícia. Portanto, é um erro falar em objetividade do jornalismo em meio ao escândalo da corrupção da notícia. Pensando racionalmente não há informação qualificada em nenhum sistema capitalista. Apenas mentiras com tom de verdades universais. Nesse nebuloso caminho da comunicação de massa, há abismos que relacionam nosso futuro a uma barbárie moderna, a um movimento de descivilização de toda a nossa sociedade. Na verdade vivemos tempos de incivilidade que remontam os anos que antecederam a Idade Média.

    Contudo, a partir da década de 70, a incorporação das novas tecnologias ao mercado de mídia criou uma falsa idéia de que a mídia seria capaz de cumprir o papel de preencher as lacunas do crescente caos informacional. Apesar da ampliação dessas lacunas, os media assumiram a tutela de messias midiático. Nesse novo mundo midiático, a religião, a política, o capital e a sociedade tornaram-se meros coadjuvantes. Ao mesmo tempo, a notícia passa a ser produzida por uma mídia cada vez mais tutelada por diversas formas de poder. Foi a maneira encontrada para o jornalismo se manter como business em um mundo cada vez mais globalizado. Numa espécie de remake da notícia, os autores abordam, nesse novo e-book, que a questão da manipulação da notícia ficou em segundo plano nos últimos tempos, bem como as suas conseqüências e valores sociais. Em 1967, Adorno dizia que ‘o homem encontra-se em poder de uma sociedade que o manipula a seu bel-prazer: o consumidor não é soberano, como a indústria cultural queria fazer crer, não é o seu sujeito, mas seu objeto’.

    A partir desse contexto descrito por Adorno, o jornalismo deixou de representar a realidade cotidiana, para seguir a loucura desvairada de um show espetacular, em que o planeta não passa de um picadeiro em forma de aldeia global. Em cena não se vê a vida real, apenas a caricatura de culturas e povos, cujos desejos e sentimentos são relevados em nome de uma audiência castradora de egos e identidades falidos, uma triste mas real alusão à música ‘Blues da piedade’ de autoria do cantor brasileiro Cazuza. Nesse mundo de verdades e mentiras, a narrativa do jornalismo se transformou numa forma vexatória de narrar notícias como histórias de contos de fadas, onde a mentira tem espaço de destaque nas manchetes dos jornais e pouca gente se dá conta dessa manipulação vergonhosa. Contudo, a máquina de simulação de dados de Turing subverteu até a noção que temos sobre verdades e mentiras, realidades e ficções.

    A mesma máquina que tirou o mundo da tirania de Hitler nos colocou no abismo ainda mais profundo: a mídia como indústria da mentira em escala planetária a partir de fatores computacionais. Este e-book coloca em perspectiva a velha forma de editar a notícia como parte de uma indústria de falseamento do real. Segundo Mauro Wolf, ‘as notícias são aquilo que os jornalistas definem como tal. Este assunto raramente é explicitado, visto que parte dos modus operandi dos jornalistas é que as coisas acontecem ‘lá fora’ e eles limitam-se simplesmente a relatá-las. Afirmar que fazem ou selecionam arbitrariamente as notícias seria contrário à sua posição epistemológica, uma teoria implícita do conhecimento, construída a partir de procedimentos práticos para resolver exigências organizativas’. No meio jornalístico, todo mundo sabe da relação nefasta entre poder e notícia, mas pouca gente gosta de comentar para não comprometer interesses próprios, ou simplesmente para não se envolver.

    1. reality show da notícia

    Para entender a realidade atual no campo da notícia precisamos voltar no tempo e recomeçar do ponto a partir do qual a informação é contaminada pelo entretenimento vazio. Em 1974, a Rede Globo estreava o programa ‘Fantástico, O show da vida’. Estava inaugurada a Era da Espetacularização na televisão brasileira. Tanto o jornalismo quanto os programas de entretenimento — novelas, basicamente — não conseguiam suprir a dose de realismo que o público-telespectador desejava ver escancarado na tela da TV. Por isso houve uma enxurrada de programas de realidade na televisão brasileira após a exibição do programa 'No Limite' (TV Globo), apresentado pela primeira vez em 23 de julho de 2000. Depois vieram uma dezena deles, todos quase com o mesmo formato: levar a realidade nua e crua para dentro da casa do telespectador.

