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Marinheiro Simon: Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial
Marinheiro Simon: Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial
Marinheiro Simon: Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial
Ebook331 pages4 hours

Marinheiro Simon: Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial

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About this ebook

Quando Simon, um gatinho travesso, é levado clandestinamente a bordo do HMS Amethyst, sua vida simples pelas ruas de Hong Kong é transformada em uma aventura digna de heróis.

​Trazendo alegria e compaixão àqueles a bordo, Simon é o único gato a ter recebido a PDSA Dickin Medal, o maior prêmio animal por bravura em períodos de guerras.

Baseado nos acontecimentos reais do “Incidente Yangtze”, envolvendo o Amethyst, a narrativa peculiar, pelo ponto de vista de um gato, e ainda assim emocional, certamente tocará e entreterá todos que a leiam.

LanguagePortuguês
PublisherJacky Donovan
Release dateNov 11, 2016
ISBN9781507152324
Marinheiro Simon: Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial

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    Marinheiro Simon - Jacky Donovan

    Marinheiro Simon

    Como um gato corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial

    ––––––––

    Jacky Donovan

    Traduzido por Leandro Mabillot e Revisado por João Paulo Rezende Coelho

    Direitos Autorais © 2014 Jacky Donovan

    Todos os Direitos Reservados

    Publicado por Ant Press, 2015

    Nenhuma parte desse livro pode ser usada ou reproduzida em qualquer forma sem uma permissão escrita, exceto nos casos de citações curtas inclusas em artigos críticos ou análises.

    A narrativa excêntrica, engraçada e mesmo assim emocional de Simon é baseada em uma história real.

    Com exceção daqueles listados abaixo - em ordem de aparição no livro - todos os nomes dos personagens dessa obra são ficcionais e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é meramente uma coincidência.

    Marinheiro comum George Hickinbottom

    Oficial subalterno George Griffith

    Capitão de Fragata Ian Griffiths

    Primeiro Tenente Geoffrey L. Weston

    Capitão de Fragata K. Stewart Hett

    Capitão de Fragata Bernard Skinner

    Telegrafista Jack Francês

    Capitão de Fragata Jock Strain

    Tenente de Voo Michael Fearnley RAF

    Capitão de Fragata John S. Kerans

    Telegrafista Robert ‘Bob’ Ernest Stone

    O relato de Marinheiro Simon:

    Como um gato, corajoso e vira-lata, se tornou um herói mundial foi baseado nos relatórios disponíveis e, portanto, é o mais preciso possível.

    Graças a uma pitada da licença artística, a tripulação de quatro patas abaixo é capaz de contar seus lados da história!

    Simon, o gato

    Peggy, o cachorro

    Mao Tse Tung, o rato

    Hugo, o coelho

    Notas de rodapé foram fornecidas por Jacky Donovan.

    OBSERVAÇÃO: As notas de rodapé só estão disponíveis na versão completa do livro, diferentemente da versão de visualização.

    ––––––––

    Sumário

    ––––––––

    Prólogo

    1/Céu e terra

    2/ Idas e vindas

    3/O agora é tudo que temos

    4/ Frio e invisível

    5/ Descoberto

    6/ Cara de pôquer

    7/Um plano quase perfeito

    8/ Encurralados

    9/ Explosões estreladas

    10/ Sombras e monstros

    11/ O conflito em Singapura

    12/ Febre da lua cheia

    13/ Aprendendo a pedir

    14/ A melhor coisa que um gato pode conseguir

    15/ Olhe parra a câmerra

    16/ Nove eu’s

    17/ Postos de batalha

    18/ Consequências

    19/ Mil e uma sonecas

    20/ Armadilha para os ratos

    21/ Fuga

    22/ Quente e visível

    23/ Trabalho padrão

    24/ Não voando, mas movendo

    25/ Hora de ir para casa

    Epílogo

    Mensagem de Jacky Donovan

    Agradecimentos de Jacky Donovan

    Mais fotos

    Réplica de Simon

    Prólogo

    Estou enrolado perto de Jojo e dizendo a ele que tenho nove.

