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Além do Terceiro Jardim
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Além do Terceiro Jardim

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About this ebook

Irã, novembro de 1950: aos dez anos de idade Reza não consegue se lembrar do que aconteceu naquela noite fatídica. Sem aviso, imagens horríveis do evento passam rapidamente pela sua mente. Agora vivendo em um orfanato em Teerã, ele está obcecado com fugir do inferno onde os valentões e o castigo físico governam. Em outra parte da cidade, Paree Windom, uma mulher iraniana de meia-idade, vive sozinha, separada do seu marido inglês. Ela, também, é atormentada por imagens recorrentes de um incidente horrível que aconteceu anos antes. Buscando alívio da angústia, ela cai presa ao fascínio de álcool.

Por acaso, os dois se encontram em uma floresta encharcada pela chuva no sopé das Montanhas Alborz. Enquanto a amizade turbulenta deles se desenvolve, eles embarcam em uma jornada para procurar a libertação da prisão das almas atormentadas.

LanguagePortuguês
Release dateSep 16, 2016
ISBN9781507155288
Além do Terceiro Jardim

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    Além do Terceiro Jardim - Iraj Sarfeh

    Além do Terceiro Jardim

    ––––––––

    Iraj Sarfeh

    Além do Terceiro Jardim

    By Iraj Sarfeh

    © 2016 Iraj Sarfeh

    Publicado previamente por Musa Publishing, 2014.

    Tell-Tale Publishing Group, LLC

    Swartz Creek, MI 48473

    Design da capa por Clarissa Yeo

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, armazenada em um sistema eletrônico, ou transmitida de qualquer maneira por quaisquer meios, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão prévia de Iraj Sarfeh. Breves citações podem ser usadas em resenhas literárias.

    Impresso nos Estados Unidos da América

    Para a minha maravilhosa família.

    ––––––––

    Elogios para Além do Terceiro Jardim...

    Eu sempre aguardo ansiosamente pela ficção de I.J. Sarfeh com sua mistura de cultura, ciência bem concebida, ritmo firme e personagens primorosamente aperfeiçoados e muito reais. Este é o seu primeiro romance passado fora do gênero do mistério médico que ele tem escrito de maneira tão eficaz. Além do Terceiro Jardim é um conto incrivelmente absorvente de redenção e cura. Duas almas, trancadas em um isolamento emocional como resultado de eventos horríveis e perda, encontrando cura através dos seus movimentos tímidos em direção a amizade. Eles vêm de dois passados muito diferentes. Um é uma mulher iraniana realizada, educada, cujo casamento está oscilante após perder um filho; o outro é um órfão sem instrução, de um ambiente rural nos arredores de Teerã que fugiu da crueldade de um orfanato, mas ainda carrega o fardo do seu passado. A mulher tem viajado extensivamente e casou-se fora da sua cultura tradicional com um executivo inglês de uma empresa petrolífera, o que a coloca em conflito com a cultura predominante em uma época de grande mudança. O menino nunca esteve além de alguns quilômetros do barraco em que nasceu, mas ambos carregam segredos profundos e marcantes. Através de um milagre de coincidência, eles encontram um ao outro ao longo de um trecho de estrada na montanha.

    Além do Terceiro Jardim é escrito do ponto de vista do personagem alternando de maneira suave, o que torna tudo mais imediato e altamente envolvente. Os dois lutam igualmente para esconder as coisas que devem manter escondidas, mas para que a amizade deles cresça, eles devem também se revelar. Finalmente, quando tudo é desnudado, recordando suas experiências mais incapacitantes, confiança verdadeira surge para florescer. Li este romance, ambientado tanto no Irã e na Inglaterra pós-guerra, em duas sessões. Eu me encontrei realmente abafando os soluços enquanto o impulso se desenvolve para uma conclusão que traz para eles a liberdade dos tormentos do passado enquanto os demônios internos são liberados para a luz do dia. O livro também adiciona um olhar bem-vindo na cultura iraniana tradicional e hospitaleira e a cadência do persa falado para muitos leitores que, de outra maneira, conheceriam pouco deste idioma ou seu povo, além das manchetes políticas. Aplaudo o autor pela honestidade crua, dor emocional e clara compreensão da condição humana que ele deu forma aqui em passagens muito bem trabalhadas e memoráveis. Este foi um gênero de partida para mim, mas estou aguardando ansiosamente pelo próximo trabalho que o autor Sarfeh conclua, em qualquer que seja o gênero que suas histórias se desenrolem. —Richard Sutton, Cinco Estrelas, Goodreads

