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A Esfera
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Ebook619 pages9 hours

A Esfera

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About this ebook

A tirania de Geptalon não conheceu limites durante muitos anos.

Três amigos serão os encarregados pela derrota do bruxo. Somente eles, os salvadores, podem fazer isso. Nem mesmo Trac, o irmão gêmeo de Geptalon pode vencê-lo. Tanto, que foi derrotado ao tentar.

Com a ajuda de Aglaia, uma jovem rainha, eles embarcarão numa arriscada aventura para conseguirem matar o bruxo. Para isso, deverão destruir a Esfera. Um poderoso artefato mágico que rouba os espíritos dos bruxos para acabar com suas vidas. Nela, reside uma das três partes do coração de Geptalon.

Se prepare para uma viagem cheia de aventuras, personagens inesquecíveis e perigo... Os Drupts, exército pessoal de Geptalon, que tentaram acabar com o Eleito, Miguel, para que ele não cumpra sua missão.

Eles poderão conquistar o seu objetivo entre tantos impedimentos, imprevistos, traições, assim como sonhos estranhos que chegaram a Miguel para deixá-lo sem força? 

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateJul 12, 2017
ISBN9781507179888
A Esfera

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    A Esfera - Manuel Tristante

    A SAGA GEPTALON

    Livro I

    A ESFERA

    MANUEL TRISTANTE

    LIVRO I

    Prólogo:

    O PACTO

    ––––––––

    O SOLO RACHOU EM MEIO A ESCURIDÃO, como o céu com uma tremenda carga de eletricidade, em plena noite negra. Escadas se materializaram naquela abertura na superfície até o coração daquele mundo.

    Um jovem, com roupas em tons de cinza, e que apesar de luxuosas, eram um pouco esfarrapadas, desceu pelas escadas, enquanto sua larga túnica ondeava com o vento. Um capuz cobria seu rosto, um rosto sério e maltratado. Caminhava rápido, inquieto. Entrava num mundo totalmente desconhecido para ele. Mesmo assim, estava seguro do que fazia.

    A chuva o golpeava enquanto ele descia. A escuridão na qual entrava foi dando lugar a uma tênue luz arroxeada. De repente, se ouviu um grande estrondo. Estava acontecendo logo abaixo de seus pés. Se alarmou. Quis se segurar na parede, mas...

    Foi tarde demais. Uma labareda de fogo subiu, em direção aquele jovem...

    Seu coração se deteve, mas ele não podia se deixar intimidar. Moveu as mãos, e as chamas se transformaram em gelo. Sorriu. Era um truque muito velho.

    Logo depois do fogo, a escuridão se transformou num roxo escuro, que intercalava a coloração com matizes de preto. A temperatura aumentou.

    Se ouviam muitos gritos, vozes de seres pequenos, endiabrados. Num certo compasso, soava o choque de machados. Cada vez o som ficava mais forte e mais próximo.

    Milhares de seres horrendos, anões deformados, com o corpo repleto de espinhas, corcundas, cegos, com machados e lanças muito afiadas, corriam em direção a ele, ávidos de sangue. O jovem, com ar altivo, se desfez deles com alguma luta, até chegar aos pés da escada.

    Dois seres mais altos que ele, detiveram seu passo. Moveram suas grandes lanças, impedindo seu caminho. Suas costas, curvadas, estavam repletas de músculos. Tinham cicatrizes por todo o corpo. Um deles, inclusive, não tinha uma perna. Mesmo assim, mesmo o olhar de um deles sendo meio louco e cheio de ódio, não pareceu assustá-lo. O que ele devia temer?

    —Por que ousas adentrar nos domínios de nosso Senhor? — a voz soava como um eco, como se estivesse dentro de uma tigela. E, também uma voz áspera. A lança do guarda parou sob o pescoço do intruso.

    O rapaz afastou com um tapa forte. Sorriu com malícia, retirou o capuz deixando ao vento uma imensa e bela cabeleira, e exclamou:

    —Sou Geptalon[1], o maior bruxo que já existiu ou existirá. NÃO PRECISO DE PERMISSÃO, NEM PRECISO ME EXPLICAR! SAIA DO MEU CAMINHO!

    Os sentinelas não se moveram. Uma cólera acalmada subiu pela garganta de Geptalon. Levantou o braço direito, com a mão aberta, retorceu um pouco o punho, e ambos os seres começaram a arder.