    Ele ri, dizendo que só tenho um. Eu posso sentir seu coração batucando, batucando. Também posso ouvi-lo, com força. O bater do coração dele cresce e cresce, até que, de repente, parece explodir porque – boom! Eu sou jogado da cama para o chão.

    Todos os outros devem ter ouvido também porque saltam de suas camas. O que é isso? Eu corro para fora e subo até a proa. Imensas e assustadoras moscas estão zunindo acima da minha cabeça e acertando o navio. Eu pulo para dentro da ponte de comando e tento escapar delas. O Capitão está lá, Conway e Wellburn no leme.

    ― Acredito que alguém está atirando em nós.― O Capitão parece surpreso. ―Aos seus lugares. Subam a bandeira de batalha, ― ele grita e alguns dos homens  pulam sobre mim e rapidamente se afastam. Um som horrível ecoa por todo o navio; o mais ensurdecedor e triste gemido que já ouvi. Ele faz o meu corpo todo tremer e machuca meus ouvidos e minha cabeça. Faça isso parar.

    Mais um grande barulho e outra batida e sou jogado através da cabine. Tento levantar, mas não posso. Mesmo podendo colocar minhas patas dianteiras no chão, as traseiras não se movem. Tudo embaixo de mim está inclinado e há uma fumaça negra e espessa, vindo de fora. Ela chega ao meu focinho e faz meus olhos arderem. Um barulho gritante preenche meus ouvidos. Eu balanço minha cabeça e tento levantar. Está ficando mais escuro, mais quente. Também há um cheiro desagradável de queimado. Não posso ver ou ouvir. É difícil até de respirar. Eu sento debruçado; meus bigodes, minhas orelhas, meu pelo, tudo está arrepiado. O Capitão está deitado no chão. Welburn está caído sobre o leme. O que está acontecendo?

    Eu me levanto dolorido e, bem devagar, consigo rastejar até a porta, tateando o caminho para a saída. Está mais fácil de respirar, mas continuo ofegante. Posso discernir apenas algumas formas dentro da fumaça. Vejo Conway deitado. Ele parece estar dormindo. Que engraçado. Eu dou uma cheirada rápida, rastejo em torno dele e vou para o convés. Está muito molhado e escorregadio e, mesmo com dores nas patas traseiras, eu consigo me arrastar lentamente para frente. Ouço outro grande barulho e vejo alguns homens caírem, enquanto outros correm no convés, através da espessa e horrorosa fumaça. Ela faz meus olhos arderem ainda mais e machuca minha garganta.

    Eu rastejo para fora da ponte de comando para tentar me afastar do barulho, mas está mais alto aqui.  Outro barulho após um gemido; um baque e o navio se inclina de novo. Eu olho para o céu, cheio de fumaça, para tentar ver algum dos aviões que passam sobre nós. Talvez isso tudo seja de mentirinha, como eu fazia em casa? Enquanto vejo os homens desdobrarem um largo lençol, acontece outra batida e dois deles caem. Eu não acho que isso seja de mentirinha, se for não é engraçado. Deve ser de verdade. O lençol que os homens desdobraram é uma bandeira. Eles a penduram na parte lateral do navio. Apesar de saber o que é uma bandeira, eu não sei por que estão fazendo isso agora. Parece-me um momento estranho para se desdobrar uma bandeira para simplesmente mostrar de onde você é.

    Talvez eu deva me esconder até que o barulho, a fumaça e as batidas desapareçam. Mas onde eu posso me esconder? Como posso escapar desse barulho terrível que está machucando minhas orelhas; e dessa fumaça horrorosa que fede e arde? Não, se isso é de verdade, então eu quero ser corajoso, eu preciso ser. De onde vêm essas batidas? E por quê? Lentamente, eu rastejo até a proa e procuro alguma coisa. A fumaça, grossa e suja paira sobre a água. Encarando-a, eu tento ver algo através dela.