    Prefácio

    Ao longo dos anos nos nossos passeios frequentes ao longo das margens do lago, Paree e eu exploramos os primeiros dias do nosso relacionamento, falando sobre nós mesmos e um do outro na terceira pessoa, esperando que a abordagem mais imparcial para a autoanálise iria nos libertar para expor sentimentos que estavam longe de ser imparciais. Nós expressamos as criptas das nossas lembranças mais dolorosas, revelando cada mínimo detalhe porque sabíamos que reprimir era o obstáculo para a recuperação. E enquanto expressávamos, aprendíamos muito sobre nós mesmos, um ao outro e as circunstâncias horríveis que nos uniram.

    Agora, olhando sobre as águas cristalinas de Little Loch Broom, finalmente eu me sinto forte o suficiente para expor nossos segredos para todos que poderiam se beneficiar da aprendizagem da nossa jornada perigosa na estrada para a saúde — segredos que ameaçavam a nossa fuga da prisão de almas atormentadas.

    Capítulo 1

    7 de janeiro de 1943: Bourton-on-the-Water, Inglaterra.

    Temendo o pior, Paree corria através dos pastos e bosques embaçados pela névoa, procurando pelo seu filho. Pequeno John não tinha dormido na sua cama — outra manifestação do seu estranho comportamento desde que ele retornou do Norte da África. Ela entrou de súbito no celeiro cinza, onde uma semana antes, ela o tinha encontrado deitado no feno, olhando para o nada. Talvez ele estivesse pensando sobre a vida antes de Tobruk ou talvez ele estivesse pensando sobre a morte em Tobruk. Volte para casa e irei preparar para você um ótimo café da manhã inglês, ela tinha dito, mas ele continuou olhando para o nada e murmurou, Apenas me deixe em paz, Mãe.

    Ela gritou seu nome, mas ele não respondeu. Ouvindo um farfalhar acima, ela subiu uma escada vacilante até o sótão e viu um par de olhos cinza escuro brilhando na escuridão. O gato do vizinho sibilou para ela.

    Após sair correndo do celeiro, ela passou correndo pelas vacas, fardos de fenos e o trator enferrujado que não tinha se movido em anos. Fazendo uma pausa na beirada de um campo perto da sua casa, ela olhou para cima na direção do pico, mas não conseguiu ver a castanheiro por causa da névoa. Quando Pequeno John era muito mais jovem, ele amava subir naquela árvore, escondendo-se lá até que ela viesse procurando por ele. O pestinha travesso iria jogar castanhas na sua cabeça e ela iria gritar, São aqueles esquilos marotos de novo! Ele iria dar uma risadinha e gritar de volta, Eu era o esquilo maroto, Mamãe. Era o seu ritual para o início das manhãs de sábado e talvez ele estivesse se escondendo na árvore agora, recuperando os seus melhores sábados.

    Arrastando-se através da grama sem cortar, evitando esterco de vaca, Paree subiu correndo o campo até que a silhueta fantasmagórica do castanheiro tornou-se visível.

    Ela congelou.

    * * * *

    2 de novembro de 1950: Karaj, Irã.

    Pouco antes do amanhecer, Reza acordou assustado em um chão frio, temendo que algo terrível tivesse acontecido. Uma mulher estava agachada ao seu lado, acariciando a sua cabeça. Durma, menininho, durma. A situação ruim acabou.

    Ele levantou-se com um pulo e olhou na direção do barraco. Ele parecia horripilante no brilho do luar enquanto raios de luz dançavam nas paredes como traças azuis gigantes. Estacionado na frente do barraco estava um carro de polícia com as luzes azuis girando no teto. Três policiais estavam puxando Mama para o carro. Quando eles estavam prestes a empurrá-la para dentro, Reza gritou, Mama! Mama! Não os deixe levá-la!

