O Óbvio
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Book preview
O Óbvio - Giuseppe Cardullo
idioma
a VOU...................................................................................9
b FUI....................................................................................13
c IA.......................................................................................17
d TINHA IDO.....................................................................20
e IDE....................................................................................27
f FUI INDO.........................................................................31
g IREI..................................................................................39
h TEREI IDO......................................................................43
i QUE VAI...........................................................................46
l QUE TINHA IDO............................................................53
m FOSSE............................................................................58
n FOSSE INDO.................................................................65
o IRIA..................................................................................70
p TERÁ IDO.......................................................................77
q ANDANDO......................................................................85
r IDO....................................................................................91
s INDO................................................................................97
t TENDO INDO..............................................................102
––––––––
Dedico estas páginas a quem me quis bem, porque amanhã poderei encontrar-me noutro tempo ou noutro lugar... e esquecer-me.
VOU
Olho para ele quase dez minutos. É óbvio.
É ele, sem dúvida, ele. Observo o seu perfil relativamente acentuado, reconheço o seu cabelo, agora branco, as mãos delgadas, os seus gestos.
No entanto, não é ele.
Conheço-o há uma vida, era uma criança e admirava-o, era o meu mestre de estrada. Há anos que não o encontro, mas reconhecê-lo-ia entre mil.
No entanto, não é ele! Ou não está aqui!
É uma dor imensa: dez minutos com a caneta na mão e ainda não escreveu nada, nem mesmo um sinal. Está à procura de alguma coisa, é evidente, de algum lugar na sua mente. Ele está a examinar cada recanto escuro do seu cérebro para entender por que teria pegado na caneta, mas não consegue lembrar-se, não consegue encontrar os seus pensamentos: para onde foram eles? E para onde foste, velho professor?
Poderia ficar a olhar para ele durante horas, gostaria de entender, gostaria de encontrar os seus pensamentos perdidos, mas já se faz tarde. Tenho que ir, para mim a vida ainda galopa, não posso parar para recuperar o fôlego: há sempre uma nomeação, um compromisso, um prazo...
Ajusto o nó da gravata e fujo.
Mas volto, velho professor. Espera-me que volto.
Sorrio sempre que te encontro... não faço ideia de onde és... nem mesmo agora que te vejo sobre aquele banco!
Na reunião há tensão. Não é aquela agitação de mudança de cadeiras
e promoções iminentes, há mais uma aposta e uma preocupação generalizada. Hoje fala-se de tudo e de nada: a recessão, a crise económica e financeira, a crise política, os mercados emergentes, a concorrência desleal, a carga tributária, os custos laborais, a segurança,...
... gostariam de refazer o mundo em duas horas e acabam todos na frente da máquina de café, sem soluções, sem ideias e sem pensamentos.
Enquanto o Oriente cresce, a Europa abrandou e os governos atrapalham-se na procura da fórmula mágica que permita estimular as atividades produtivas, reduzir a carga fiscal, promover o emprego e, ao mesmo tempo, apoiar o sistema público e garantir a dignidade social, sem quebrar os parâmetros impostos por pertencer à moeda única.
Este é o quadro no qual nos encontramos.
Quando a economia desacelera, diminui o consumo e reduz-se o supérfluo. Para uma empresa em dificuldades, os custos publicitários podem ser considerados uma despesa e, portanto, caiem nos custos a ser reduzidos.
E nós ocupamo-nos da publicidade, promoção e visibilidade no mercado; se a crise corta na publicidade a publicidade corta-nos: os nossos empregos ou os nossos salários! É uma equação com apenas uma incógnita: a quem vai calhar desta vez?
Diretores, funcionários, consultores e assessores: 120 cabeças estão ocupadas, para garantir que numa única imagem se possa concentrar a essência daquilo que queremos transmitir ao consumidor, para que a banda sonora seja envolvente e que essa frase possa ressoar na cabeça durante todo o dia. Pode ser a iluminação de um segundo ou o estudo de semanas, em que os resultados serão grandes sucessos ou pequenos fiascos, mas a intensidade e o empenho destas pessoas são indiscutíveis: são profissionais que amam o seu trabalho e que merecem esse trabalho. Mas eles também são 120 famílias que vivem deste trabalho, que pagam a hipoteca, que enviam os seus filhos para a escola e que têm construído, não apenas o presente, mas também o futuro apoiados neste trabalho.
