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A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas
A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas
A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas
Ebook1,174 pages5 hours

A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas

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About this ebook

Este livro reúne nove peças inéditas do dramaturgo Emilio Boechat (conhecido pelas comédias CAMILA BAKER - A SAGA CONTINUA, TUDO DE MIM, LULUZINHAS e EU ERA TUDO PRA ELA & ELA ME DEIXOU) escritas entre 1993 e 2013. Os textos tratam de temas diversos como relacionamento, política, crise existencial, morte, envelhecimento, separação, vaidade entre outros sempre usando de muito bom humor. As peças também tem estilos diversos indo do realismo ao non sense.

LanguagePortuguês
Release dateJan 13, 2017
ISBN9781370742547
A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas
Author

Emilio Boechat

EMILIO BOECHAT é dramaturgo indicado ao Troféu Mambembe de Melhor Autor em 1999 pela peça Eu Era Tudo Pra Ela & Ela Me Deixou - peça da qual originou o personagem vencedor do Prêmio Multishow do Bom Humor, em 1998, interpretado pelo ator Marcelo Médici. É autor de comédias como Camila Baker, Lives In Concert (indicada aos prêmios APETESP e SHELL); Luluzinhas e Tudo de Mim. Camila Baker ganhou várias remontagens pelo Brasil e em Portugal. Em 2005, teve elenco estrelado, com Daniel Boaventura, Leonardo Brício, Marcos Mion, Otávio Muller e Danton Mello. Eu Era Tudo Pra Ela & Ela Me Deixou foi remontada em 2011 por Marcelo Médici. Em televisão, Emilio Boechat já passou pela Rede Globo (Angel Mix e Zorra Total, 1999), Bandeirantes/ RGB (Floribella, 2005 e Floribella 2, 2006), GNT (Mulheres Possíveis 2007/ 2008/ 2009), Multishow (Na Fama Na Lama, 2011). Desenvolveu para a FremantleMedia Marcas Da Vida (2010/2011), docudrama exibido na Rede Record (2011). Desde 2006 é contratado dessa emissora, onde já escreveu e colaborou para as novelas Luz do Sol, Amor e Intrigas, Os Mutantes, Promessas de Amor, Bela A Feia, Rebelde 1a e 2a temporadas (que assumiu como autor principal nos quatro últimos meses no ar), Pecado Mortal, de Carlos Lombardi, o especial de fim de ano Balada, Baladão (2010), e a minissérie bíblica Rei Davi (2011/ 2012). Faz parte da equipe de Os Dez Mandamentos e participa da criação da 2a Temporada. Em cinema, escreveu com Marilia Toledo o longa-metragem Lascados, O Filme, estrelado por Paloma Bernardi e Chay Suede, e o roteiro da comédia romântica O Galã, (título provisório) para a Ramalho Filmes. Foi um dos roteiristas do filme Os Dez Mandamentos, lançado em janeiro de 2016, e sua série de humor A Secretária Do Presidente, produzida pela Mixer, tem estreia também em 2016, no Canal Multishow.EMILIO BOECHAT is a best playwright nominee for Troféu Mambembe in 1999 with his play Eu Era Tudo Pra Ela & Ela Me Deixou from which originated the 1998’s Prêmio Multishow do Bom Humor character winner performed by the actor Marcelo Médici. He is the author of comedies as Camila Baker, Lives In Concert (a best play nominee for the awards APETESP and SHELL), Luluzinhas, and Tudo de Mim. Camila Baker was lengthily performed throughout Brazil and Portugal, in 2005, the play was back on stage starring well-known actors: Daniel Boaventura, Leonardo Brício, Marcos Mion, Otávio Muller, and Danton Mello. Eu Era Tudo Pra Ela & Ela Me Deixou got a new production in 2011 performed by Marcelo Médici. As a TV writer, Emilio has scripted for many TV Stations and Channels, including Rede Globo (Angel Mix and Zorra Total, 1999), Bandeirantes/ RGB (Floribella, 2005 and Floribella 2, 2006), GNT (Mulheres Possíveis 2007/ 2008/ 2009), Multishow (Na Fama Na Lama, 2011). For FremantleMedia created the docudrama Marcas Da Vida (2010/2011) aired by Rede Record (2011), where since 2006 has written and collaborated for soap operas such as Luz do Sol, Amor e Intrigas, Os Mutantes, Promessas de Amor, Bela A Feia, Rebelde seasons 1 and 2 (becoming the main author of its four last months on the air); Pecado Mortal, directed by Carlos Lombardi; the year-end special Balada, Baladão (2010), and a biblical miniseries Rei Davi (2011/ 2012). At present, Emilio is a member of Os Dez Mandamentos team writing its second season. For the big screen, he wrote with Marilia Toledo, Lascados, O Filme, performed by Paloma Bernardi and Chay Suede and the romantic comedy for Ramalho Filmes “O Galã” (working title). Besides being one of the screenwriters of Os Dez Mandamentos, released in January 2016, his comedy series A Secretária Do Presidente, produced by Mixer, is also due to be released by the cable channel Multishow this year.