    A fumaça clareia um pouco acima da água e eu acho que posso ver uma figura escura. Eu continuo encarando-a até perceber o que é. É um navio, menor do que esse, cheio de homens. Então, por que eles estão fazendo isso, se são iguais a nós? Nesse momento, entre os homens, eu percebo outra forma, algo pequeno e embaçado. Está se movendo entre as pernas deles. A forma olha para cima e me espia com seu olho verde brilhante. Ah não! Não pode ser, será...?

    Outra batida explode em meus ouvidos, fazendo-os doer de novo. Minhas pernas doem, minhas orelhas doem, tudo em mim dói. Eu acho que vi Peggy e tento fazer algum tipo de barulho, mas não consigo. O barulho agudo de tudo ao meu redor me bloqueia. Eu me sinto como se estivesse encolhendo, até entrar dentro de mim mesmo. Não posso dizer se o grito está dentro ou fora da minha cabeça. A dor das minhas pernas traseiras está subindo lateralmente e descendo para minhas patas dianteiras. Minha cabeça está pesada. Ela cai e fica inclinada no meu pescoço. A claridade se torna escuridão, o grito é substituído...

    Pelo silêncio.

    1/Céu e terra

    Um ano antes

    Os pássaros estão voando, bem, bem, bem alto e mergulhando baixo pelo porto. Olha ― lá está um atobá marrom e, mergulhando agora, um mergulhão. Um atobá de pé vermelho voa ao meu redor e pousa no trilho. Se eles estão aqui, isso quer dizer que ficará mais quente em breve e, quando isso acontece, um monte de pássaros voa para longe do porto.

    Eu gostaria de poder voar para longe.

    O som alto de uma buzina me faz contorcer e imaginar que estou voando. Que engraçado. Acho que gostaria de voar só um pouquinho, para ver como é, mas não o tempo todo. Eu adoro as minhas patas. E, certamente, não gostaria de voar ao longe para sempre. Mesmo olhando todos os pássaros no céu brilhante e sabendo que eles podem ir para onde quiserem, eu acredito que essa é a única vida que tenho e a única que quero. É minha vida e sei que é aqui que quero estar. Não desejo qualquer outro lugar. Por que desejaria? 

    É para isso que existe o porto. Está sempre cheio de navios grandes, enormes e maiores ainda, alguns chegando e outros indo ao longe. Cores variadas, branco brilhante e cinza, como no pôr do sol. Alguns têm chaminés e muitos possuem lençóis amarrados no mastro. Mesmo não podendo diferenciar todas as cores, eu sei que os lençóis, na verdade, são chamados bandeiras. As bandeiras nos navios significam que eles vêm de vários lugares ao redor do mundo. Eles navegam pelo grande mar que conecta todos os lugares. No meio dos navios enormes há os menores. Assim como as aves, eles têm nomes diferentes também: sampana, junco, rebocador e fragatas.

    E para as outras coisas tenho o Jojo, é claro. Foi ele quem me disse os nomes de tudo o que eu conheço. Os nomes dos pássaros, barcos e de tudo mais. Jojo é meu irmão mais velho. Ele me falou que os pássaros vêm aqui porque é um bom lugar para nadar, mergulhar e brincar. Mas, na verdade, eles vêm aqui porque tem muito, muito e muito peixe. E isso significa muita comida gostosa para eles. Jojo acha que eu devo rastejar por trás de um dos pássaros, quando ele tiver pousado no píer, e acertá-lo com uma patada, porque assim ele seria comida para mim também. Mas eu não quero fazer isso. Ou que eu deveria pôr minha pata na superfície da água e tentar pegar um peixe com minhas garras. Mas eu também não quero fazer isso. E, além do mais, eu não gosto muito de molhar minhas patas, orelhas ou cauda. Se puder evitar, eu evito. Não, obrigado.

    Jojo ri de mim quando falo isso. Mas eu não quero impedir os pássaros de voarem. Ou os peixinhos de serem capazes de nadar. Eu gosto de sentar aqui no meu píer e observá-los; os peixes nadando rapidinho embaixo de mim, os pássaros guinchando e grasnindo acima, todos eles felizes em liberdade. Talvez eles estejam cantando. Eu não sei. Às vezes quando Jojo e eu cantamos à noite, uma mulher grita para paramos, o que sempre nos faz rir. Uma vez ela até jogou um balde de água em nós. Eu fiquei bem molhado, mas Jojo não. Ele riu mais ainda disso. Mas eu não.