    Ela olhou para ele por cima do ombro e sorriu, embora seu rosto estivesse ensanguentado, seu nariz encurvado, seus dentes quebrados. "Você é um menino maravilhoso, Reza-jan. Jamais se esqueça disto." Ele correu até os policiais e tentou afastar Mama deles, mas eles o empurraram para o chão de terra e a empurraram para o carro. Um deles inclinou-se sobre ele e disparou perguntas sobre o que tinha acontecido no barraco. Apesar das bofetadas dolorosas, Reza não conseguia se lembrar de nada. O oficial cuspiu nele e foi embora.

    Mais tarde naquela manhã, Reza encontrou-se em uma casa para crianças sem lar e dez dias depois, em uma casa para crianças sem pais.

    Capítulo 2

    Eles o abandonaram no orfanato enquanto poeira e sujeira rodopiavam nos ventos ferozes do deserto uivando como chacais. Era um dia quando os falcões voavam contra o vento sem fazer progresso, pairando sobre ele, preparando-se para a matança. Como se ele fosse a sua presa indefesa

    E era assim que ele se sentia. Indefeso.

    Instantes depois que Reza chegou, Agha Mansur, O Diretor, o convocou ao seu escritório e mostrou-lhe um recorte de jornal com a fotografia granulada de Mama a um lado. Mansur leu a manchete em voz alta: Assassina do marido Morre na Prisão. Ele disse que era uma coisa boa que a mãe de Reza tivesse morrido. Do contrário, ela teria sido enforcada como uma assassina — provavelmente na Praça Ferdowsi, onde os espectadores poderiam vê-la balançando na extremidade de uma corda e jogar pedras na sua carcaça.

    Reza perdeu o controle, gritando, chutando e socando até que Mansur o prendeu em uma chave de pescoço, arrastou-o por dois lances de escada e jogou-o no otagh-e zendan — o quarto prisão.

    Caído contra uma parede, Reza fechou os olhos e esquadrinhou sua lembrança Daquela Noite. Mas sua mente somente poderia evocar imagens terríveis que acendiam e apagavam como um relâmpago na noite, iluminando formas fantasmagóricas por alguns instantes, tempo suficiente para assustá-lo em ataques de tremor violentos. Imagens de garrafas agitando, mãos tateando, sobrancelhas escarlates. Ele tentou eliminá-las ao pensar sobre os dias bons, e desde que ele se segurasse aos pensamentos agradáveis, as imagens não reapareciam.

    A única maneira de lidar era viver no lado agradável da sua imaginação.

    * * * *

    Para Reza, os três meses de inferno no orfanato arrastaram-se ao passo de um burro velho.

    Em uma manhã fria de inverno, as crianças estavam na fila atrás do balcão para pegar seu café da manhã: naan mofado, queijo fedorento, chá aguado. Elas sentaram-se em bancos ao lado de mesas cobertas com plásticos — nove mesas, Reza tinha contado, cada uma com seis crianças. Sua multiplicação não era muito boa, então uma noite na cama, ele contou nos dedos nove vezes, seis vezes e chegou a cinquenta e quatro. Cinquenta e quatro crianças sem pais.

    A maioria delas era crianças desagradáveis, exceto Fereshteh, que significa anjo em Persa. Ele achava que era o nome perfeito para ela. Ela não se importava se ele era quieto e distante, se ele parecia zangado, triste ou vazio. Ela iria sentar-se ao seu lado durante o intervalo e olhar para o nada, como ele fazia.

    De vez em quando, eles conversariam quase em um sussurro, como se as palavras passando entre eles não pudessem ser compartilhadas com mais ninguém. Seu pequeno jardim secreto de sentimentos não ditos e palavras sussurradas. Lá, ele imaginava caminhar de mãos dadas com ela, parando para pegar frutas, sentir o cheiro do yasmin e ouvir os azulões cantando nas árvores de romã nos jardins onde ele vivia antes Daquela Noite.

    Aquele dia não foi diferente. A aula das nove da manhã chegou e passou e Agha Mansur o repreendeu por olhar para o pátio, observando uma pena de falcão flutuar ao redor à mercê das rajadas de vento do deserto — exatamente como Reza estava à mercê de Agha Mansur e O Inspetor de Provas. Se somente ele pudesse voar como um falcão... Se somente...

    Reza, se eu o pegar sonhando acordado novamente, você irá receber seis golpes na frente da classe.