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    Book preview

    A Morte Vai Ao Teatro E Outras Peças Inéditas - Emilio Boechat

    SE ALGUÉM LHE OFERECER FLORES (1992)

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Personagens

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cenário

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Sinopse

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 1

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 2

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 3

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 4

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 5

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 6

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 7

    Se Alguém Lhe Oferecer Flores - Cena 8

    É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO - primeira versão (1993)

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 1993 - Personagens

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 1993 - Cenário

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 1993 - Sinopse

    Cena 1 - Prólogo

    Cena 2 - Créditos

    Cena 3 - Despedida de Laura

    Cena 4 - Cotidiano 1

    Cena 5 - Amor

    Cena 6 - Cotidiano 2

    Cena 7 - Amor

    Cena 8 - Cotidiano 3

    Cena 9 - Recitação

    Cena 10 - Cotidiano 4

    Cena 11 - Cantando

    Cena 12 - Depoimento de Sid

    Cena 13 - Despedida de Sid

    Cena 14 - Depoimento de Laura

    Cena 15 - Perguntas

    Cena 16 - O Encontro

    A VIDA NÃO ESPERA (1996)

    A Vida Não Espera - Personagens

    A Vida Não Espera - Cenário

    A Vida Não Espera - Sinopse

    A Vida Não Espera - Cena 1

    A Vida Não Espera - Cena 2

    A Vida Não Espera - Cena 3

    A Vida Não Espera - Cena 4

    A Vida Não Espera - Cena 5

    A Vida Não Espera - Cena 6

    A Vida Não Espera - Cena 7

    A Vida Não Espera - Cena 8

    A Vida Não Espera - Cena 9

    A Vida Não Espera - Cena 10

    A Vida Não Espera - Cena 11

    A Vida Não Espera - Cena 12

    A Vida Não Espera - Cena 13

    A Vida Não Espera - Cena 14

    HOMENS QUE USAM TERNO (1997)

    Homens Que Usam Terno - Personagens

    Homens Que Usam Terno - Cenário

    Homens Que Usam Terno - Sinopse

    Cena 1

    Cena 2

    Cena 3

    Cena 4

    Cena 5

    Cena 6

    Cena 7

    Cena 8

    Cena 9

    Cena 10

    Cena 11

    Cena 12

    Cena 13

    Cena 14

    Cena 15

    Cena 16

    Cena 17

    Cena 18

    Cena 19

    Cena 20

    Cena 21

    Cena 22

    Cena 23

    Cena 24

    Cena 25

    Cena 26

    Cena 27

    Cena 28

    Cena 29

    Cena 30

    Cena 31

    A MORTE VAI AO TEATRO (2004)

    A Morte Vai Ao Teatro - Personagens

    A Morte Vai Ao Teatro - Cenário

    A Morte Vai Ao Teatro - Sinopse

    A Morte Vai Ao Teatro - Cena 1

    A Morte Vai Ao Teatro - Cena 2

    A Morte Vai Ao Teatro - Cena 3

    UM ENCONTRO CASUAL (2005)

    Um Encontro Casual - Personagens

    Um Encontro Casual - Cenário

    Um Encontro Casual - Sinopse

    Um Encontro Casual - Cena 1

    Um Encontro Casual - Cena 2

    Um Encontro Casual - Final 1

    Um Encontro Casual - Final 2

    Um Encontro Casual - Final 3

    É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO - segunda versão (2006)

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Personagens

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cenário

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Sinopse

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 1

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 2

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 3

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 4

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 5

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 6

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 7

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 8

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 9

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 10

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 11

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 12

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 13

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 14

    É Impossível Ser Feliz Sozinho 2006 - Cena 15

    ESPERANDO NÉLSON MOTTA (2006)

    Esperando Nélson Motta - Personagens

    Esperando Nélson Motta - Cenário

    Esperando Nélson Motta - Sinopse

    Esperando Nélson Motta - A Peça

    BEM ACOMPANHADO (2009)

    Bem Acompanhado - Personagens

    Bem Acompanhado - Cenário

    Bem Acompanhado - Sinopse

    Bem Acompanhado - A Peça

    A INFÂNCIA DE CAMILA BAKER (2013)

    A Infância de Camila Baker - Personagens

    A Infância de Camila Baker - Cenário

    A Infância de Camila Baker - Sinopse

    A Infância de Camila Baker - Cena 1

    A Infância de Camila Baker - Cena 2

    A Infância de Camila Baker - Cena 3

    A Infância de Camila Baker - Cena 4

    A Infância de Camila Baker - Cena 5

    A Infância de Camila Baker - Cena 6

    A Infância de Camila Baker - Cena 7

    A Infância de Camila Baker - Cena 8

    A Infância de Camila Baker - Cena 9

    A Infância de Camila Baker - Cena 10

    A Infância de Camila Baker - Cena 11

    A Infância de Camila Baker - Cena 12

    A Infância de Camila Baker - Cena 13

    A Infância de Camila Baker - Cena 14

    A Infância de Camila Baker - Cena 15

    A Infância de Camila Baker - Cena 16

    A Infância de Camila Baker - Cena 17

    A Infância de Camila Baker - Cena 18

    A Infância de Camila Baker - Cena 19

    A Infância de Camila Baker - Cena 20

    A Infância de Camila Baker - Cena 21

    A Infância de Camila Baker - Cena 22

    A Infância de Camila Baker - Cena 23

    A Infância de Camila Baker - Cena 24

    SOBRE O AUTOR

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    INTRODUÇÃO

    O presente livro reúne dez peças nunca montadas profissionalmente, apesar de algumas delas já terem sido encenadas mais de uma vez em cursos de teatro pelo Brasil: HOMENS QUE USAM TERNO e A MORTE VAI AO TEATRO, particularmente. É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO, que tem aqui duas versões bem diferentes do texto, teve uma leitura há muitos anos dirigida por Regina Galdino. Sua segunda versão teve uma curta montagem estrelada por Arô Ribeiro fora de São Paulo, capital. SE ALGUÉM LHE OFERECER FLORES foi montada em Portugal por um grupo amador.

    Os textos estão em ordem cronológica de modo que, acredito, se lidos em sequência será possível perceber uma evolução em sua carpintaria (torço para que percebam!). Evidentemente, como uma antologia de peças teatrais, não é necessário ler-se na ordem em que aparecem. Igualmente interessante seria lê-los de trás para frente.