    Com uma risada malévola, Geptalon passou por cima deles, abrindo caminho.

    Caminhou por entre pequenos monstros, que se divertiam enquanto se banhavam no fogo; outros torturavam as almas que chegavam por uma enorme cascata de lava; outros, avivavam a chama do inferno com enxofre.

    Não sabia onde estava indo. Caminhava meio às cegas. Buscava alguém que era desconhecido para ele, alguém de quem nada sabia, a não ser o nome, Zustril, o diabo em pessoa, o rei dos Infernos Escuros da Morte, Tal’Yhiearp.

    Improvisamente, tudo tremeu e diretamente das chamas, surgiu um ser descomunal. Saltou e caiu justamente em frente a Geptalon. Tinha pernas forte, numa coloração marrom bem escura, com unas enormes. Tinha pelo menos uns dez metros de altura. Seu torso era humano, mas da cintura para baixo, era híbrido. Que tipo de animal era aquele? Não dava para se distinguir. Adquiria qualquer forma.

    Geptalon olhou para ele. Impunha respeito. Outro teria saído fugido, mas não ele. O que deveria temer?

    —És Zustril? — se atreveu a perguntar, contundente e sem rodeios.

    —Quem o busca? — e aquele enorme ser encolheu de tamanho até ficar da altura de Geptalon. Veloz como um raio, desenbanhou uma espada afiada de um metal nada comum. No fio da espada, o fogo reluziu como um pestanejar — Me enfrente, maldito!

    Geptalon torceu seus lábios, com sarcasmo. Acreditava que aquilo iria amendrontá-lo? Materializou sua espada e os metais se chocaram, provocando uma súbita sacudida. E, o jovem soube que a luta era a morte.

    O inferno se deteve para contemplá-los.

    Geptalon não desistiu, apesar do seu adversario ter o dobro do seu tamanho e ser destro na esgrima como ele. Mas, alguém já havia resistido a ele?

    A luta foi se estendendo mais do que deveria. Zustril foi encurralando seu adversario até um grande precipicio onde a lava borboleteava avivada pelas almas condenadas: o coração de Tal’Yhiearp.

    O desarmou, o derrubando. Pôs um pé descalço e negro de sujeira sobre o pescoço dele, enquanto a cabeça de Geptalon sentia o calor, com metade de seu corpo se balançando sobre o precipício. Contudo, o seu ego não iria permitir dar-se por vencido, apesar de saber que a luta já estava ganha, e que havia subestimado o poder de Zustril.

    Para seu assombro, o rei de Tal’Yhiearp lhe estendeu a mão e o ajudou a se levantar.

    —Me acompanhe. — falou como se fosse uma ordem, e caminhou até uma grande porta de pedra, esta girou rapidamente — E, vocês, malditos monstros, continuem trabalhando! — ordenou aos seus capangas. Num abrir e fechar de olhos, se transformou numa besta e lançou uma labareda de fogo. E, todos voltaram a trabalhar, espavoridos. Assim, Zustril voltou a sua forma híbrida.

    Geptalon sorriu embasbacado. Serei maior e mais poderoso que Zustril. Olhe bem, todos o temem.

    Entraram numa pequena caverna, onde tudo aquilo que havia nela, fora construído com fogo: cadeiras, mesas... Inclusive, até das paredes saía uma espécie de chama.

    Zustril se sentou num grande trono, que ficava bem no centro do ambiente. Deixou que o material ardente o acariciasse.

    —Sente-se. — ofereceu, mas Geptalon resolveu permanecer em pé, por sua saúde — E a que se deve sua visita? — inquiriu carrancudo e sorriu mostrando sua mandíbula de fera.

    Geptalon andou por perto dele, altivo.

    —Desejo fazer um pacto contigo. — falou com um meio sorriso — Desejo que me dê uma informação valiosa, necessária para construir uma esfera, uma esfera que roube almas, que acabe com vidas, que possa ressuscitar quem eu queira, inclusive criar meu próprio bando de guerreiros para que me protejam, como os teus te protegem.

    Zustril passou a coçar o seu queixo, parecendo meditar. O olhava de soslaio.

    —E acredita que lhe darei isso assim, sem mais nem menos?

