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O Espalhar das Cinzas
O Espalhar das Cinzas
O Espalhar das Cinzas
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O Espalhar das Cinzas

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About this ebook

Esta coleção de histórias reais irá convidá-lo a compreender as grandes implicações do suicídio no modo como afeta os outros. Este livro levanta várias questões.

O que acontece àqueles que são deixados para trás, quando alguém comete suicídio?

Como é que os sobreviventes lidam com o processo de luto?

Quais os métodos que usam?

Alguma vez chegam a recuperar de um trauma tão profundo?

As respostas a estas questões estão nos relatos das 26 pessoas que contribuíram para este trabalho.

Todos os anos, nos Estados Unidos, aproximadamente 40.000 pessoas cometem suicídio, fazendo desta a décima causa de morte dos Americanos. O número de suicídios nos Estados Unidos é o dobro do número de homicídios.

Por cada suicídio consumado há, aproximadamente, seis sobreviventes. Tal significa que, só este ano, surgiram 240.000 sobreviventes da perda por suicídio.

LanguagePortuguês
Release dateOct 2, 2016
ISBN9781507132272
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    Book preview

    O Espalhar das Cinzas - Marlayna Glynn

    O Espalhar das Cinzas:

    Relatos de Sobreviventes Extraordinários Que Ultrapassaram a Perda por Suicídio

    Compilados Com Honra

    por

    Marlayna Glynn

    Translated by

    Mafalda Pinto

    A Americana Marlayna Glynn é uma nómada memorialista, fotógrafa e guionista. Overlay recebeu o prémio Overcoming Adversity nos prémios Next Generation Indie Book Awards, em 2013.

    A diversidade fotográfica de Marlayna inclui mais de 25 países. As suas fotografias ganharam o prémio Best in Show do Austin’s Flatbed Press Gallery Fall Gathering of Photographers, o primeiro lugar no concurso de fotografia Austin Convention Center’s Austinography Photo Contest, o Photo of the Day de Los Angeles Convention Center’s Discover Los Angeles, uma menção honrosa no concurso Kutoa Travel Photo e um segundo lugar tanto no Emergent Artist Award Contest como no KL Photoawards.

    A sua curta-metragem People That Do Something é baseada num capítulo do livro Overlay e poderá ser vista no seu canal do Youtube.

    ––––––––

    Dedicado:

    À mãe, à tia e ao ex-marido de Liz

    À mãe e à tia de Tara e Tiffany

    Ao marido de Amanda

    Ao marido de Louetta

    Ao irmão de Susy

    Ao irmão de Jess

    Ao padrasto de Stephanie

    Ao pai e ao irmão de Allison

    A.P.B.

    Ao pai de Marlayna

    Ao amigo do anónimo

    Ao irmão de Ruth

    À mãe do anónimo

    Ao marido de Jena

    Ao irmão de Lisa

    Ao pai do anónimo

    Ao amigo de Nomi

    Ao marido de Ruth

    Ao amigo de Barbara

    Ao irmão de Eileen

    Ao pai do anónimo

    Ao primo de Brittany

    Ao amigo de Marlayna

    À vizinha de Scott

    Ao filho de Hallie

    Vocês são amados.

    Vocês fazem falta.

    ––––––––

    2014.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, armazenada ou introduzida num sistema de recuperação, ou transmitida sob qualquer forma ou por quaisquer meios sem a permissão escrita do autor. Este é um trabalho de não-ficção; contudo, alguns nomes podem ter sido alterados. A autora reconhece o registo da marca e as patentes de alguns produtos referenciados neste trabalho de não-ficção, que foram usados sem permissão. A publicação/uso dessas marcas não está autorizada, associada ou patrocinada pelos donos das mesmas.

    Este livro está licenciado somente para o seu entretenimento. Em formato eletrónico, este livro não poderá ser revendido ou dado a outras pessoas. Se quiser partilhar uma versão eletrónica do livro com outra pessoa, por favor adquira uma cópia adicional para cada pessoa com quem partilhe. Se está a ler este livro e não o comprou, ou se o mesmo não tiver sido comprado somente para o seu uso, deverá adquirir a sua própria cópia. Obrigado por respeitar o trabalho da autora.

