Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos
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About this ebook
Conheçam Lottar Gan Amon, um menino negro de nove anos, filho de uma feiticeira e de um devorador de almas. Lottar vive num país onde ciência e magia convivem numa relação tensa. Num período de guerra, com seu pai desaparecido no front, nosso protagonista tenta sobreviver com a mãe a tempos difíceis. Ele acaba descobrindo que o jardim mágico de sua família pode guardar a chave de um poderoso segredo.
Ricardo Santos
Adoro ler as mentiras que os outros contam, e também adoro registrar as minhas próprias, na esperança de confundir a cabeça de alguém. Com o conto O diálogo, ganhei o 1o lugar do concurso Exercícios Urbanos, promovido pelo Portal Literal, em 2006. Publiquei o livro de viagens Homem com Mochila (edição do autor, 2008). Participei da antologia de contos de terror The King, em homenagem a Stephen King (Editora Multifoco, 2013).
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Book preview
Um Jardim de Maravilhas e Pesadelos - Ricardo Santos
© Ricardo Santos, 2015
Capa
Rochett Tavares
Revisão
Alec Silva
Projeto Gráfico
Ricardo Santos
Rochett Tavares
Diagramação
Rochett Tavares
Ilustrações
Balanuts
Foto do Autor
Priscila May
www.facebook.com/ricardosantos
ricardoescreve.wordpress.com/
Balanuts
balanuts.deviantart.com/
Todos os direitos desta edição estão reservados a
Ricardo Santos
Salvador - BA
Table Of Contents
Apresentação
Capítulo 1 – Olhos Brancos
Capítulo 2 – A Raiva do Lobisomem
Capítulo 3 – O Sorrisinho Irônico
Capítulo 4 – Pedra-Raiz
Capítulo 5 – Bolhas
Capítulo 6 – Licória na Grama
Capítulo 7 – O Sofá Verde
Capítulo 8 – O Cabideiro Voador
Capítulo 9 – Melhores Amigas
Capítulo 10 – Os Cúmplices
Capítulo 11 – Azul Pálido
Capítulo 12 – A Esfera de Fogo
Capítulo 13 – Alfinetada na Testa
Capítulo 14 – O Lobo de Luz
Capítulo 15 – Senhor Lucius
Capítulo 16 – A Curandeira
Capítulo 17 – Miserável
Capítulo 18 – Sacrifícios
Capítulo 19 – A Esfera Invisível
Capítulo 20 – O Braço Cinza
Capítulo 21 – Guardas
Capítulo 22 – Confiança
Kaline – por Rita Maria Felix
Agradecimentos
Sobre os autores
Apresentação
Conheçam Lottar Gan Amon, um menino negro de nove anos, filho de uma feiticeira e de um devorador de almas. Lottar vive num país onde ciência e magia convivem numa relação tensa. Num período de guerra, com seu pai desaparecido no front, nosso protagonista tenta sobreviver com a mãe a tempos difíceis. Ele acaba descobrindo que o jardim mágico de sua família pode guardar a chave de um poderoso segredo. Este é um romance juvenil para todas as idades, na tradição de Philip Pullman, Terry Pratchett, Diana Wynne Jones, L. Frank Baum e Ursula K. Le Guin.
Capítulo 1 – Olhos Brancos
O local era uma clareira na mata, não muito distante da escola, à beira do rio. Um número razoável de colegas estava presente. Todos se atrasariam para o almoço. O adversário da vez se chamava Mok.
Vou quebrar todos os seus ossos
, disse ele.
E eu vou te transformar num monte de pedrinhas para jogar no rio. Vou praticar bastante meus arremessos para quicar na água
, disse Lottar.
Mok apertou o rosto, enfurecido.
Lottar mantinha-se firme. Mas, no fundo, estava morrendo de medo. Afinal, Mok era um filho de gárgula. Ele era feito de granito, tinha uma cabeça de dragão e asas de morcego, ainda curtas. E o pior, quando Mok ficava de pé, tinha o dobro do seu tamanho.