    —Sei que não. Mesmo assim, farei o que estiver ao meu alcance... O que me pedir para que que faça o que estou lhe pedindo.

    Zustril passou sua língua bifurcada pelos lábios.

    —Para isso, demando, não agora, mas quando for necessário, que me faças um favor. Seja o que for. Assim, podemos selar este pacto.

    Complacidamente, Geptalon assentiu. Não podia negar.

    Zustril se pôs de pé. Introduziu um braço na parede e tirou um livro, recoberto de pele humana. Em seguida, o entregou a Geptalon.

    —Aqui está tudo o que você precisa. — girou a mão e obteve da parede uma pena e um pergaminho — Faça um corte com a pena e assine ese contrato com seu sangue. Não precisa que o leia. — sua voz pareceu muito mais macabra — Apenas firme um juramento. Para selar um pacto, você me deve um favor.

    Geptalon pegou a pena e fez um corte em seu punho. Encheu a pena de sangue e assinou o contrato. Devolveu o pergaminho. Zustril lambeu o sangue e, para o assombro do jovem Geptalon, lançou o pergaminho às chamas e começou a rir, adotando sua forma real: uma besta aterrorizante que gelava as entranhas de qualquer um.

    —Assim, nosso pacto está... por agora, selado.

    Geptalon pegou o livro, colocou o capuz e voltou velozmente à superfície. A chuva havia piorado. Elevou os braços até o céu, e entre gargalhadas, estalou os dedos e desapareceu na escuridão da noite.

    Apareceu no alto de uma montanha, onde as nuvens tapavam o pico. Abriu o livro, leu por cima para depois gritar para que sua voz ressoasse por todos os lugares.

    —Aqui e agora, começa a minha tiranía!

    Centenas de raios caíram ao seu lado.

    Um grande feixe de luz amarela cobriu todos os lugares daquele mundo, e as pessoas estremeceram: sabiam o que significava. Havia começado uma Nova Era, a Era da Morte, a Era de Geptalon, a Era do Extermínio.

    1

    BURACO NEGRO

    AS FORTES RAJADAS DE VENTO MOVIAM AS NUVENS BRANCAS E ESPUMOSAS, desde o norte até o sul do país, nuvens que pressagiavam tormenta. O vento gélido gelava até as entranhas e golpeava as persianas da janelas das casas.

    Por uma janela mal fechada, entrou um pequeno sopro que balançou brevemente a franja de um garoto. Um calafrio o sacudiu e os pelos de sua nuca se eriçaram. Gemeu e mudou de lado, se tapando melhor com o lençol.

    Continuou dormindo e o seu descanso foi interrompido.

    Estava apoiado no tronco de uma árvore, dormindo. Havia quatro cavalos ao seu lado. Tudo estava tranquilo. Nada perturbava a noite. De repente, tudo mudou. Apareceram quatro seres, dos mais horrendos. Se balançaram sobre ele. E, com quatro cordas grossas, o amarraram, mesmo ele tentando resistir. Mesmo assim, foi mais esperto. Antes que apertassem bem os nós, se soltou das garras dos monstros; pegou sua espada que levava na cintura e lutou contra eles. E venceu, acabando com suas vidas. Mas, tinha algo errado. Não haviam sido quatro no começo? Um deles foi mais sagaz. Estava escondido, e quando viu que era o melhor momento, saiu e o surpreendeu por trás, caminhando silenciosamente.

    BAM! O golpeou na cabeça.

    Miguel acordou por um impulso, aturdido e com uma leve dor em sua cabeça. Passou as mãos pelo cabelo. Estava molhado de suor, um suor provocado por seus nervos e o medo vívido.

    Olhou em volta, tateando várias vezes. Estava no seu quarto, a salvo. Tudo havia sido um sonho. Um pesadelo, na verdade. Sim, nada para se preocupar. Ou talvez sim?

    Tinha sido tão real. Parecia que ele tinha estado naquele bosque! E o golpe... o tinha sentido de verdade? Sentiu uma leve dor em sua cabeça, sim, mas talvez fosse algo provocado por sua imaginação...

    Conhecia esses sonhos que eram tão reais. Mas aquele... Aquele havia ultrapassado a soleira da porta. Voltou a passar as mãos na cabeça, desconcertado. Ainda estava sonhando?