    Curioso é, ao ler textos escritos em períodos tão distintos, perceber que várias questões dos personagens continuam, por vezes, muito atuais, assim como as mazelas de nosso país. Em todo o caso, tirando a peça política HOMENS QUE USAM TERNO, todas as demais contam mais os dramas pessoais das personagens e, portanto, penso que resistem mais ao tempo (apesar de HOMENS QUE USAM TERNO parecer mais atual do que quando foi escrito, quase vinte anos atrás).

    Costumo dizer que não considero um texto teatral finalizado até que seja encenado. Portanto, o que une todas essas comédias tão distintas entre si é o fato de nenhuma delas estar pronta. Elas são o que são, como texto, até que sejam um dia encenadas e, desta forma, as imperfeições e falhas sejam corrigidas para uma melhor experiência sobre o palco.

    Com este livro publico assim a totalidade da minha obra teatral - até o momento já que pretendo continuar escrevendo para teatro enquanto tiver forças e sanidade para esta tarefa. Minhas primeiras peças publicadas fizeram parte da Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: O TEATRO DE EMILIO BOECHAT. Publiquei também de forma independente: IT’S ILLEGAL, BUT IT’S OKAY (minha primeira e única peça escrita em inglês), LOUCAS DE PEDRA (uma antologia de textos curtos de humor), CANSEI DE SER BELO & O BURACO, TRÊS MULHERES BAIXAS & A ÚLTIMA VISITA, TRÊS COMÉDIAS A QUATRO MÃOS (reunindo textos em parcerias com Petrônio Gontijo, Carlos Elino Boechat e Marilia Toledo), DETETIVE PARKER (que reúne três peças que escrevi com a participação desse detetive, que estreou na primeira montagem de Camila Baker). Ainda pretendo lançar um livro com todas as versões da peça CAMILA BAKER, desde sua primeira montagem em 1991 até a última em 2007, em Salvador.

    Boa leitura!

    De Volta ao Índice

    SE ALGUÉM LHE OFERECER FLORES

    PERSONAGENS

    JÚLIA, desenhista de moda. Melhor amiga de Sandra. Moram juntas no mesmo apartamento.

    SANDRA, advogada e amiga de Júlia.

    JOFRE, novo morador do prédio onde vivem Júlia e Sandra.

    Índice da Peça

    De Volta ao Índice

    CENÁRIO

    APARTAMENTO DE JÚLIA E SANDRA.

    Índice da Peça

    De Volta ao Índice

    SINOPSE

    JÚLIA - desenhista de moda - e SANDRA - advogada - dividem o mesmo apartamento. Ambas sofreram desilusões amorosas e não namoram há algum tempo. Porém tudo vai mudar quando JOFRE - um executivo bem mauricinho - que acabou de mudar-se para o mesmo prédio que elas, toca a campainha do apartamento das duas por que o carro de SANDRA, mal estacionado, o está impedindo de sair com seu veículo. Nesse instante, JOFRE se interessa por JÚLIA, mas quem fica a fim dele é justamente a amiga SANDRA. JOFRE manda flores para JÚLIA sem endereça-las porque ainda não sabe seu nome. SANDRA, no entanto, tem certeza que as flores são para ela e, a partir daí, começa uma série de equívocos e confusões, que desembocam numa revelação inesperada, com um final igualmente surpreendente.

    Índice da Peça

    De Volta ao Índice

    CENA 1

    Apartamento de SANDRA e JÚLIA. JÚLIA desenha em sua prancheta. SANDRA entra, chegando do trabalho.

    SANDRA

    (Estafada)

    Meu Deus, que dia! Tô exausta! Hoje foi um dia duro. Aquele fórum tava um inferno! Um calor insuportável! Advogados de terno e gravata, suando em bicas. Criminosos, bandidos, estupradores mal encarados, exalando um cheiro forte... E eu lá, tendo que me manter firme, impassível, em minha posição de advogada de defesa, lidando com presos de feições embrutecidas, que há anos não tocam uma mulher, passeando seus olhos pelo meu corpo, sem dar a mínima para o que eu estou falando sobre seus direitos, liberdade condicional, ou por que agarrou aquela moça indefesa e a levou para o meio do mato, arrancando as suas roupas e fazendo sexo com ela de uma maneira furiosa e violenta, apesar das suas súplicas para que parasse, enquanto ele prosseguia e ela gritava: Não! Não! Não!

    SANDRA para exausta. passa um lenço na testa suada. Toma fôlego.

    SANDRA

    Você tem ideia de quantos casos assim chegam às minhas mãos, todos os dias. Você não ia acreditar. É de deixar os nervos de qualquer mulher à flor da pele! Mesmo os de uma mulher como eu: fria, sensata, racional...

    SANDRA para um pouco e olha para JÚLIA que o tempo todo trabalha em sua prancheta sem desviar muito sua atenção para SANDRA.

    SANDRA

    Júlia, você ouviu alguma do que eu disse?

    JÚLIA

    (Sem prestar atenção)

    Claro.

    Pequena pausa. SANDRA olha para JÚLIA por alguns instantes. Pensa.

    SANDRA

    Ainda bem. Foi um dia estafante! Acho que preciso de férias. Relaxar um pouco. Viajar, quem sabe, para um lugar exótico, uma praia deserta numa pequena ilha do pacífico, onde eu possa entrar em contato íntimo com a natureza, me alimentar de frutas, me banhar no mar imenso e azul, quem sabe correr nua pela praia, participar de alguma cerimônia primitiva, dançando em volta do fogo com aqueles nativos seminus...

    SANDRA se abana.

    SANDRA

    Que calor! Não sei como você consegue trabalhar com essas janelas fechadas.

    JÚLIA

    Estão abertas.

    SANDRA

    Não chove mais nessa terra? Precisa cair um pé de água! Não sei o que está acontecendo comigo... Tenho estado tão irritada. Não consigo mais dormir à noite, eu que sempre tive um sono de pedra. Só mesmo os calmantes tem adiantado.