    ASIN: B00KU9I39Q

    Trabalho da capa original e modificado por Kasia e CoverDesignStudio.com.

    Introdução

    Esta coleção de histórias reais irá convidá-lo a debruçar-se sobre o processo de compreensão das grandes implicações que o suicídio tem no modo como afeta os outros. Este livro coloca várias questões. O que acontece àqueles que são deixados para trás, quando alguém comete um suicídio? Como é que os sobreviventes lidam com o processo de luto? Quais os métodos que usam? Alguma vez recuperam de um trauma tão profundo? Estas questões foram respondidas por escrito, pelas 26 pessoas que contribuíram para este trabalho.

    Talvez o maior medo dos que ficaram para trás seja não terem sido o suficiente. Preocuparem-se por não terem feito o suficiente, ou não terem dito o suficiente ou não terem reparado o suficiente, não terem sido o suficiente. O suicídio não acontece porque alguém não foi o suficiente. Existem muitas outras razões, mas essa não é uma delas.

    Enquanto este livro é concluído, as estatísticas para 2010 (o ano mais recente para o qual existem dados) referem 38 364 suicídios reportados, fazendo do suicídio a décima principal causa de morte nos Estados Unidos, de acordo com a Fundação Americana Para a Prevenção do Suicídio. O número anual de suicídios nos Estados Unidos é o dobro do número de homicídios. Para cada suicídio consumado existem, aproximadamente, 6 sobreviventes.

    Isto significa que existem cerca de 230 184 pessoas a lidar com a perda por suicídio em 2010.

    Em 2010, alguém se suicidou nos Estados Unidos a cada 13,7 minutos, de acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças. A Organização Mundial de Saúde reporta que, em todo o mundo, a cada ano, 800 000 pessoas morram por suicídio, o que corresponde a uma morte por suicídio a cada 40 segundos, no planeta.

    Uma morte a cada 40 segundos.

    Isto significa que, quando chegar a este ponto do livro, alguém que estava vivo quando começou a ler a primeira palavra desta página, já acabou com a própria vida.

    ––––––––

    Capítulo Um

    Liz:

    Primeiro. De seguida. Por fim.

    A prova de que o suicídio pode ser hereditário figura tanto em relatórios como em estudos epidemiológicos. Um caso bem conhecido é o da família de Ernest Hemingway, na qual cinco membros, em quatro gerações, se suicidaram. Estudos epidemiológicos, baseados em pacientes clínicos ou amostras da comunidade, demonstraram consistentemente um elevado risco de comportamento suicida em membros de famílias onde existe suicídio consumado ou sob a forma tentada (Gould et al., 1996; Kendler et al., 1997).

    Primeiro, Barbara.

    Queres ir despedir-te da tua mãe? Perguntou Cindy.

    Acenei à minha mãe pela janela do carro e disse, Não, não vale a pena. Vou vê-la amanhã.

    Foi a última vez que a vi. Suicidou-se na manhã seguinte. Era uma tarde de verão perfeita e eu só conseguia pensar em cavalos. A minha mãe, a minha irmã Hillary e eu havíamos passado o fim de semana com a família Laidig, uma carinhosa e generosa família que tínhamos conhecido na igreja, nessa primavera. Tinham-nos convidado para a sua casa no campo e a nossa pequena e fragmentada família abraçou o amor que nos esperava por lá. Brincámos no lago, cantámos músicas e partilhámos comida que preparámos juntos. A alegria corria-nos nas veias e recordei como era ter o riso a sacudir-me e a levantar-me as bochechas. Muitas vezes, durante esse fim de semana, olhava para o azul profundo e límpido dos olhos da minha mãe e sentia a sua presença relaxada. Ela estava connosco. Contudo, já passara um ano desde que a minha mãe e o meu pai se tinham separado. O ruído sónico do seu coração partido havia permeado a nossa casa com uma camada grossa de pó, que tornava tudo triste. A minha mãe era escrava da sua dor e entre as suas súplicas chorosas e acessos de raiva, passava a maior parte do tempo a dormir. No entanto, durante aquele fim de semana, havia regressado uma paz reconfortante, depois de lhe ter sido roubada, enfiada num dos bolsos da camisa do meu pai, que ele levou no dia em que partiu.