    Se sentou na borda da cama e se afastou do sonho. Teve a sensação de voltar a dormir. Mas, e se voltasse ao pesadelo? Nunca tinha temido tanto um, desde os pesadelos que tinha quando era pequeno e os monstros viviam em seu armário e debaixo da sua cama. Consultou o relógio: 9h15 da manhã. Já havia dormido o suficiente. Era hora de se levantar. Tinha tarefas pendentes.

    Se levantou tirando suas remelas. Foi até o armário em frente da sua cama, coçando o traseiro. Buscou que roupa colocar e se vestiu. Colocou uma roupa esportiva, arrumou sua cama e abriu a gaveta do seu criado-mudo. Pegou um caderno pequeno de capa dura e preta, onde se podia ler, algo escrito a mão: Meus sonhos. Era algo como uma espécie de diário, onde ele anotava cada sonho que tinha depois que acordava, pois havia muitos que ele se esquecia assim que se levantava. Gostava de lê-los e analisar seu significado com o dicionário de sonhos, antes de dormir à noite. Até agora, todos os seus sonhos tinham um significado banal: que teria boa sorte, desgostos inevitáveis; outros que o avisavam de um perigo iminente. Ele os chamava de sonhos bobos. Mas, nunca nenhum tinha sido como o daquele dia. Que significado teria? Estava certo de que se o tivesse, gostaria de averiguá-lo.

    Escreveu na página 128. Abaixo pôs a data: 6 de março de 2008, e anotou: Um dos meus sonhos mais estranhos. O golpe que sofri no sonho é incrível. Ainda tenho minhas dúvidas...Foi tão real! Sinto como se ainda me doesse aquela paulada, mesmo que seja provável que eu tenha batido na cabeceira da cama... e talvez isso explique o mistério.

    Guardou o caderno e foi ao banheiro. Lavou o rosto e se penteou um pouco. No último degrau, olhou para a esquerda e para a direita. Sim, não havia dúvida. Um dia mais, somente. E no sábado, que novidade! Pensou.

    Entrou na cozinha. Deu uma olhada rápida. A conhecia de memória, mas era seu costume observá-la todas as manhãs.

    A cozinha não era muito grande. Estava suntuosamente decorada com móveis de carvalho, com uma bancada de mármore branco. Um capricho de sua mãe, nada mais. Em frente à porta de entrada, estava a porta que dava para o pátio entre duas janelas, por onde entrava uma luz fraca.

    Reparou na mesa. Um bilhete.

    —Que estranho! — exclamou com ironia. A leu com rapidez e quase sentiu náuseas ao chegar ao final — Um forte abraço para você, mamãe. — amassou a carta e a jogou no lixo — Um abraço da minha mamãe. Nunca gosta tanto de mim quando não fica nenhum maldito sábado ao ano. Nenhum dos dois. — suspirou.

    Seus pais eram proprietários da empresa de publicidade TRENTAS. E nunca deixavam de trabalhar. Não tinham dias livres, talvez algum domingo, mas nada mais. Quase não sabia como eram. Só os via à noite para o jantar, e não demoravam a dormir porque tinham que madrugar no dia seguinte. E nunca tiveram tempo para ele. Sempre dizia que só não foi criado sozinho por causa dos seus avós. Apenas via mostras de carinho por parte deles, e exceto pelos abraços que sua mãe deixava nos bilhetes, junto com a indicação de comida no micro-ondas, nada.

    E não parava de se sentir sozinho. Tinha sua avó, que vivia a algumas ruas abaixo, mas ela estava mais velha e não era mais como antes. Ela lhe fazia comida, ele lhe dava os remédios ao meio-dia, e depois não sabia mais nada dela até o outro dia, até porque ela não gostava de tê-lo ali, gostava de ficar sozinha.

    Tirou as duas torradas de manteiga do micro-ondas e esquentou o copo de leite por um minuto. Se sentou à mesa, e comeu uma comida que não gostava muito.

    Uma vez terminado seu café da manhã, colocou o copo e os pratos no lava-louças e saiu da cozinha, fechando a porta.

    Pôs sua jaqueta, que estava num cabide, perto das chaves de sua casa. Se aqueceu bem e saiu para o úmido e frio exterior.