    Seis silvos da vara nas suas mãos. Contudo, eles não doíam muito, porque ele tinha crescido calos de quando trabalhava nos jardins e das surras, duas ou três vezes por semana. Ainda irei domá-lo, Mansur continuava lhe dizendo, mas quanto mais surras ele recebia, menos elas doíam. Além disso, por algum motivo, a dor tinha se tornado como qualquer outra sensação desagradável: nem melhor, nem pior. Como fome ou sede. Desde Aquela Noite, as sensações tinham se tornado estranhamente entorpecidas. Tudo tinha se tornado estranhamente entorpecido, exceto a imaginação de Reza, onde ele vivia, enquanto na cama, no quarto prisão ou durantes os momentos de devaneio.

    No intervalo do meio da manhã, ele foi para o pátio, um bloco de cimento murado coberto com papel descartado, sujeira e excrementos de aves. Erva daninha brotava entre as rachaduras, de alguma maneira sobrevivendo na secura do deserto conhecido como Dasht-e Kavir. Todos os sábados, após as aulas da manhã, Agha Mansur dava a uma das crianças uma vassoura para varrer o lugar e com frequência ele escolhia Reza. Contudo, Reza não se importava, porque ele poderia se ocupar, ninguém iria incomodá-lo e ele poderia sonhar acordado sem ser perturbado.

    Aparafusado no cimento, no meio do pátio, havia um velho balanço, os assentos faltando e as cordas puindo. Alguns dos meninos iriam se pendurar nas extremidades das cordas, balançar ao redor em círculos e gritar, Olhe para mim, sou Tarzan!

    Alguns dias antes, Fereshteh tinha pego Reza olhando para o balanço e disse-lhe que ninguém deveria brincar com cordas. Elas são coisas ruins, ela disse, porque a polícia enforca pessoas com elas. Angustiado ao ouvir sobre cordas e enforcamentos, ele cobriu as orelhas e ela parou de falar.

    Encostado em uma parede, ele pensava sobre a vida fora do orfanato. Abdullah, que era pelo menos dois anos mais velho, entrou na sua frente.

    Você molhou seu colchão novamente na noite passada, menininho?

    As palavras machucaram e Reza começou a se afastar, mas Abdullah o chutou com força no traseiro e gritou, "Pedar-sag-e kassif!" Filho sujo de um cão!

    A névoa da raiva, de repente nublando sua mente, Reza mergulhou para ele. Eles rolaram no chão, poeira, sujeira e punhos voando. Abdullah era maior e ele aterrissava mais golpes, ensanguentando o nariz do seu oponente, mas Reza lutava de volta como um animal enlouquecido, arranhando, chutando e dando cabeçadas. Uma dúzia de meninos formou um círculo ao redor deles e gritavam, Mate-o, Abdullah! Mate-o! Dentro de instantes, Agha Mansur entrou, agarrou os lutadores pelos colarinhos e levantou-os bruscamente. Ele dispensou Abdullah e ficou parado na frente de Reza, elevando-se sobre ele como um gigante zangado.

    Esta é a terceira vez em uma semana que eu o pego brigando, ele rosnou. Qual é a sua desculpa agora?

    Nenhuma, senhor.

    Você tem um temperamento ruim. Irei domá-lo, junto com todos os seus outros traços repulsivos.

    O que são traços repulsivos, senhor?

    Três silvos da vara para cada mão. Mansur era grande e todo mundo no orfanato tinha medo dele. Ele tinha uma cicatriz no lado direito da testa e alguém começou o boato que a cicatriz era o resultado de uma luta com cimitarra, que ele ganhou ao cortar fora a cabeça do seu inimigo. Mas Reza não se importava sobre a cicatriz ou como ela chegou lá. Ele somente se importava sobre escapar do jahanam —  inferno.

    Depois da surra, ele passou pelos portões duplos da entrada principal, as mãos enfiadas sob as exilas. Seus olhos estavam fixos no enorme cadeado que o mantinha fora da terra da Liberdade, longe das margens de um lago azul cercado por montanhas com cumes brancos.

    Um lugar bonito e tranquilo sem outras pessoas. Apenas Reza e Mama — e talvez Fereshteh.