    Frequentemente, homens e mulheres saem em seus barcos para pegar peixes também e eles sempre deixam alguns nas redes ou baldes quando voltam. Os mais sorridentes até jogam alguns para mim, se eu fico sentado no píer e os espero até o pôr do sol. Acho até que Jojo não sabe disso. Ele está sempre muito ocupado explorando e, mesmo que eu goste de ir com ele, também adoro ficar sentado aqui. Ou ficar ao sol, esticar minhas pernas, sentir o calor aquecer meu pelo ainda mais, enquanto deito de costas para então... espreguiçaaaar...

    Algumas vezes, depois que esperei pelos homens e mulheres sorridentes jogarem peixe para mim quando está escuro, ou antes de eu e Jojo nos aprontarmos para cantar à noite, ele pede que eu vá com ele para que possa me mostrar algum lugar novo que descobriu.

    Então trotamos através do porto, pulamos os degraus – dois, quatro, cinco – viramos no beco e fugimos para longe. Passamos pelas tendas de vegetais e pelas galinhas presas em varas de bambu, corremos por dentro e por fora, entre as pernas dos humanos. Minha cabeça passeia pelos diferentes odores que fazem cócegas no meu nariz. Cheiro de peixe, carne, depois fumaça. Eu quero parar e investigar, mas, ao invés disso, eu corro, corro, corro, passando por homens e mulheres, rodas dos carrinhos, carros pretos, tudo e todos correndo, gritando. Cheio, cheio, rápido, rápido.

    A gente chega aonde ele quer ir e quer me mostrar. Um lugar novo, quieto, para brincar ou esconder ou onde muitas pernas marrons e brancas sentam e comem. O cheiro me faz ter muita fome. Às vezes, um dono nos vê e joga alguma comida. Nós já tentamos ir a outros lugares como esse, mas fomos perseguidos e nada mais. Certa vez, uma vassoura acertou o meu rabo e, agora, quando isso acontece, eu solto um grito e saio correndo mais rápido ainda.

    Vira e mexe, algum pássaro estranho voa baixo pelo porto, mas, mesmo parecendo aves, sei que são chamados de aviões. Eles voam dando voltas e têm algo que lembra uma cauda, que deixa uma corrente de ar para trás. As caudas parecem tão grandes como a minha. Sempre que os aviões aparecem, eu achato minhas orelhas, porque eu sei o que está para acontecer. Um enorme barulho através do porto, acompanhado por outro, e outro logo em seguida. Boom! Boom!Os aviões viram e mergulham rapidamente, mais baixo ainda, ou caem e sobem de novo, como os pássaros lá no alto.

    Algumas vezes um pedaço da cauda, na parte de trás do avião, fura e o barulho para, mas recomeça logo em seguida. Porém os aviões nunca são acertados, só suas grandes caudas, vibrando ao vento. Jojo me disse que eles fazem isso para que não aconteça tudo de novo, que é de mentirinha, não de verdade, como era quando ele era pequeno. Quando é de mentira há grandes barulhos, mas isso é tudo. Quando era de verdade, Jojo disse que ficava mais assustado do que nunca. Então, mesmo que seja muito barulhento e um pouco assustador, eu não fico com medo, porque sei que é de mentira. A melhor coisa sobre os aviões de mentirinha e os barulhos é que, sempre que acontece, muitos peixes, muitos mesmo, flutuam na superfície da água.[1] Jojo me disse que é porque os peixes ficam atordoados. Eu não sei o que ele quer dizer com isso. Eu acho que quer dizer que eles ficam em algum lugar entre dormir e parar.

    Então, é por isso que mesmo tendo vontade de voar, eu não acho que voaria para longe. Há os navios e os barcos, o mar e o céu, os pássaros e os peixes, os humanos... e Jojo, é claro. Eu amo ter um irmão mais maior. Ele tem pelo preto como eu, mas tenho patas brancas e minha cauda é mais grande. A gente já teve uma mãe também. Foi de lá que viemos. Às vezes, em minha cabeça, eu vejo imagens, mas não me lembro dela. Jojo fala sobre ela algumas vezes, mas não frequentemente.