    JÚLIA

    Não devia ficar tomando calmantes pra dormir.

    SANDRA

    Só consigo dormir desse jeito! E mesmo assim não é um sono tranqüilo. Sempre acordo no meio da noite completamente suada e ofegante, como se tivesse corrido uns dez quilômetros.

    SANDRA para novamente. Bebe um copo de água. Volta-se para JÚLIA que continua absorta no seu trabalho.

    SANDRA

    O que você tá fazendo?

    JÚLIA

    Moda praia masculina...

    SANDRA se aproxima para olhar, com especial atenção.

    SANDRA

    É...

    JÚLIA

    O que você acha?

    SANDRA

    Bonitos... Mas como tá quente! Você não tá sentindo?

    JÚLIA

    Não. Mas eu fiquei sentada aqui o dia inteiro. Não corri de um lado para o outro como você.

    SANDRA

    Corri mesmo... E como eu corri hoje! Tô muito cansada. Preciso sentar e relaxar.

    SANDRA senta-se. Respira fundo por alguns poucos segundos. Mexe com a cabeça para relaxar, mas quando menos se espera, volta a falar com a mesma rapidez e agitação de antes.

    SANDRA

    Júlia, eu não agüento mais! Isso já passou dos limites! Nenhum ser humano é capaz de suportar!

    JÚLIA

    Sério que tá tão quente?

    SANDRA

    (Tristonha)

    Eu tô tão sozinha, amiga.

    JÚLIA

    Ah, isso?

    SANDRA

    Tão carente!

    JÚLIA

    Eu tô aqui.

    SANDRA

    Há quatro longos e torturantes meses que não pinta um homem na minha vida. Me desculpe se isso parece muito vulgar pra uma mulher como eu, mas é a pura verdade. Há quatro meses que a única companhia que eu tenho quando vou pra cama é o meu travesseiro! Ele é macio, gostosinho, mas falta alguma coisa.

    JÚLIA

    É seu travesseiro que faz aquele barulhinho?

    (Imita o som de um vibrador)

    Vrrrrrrrrrrrrrrrr...

    SANDRA

    (Explodindo)

    Eu não agüento mais! São cento e vinte dias de abstinência total! E, me desculpe, amiga, mas eu nunca tive vocação pra freira! Isso pode parecer sujo, de mau gosto, indigno, mas... Às vezes, quando eu tô falando com um daqueles criminosos brutamontes, a minha vontade é que ele pule sobre mim, arranque minhas roupas e me possua de uma forma selvagem e animal!

    JÚLIA

    (Horrorizada)

    Credo! Não fala isso nem brincando.

    SANDRA

    Eu sei.

    (Envergonhada)

    Falando assim, pareceu mais sujo do que eu havia imaginado... Mas é só nisso que eu tenho pensado nas últimas semanas: sexo!

    JÚLIA

    Se o problema é esse, tá fácil de resolver.

    SANDRA

    Você me conhece. Não tenho coragem de sair com um cara por apenas uma noite de prazer.

    JÚLIA

    (Sem prestar muita atenção)

    Não?

    SANDRA

    Já pensei nisso, claro...

    JÚLIA

    A gente tá no século vinte e um.

    SANDRA

    Tem até o Saldanha, que vive me convidando pra sair.

    JÚLIA

    O Saldanha!

    SANDRA

    Mas ele tem um mau hálito terrível e aquele perfume que ele usa...

    (Enojada)

    Me dá ânsia!

    JÚLIA

    O que não falta é homem por aí querendo sexo sem compromisso.

    SANDRA

    Não é só sexo, Júlia.

    JÚLIA

    Não? Você disse/

    SANDRA

    (Corta)

    Claro que sexo tem um peso, é importante, fundamental... Mas não é só sexo! Faz tanto tempo que eu não conheço um homem interessante, bonito, charmoso, inteligente, educado, fino, gostoso...

    (Revoltada)

    Mas também pudera, com um trabalho ruim como o meu.

    JÚLIA

    Deve haver milhares de homens interessados em você! Você é que não deve estar procurando direito.

    SANDRA

    Eu tenho procurado, sim. Estou de olhos bem abertos, mas não tenho encontrado nada, ninguém. Toda a noite, quando eu vou me deitar me vem aquela esperançazinha, mas aí, eu corro pro armário, abro a porta, e não tem ninguém lá dentro. O que eu faço?

    JÚLIA

    Talvez você deva sair mais, badalar um pouco.

    SANDRA

    Sozinha? Se pelo menos você se animasse de ir junto. Mas passa o dia inteiro trancada nesse apartamento. Nunca vi alguém trabalhar tanto. Você não se diverte!

    JÚLIA

    Não sou de sair. E gosto do meu trabalho.

    SANDRA

    Acontece que a vida não é só trabalho, Júlia! Eu tô falando sério! Desde que você e o Rodolfo terminaram, nunca mais te vi sair com ninguém!

    JÚLIA

    Você sabe que eu não gosto/

    SANDRA

    (Interrompe)

    Desculpe, amiga. Eu sei o quanto é doloroso pra você. Mas não pode ficar aí, curtindo essa fossa eterna! Nenhum homem merece isso. Tudo bem, o Rodolfo era mesmo um homem e tanto... Fino, elegante, culto e, além disso, tinha um corpo fantástico, mas a vida continua.

    JÚLIA

    Tô bem assim.

    SANDRA

    Impossível! Nenhum ser humano está bem sozinho. Não fomos feitos para viver em isolamento. Precisamos nos relacionar com outros seres humanos, principalmente, se eles forem altos, loiros e de olhos azuis. Mas nada contra os morenos.

    JÚLIA

    Não transfere o seu problema pra mim! É você quem tá se queixando de estar sozinha, não eu.