    Capítulo 3

    Enquanto os últimos raios do sol pairavam sobre o horizonte, Paree Windom estava na beirada do terraço, olhando para o jardim de ciprestes e arbustos de ligustro, relembrando sobre o passado distante quando sua vida era cheia de alegria, significado e propósito. Seu olhar caiu sobre um pombo cinza limpando as penas com o bico ao lado do espelho d’água e ela encontrou-se invejando a criatura porque ela poderia voar sempre e para qualquer lugar, livre da culpa, livre dos tormentos da alma.

    Paree estava no seu terceiro Smirnoff com gelo. Haveria mais alguns até que o terraço começasse a rodopiar, depois disto ela iria compartilhar uma ceia leve com seu marido, Mike, ouvir suas reclamações sobre seu alcoolismo e cambalear para a cama. Por volta das duas da madrugada, ela sentaria ereta, pulso acelerando, coração martelando após o pesadelo habitual. Tropeçando para a sala de estar, ela caminharia por um tempo, em seguida deixar-se-ia cair no sofá e cochilaria inquieta até o amanhecer para enfrentar outro dia deprimente. Outro dia de pensamentos sombrios quicando ao redor na sua cabeça como pulgas em um cachorro, pulando de um lugar para o outro, mas sempre acabando no mesmo lugar.

    Um castanheiro solitário no cume de um campo solitário.

    Mike entrou no terraço justo quando Paree terminava seu terceiro drinque. Ela virou para encará-lo, impressionada que ele ainda caminhasse de maneira enérgica, ainda tivesse as feições de menino apesar da sua idade: sessenta. Ele tinha bem mais de 1,83m de altura, com ombros largos, cabelos rebeldes e um caroço na ponte do seu nariz — a lembrança de uma antiga fratura como jogador de rúgbi no Cheltenham College. Oito anos mais jovem que Mike, Paree não acreditava que ela estivesse envelhecendo de maneira tão graciosa. Fios de cinza formavam listras no seu cabelo preto e embora leves, pés de galinha irradiavam-se dos cantos dos seus olhos castanhos que outrora eram enormes e exalavam esperança. Agora, eles estavam caídos e exalavam desespero. A cada poucos meses, uma nova ruga iria aparecer, como se para avisá-la que o alcoolismo pesado acelerava o envelhecimento.

    Mas desde que ele acelere morrer, muito melhor.

    Você poderia ter, pelo menos, esperado por mim, Mike disse bruscamente, olhando para sua bebida.

    Eu tomei somente um, ela disse, seu rosto de repente parecendo em chamas porque ela não era uma boa mentirosa.

    Oh, sério? Por que a garrafa de vodca está meio vazia? Ela estava cheia ontem de manhã. Parece que entre então e agora, alguns drinques muito firmes saíram dela.

    Talvez o álcool evaporou?

    Ele revirou os olhos azul escuro, balançou a cabeça triste. Por favor, deixe ir, Paree. Pelo amor de Deus, deixe ir. Você já não se puniu o suficiente? Todos estes anos de culpa não têm sido o suficiente? Volte para mim, Paree. Volte para a realidade.

    É claro, Mike desprezava seu alcoolismo excessivo, mas ela sentia que até certo ponto ele o tolerava por causa do seu tormento contínuo — desde que ela bebesse somente durante a hora do coquetel, que começava pontualmente as cinco horas da tarde. Se você insistir em beber álcool em qualquer outro momento, irei levá-la de volta para a Inglaterra e colocá-la em uma instituição para alcoólatras crônicos, ele tinha ameaçado um ano depois que eles tinham retornado para o Irã.

    Ao que ela tinha retrucado, Como você irá me levar de volta? Acorrentada? Mas apesar da resposta insolente, ela decidiu que seria mais prudente ficar longe da Smirnoff fora do tempo estipulado porque ele quebraria as garrafas — outra ameaça antiga.

    E se você as esconder, por Deus, irei encontrá-las, ele tinha acrescentado como se pudesse ler sua mente.

    Para evitar o fascínio constante da vodca, com o incentivo de Mike, ela se mantinha ocupada. Nos dias de semana, ela trabalhava como voluntária em um hospital administrado pelo governo para os pobres ao sul de Teerã — anos antes, uma viagem acidental através dos guetos mais deploráveis da cidade a tinha deixado com uma impressão tão lamentável que ela jurou envolver-se com causas de caridade.