    Ele prefere me contar histórias. Como quando ele era do mesmo tamanho que eu sou agora e, que de repente, começou um barulho que não parava. Ele disse que homens vieram do grande mar e todos os humanos que viviam aqui ficaram assustados. Eles costumavam esconder ou fazer barulho de volta, mas não adiantava. Mais e mais homens vieram e Jojo teve que se esconder também. Foi quando ele começou a fazer ratos e ratazanas pararem de brincar e se mexer, para que ele pudesse sobreviver. Os humanos começaram a chamar esse período de Natal Negro.[2] Não soa legal para mim. Não mesmo.

    Eu sou feliz, estou aqui agora e não quando isso tudo aconteceu. Naquela época Jojo não me tinha, mas agora nós temos um ao outro. Eu não saberia o que teria feito. Ainda não sei se seria capaz de fazer o que ele fez com os ratos e ratazanas. E nem com as cobras. Até Jojo foge quando elas aparecem. Quando ele me leva para brincar longe do porto, nós as vemos às vezes, se arrastando bem devagar; ou, quando corremos na grama inclinada, vemos uma longa forma negra e, se você chegar muito perto, ela levanta e começa a assobiar. Elas têm pequenas e horríveis línguas e você tem que correr muito, muito rápido.

    Vira e mexe, perto da grama inclinada, homens aparecem e correm, brincando com uma bola. Eles têm que correr entre si e chutar ela em uma coisa. Eu não gosto muito. Tantos humanos correndo me assusta, mas Jojo gosta muito. Às vezes, ele vai até onde eles estão jogando e tenta perseguir a bola. E, quando nós temos uma bola para brincar, Jojo pega uma caixa, inclina para um lado e eu tenho que impedi-lo de empurrar a bola para dentro da caixa. Ele é muito inteligente. Mas quando eu quero simplesmente deitar na caixa, Jojo a empurra em cima de mim para que eu não possa sair. Ele também não é muito legal às vezes. 

    Sempre que descemos a colina e está escurecendo, nós passamos por um prédio com homens e mulheres entrando. O cheiro das mulheres é mais bom que o cheiro da grama da colina. O cheiro das mulheres faz meu nariz coçar e, às vezes, eu até espirro. Elas parecem bem rosadas e bonitas e sorriem muito para mim.

    Elas estão sempre com homens, que parecem muito bravos em seus uniformes, mas seus botões cintilam e brilham e, às vezes, eles sorriem para mim também. Sempre que sons atraentes vêm lá de dentro, vejo homens e mulheres se mexendo, um pertinho do outro. Isso me dá vontade de balançar meu bumbum um pouquinho.[3]

    Mas nós não brincamos lá perto com frequência. Existe um eu malvado e cinzento, com um olho verde brilhante, que assobia e nos persegue sempre que o encontramos. Ele é chamado de Diretor e é horrível. Até Jojo fica com medo dele. A última vez que vimos o Diretor ele veio bem perto da gente e bateu no chão, ―Esse lugar é meu. Eu vivo aqui. Se, por acaso, eu ver vocês aqui de novo, uma coisa bem ruim vai acontecer...―. Eu não sei porque ele não gosta de nós, sendo que poderíamos todos brincar juntos, mas Jojo disse que ele é muito antipático, o que significa que é muito mal e desobediente.

    Mas nem todo eu que vive por aqui é horrível. Às vezes, vejo uma eu muito bonitinha, chamada Lilette, correndo e brincando por aqui. Ela é toda branca, tem dois grandes olhos, um azul e outro dourado, e eu gosto muito dela. Gosto do rosto dela, do pelo, mas, acima de tudo, eu gosto do cheiro dela. Mas nós não brincamos juntos. Eu só a vejo e sorrio e ela sorri de volta. Jojo me diz que eu não deveria ser tão tímido e dar um Oi. Eu a cumprimentei uma vez, mas ela não disse nada, o que fez eu me sentir muito pequeno e bobo, então desisti.