    SANDRA

    Não tá se queixando agora. Mas quando perceber o tempo que perdeu sentada na frente dessa prancheta, seus anos de frescor e juventude, desenhando roupas de banho, enquanto poderia estar numa praia, tomando banho sem roupa com um desses modelos que você conhece e que, eu sei muito bem, dão em cima de você, ah, minha amiga, você vai dizer: Por que eu não dei ouvidos aos conselhos da minha amiga Sandra?. Me desculpe, mas ouça o que eu digo: nada no mundo substitui uma boa trepada.

    JÚLIA

    Que horror, Sandra! Eu nunca te vi falando desse jeito!

    SANDRA

    Pois é... Estou precisando descarregar um pouco de energia.

    JÚLIA

    Faz uma ginástica.

    SANDRA

    Eu quero descarregar, não desperdiçar energia.

    JÚLIA

    Exagerada.

    SANDRA

    Não consigo te entender. Se eu fosse você já tava subindo pelas paredes! A menos que eu não saiba de alguma coisa.

    (Desconfiada)

    O que é que você tá me escondendo? Não vá me dizer que as suas idas pra terapia, na verdade/

    JÚLIA

    (Ficando constrangida)

    Eu estou fazendo terapia, Sandra! Não tenho nada pra esconder.

    SANDRA

    Quem faz terapia geralmente tem.

    JÚLIA

    Quem faz terapia está em busca de respostas.

    SANDRA

    Já sei... Ele é do tipo mais velho, paternal e está louco pra te pegar no colo e/

    JÚLIA

    É uma terapeuta, uma mulher!

    SANDRA

    Não precisa estragar minhas fantasias!

    JÚLIA

    E terapia é coisa séria!

    SANDRA

    Desculpa. Talvez eu devesse fazer terapia também. Quem sabe eu não conseguiria essa sua calma, essa paz interior...

    JÚLIA

    Também não sou nenhum monge budista. Tenho os meus problemas como você!

    SANDRA

    Eu sei que tem. E um deles é deixar em segundo plano a sua vida sentimental. Ouça o que estou dizendo, Júlia. Aposto como a sua terapeuta diz a mesma coisa.

    JÚLIA

    O que a minha terapeuta diz é problema meu.

    SANDRA

    Não se fala mais nisso. Não vai ficar chateada comigo, vai?

    JÚLIA

    Tá desculpada.

    SANDRA

    Que bom.

    Instante de silêncio.

    SANDRA ameaça sair da sala, mas volta de súbito.

    SANDRA

    Mas não deixa de pensar no que eu disse. Não há coisa melhor no mundo do que um homem carinhoso pra te esquentar durante a noite.

    JÚLIA

    Eu tenho um ótimo cobertor elétrico.

    SANDRA

    Mas eu aposto que ele não respira na sua nuca, nem te deixa arrepiada.

    JÚLIA

    Pelo menos sei que posso contar com ele quando precisar.

    SANDRA

    É pouco, minha amiga. Mas não quero discutir isso. Vou tomar um banho.

    JÚLIA

    Vai.

    (Brinca)

    Você tá precisando de um bom banho de água fria.

    SANDRA deixa o palco. JULIA segue desenhando mais um pouco. E sai um tempo depois.

    FIM DA CENA.

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    CENA 2

    Passagem de tempo. Palco vazio. Tocam a campainha do apartamento de JÚLIA e SANDRA. Alguns instantes. Ninguém atende. Tocam novamente. Nada. Então a campainha soa insistentemente. Mais algum tempo e vemos JÚLIA, que entra em cena de pijamas. Cabelos despenteados e cara inchada, de quem acabou de acordar e não gostou nem um pouco. Ela atende à porta. Diante dela surge JOFRE, um homem bonito e elegantemente vestido.

    JÚLIA

    (De mau humor)

    O que é?

    JÚLIA resmunga de um jeito que quase não se consegue entender o que ela fala. JOFRE tenta ser educado, apesar de uma certa irritação.

    JOFRE

    Desculpe se eu te tirei da cama tão cedo, mas é que...

    JÚLIA

    Que horas são?

    JOFRE

    Cinco da manhã.

    SANDRA

    Desculpa, acho que não ouvi direito.

    JOFRE

    São cinco horas da manhã.

    JÚLIA abaixa a cabeça. Instantes. Volta a falar, de súbito, muito irritada.

    JÚLIA

    Cinco da manhã? Eu não acredito!

    JOFRE

    (Sem entender)

    Desculpe. Perdeu algum compromisso? Tinha que estar em algum lugar a essa hora?

    JÚLIA

    Sim! Na minha cama, dormindo. E não aqui, de pé, falando com alguém que eu nem conheço!

    JÚLIA bate a porta. Começa a se dirigir de volta para o quarto mas a campainha toca novamente. Ela volta e atende a porta.

    JÚLIA

    Mas não é possível! Você de novo!?

    É JOFRE novamente diante dela.

    JOFRE

    Eu sei que a hora pode não ser muito propícia, mas eu realmente preciso dessa informação...

    JÚLIA

    Fala.

    Nesse instante entra em cena SANDRA, que parece ter acabado de acordar. Ela está enrolada num lençol e uma das suas pernas escapa e fica à mostra, de maneira provocante o suficiente para embaraçar JOFRE.

    SANDRA

    O que tá acontecendo? Que confusão é essa?

    Vendo que JOFRE não consegue deixar de olhar para sua perna descoberta, SANDRA tem um impulso para se enrolar melhor no lençol. Mas logo em seguida, pensa melhor e o afasta ainda mais, deixando a perna mais à vista.

    JÚLIA

    É esse sujeito aqui que esqueceu o dedo na nossa campainha.

    JOFRE

    Eu posso explicar...