    Senti alívio e uma imensa gratidão, por um breve retorno à normalidade, e uma fé que aparece quando se testemunha a existência de outra pessoa.

    Durante todo esse tempo, ela estava a preparar-se para morrer.

    No domingo de manhã, regressamos a casa da família Laidig a seguir à missa e Cindy, a filha mais velha dos Laidig, referiu querer andar a cavalo. Eu havia sido uma amante de cavalos desde que me lembrava e, por muito que implorasse, a minha mãe nunca me deixara incluir aulas de equitação ao meu horário extracurricular. Nesse domingo específico, ela ofereceu-me um presente, dizendo que sim. Também concordara em deixar-me ficar mais uma noite sem ela, enquanto regressaria a casa para voltar ao trabalho, na manhã seguinte. Foi um dia muito especial, com equitação e natação e, no final, uma dormida numa casa com um ambiente feliz. Foi extasiante. A Hillary e eu entrámos alegremente para o carro de Cindy, mais a sua irmã Beverly, e quando chegamos à estrada eu virei-me e vi a minha mãe de pé, junto à casa, a ver-nos partir. Nesse momento pareceu-me inconsequente dizer-lhe adeus ou não. Cavalos e natação, era para onde me dirigia. E rejubilava com a alegria nos seus olhos e com a liberdade na sua permissão. Continuámos.

    Quando desci do cavalo pensei que mal podia esperar por contar à minha mãe.

    Na manhã seguinte, estava na altura de ir embora. Era segunda-feira, 15 de julho de 1985. A Hillary e eu arrumámos as nossas coisas e tomámos o pequeno-almoço. Os pais de Cindy disseram-nos que ela nos levaria até à capela de Jacksonville, onde nos iriam buscar e deixar em casa. Disseram que a igreja ficava a meio do caminho para nossa casa, então fazia sentido. Isso e o facto de a capela de Jacksonville ser um pilar nas nossas vidas nessa altura, um lugar de refúgio onde a nossa comunidade nos acolhia, uma benevolente compreensão, que eu começara a conhecer.

    Chamávamos a essa compreensão Deus.

    Em criança, tinha sido batizada na Igreja Católica e podia contar pelos dedos de uma mão as vezes que tinha ido à igreja. Lembrava-me da textura pastosa da hóstia na minha língua, o resto da congregação a levantar-se e a sentar-se vezes sem conta e a ecoarem algumas deixas que o padre recitava.

    O Senhor esteja convosco.

    Ele está no meio de nós.

    Nunca me explicaram os rituais católicos nem o sistema de crença que os envolviam. Deus não era um nome familiar. A nossa família estava na bancarrota espiritual. Isto é, até a minha mãe começar a levar-nos à capela de Jacksonville, na primavera de 1985.

    A igreja era branca e exótica, e a simplicidade das madeiras limpas e claras no interior foram um alívio, depois da lembrança da pompa e circunstância da Igreja Católica. Ninguém usava batina e não havia hóstias; somente pessoas carinhosas e alegres que nos acolhiam para a sua congregação. Eu não sabia exatamente quem era este Jesus nem como me iria salvar. Tudo o que eu sabia era que me sentia amada e que os sermões faziam sentido. O nome do Pastor era Earl Comfort (conforto, em português) e o nome assentava-lhe como uma luva. Havia um grupo jovem grande, com líderes fortes, que me aceitavam sem pretensão. Todos os domingos eu sentava-me nos bancos superiores, a sentir-me nas nuvens, graças aos sermões do Pastor Comfort e à minha recém-descoberta comunidade. Olhava para a minha mãe, no piso inferior, numa das poucas fileiras de bancos, rodeada pelas suas novas pessoas e comovida com as palavras do Pastor Comfort, a acenar em concordância.

    Parecia particularmente comovida com os sermões sobre o divórcio. E sobre a morte.

    A história do suicídio da minha mãe começa verdadeiramente na escadaria da nossa linda casa de estilo colonial, em Mountain Lakes, Nova Jérsia.