Mok mudou sua expressão tensa. Agora ele sorria, cheio de malícia.
Você é um covarde. Assim como seu pai, aquele traidor.
Ninguém chama meu pai de traidor!
Esse era o ponto fraco de Lottar. O motivo das brigas na escola e na rua.
Lottar era um menino negro de nove anos.
Ele vivia repetindo para si mesmo que não era um valentão. Mas não adiantava muito. Era só ser provocado para aceitar o desafio. Quando sua reação era mais explosiva, tentava resolver o problema na hora do recreio, em algum canto isolado da escola. Corria o risco de a disputa ser flagrada por um funcionário ou mesmo um professor, como já acontecera antes. Então, ele e seu desafeto acabavam indo para a diretoria, e cada um recebia um pergaminho azul, advertências mágicas que apenas as mãos de um responsável conseguiriam abrir. Caso não fossem entregues a estes no prazo de vinte e quatro horas, os pergaminhos desapareceriam no ar, para reaparecerem na mesa do diretor. Cinco destas advertências durante o ano letivo resultavam em expulsão.
Mais da metade do ano tinha se passado e Lottar já somava três pergaminhos em sua conta. Não queria um quarto. Por isso, a briga daquele dia aconteceria fora da escola, depois da aula.
***
Era o início de uma tarde de segunda-feira abafada, calorenta.
Lottar contava com o fato de ser neto de feiticeira, e filho de feiticeira, que agora também era uma vampira.
Além de sua agilidade, em punhos, braços e pernas, ele usava feitiços mais básicos, ensinados pela mãe, para atacar e se defender. Era o máximo que ela fazia. Para segurança dele e de outros. Lottar ainda não tinha idade para aprender feitiços mais poderosos. E também era uma maneira de evitar mais problemas. Na verdade, só o fato de Kaline praticar magia já era um grande problema. Como agora era uma vampira, ela estaria proibida por lei de praticar coisas de feiticeira. Kaline fizera Lottar prometer que aquele seria o maior segredo dos dois, entre mãe e filho. Ela não foi explícita sobre as terríveis consequências do crime. Não havia outra palavra para classificar a situação, Kaline tinha consciência disso. Porém Lottar logo entendeu que podia ser afastado da mãe e deixar a casa onde morava para sempre. Ele nunca permitiria que essa catástrofe acontecesse. A avó de Lottar tinha falecido havia alguns anos. Fora os pais, ele não tinha mais ninguém no mundo.
Os feitiços que Lottar sabia eram de baixo poder. Feitiços monossilábicos. E estavam ficando manjados. O adversário da briga seguinte conhecia os feitiços anteriores, conseguindo assim anulá-los ou escapar deles. A cada nova briga, Lottar tinha que ter outro feitiço escondido na manga. Estava ficando cansado disso. E sua mãe irritada. Ok, ok. Vou te ensinar mais um. Não quero ver filho meu apanhando por aí. Já basta tudo que passamos
, ela não cansava de dizer.
O feitiço de paralisar alguém era algo novo.
Lottar usou primeiro sua agilidade para cansar Mok. Punhos, braços e pernas estavam fora de questão. Lottar não ia bater, agarrar ou chutar em pedra. A única arma de Mok era seu tamanho, sua força. Lottar precisava apenas ficar fora de seu alcance até o momento certo. Usar o feitiço quando a pessoa estava cansada, confusa, ou enfraquecida, prolongava seu efeito.
De repente, Mok tentou abraçá-lo.
Lottar fugiu.
Mok quase agarrou sua canela.
Lottar rolou na grama, sujando-se.
Mok não aguentou o peso do próprio corpo e caiu, apoiando-se com as mãos e os joelhos no chão.
Ele ficou numa posição ridícula.
Alguns riram.