    JÚLIA

    Explica de uma vez!

    SANDRA começa a simpatizar com JOFRE.

    SANDRA

    Você não mora aqui no prédio, mora? Não me lembro de você...

    JOFRE

    É justamente por isso que eu estou aqui/ Quer dizer/ Não exatamente/

    JÚLIA

    Vai ou não vai explicar por quê acordou a gente a essa hora?

    SANDRA

    Jesus! Não seja má educada! Convida ele pra entrar.

    JÚLIA

    Você bebeu? Eu nem conheço o cara! E se for um assalto?

    SANDRA

    Se fosse, ele já tinha entrado.

    JOFRE

    Por favor, eu não quero incomodar...

    JÚLIA

    (Irritada)

    Toca a campainha às cinco da manhã e não quer incomodar?

    SANDRA se dirige a JOFRE. Faz menção para que entre.

    SANDRA

    Por favor, sente-se!

    JOFRE entra timidamente e senta no sofá. SANDRA senta-se bem ao seu lado.

    SANDRA

    (Para JOFRE)

    Não repara na minha amiga. Mas a noite passada ela ficou trabalhando até altas horas. Ela é estilista de moda...

    JÚLIA

    Não fala da minha vida pra um estranho!

    SANDRA

    Eu sou advogada. E você, faz o quê? Que cabeça a minha! A gente nem se apresentou!

    JOFRE

    Eu/

    JÚLIA

    (Corta, irritadíssima)

    Eu sei que o papo tá agradável, mas por que você tá aqui?

    JOFRE

    Eu me mudei pra cá ontem.

    SANDRA

    (Empolgada)

    Por isso eu nunca te vi!

    JOFRE

    Sou o novo vizinho de vocês aqui, do oitenta e dois...

    JÚLIA

    E resolveu, por pura hospitalidade, nos comunicar isso às cinco da manhã?! Que gentil!

    JOFRE

    Não foi por isso que eu vim até aqui.

    JÚLIA

    E por que foi?

    SANDRA

    (Querendo participar)

    É. Por quê?

    JOFRE

    O carro de uma de vocês está bloqueando a saída do meu. A placa é EBH 6473.

    SANDRA

    (Se antecipando)

    É o carro da Júlia!

    JÚLIA

    (Espantada)

    Meu carro?

    SANDRA

    (Para JOFRE)

    Essas vagas são tão pequenas.

    SANDRA faz sinal para que JÚLIA confirme sua história.

    JÚLIA

    (Sem entender)

    Mas/

    SANDRA

    (Para JOFRE)

    Olha, me desculpe. Não vai acontecer mais!

    JÚLIA

    Eu/

    JOFRE

    Eu já estou um pouco atrasado, de maneira que, se fosse possível que uma das duas tirasse o carro/

    SANDRA

    Claro! Agora.

    (Para JÚLIA)

    Vai dormir, amiga. Eu mesma cuido disso!

    (Para JOFRE)

    Só um minutinho pra eu vestir alguma coisa!

    SANDRA sai da sala rapidamente. Tanto JÚLIA como JOFRE parecem um pouco atordoados. JÚLIA olha pra coxia por onde saiu SANDRA, olha para JOFRE. Pensa.

    JÚLIA

    Olha, o carro/

    SANDRA irrompe na sala já vestida.

    SANDRA

    Estou pronta. Vamos?

    JOFRE levanta-se, meio sem grace.

    JOFRE

    (Para JÚLIA)

    Até logo!

    SANDRA

    Daqui a pouco eu tô de volta.

    Saem os dois e SANDRA fecha a porta atrás de si. Abre-a em seguida voltando-se para JÚLIA.

    SANDRA

    Se eu não voltar em quatro horas, não se preocupe. Eu estarei bem!

    SANDRA fecha a porta. JÚLIA, ainda um pouco atordoada, vai até o sofá. Senta-se. Pensa e resmunga um pouco sobre o que aconteceu, e adormece.

    FIM DA CENA.

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    CENA 3

    Aqui temos uma elipse de tempo. Logo em seguida, a porta se abre com SANDRA surgindo na sala de volta da garagem.

    SANDRA

    (Fazendo alarde)

    Júlia, acorda!

    JÚLIA

    (Acordando assustada)

    O que foi?

    SANDRA

    (Embevecida)

    Que homem!

    JÚLIA

    Do que você tá falando?

    JÚLIA alonga o pescoço.

    JÚLIA

    Meu pescoço tá doendo. Acho que cochilei no sofá...

    SANDRA

    E eu acho que encontrei meu príncipe encantado! Estou até sentindo uma coisa aqui no peito de tanta excitação!

    JÚLIA

    É o cigarro, você devia parar.

    SANDRA

    Acho que eu tô amando! Ele não é demais? Diz pra mim: ele não é uma graça?

    JÚLIA

    É impressão minha ou você tá falando daquele cara que esteve aqui tocando a campainha às cinco da manhã? Aliás, que história foi aquela de dizer que o carro era meu? Você sabe muito bem a quem ele pertence!

    SANDRA

    Foi só uma mentirinha! Eu não podia causar uma má impressão assim logo de cara, confessando que o carro era meu.

    JÚLIA

    Ainda teve a coragem de me chamar a atenção!

    SANDRA

    Por favor, Júlia! Lição de moral agora? Num momento sublime como esse, quando sua melhor amiga encontra o homem da sua vida?

    JÚLIA

    Você deve estar brincando!!

    SANDRA

    Eu estou completamente apaixonada por ele!

    JÚLIA

    Por aquele coxinha com cara de panaca?

    SANDRA

    Yuppie.

    JÚLIA

    (Inconformada)

    Aquele papo todo ontem e se apaixona pelo primeiro sujeito que toca a campainha?