    Começou a andar por aquela enorme rua com casas parecidas, onde plantas de inverno adornavam as varandas e os parapeitos das janelas. Virou à direita, e continuou reto até virar à esquerda e entrar em outra rua. Andou um pouco por ali, e parou diante de uma casa grande e amarela, que tinha o número 49.

    Tocou a campainha. Ouviu uma voz rouca, e um jovem da mesma idade de Miguel abriu a porta. Tom, um dos seus melhores amigos.

    —Bom dia, cara! — Miguel lhe deu um meio sorriso—Não fuma, não bebe... e não sei como tem uma voz tão rouca pela manhã. 

    —Ha, ha. Como é engraçado. Nunca perde o seu encanto—Tom sorriu e sua voz suavizou—E não vou te dizer porque tenho a voz rouca pela manhã. — Miguel levantou uma sobrancelha—Deixa, você não entenderia.

    —Nem você, nem eu. — rio. 

    —Bem, me diz o que você faz aqui tão cedo. Não te esperava, já que nos vimos ontem.

    —Certo. Você tem planos para hoje? — Tom negou com a cabeça, mesmo que o seu rosto o desmentisse. Miguel conhecia muito bem o seu amigo, e sabia que não estava bem. Tinha algo que não o deixava dormir, algo que estava planejando há muito tempo e não sabia como resolver. E sabia o que era — Tom, você ainda não fez o trabalho sobre a Idade Média?

    —O que você acredita? Miguel, você sabe que eu não me dou muito bem com trabalhos de investigação. Acabam comigo! Me exasperam! Fico louco, só de pensar nisso!

    —Calma, não é para tanto. Se você se estressar, será pior.

    —Estressado é uma coisa, estressadíssimo é outra. Miguel, não vai dar tempo para eu acabar. Tenho que entregar segunda e ainda tenho um monte de deveres.

    —Você tem tempo de sobra. Tem hoje à tarde e à noite e amanhã o dia todo.

    —E essa manhã, você pulou ela? — arqueou uma sobrancelha e observou seu amigo—Miguel, o que você preparou?

    Miguel sorriu. Tom o conhecia de sobra e vice-versa.

    —Pensei a noite, mas já era muito tarde para te informar. Te convido a ver um filme, em minha casa, agora. Vai ter pipoca e refresco.

    O semblante de Tom mudou.

    —Se você me prometer que me esquecerei desse horrível trabalho por umas horas, eu aceito. E, já avisou a Elizabeth, ou vamos sem ela?

    —Não, vamos até ela.

    —Está certo. Vou colocar minha jaqueta, dizer a minha mãe e saio. Não se vá! — gritou quando já estava dentro.

    —Não vou sem você. — Miguel respondeu, sacudindo a cabeça. Tom não tinha jeito. Se sentou na borda da escada da entrada e olhou para o céu. Estava completamente nublado. O vento e o frio haviam acabado, sabia o porquê. A neve estava chegando.

    Tom não demorou a voltar, com um sorriso bem grande.

    —Vamos. — disse.

    Caminharam rua abaixo, até sair da mesma; e ao entrar em outra, um pequeno e branco floco caiu sobre o nariz de Miguel. Olharam para o céu, e num abrir e fechar dos olhos, começou a nevar com força. O frio se fez presente. E, em alguns segundos, se formou uma nevasca.

    Em seguida, aceleraram o passo, tilintando de frio. Quando chegaram à casa de Elizabeth estavam completamente gelados, com os dedos dos pés intumescidos e as roupas encharcadas. Tocaram a campainha várias vezes. A jaqueta já não esquentava nada. E se permanecessem mais tempo ali, pegariam uma pneumonia, mesmo que já fosse algo bem provável.

    A porta se abriu e Lourdes apareceu, a mãe de Elizabeth. Ficou bem surpresa ao ver que nevava, e ao ver dois rapazes ali, como espantalhos.

    —Santo Deus! Como vieram aqui com esse tempo? — exclamou, abrindo espaço para que entrassem.

    E, os dois entraram, tropeçando um no outro.

    —Começou a-a nevar na m-metade do c-caminho. — Miguel informou, tirando sua jaqueta.

    —À noite, pensei que o cara do tempo estava enganado de novo, mas já vejo que não. Limpem seus pés no capacho, vão para a sala e se esquentem perto da chaminé, enquanto chamo Elizabeth.