    Ela ajudava os funcionários do hospital com as tarefas de limpeza, trocar roupas de cama, empurrar macas e conversar com os muitos pacientes que não tinham visitantes. O trabalho era recompensador, especialmente os momentos que ela passava com os doentes empobrecidos, sem amigos, para quem ela trazia diariamente um buquê de flores para alegrar suas enfermarias deprimentes fedendo a excrementos, desinfetante, doença. Era um tempo bem gasto, tempo que de alguma maneira diminuía o vazio dentro dela.

    Ao longo das duas semanas anteriores, ela tinha estado particularmente atraída por um paciente idoso, um vendedor ambulante de artigos diversos como cartões postais, lápis e mata-moscas. As enfermeiras tinham contado para Paree que ele não deixaria o hospital vivo porque sofria de leucemia avançada. Então, junto com as flores, ela lhe trazia sorvete de água de rosas e sentava-se ao lado da sua cama enquanto ele falava sobre os anos que tinha passado nas ruas de Teerã ou dentro de uma barraca improvisada em um bazar abandonado das favelas.

    Nem uma vez ela o ouvir reclamar sobre a sua sorte na vida. No seu último dia na terra, ele agarrou sua mão e em uma voz fraca e trêmula agradeceu-lhe por tornar seus últimos dias tão agradáveis. Quando ela se inclinou para beijar sua testa, ela chorou suas lágrimas sobre ele e ele sussurrou, Está chovendo no céu.

    Mike agora caminhava pelo terraço, uma caneca de cerveja Guinness importada na mão. Tenho novidades, minha querida. Mosaddeq ganhou, nós perdemos e é somente uma questão de meses antes de perdermos o controle do AIOC.

    Paree tinha estado ciente desta possibilidade, o assunto dos resmungos diários de Mike. Graças a um político ambicioso chamado Mohammed Mosaddeq, a Empresa Anglo-Iraniana de Petróleo — AIOC — logo cairia nas mãos iranianas. Com o seu encorajamento, as massas exigiam isto, amontoando-se nas ruas e gritando morte aos ingleses, enquanto bandidos e criminosos aproveitavam-se da bagunça, saqueando casas e lojas que não estavam defendidas ou barricadas. A agitação estava descontrolada e o assento do Xá no Trono do Pavão estava ameaçado. Mas Paree não se importava com o que acontecia com o Xá ou o AIOC contanto que ela pudesse viver no Irã, muito longe da aldeia de Bourton-on-the-Water, Gloucestershire, Inglaterra.

    Como a mudança irá afetar seu trabalho? ela perguntou para Mike.

    O conselho do AIOC planeja enviar muitos executivos de volta para a Inglaterra. Eu poderia ser um deles. Ele sorriu. Apenas pense, Paree. Podemos voltar. Voltar para a Inglaterra e para a civilidade.

    E voltar para as cenas do meu tormento. Ela estremeceu quando as imagens fantasmagóricas ameaçaram se materializar na sua mente. Fechando os olhos, ela evocou imagens de passados melhores, de amamentar seu bebê, de cantarolar canções de ninar para ele enquanto ele olhava para ela do seu berço, de domar seu cabelo assim ele não iria parecer como o Sr. Nabo.

    Por favor, pare este sonhar acordada infernal, Mike implorou, parando na sua frente. Ela abriu os olhos e olhou para ele de maneira inexpressiva. Ele estalou os dedos. Pelo amor de Deus, Paree, acorde!

    Sinto muito, Mike. Sobre o que estávamos falando?

    A perspectiva de voltarmos para a Inglaterra.

    Oh, sim. Por que você não se aposenta e ficamos no Irã? Viveremos nossas vidas juntos, bem aqui na nossa linda casa.

    Não irá funcionar. Por causa de Mosaddeq e seu lixo patriótico, os britânicos são agora as pessoas mais desprezadas neste país. Não quero viver onde não sou querido. Se eles me transferirem, irei dar as boas-vindas a isto.

    Quando você saberá com certeza?

    Nos próximos dois ou três meses, eu acho.

    Não posso voltar para a Inglaterra, Mike. Simplesmente não posso.

    Ele olhou para ela, olhos arregalados. Por que não?

    Você sabe muito bem por que não. É o...