    A Casa dos Artistas (SBT) teve grande repercussão na mídia, face ao ineditismo do programa. Voltando um pouco mais no tempo, no final da década de 80 e início dos anos 90, os programas de variedade mudaram a cara da televisão brasileira, funcionando como verdadeiros escritórios de psicanálise, suprindo as ‘necessidades’ de um novo público, cada vez mais estressado, talvez devido aos efeitos da globalização. E foi justamente neste momento histórico que programas como Faustão e Domingo Legal ganharam espaço maior na grade da programação da TV aberta. Mas foi na virada do século 21 que a TV brasileira sofreu uma grande guinada. Em princípio, uma novidade que abalaria os conceitos mais tradicionais da sociedade brasileira. Numa jogada de marketing, o magnata do SBT, Sílvio Santos, se antecipou à concorrência e lançou de forma surpreendente a Casa dos Artistas – um jogo da vida real com a participação de artistas, filmados 24 horas por dia, ininterruptamente. O sucesso estrondoso do programa se deu por causa de dois fatores fundamentais: o ineditismo da proposta e o momento crucial em que o mundo vivia uma das maiores crises de segurança da história, após os ataques de 11 de setembro de 2001.

    Estrategicamente, a emissora promoveu a estreia do programa no mesmo mês em que os Estados Unidos sofreram o pior atentado desde Pearl Habbor (Hawaí), com o ataque terrorista contra as torres gêmeas do World Trade Center e o prédio do Pentágono. Estava no ar a Era dos Reality Show na TV brasileira, embora esse tipo de programa não fosse novidade no resto do mundo, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. As pessoas ainda estavam se refazendo da perplexidade dos ataques transmitidos, ao vivo, pela TV, portanto, ainda com receio do que poderia ocorrer após o choque de três aviões com passageiros contra prédios de Nova York e Washington. Mas foi neste cenário de incerteza que Sílvio Santos surpreendeu o país e a concorrência com a primeira edição da Casa dos Artistas. Nessa edição, participaram ‘artistas meia-boca’—expressão usada por Leão Lobo, colunista especializado em fofoca de celebridades. No programa havia gente do quilate do ator-pornô, Alexandre Frota, e o cantor Supla, ex-Grupo Tóquio, que havia saboreado o gosto da fama nos anos 80.

    A grande sacada do SBT não foi exatamente o fato de ter se antecipado à concorrência, mas a escolha do momento de lançamento do reality show. No início parecia uma quase loucura juvenil, mas que aos poucos virou uma febre nacional. A emissora atingiu recordes de audiência (média de 35 pontos diários) das oito às nove da noite, horário considerado nobre na TV brasileira. Diante da ameaça inevitável da concorrência, a Rede Globo tratou logo de antecipar o lançamento do programa Big Brother Brasil (BBB) — formato bastante semelhante à Casa dos Artistas, porém com a participação de ilustres anônimos. Em fevereiro de 2002, portanto antes da segunda edição do programa da emissora concorrente, a Rede Globo ousou e colocou no ar seu primeiro reality show, após uma pendenga jurídica com o SBT, empresa comandada por Silvio Santos e que havia sido acusada de plágio pela TV Globo. A escolha dos 12 participantes do BBB foi realizada a partir de uma ‘pré-seleção’ feita a partir da Internet. O primeiro programa atingiu altos pontos de audiência (Média de 37 pontos diários), reeditando o mesmo sucesso da Casa dos Artistas 1.

    razão de tanto sucesso?

    Os realities shows ocuparam uma lacuna deixada pela falta de criatividade dos roteiristas que trabalham em televisão e pelo momento de transição de valores históricos da humanidade. Desta forma, os mass media promoveram o redirecionamento da conduta da TV perante o público telespectador, que deixava de ser simples alvo do controle de audiência para ser tornar parte do conteúdo cultural. Parece democrático, mas não é. Cria-se apenas uma ilusão de que as pessoas fazem parte da produção do mundo cultural. Mas, não fazem, não. A produção cultural do começo ao fim cabe aos mass media, sobretudo sob a união satânica jornalista-publicitário. - fusão de pseudo-opostos que tem como finalidade submeter, manipular, forjar imagens e idéias. E nada mais. Apesar dessas duras afirmações, não sinta menor do que eles, afinal o planeta Terra também é refém dessa roda vida, que o diga a ecologia. Em última análise, todos nós, inclusive, os mass media, somos reféns daquilo que criamos. Foi assim com os ultramarinos e iluministas, e está sendo agora com os ‘loucos’ cibernéticos.