Quando se levantou, furioso, Mok ficou meio desorientado.
Lottar já estava de pé, pronto. Só esperava por aquele contato visual.
Ele balançou as mãos para frente, apontando para Mok, e com a pronúncia que mais achava correta gritou: Fic!
Nenhuma faísca, luz ou raio de qualquer cor foi notado.
Mas todos logo perceberam que o feitiço tinha dado certo.
Mok apenas disse Putz
e caiu duro na grama, de costas.
Na queda, sofreu rachaduras no corpo e quebrou a ponta da asa.
Muitos ficaram chocados.
Inclusive Lottar. Os pais de Mok gastariam uma boa grana num feitiço que consertasse tudinho.
Eu desisto! Eu desisto!
, gritou Mok.
Ele estava estirado no chão, de barriga para cima, imóvel. Apenas conseguia mexer a boca. Sentia dor, mas gárgulas não conseguiam chorar.
Lottar estava fora do seu campo visual.
Respirava pesadamente. O peito subia e descia. O braço tinha alguns arranhões, mas nada grave. Não escorria sangue.
A plateia de meninas e meninos, ou seja, seres de todo tipo, estava parte satisfeita, parte decepcionada, parte apreensiva.
O olhar de Lottar era assustador.
Quero ir para casa! Quero ir para casa!
, continuou Mok.
Lottar poderia liberá-lo. Provavelmente, aquele ali não ia incomodar mais. Acontecera isso com cada um de seus desafiantes. Até agora ninguém tivera a ideia de atacá-lo em grupo.
Com toda essa história de seu pai, dos boatos, só lhe sobrou um amigo. Na verdade, amiga. Beta era uma menina goblin e colega de turma. Ela se oferecera para ajudar no que pudesse. Mas Lottar não queria envolvê-la em seus problemas. Prejudicá-la ainda mais. Ela estava na plateia, torcendo, gritando.
Lottar até percebia alguma simpatia no rosto de outros colegas, de meninos de sua rua, mas ninguém se aproximava dele.
Meu pai vai acabar com você! Vai sim!
, gritou Mok.
Lottar apertou a mandíbula e fungou. O coração estava acelerado. Ele olhava para o vazio.
Alguns na plateia seguraram a respiração.
Não havia outro jeito. Ele teria que fazer de novo. Ele fechou os olhos e procurou se acalmar. Assim como o pai lhe ensinara.
O segredo é controlar as batidas do coração
, dizia Victor, nas primeiras tentativas do filho. Você tem que imaginar não como o mundo é, mas como deveria ser.
Victor o havia treinado, um treinamento ainda incompleto, oferecendo-se como cobaia. Apesar da pouca idade de Lottar, o pai achava que, quanto mais cedo o filho lidasse com sua habilidade, menos doloroso seria suportá-la.
Desta vez, veio à mente de Lottar a imagem dele, do pai e da mãe juntos, na praia, num domingo ensolarado, de muito vento. Não havia guerra contra a Câmbria. Sua mãe não se tornara uma vampira. Até sua avó ainda estava entre eles. Ela apareceria de surpresa, carregando uma cesta de sanduíches de atum com azeitonas, seus preferidos. Sua avó os preparava com um toque especial e secreto. Talvez ali tivesse um pouco de magia. Eram gostosos demais.
O coração de Lottar estava respondendo. Diminuindo o ritmo. Voltando ao normal.
Lottar sentiu que estava pronto. Respirou fundo. Gemeu baixinho.
Alguém até poderia pensar que ele estava passando mal, que precisava ir ao banheiro. Mas não era nada disso. Parte da plateia sabia. Alguns já viram aquilo acontecer antes.
Lottar abriu os olhos. Suas pupilas escuras tinham sumido. Havia apenas o branco leitoso.
Uma menina soltou um gritinho de pavor.
Mok continuava deitado e imóvel, todo dolorido. Sem ter visto nada.