Quem de nós já não estará aqui em setembro?
Como pudemos ter permitido que se chegasse a este ponto? Um continente de joelhos, o belo país em pedaços.
Nós permitimos que uma nova moeda fosse posta em circulação, sem que uma autoridade super partes supervisionasse a transição, com os preços ao consumidor a subir subtilmente, na névoa do desconhecimento ou da manifesta ignorância do povo.
Nós permitimos que a moeda única substituísse aquela já existente, sem antes ter estabelecido que as condições fossem as mesmas para todos, que o sistema fiscal fosse equivalente no seio da Comunidade Europeia, que o custo do trabalho fosse comparável e os salários equivalentes!
Com este pano de fundo, aqueles que já são fortes, sairão reforçados, mas para aqueles que já estão débeis, será um caso perdido! E não me refiro ao indivíduo, mas a estados inteiros: nestas condições, os estados-membros falham e, a longo prazo, a Europa morre.
Precisaria de férias, sinto essa necessidade. Todos os anos, prefiro o mês de junho para me afastar do escritório e descansar um pouco. O ar começa a aquecer e é agradável ser-se acariciado por um sol que ainda não é agressivo; pode-se usar uma camisa leve, apenas desabotoada, sem sofrer com o calor. Pode-se ir à praia, mas ainda é possível viver a cidade. Acima de tudo, porém, os dias nunca acabam, são tão longos que se conseguem gozar plenamente e deparar-se a jantar às nove com um pôr-do-sol que avermelha o horizonte oeste. Eu não poderia viver na outra costa, com o sol a apagar-se atrás das montanhas: a casa do sol é o mar!
Em junho as campanhas publicitárias de Verão já estão entregues ao cliente e estão prontas para o bombardeamento dos Média. Se ainda estás a trabalhar sobre o produto, então já estás penalizado e o cliente esperneia e jura que da próxima vez vai recorrer a alguém mais capaz e diligente. Se ainda estás no escritório pelas 20:00 em junho, então falhaste o projeto.
Sempre tirei féria em junho: eu não falho com os meus projetos!
Com as baterias vazias, poucas ideias na cabeça e criatividade limitada, em junho estou pronto para me dedicar à minha esposa e às minhas filhas, como um homem livre, não apenas pelos compromissos mas também pelos pensamentos e preocupações... e de sapatos arrumados.
Mas, a reunião que concluímos leva-me a pensar que este ano possa ser algo diferente e perverso: a única certeza à qual se pode chegar é que, quem sair hoje, talvez não esteja aqui amanhã.
Explicar isso à minha esposa tornou-se mais fácil do que eu temia. É incrível como consegue ser intransigente sobre um disparate e é, no entanto, abrangente e colaborativa quanto às dificuldades reais que a vida oferece!
Reagimos perante uma situação de contingência da forma mais conveniente para reduzir o incómodo.
– Este ano vai bem. Isto também vai passar. Não partimos, mas as meninas vão-se divertir mesmo assim: tenho a solução! –
A ideia é alugar uma pequena casa de praia na costa, a algumas dezenas de quilómetros da cidade, perto da casa de verão dos meus pais. É uma costa ainda selvagem, sem estruturas nem turistas. É o refúgio de quem ama o mar, sem barracas, espreguiçadeiras ou salva-vidas; não há jogos para crianças, nem quiosques, nem música, apenas alguns pequenos barcos voltados na praia. Não é a Sardenha, o destino habitual das nossas férias, mas é a melhor aposta: eu posso permanecer no escritório de manhã e ir ter com elas à tarde, além disso há os avós... que presente para eles...
FUI
A casa é agradável, de construção recente, funcional e acolhedora. Tem um amplo espaço habitável e belos terraços, o que é fundamental numa casa de praia, e está localizada não muito longe de outros chalés semelhantes, de onde os gritos animados dos miúdos prometem às minhas meninas um verão divertido.
Sinto uma sensação estranha: cresci por entre estas casas, reconheço tudo e reparo em cada detalhe que o tempo e o sal impuseram nesta paisagem; nos últimos anos tenho vindo ao encontro dos meus, frequentemente, para lhes dar uma mão ou passar algumas noites juntos. As memórias distantes levam-me de volta a familiares e amigos no nosso terraço entre um café frio
e uma gargalhada. Mas hoje é diferente, porque estou de volta numa casa alugada, uma casa onde nunca vivi,