    Com o advento do reality show, incrível que isso possa parece, os mass media acabaram abrindo o jogo definitivamente para o público no que tange o segredo que envolve a fama. Como pessoas sem qualquer talento conseguem se firmar no reino da fama depois de expostas na TV? A explicação está no tempo de permanência no ar, diante de milhões de telespectadores. No caso do Big Brother Brasil, a audiência em São Paulo atingia, em média, dois milhões e meio de pessoas, cada noite. Só isso faz um ilustre desconhecido se tornar uma pessoa famosa da noite para o dia. Lembro-me da grande repercussão quando cobri dois meses de licença de um repórter esportivo da Rede Minas - TV estatal do Governo de Minas Gerais. Até hoje, as pessoas me lembram do tempo em que trabalhei na emissora. Durante três anos, trabalhei na Rádio Itatiaia como redator e editor, fazendo, às vezes, locuções para o jornal. Pois bem, durante todo esse tempo, o meu trabalho não teve a mesma repercussão que o realizado na televisão.

    Percebam aí a força da TV, mesmo sendo estatal. Foi assim com o vencedor da primeira edição do BBB, Kleber de Paula, mais conhecido como Bambam. A sua fama foi tamanha que ele foi logo contratado pela Rede Globo para trabalhar como um dos protagonistas do programa infantil ‘A Turma do Didi’. O mesmo aconteceu com Thyrso Mattos, participante da segunda edição do BBB. Ele foi contratado pela emissora e hoje trabalha como cozinheiro no programa Mais Você. Como a participação de Thyrso Mattos no BBB teve grande repercussão nacional, a contratação dele foi uma tentativa da emissora de levantar a audiência do programa, que andava baixa. A manchete ‘Realidade além da conta’ publicada em 23 de julho de 2002, no caderno de TV, do Estado de Minas, fazia uma alusão às cenas picantes exibidas no Big Brother Brasil dois, em que os participantes Jefferson e Tarciana faziam sexo em rede nacional, ao vivo, pela TV.

    Neste caso, a frase ‘A vida imita a arte’ perdeu todo o sentido, afinal a cena exibida era real, não uma ficção de folhetim. Porém, o episódio colocou a nu a chamada espetacularização da realidade, cuja prática ganhou espaço no cinema, teatro, assim como no telejornalismo. Numa tentativa de desvirtuar a realidade, o Ministério da Justiça alterou a classificação do programa, que passou de censura livre para classificação 16 anos, decisão que passou a valer também para a Casa dos Artistas. Apesar da censura, cada vez mais os programas de TV tenderão a imitar a realidade, pela própria força da audiência. Mas não podemos confundir realidade virtual e realidade de fato. Toda realidade veiculada na TV é ficção, uma espetacularização da realidade, pois se trata de uma realidade construída através da interferência tecnológica. Quem assistiu ao BBB pela TV a cabo viu um sexo virtual entre Jefferson e Tarciana. Mas quem estava dentro da casa viu uma realidade incontestável.

    15 minutos de fama

    Como pode uma simples palavra reunir em torno de si tantos adjetivos louváveis quanto diabólicos. Fama é essa palavra famigerada em torno da qual orbitam tristezas, alegrias, desejos, riquezas, violência, sonhos conscientes e inconscientes, prosperidade e ruína. O filme ‘15 Minutos’ revela todas essas facetas sob a luz dos holofotes de uma câmera de TV ligada. Absorvido pelo imaginário criado pela narrativa do filme, a famosa expressão ‘está no ar’ logo nos leva de um mundo ‘real’ para o mundo da ficção, ou para algo que também passamos a conceber como realidade. Com isso até a estética da narrativa jornalística foi contaminada. A trama do filme gira em torno da dicotomia entre realidade jornalística e virtualidade jornalística. O detetive de homicídios, Eddie Fleming (Robert De Niro), e o investigador de incêndios do Corpo de Bombeiros, Jordy Warsaw (Ed Burns), perseguem dois assassinos europeus em Nova York. Os homicidas Emil Slovak (Karen Roden) e Oleg Razgul (Oleg Taktarov) logo que chegam a Nova York percebem o poder da televisão e decidem tirar vantagem disso.