    SANDRA

    (Sonhando acordada)

    O destino tem dessas coisas. Essas surpresas agradáveis...

    JÚLIA

    (Taxativa)

    Às cinco da manhã nenhuma surpresa pode ser agradável.

    SANDRA

    Você não gostou dele?

    JÚLIA

    O que você acha?

    SANDRA

    Sabe qual é o seu problema, Júlia? Você está revoltada com os homens! Desde que você e o Rodolfo romperam, acha que nenhum homem presta. E não é porque você teve uma desilusão amorosa que tem o direito de querer destruir os meus sonhos!

    JÚLIA

    Você mal conhece o cara!

    SANDRA

    Nunca ouviu falar de amor à primeira vista?

    JÚLIA

    Você merece coisa melhor, Sandra!

    SANDRA

    O que eu posso querer mais? Ele é bonito, inteligente, culto, elegante, executivo de uma grande multinacional, com um conversível vermelho!

    JÚLIA

    Quer dizer que ele é do tipo que gosta de chamar a atenção? São os piores...

    SANDRA

    Você não consegue ver nenhuma qualidade nele?

    JÚLIA

    (Pensa antes de responder)

    Sem dúvida ele acorda cedo.

    SANDRA

    Eu não quero ouvir mais nada, Júlia! Não vou deixar que você arruíne um dia que começou tão bem. Vou me aprontar que já está quase na hora de ir pro fórum.

    SANDRA sai, revoltada.

    JÚLIA

    (Um tanto arrependida)

    Por favor, Sandra! Não vai ficar zangada comigo, pensando que eu quero estragar um futuro romance seu com esse cara! Eu gosto de te ver assim, alegre, pra cima. E nem acho que esse Jofre seja tão mau assim... Ele até que é bonitinho...

    SANDRA volta correndo para a sala, e senta-se aos pés de JÚLIA, segurando, feliz, as suas mãos.

    SANDRA

    Ele é, não é?

    JULIA assente com a cabeça, sem muita convicção.

    JÚLIA

    É...

    SANDRA

    Ele é lindo!

    JÚLIA

    (Sem convicção)

    Sim...

    SANDRA

    E ele não é elegante?

    JÚLIA

    Um pouco convencional, eu diria... Mas não deixa de ter uma certa classe.

    SANDRA

    Isso ele tem! Muita classe! É um homem fino, educado.

    JÚLIA

    Ele tem bons modos... Limpou os pés no capacho antes de entrar em casa e não tira meleca do nariz em público. É educado, sim.

    SANDRA

    Um homem com todos esses atributos! E, ainda por cima, bem posicionado profissionalmente, com dinheiro e um sorriso lindo daqueles!

    JÚLIA

    É... Ele parece que escova os dentes com uma certa regularidade e deve ir ao dentista também. Nenhuma cárie, pelo menos nos dentes da frente...

    SANDRA

    Então, Júlia? Por que essa implicância?

    JÚLIA

    Não tem implicância nenhuma.

    (Sincera)

    Eu só não vou com a cara dele.

    (Desculpando-se)

    Nada pessoal.

    SANDRA se levanta, irritada novamente.

    SANDRA

    Sabe de uma coisa? Vou trabalhar que é o melhor que eu faço!

    SANDRA sai, novamente.

    JÚLIA

    Por favor, Sandra, escuta! Eu até que me esforço pra gostar dele. Veja só, eu estou me esforçando agora.

    JÚLIA fecha os olhos, franze a testa como se fizesse algum esforço mental. Fica algum tempo assim.

    JÚLIA

    Estou me esforçando...

    Instantes.

    JÚLIA

    (Desiste)

    Mas eu não consigo! Tente ver isso mais como intuição feminina!

    (Aflita)

    Algo me diz que não vai dar certo! Eu percebi isso assim que acordei com a campainha. Eu pensei: só um idiota, um calhorda, um imbecil pode estar tocando essa campainha. E quando eu abri a porta, lá estava ele.

    SANDRA passa como um relâmpago pela sala, já pronta para o trabalho.

    SANDRA

    Tchau!

    SANDRA sai e bate a porta.

    JÚLIA

    Espera... Não é cedo ainda?

    Pausa.

    JÚLIA

    Não sei por que, mas eu acho que devia ter ficado de boca fechada...

    SANDRA abre a porta de repente.

    SANDRA

    Devia mesmo!

    SANDRA sai de vez.

    FIM DA CENA.

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    CENA 4

    JÚLIA está trabalhando em sua prancheta. SANDRA chega do trabalho, entra em casa sem dar um palavra. JÚLIA observa. SANDRA vai até seu quarto. Volta pra sala. Começa a ler alguma coisa, quem sabe algum processo. Senta-se. Silêncio. JÚLIA se aproxima, tentando fazer as pazes com a amiga.

    JÚLIA

    Sandra... Sobre hoje de manhã... Acho que estava muito irritada por ter sido tirada da cama tão cedo. Você sabe que eu não sou ninguém antes do meio-dia. Bom... Eu queria pedir desculpas!

    SANDRA não diz nada.

    JÚLIA

    Você me desculpa?

    Depois de uma pequena pausa.

    SANDRA

    Não vai dizer mais nada sobre o Jô?

    JÚLIA

    (Enojada)

    Ele se chama Jô?

    SANDRA olha para JÚLIA com cara feia.

    SANDRA

    Jofre, Jô para os íntimos. Vai continuar criticando o Jô?

    JÚLIA?

    Não, não vou.

    SANDRA

    Promete?

    JÚLIA

    Tenha dó, Sandra!

    SANDRA

    Promete?

    Pausa.

    JÚLIA

    Tá certo, eu prometo. Você me perdoa?

    SANDRA

    (Reflete)

    Hum...

    SANDRA olha bem para JÚLIA.

    SANDRA

    Vá lá, dessa vez passa.