    Lembranças?

    Exatamente.

    Não se preocupe. Não iremos viver na nossa antiga casa de campo.

    "Não importa. Inglaterra é Inglaterra e foi onde isto aconteceu."

    O que você sugere que façamos, então?

    Se você insiste em voltar, há somente uma resposta, não é?

    Ele balançou a cabeça como se para clareá-la. Eu a entendi corretamente? Você honestamente quer que nós nos separemos?

    Realmente não, Mike, mas parece que não temos outra escolha.

    Ele estalou a língua, que era sua maneira de sinalizar sua frustração com ela. Isto será maravilhoso para você, não é, Paree? Você pode lamentar por aí e embebedar-se ao estupor sempre que quiser. Sem nenhum marido por perto para evitar que você afunde nas profundezas do alcoolismo. Ele olhou atentamente para ela. Se você acha que irei ajudar e estimulá-la no seu hábito, pense novamente.

    O que você está me dizendo?

    Estou dizendo que espero que você aprecie sua vida no Irã... sem o meu apoio financeiro.

    A névoa da vodca espalhou-se rapidamente quando Paree percebeu a ameaça, ainda que uma ameaça vazia. Embora seu traço fascista normalmente reprimido tivesse emergido, ela sabia que ele nunca a deixaria necessitada. Ao mesmo tempo, era ela quem estava forçando a separação, então ele não tinha nenhuma obrigação de sustentá-la.

    Ela contemplou a vida sem Mike e sua renda, reconhecendo que ela ainda tinha sentimentos profundos e apaixonados por ele, embora eles tivessem enfraquecido desde que ela pisou naquele campo, naquela manhã enevoada e cinza, no inverno de 1943. Na sua ausência, de alguma maneira ela iria sobreviver por conta própria, afirmar sua independência e mostrar-lhe — e para si mesma — que ela poderia superar a fraqueza que tinha envolvido sua existência desde aquele inverno fatídico. A fraqueza do não enfrentamento, de fracassar em confrontar sua dor, de depender do Smirnoff para força.

    Ele passou um braço ao redor dos seus ombros. Por favor, seja razoável, Paree. Venha comigo para a Inglaterra. Terei um psiquiatra tratando de você e você será o seu antigo eu antes que possa terminar de decorar a nossa nova casa.

    Paree balançou a cabeça. Sinto muito, Mike, eu não vou. Irei encontrar um emprego e irei conseguir. Irã é onde eu nasci e cresci e Irã é onde eu pertenço.

    Você não está pensando de maneira racional, Paree. Quem neste maldito país iria contratar uma mulher de cinquenta e dois anos para um trabalho descente? Exceto como uma varredora de rua ou faxineira, é claro e eu dificilmente consideraria estes trabalhos descentes.

    Imediatamente, ela percebeu que ele tinha um ponto e as dúvidas fluíram — jorraram. Contudo, apesar da onda de dúvidas, de uma coisa ela tinha certeza. Ela devia evitar viver na Inglaterra a todo custo.

    Ela disparou para dentro da casa... para o armário de bebidas.

    Capítulo 4

    O inverno passou, a primavera chegou, a esperança desapareceu.

    Reza finalmente concordou em acreditar que Mama estava morta. Sua tristeza se rendeu a raiva e muito da raiva se rendeu a culpa — a sensação constante que ele era, de alguma maneira, responsável pela sua morte.

    Ele tinha estado no orfanato por cinco meses agora. Cinco meses de estar quase sozinho. Ele tinha uma amiga, muitos que odiavam — um pária em um lugar horroroso, dentro de quatro paredes. Ele sabia que os garotos o odiavam por não falar com eles ou participar das suas brincadeiras e ele não fazia nada para conquistá-los. Tudo que ele queria era ser deixado em paz para perambular no lado agradável da sua imaginação, para evitar distrações que iriam atrai-lo de volta para a realidade de uma vida sem sua mãe, de uma vida atormentada por instantâneos recorrentes, aterrorizantes, de um evento reprimido na sua mente. Fereshteh era a única pessoa no orfanato de quem ele gostava, porque ela não o incomodava quando ele sonhava acordado e porque ela o tratava de maneira gentil.

    Na primeira quinta-feira da primavera, Reza estava em pé, tremendo, no

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