    Enquanto seguem as pistas dos assassinos, os detetives tentam manter a imprensa longe do caso. Mas são os assassinos que dirigem o desenrolar dos fatos, até conquistarem o status de estrelas. Eles querem seus 15 minutos de fama. Por ser fascinado pelo cinema americano, Razgul filma, com uma câmera roubada, a série de assassinatos praticada pelo parceiro Slovak, que foi aos Estados Unidos para reaver o dinheiro que tinha ficado em poder do amigo, após ser preso por assalto, na Tchecoslováquia. Como havia torrado todo o dinheiro, Slovak mata o amigo e sua namorada, tudo registrado pelas câmeras do parceiro Razgul. Mas uma amiga do casal, também tcheca, viu tudo e foge. Começa aí uma perseguição para encontrar a garota, o que resulta em mais mortes. O detetive Eddie Fleming namora a repórter de TV, Nicky (Nicolette Karas ), de uma emissora concorrente ao do programa Top Story, apresentado por Robert Hawkins (Kelsey Grammer), um jornalista sem escrúpulo e ética profissional, em busca de fama e audiência a qualquer custo para conseguir se manter no ar. Uma discussão de pauta entre Hawkins e a diretora do programa coloca em xeque a questão ética do jornalismo.

    (Hawkins)

    — ‘Tolice! Bebê abandonado em Times Square não dá audiência nem Ibope’.

    Diretora do programa

    — ‘Sugere fabricarmos más notícias?’

    (Hawkins)

    — ‘É para isso que nos sintonizam. Querem coisas excitantes’.

    (Diretora do programa)

    — ‘A emissora está me pressionando. Mães e políticos reclamam da violência no horário nobre. Temos que variar as notícias. Faça isso’.

    (Hawkims)

    — ‘No fim, voltarão a mostrar violência. Como eu, querem audiência. Quanto mais sangue, melhor’.

    No meio da discussão, a pauteira entra na sala da diretora.

    (Hawkins)

    — ‘O que tem para mim?’

    Pauteira

    — ‘Reportagem com Eddie Fleming’.

    (Diretora do Programa)

    — ‘De novo’.

    (Pauteira)

    — ‘Ele está na capa da People’.

    (Hawkins)

    — ‘Não é excitante’.

    (Pauteira)

    — ‘Será bom. O psiquiatra irá ao tribunal. Vai dar audiência’.

    E a discussão continua...

    (Diretora do programa)

    — ‘Eu não quero apenas sangue! Preciso ampliar o formato’.

    (Hawkins)

    — ‘Sei que está aqui para melhorar o nível. Mas não vai acabar com o meu show’.

    (Pauteira)

    — ‘Eddie na TV é sempre uma boa’.

    O filme trabalha com câmera aberta revelando a paisagem financeira de Times Square, recheada de propagandas em outdoors e em táxis, inclusive do programa Top Story. Neste cenário, a união entre imprensa e instituição pública fica clara, quando o detetive Eddie Fleming chega de carro acompanhado do apresentador de TV, Robert Hawkins, para co-produzirem uma matéria para o programa sobre um jamaicano que matou a namorada a garrafada. Antes, o parceiro de Fleming paga a um informante pelas informações dadas sobre o caso. Este, por sua vez, pede que o detetive que dê um autógrafo na Revista People, em que é capa da semana. Em seguida, Eddie simula um flagrante de prisão do jamaicano, mas a equipe de TV não chega na hora exata, embora o apresentador estivesse em contado por celular, junto com o detetive. Num quarto de hotel, Slovak assiste a um programa de TV, no qual ensina como um assassino pode se safar da prisão, simulando ser um psicopata, para depois vender os direitos autorais sobre livros e filmes.

    Então, Slovak planeja a morte do Detetive Fleming. Depois de matá-lo barbaramente sob o olhar da câmera de Razgul, Slovak liga para Hawkins, e propõe vender por US$ 1 milhão a fita gravada. Apesar de demonstrar constrangimento, a fita é levada ao ar, sob protestos dos policiais que ficaram refém da ambição do apresentador. Hawkins abriu o programa lendo uma cabeça (abertura da matéria): ‘Esta é uma edição especial de Top Cury. O brutal assassinato de Eddie Fleming foi filmado e será mostrado após os comerciais’. Observe que Hawkins chama atenção para o assunto de forma sensacionalista, mas antes roda o comercial para segurar a audiência conseguida de maneira inescrupulosa. Na volta do comercial, Fleming continua sua encenação em nome da audiência: ‘Vou lhes mostrar cenas de violência jamais vistas antes na TV. Faço isso com profundo pesar. Podem estar se perguntando a razão de mostrar algo tão chocante. E minha resposta é que, como jornalista, sou obrigado a isso. Exibo essa fita em homenagem ao meu amigo Eddie. Difícil acreditar! Veja...’ Vendo o programa por uma TV instalada num restaurante, Ragzul comemora com o parceiro Slovak o sucesso do ‘filme’:

    — ‘É o que os americanos querem sexo e violência’.