    JÚLIA abraça SANDRA.

    JÚLIA

    Obrigada, amiga! Me conta agora, como foi o seu dia hoje.

    Tocam a campainha.

    JÚLIA

    Pode deixar. Eu atendo.

    JÚLIA levanta-se. Abre a porta e fica alguns instantes fora de cena. Volta, em seguida, com um buquê de rosas em uma das mãos.

    SANDRA

    (Admirada)

    Meu Deus! Rosas!

    JÚLIA

    (Não menos admirada)

    Pois é...

    SANDRA

    (Eufórica)

    Ainda existem cavalheiros no mundo!

    (Curiosíssima)

    Quem mandou?

    JÚLIA

    Não sei.

    SANDRA

    São pra você?

    JÚLIA

    Não faço ideia...

    SANDRA

    Então, devem ser pra mim...

    JÚLIA

    Acho melhor colocar num vaso.

    SANDRA

    (Aflita)

    Pelo amor de Deus, Júlia! Não está nem um pouco curiosa? Veja se tem um cartão!

    JÚLIA

    Eu tô procurando!

    Empolgada demais, SANDRA tira as flores das mãos de JÚLIA e encontra o cartão.

    SANDRA

    Olha aqui, o cartão!

    JÚLIA

    Se tivesse me dado tempo suficiente eu mesma teria achado!

    SANDRA

    Não tem nada escrito aqui no envelope... Nem destinatário... Nem remetente...

    JÚLIA

    Abre logo, Sandra! Agora, quem está curiosa sou eu!

    SANDRA

    Calma! Calma!

    SANDRA faz suspense ao tirar o cartão do envelope bem devagar.

    SANDRA

    Já estou abrindo!

    JÚLIA

    E o que está escrito?

    SANDRA

    Adorei ter te conhecido. Há muito tempo esperava encontrar uma mulher como você. Espero que nos vejamos em breve! Está assinado...

    JÚLIA

    Diga logo de uma vez!

    SANDRA

    Jofre!

    SANDRA pula de alegria.

    JÚLIA

    (Decepcionada)

    Jofre?

    SANDRA

    Eu não disse que ele era um verdadeiro cavalheiro? Mas... É estranho... Aqui não diz pra quem são as flores...

    JÚLIA

    O cara é tão palerma que esqueceu de por o seu nome!

    SANDRA

    Júlia, você prometeu que não ia mais criticar o Jofre!

    JÚLIA

    Retiro tudo o que eu disse.

    Instantes. SANDRA e JÚLIA não dão uma palavra. Depois de pensar um pouco.

    SANDRA

    Será que ele esqueceu o meu nome? Será que ele não se lembra?... Eu lhe disse tantas vezes...

    JÚLIA

    É, Sandra... Não culpe o coitado. Ele tem jeito de ser um homem muito ocupado, com milhares de compromissos pra se lembrar, milhares de nomes na agenda: Sheila, Carla, Cláudia, Ludmila...

    SANDRA

    Júlia, você prometeu!

    JÚLIA

    Foi você mesma que quis saber por que ele não escreveu o seu nome no cartão!

    SANDRA

    Tava pensando alto! Não era pra você ter respondido.

    JÚLIA

    Me desculpe, mas você pensou alto demais.

    SANDRA

    Ele não pôs o meu nome no cartão porque não havia necessidade! Se ele mandou que entregassem as flores nesse apartamento, pra quem mais elas poderiam ser? Ou para você, ou para mim. Tendo em vista o modo estúpido como você o tratou, as probabilidades dele ter mandado as rosas pra você são iguais a zero. E, nesse caso, elas só podem se endereçar a mim.

    JÚLIA meio que concorda pra acabar logo com a discussão, com um aceno de cabeça. Alguns instantes. Silêncio. Depois disso, SANDRA olha para as flores.

    SANDRA

    Que homem, que delicado! Eu não disse que ele era um verdadeiro gentleman? Teve uma educação refinada. A gente percebe isso de cara! Ele não é igual aos outros. Ele é especial! ... Mandar flores... Que homem ainda faz isso, hoje em dia? Tão gentil!... Me diga agora, o que se pode falar de ruim sobre um homem como esse?

    JÚLIA

    É...

    SANDRA não deixa que JÚLIA responda.

    SANDRA

    Não diga nada! Não precisa responder. Esse gesto já é a resposta, essas flores já bastam como resposta! ... Um homem raro! Se já não bastasse sua beleza, seu físico, sua conta bancária, seu conversível vermelho... Tão atencioso! Tão amável! Tão...Tão...

    (Pausa. Revoltada)

    Mas por que, diabos, ele não pôs o meu nome no cartão?!

    (Decidida)

    Vou procurar um vaso pra essas flores!

    SANDRA sai da sala.

    FIM DA CENA.

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    CENA 5

    Passagem de tempo. JÚLIA está só em casa. Como sempre, trabalha em sua prancheta. A campainha toca. JÚLIA levanta-se e atende a porta. É JOFRE.

    JÚLIA

    (Surpresa)

    Você?

    JOFRE

    Está surpresa?

    JÚLIA

    Não. Surpresa tem haver com algum acontecimento agradável... Eu estou perplexa, assombrada, transtornada.

    JOFRE

    Você está lembrada de mim, não?

    JÚLIA

    E como poderia esquecer? Até hoje tenho pesadelos com você tocando a minha campainha às cinco da manhã!

    JOFRE

    Por favor, eu gostaria de pedir desculpas! Espero ter escolhido uma boa hora dessa vez.

    JÚLIA

    Acredite, nunca vai haver uma boa hora.

    JOFRE

    (Pensa)

    Como assim?

    JÚLIA

    Escuta, não importa se essa é uma boa hora pra mim, ou não. O que interessa é que, com certeza, não é uma boa hora

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