    A casa estava situada numa colina, com um longo caminho da garagem ao portão, ladeado por arbustos de rododendros e hidrângeas, em tons fúcsia, lavanda e branco como a neve. Estávamos rodeados por arbustos de azevinho e pinheiros, famílias de pássaros e um ocasional veado no inverno. O relvado da frente, em cascata, tinha um bosque em formato s com pachysandras que a minha mãe plantou à mão, uma semente de cada vez. A nossa porta principal era vermelha, como tradição de boas-vindas (disse-me uma vez a minha mãe) e à direita havia uma tabuleta pintada à mão que dizia Família Tucker. O resto da casa era da cor da areia molhada. Parecia saída do cenário de um filme ou da capa de uma revista de casas coloniais. Pelo modo como a minha mãe tratava da nossa casa, eu percebi que era algo com o qual havia sonhado a vida inteira.

    Estávamos na véspera de Natal de 1983. Eu tinha 15 anos. 

    Os gritos que vinham da sala de jantar acordaram-me violentamente e fui, em bicos de pés, desde o meu quarto até ao topo da escadaria, escondida na penumbra. Num dos meus lados estava um corrimão envolto em ramos de pinheiro e fitas de veludo cor-de-vinho. Do outro lado, ficava a parede que me separava da sala onde a minha família estava em guerra. Deixei que a parede suportasse o meu peso e a minha respiração tornou-se mais baixa, enquanto eu escutava.

    As discussões não eram raras na nossa casa. O meu pai era um alcoólico abusivo, verbal e emocionalmente. Uma vez arrastado para o interior da garrafa, ele tinha duas maneiras de comunicar: de forma sarcástica, com um humor sem sentido, ou com raiva destrutiva. Quando estava sóbrio era distante e enfurecia-se facilmente. No espaço entre o sóbrio e o ébrio, havia alturas em que era possível encontrar alguns apreciados pontos de conexão, mas não era o normal. O ressentimento que minha mãe sentia em relação a ele aparecia através de empurrões irritantes, frieza e condenação silenciosa. Dentro do sistema de alcoolismo na família tradicional, a minha mãe era a mártir permissiva, a minha irmã era a criança perdida e eu era a heroína. Às vezes, no turbilhão de uma discussão típica ao jantar, era difícil perceber quem começara e tudo o que eu queria era que acabasse. Houve anos em que eu obedecia implacavelmente, sofri distúrbios psicossomáticos, pratiquei a disciplina que me impunham e joguei o jogo do faz-de-conta, tudo para evitar a perda da minha família.

    Nessa noite, nas escadas, eu sabia que não ia conseguir pará-los. Não estava ao meu alcance.

    Foi a seguir a uma noite de grande alegria e festividade, como eram as noites de Natal para mim. Adorava quando estávamos todos juntos. Como era tradição durante muitos anos, a irmã da minha mãe, a Doris, e o meu tio Jim vieram de Nova Iorque para nos ver e os meus avós maternos vieram de Newark. A tia Loretta, a irmã do meu pai, e o meu tio Larry viajaram de uma cidade ali perto e a minha avó Tucker viera de Keyport, outra cidade perto de Newark. Havíamos comido a nossa refeição tradicional polaca, com pastéis perogies feitos à mão pela avó Tucker, arenques e pão de centeio fresco com manteiga. Tínhamos aberto os corações e os presentes e apreciado o nosso tempo junto à lareira. A Hillary e eu fomos para a cama. Logo de seguida, os meus parentes continuaram a tradição de encerrar a noite com irish coffee e uma conversa. A animosidade entre os meus pais espalhou-se como um vírus pelos dois lados da família. A família da minha mãe estava contra o meu pai por causa do seu problema com a bebida e culpavam-no pela tristeza da minha mãe e, por essa altura, o meu pai estava bêbado e a minha mãe infeliz, por isso estavam certos. Durante os anos anteriores, as minhas tias, tios e avós tinham dito tudo e mais alguma coisa, culpavam-se uns aos outros para determinar quem era o pior. Nesse ano, a cacofonia tornou-se mais agressiva e a minha

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