    Mais uma coisa. Há vários humaninhos também, que sempre brincam e riem com a gente, mas quando eles nos pegam, só nos espremem, não jogam água ou nada do tipo. Aqui pode ser muito cheio e fedorento, mas, desde que eu era pequeninho, é muito divertido aprender quais cheiros e barulhos são bons e quais são ruins. É cheio porque há muitos humanos aqui. Eles têm formas diferentes, cheiros e até cores, às vezes. Alguns deles falam rápido. Alguns usam palavras diferentes para as mesmas coisas. Mas observando, pensando e ouvindo – e com a ajuda de Jojo, é claro – mais e mais coisas fazem sentido para mim, enquanto eu fico mais grande e mais grande. Então sim, eu gosto daqui devido a todas essas coisas. Tirando o Diretor e alguns outros humanos que me perseguem às vezes, eu sei que há mais coisas boas do que ruins.

    2/ Idas e vindas

    Eu sinto algumas garras entrarem nas minhas costas e eu me viro. Mas não é Jojo. É Uboat, meu amigo. Uboat aparece algumas vezes, depois desaparece e volta de novo. Ele gosta de pular a bordo dos navios que vêm para o porto e ir embora com eles. Ele disse que costumava viver num navio chamado HSM Snowflake, mas aprontou confusão nele, então quando o navio parou num lugar chamado Terra Nova, ele pulou em outro barco e veio para cá. Foi quando me conheceu.[4]

    Eu sorrio quando o vejo e meus bigodes contorcem. Eles sempre fazem isso quando eu estou feliz. Nós esfregamos focinhos. Ele cheira a água salgada e seu pelo está grudento.

    ―Onde você tem andado?

    ― Onde eu não tenho andado? ―ele dá uma risadinha, ronrona e pula nas minhas costas. ―Eu tenho observado as gaivotas pelo mar e correndo para cima e para baixo em um grande barco. Tem sido legal, legal, legal!

    ― E o que mais? O que mais você tem visto? ―eu gosto das aventuras de Uboat da mesma maneira que gosto das histórias de Jojo. Ele me contou dos lugares onde tudo e todos pertencem a um rei. Dos capitães nos navios, baleias no mar e cachorros em terra. Sobre tigres, que são eu’s [5]maiores, e criaturas chamadas macacos.

    ―Tenho muita coisa para te contar. Dessa vez eu vi pássaros verdes que te respondem. Eu brinquei em montinhos de areia perto do mar e queimei minhas patas. Uma vez, quando o navio desembarcou em um lugar qualquer, eu pulei e fui perseguido por vários humaninhos. Eles disseram que nunca tinham visto nada como eu antes. Eles só queriam brincar e me dar muita comida. Foi legal, legal, legal!

    Uboat rola de costas e balança suas patas no ar antes de levantar de novo. ― E você, o que tem feito? ― ele me pergunta.

    ―Eu tenho brincado no beco, corrido entre pernas e observado os pássaros. ― Eu digo, sentando e lambendo uma pata.

    ― Sempre observando, não é mesmo? Observando, observando. Você, alguma vez, já esteve na frente de um navio e sentiu o mar jogar água na sua cara.

    ― Não. Você sabe que não.

    ― Você, alguma vez, já sentiu o cheiro de algo estranho, virou seu nariz para isso, lambeu e era bom, bom, bom?

    ― Algumas vezes.

    ― Alguma vez, você já acordou e não soube onde estava?

    ― Não. Eu sempre sei onde estou.

    ― Eu sei que você sabe, ― Uboat ri. ― Mas você lembra como esse lugar é pelo menos chamado?

    ― Claro que sei, ― eu digo, tentando lembrar. Eu sei que Uboat me disse uma vez. ― É chamado Ding Dong.

    Uboat gargalha alto.― Ha, ha. É chamado de Hong Kong, não Ding Dong. E essa parte é chamada de Ilha Stonecutters.

    Eu me sinto bobo, mas

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