Lottar estava próximo aos pés dele. Começou a andar sem vacilos. A ausência das pupilas não parecia ser um problema.
Deu uma meia volta até chegar ao topo da cabeça de Mok.
Quando Lottar entrou em seu campo visual e o encarou com os olhos totalmente brancos, Mok quis muito fechar os seus. Mas o esforço foi inútil. As pálpebras não obedeceram à sua vontade.
Lottar se agachou. Seu rosto agora estava a poucos centímetros do rosto de Mok. A este só restava dizer: Se afaste de mim! Se afaste de mim!...
Você nunca mais vai chamar meu pai de traidor
, disse Lottar. Sua voz era de criança. Mas a firmeza de suas palavras tinha o tom de alguém mais velho.
Lottar colocou as mãos negras nas laterais da cabeça de dragão. O corpo de pedra estremeceu por inteiro. Estava livre do feitiço, da imobilidade. Mas Mok não teve muita chance de reagir. Ele já estava dominado por outra força.
Encarar os olhos brancos de Lottar o deixou com um baita sono.
As pálpebras cinza de Mok ficaram pesadas. Até fecharem completamente. Mok parecia ter caído num sono profundo.
Então, ele acordou, e veio o susto para quem acompanhava tudo mais de perto. Os olhos de Mok agora estavam iguaizinhos aos de Lottar.
Agora foi Lottar quem fechou os olhos. Depois, tirou as mãos da cabeça de Mok.
Ao abri-los, suas pupilas escuras estavam de volta.
Mas Lottar não parecia se sentir bem. O corpo pendeu para o lado.
Ele colocou a mão no chão para não cair.
Muitos na plateia ficaram em suspense. Até quem não o suportava.
Lottar permaneceu na mesma posição por um tempo. Piscando, procurando enxergar melhor.
Num pulo, ele se levantou, fez uma careta de dor e correu para o lugar onde deixara sua mochila. As pernas estavam meio bambas. Por duas vezes, parecia que ele ia tropeçar e se arrebentar no chão. Mas conseguiu se recuperar.
Pegou a mochila, colocou-a nas costas com dificuldade e foi embora às pressas.
Meninos e meninas voltaram sua atenção para Mok. O corpo estava imóvel, nem a boca mexia mais. Os olhos estavam totalmente brancos. Todo mundo sabia qual era o problema. Todo mundo sabia onde foi parar sua alma.
Capítulo 2 – A Raiva do Lobisomem
Lottar morava numa cidade que não era pequena nem grande. Chamava-se Balicam. Era famosa por suas fábricas de tecidos coloridos e resistentes, e de roupas variadas e populares. E também pela produção artesanal de certas poções, feitas com plantas raras da região. Não ficava muito longe da Capital da Gloriosa República da Nova Câmbria. Ou mais conhecida apenas como a Capital.
Seis séculos antes, os pais da nação resolveram nomear o país que fundaram de Nova Câmbria, em homenagem ao lugar do qual vieram, a Câmbria, lá no Ocidente. O Primeiro Povo era formado por parte da elite da Câmbria e de seus seguidores, entre a população. Uma noite, eles tentaram dar um golpe de estado e fracassaram. Civis e a metade rebelde do exército enfrentaram nas ruas os aliados e a metade do exército fiel ao governo. Aqueles que não foram presos, julgados e executados conseguiram fugir em navios.
Fazia três anos, a Nova Câmbria estava em guerra com a Câmbria. Não diretamente. A Nova Câmbria não tinha todo esse poderio bélico. Ela estava apoiando outro país, a Concórdia, antiga inimiga da Câmbria. O Presidente da Nova Câmbria assinara um tratado de colaboração militar com a rainha da Concórdia, em troca de acordos de importação e exportação muito vantajosos. Não foi a primeira vez que isso aconteceu.
Assim como a Câmbria, a Concórdia também ficava lá no Ocidente. As batalhas