    Em volta, as pessoas ficam perplexas com as cenas, enquanto os dois travam uma discussão de quem tinha sido a idéia de produzir o filme.

    (Slovak)

    — ‘Como diretor! Por que deixou isso?’

    (Razgul)

    — ‘Porque sou o diretor’.

    (Slovak)

    — ‘O quê?’

    (Razgul)

    — ‘Não percebe que se não fosse eu ... minha idéia, você não estaria aqui sentado agora?’

    (Slovak)

    — ‘Sua idéia?’

    (Razgul)

    — ‘Minha idéia’.

    Na verdade, a iniciativa partiu de Razgul, fascinado pelo cinema americano, e isso ficou evidente logo no início do filme quando o agente da emigração questionava-os sobre os motivos da viagem aos Estados Unidos:

    (Razgul)

    — ‘Vim pelo cinema’.

    (Agente da emigração)

    — ‘Pelo cinema? Não entendo’.

    (Razgul)

    — ‘Quando eu era criança vi um filme... chamado ‘A Felicidade não se compra’, dirigido por Frank Capra. Desde então, quero vir aos Estados Unidos. Terra da liberdade, lar dos valentes... O país onde se pode ser alguém’.

    Essa admiração pelo famoso diretor americano Frank Capra ficou evidente quando saindo de um restaurante Razgul filma e uma linda mulher sentado na mesa, e se apresenta como diretor Frank Capra. Na sequência da discussão, as pessoas que assistem as cenas no restaurante percebem que os dois são os assassinos do detetive.

    (Razgul)

    — ‘Você não entende. É um grande filme americano. Eu o fiz. Fui o diretor de...’

    (Slovak)

    — ‘Quem é você?’

    (Razgul)

    — ‘Tudo. Eu sou tudo. É o que os americanos querem, sexo e violência. Antes de entregar o próximo vídeo corta para os créditos. E o meu crédito será ‘Direção de Oleg Razgul’.

    (Slovak)

    — ‘Só há um problema. Só haverá um crédito e eu o divido. Entendeu?’

    Razgul se lenta da mesa, pega uma faca.

    (Slovak)

    — ‘Acha que é o diretor? Eddie Fleming era meu amigo. Você não passa de um russo desprezível e nojento!’

    Slovak dá um tapa no rosto de Razgul, apontado uma arma contra sua cabeça. Razgul dá uma facada no braço de Slovak. Ao fundo a imagem gravada do apresentador do Top Story no telão. Razgul foge levando a câmera. Hawkins apresenta a Slovak o seu advogado Bruce Cutler (Himsefe), quando o investigador faz a prisão de Slovak. Na saída a discussão com o parceiro de Eddie pela guarda do preso.

    (Warsan)

    — ‘Eu o levarei!’

    (Detetive)

    — ‘Nada disso! Ele é meu!’

    Warsan

    — ‘Vou levá-lo! Eu o peguei!’

    (Detetive)

    — ‘Matou meu parceiro! Vou levá-lo!’

    (Warsan)

    — ‘Depois de autuado, ele é seu!’

    (Detetive)

    — ‘Tudo bem. Pode ter seus 15 minutos’.

    Em seguida, o detetive trava uma discussão com o apresentador Hawkins.

    (Detetive)

    — ‘Você devia ter vergonha’.

    (Hawkins)

    — ‘Tolice! Vergonha do quê? Eu o tirei das ruas. Graças a mim, ele foi preso’.

    (Detetive)

    — ‘Parabéns!’

    O advogado Bruce Cutle consegue livrar a cara de Slovak, alegando insanidade mental do seu cliente e que teria sido coagido pelo seu parceiro. A lei ainda permite essas manobras jurídicas. Na prisão, o advogado acerta 30% nos direitos autorais de livros e filmes sobre a história de Slovak. Mas Razgul apresenta outra fita a Hawkins revelando a farsa de Slovak. Ele não cobra pela fita. Na fita, ele fala com Fleming sobre o que havia aprendido na TV, que bastava alegar insanidade no tribunal para se

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