    Miguel não demorou para ir para a sala. Tom ficou no saguão como um abestalhado. Miguel não compreendeu o porquê. Mas, não ia voltar por causa dele. Ao abrir a porta da sala, uma baforada de calor o sacudiu e lhe eriçou os pelos de sua nuca. Era tão prazeroso. Correu direto para a chaminé. Tirou sua jaqueta de vez e a colocou sobre uma cadeira para que secasse. Se esquentou um pouco mais antes de ir sentar em outra cadeira, e sentir o alívio que o fogo lhe dava.

    Deu uma olhada rápida pela sala se sentiu o aroma de Elizabeth. Sua fragrância estava nos móveis, nas paredes, era um cheiro que o encantava, e que nunca deixava de gostar.

    Uma vez aquecido, chegou perto da mesa onde tinha uma revista para adolescentes. Na capa, havia uma morena de olhos cor de âmbar. Era Rosa Iris. A cantora favorita de Miguel! Não demorou para procurar a entrevista. Nada mais, nada menos do que dez folhas falando sobre ela!  Mesmo que houvesse mais fotos do que texto. Típico.

    Sorriu, com prazer. Elizabeth havia posto a revista ali de propósito? Que ingênuo era! Elizabeth não sabia que ele vinha, raciocinou antes de começar a ler, e conhecer fatos sobre Rosa Iris, que nunca havia sabido, mesmo sendo seu maior fã.

    Tom e Elizabeth chegaram uns dez minutos depois, e Tom ainda tilintava de frio. Não demorou mais para ir se aquecer. Tinha inclusive os lábios roxos. E seu aspecto não poderia estar mais abatido. Como queria ficar no corredor, encharcado? Tinha ocasiões nas quais não compreendia o seu amigo.

    Seu olhar foi para Elizabeth... Não pôde dissimular sua alegria ao vê-la. Seu coração parecia que ia estalar. Cada dia mais estava mais linda. Às vezes se sentia estúpido por ficar tão bobo quando a via. E, ainda sabia que eram os sintomas do amor que sentia por ela. Esse amor que nunca havia revelado por medo de uma rejeição, um sentimento que só Tom conhecia.

    Elizabeth era uma garota alta, magra, e de pele morena. Tinha cabelos louros dourados, que chegavam até a metade de suas costas, eram cabelos ondulados e sedosos. Mas, o que mais gostava nela eram seus olhos azuis cor de safira e seus lábios rosados. Vestia uma camisa vermelha, que fazia as vezes de vestido, pois chegava até o começo de suas coxas, e debaixo vestia calça jeans.

    Miguel teve que abaixar a cabeça para que ela não visse sua cara de bobo. Repetiu o que sempre dizia quando a via: Afrodite tinha muito o que invejar de Elizabeth. Porque todo o encanto, o qual a deusa havia desfrutado, agora era de Elizabeth.

    —Oi, Miguel! — Elizabeth o cumprimentou efusivamente. Chegou mais perto e lhe deu dois beijos. As bochechas dele ficaram vermelhas. Que bobo! — Tudo bem? Já está com calor?

    Miguel demorou um pouco para responder. Como tantas outras vezes, quando sua amiga o beijava, as palavras não saíam.

    —Oi! A verdade é que já estou com calor, sim. — lhe olhou fixamente nos olhos. O que deveria dizer para não ser repetitivo—Estou enganado, ou hoje você está ainda mais deslumbrante?

    —Miguel, para com isso. — Elizabeth riu tontamente e se sentou ao seu lado — Já é costume você fazer isso, não é?

    —Sim. Não. Bem...

    —Não importa. Me diz, por que veio? Pensei que hoje ia ficar em casa e fazer o trabalho sobre a Idade Média.

    —Certo. Mas, à noite eu pensei melhor e decidi convidar vocês para ver um filme na minha casa esta manhã. Parece legal?

    —Claro que sim. Estou com o trabalho pela metade, então ainda tenho tempo. — Miguel sorriu mais—Uma coisinha. Por que não vamos a alameda? Fazemos uma visita, e depois vamos à sua casa. Lá deve estar lindo com a neve.

    —Como todos os anos. — Tom falou baixo.

    —É uma boa ideia. — falou Miguel, se colocando de pé — O que acha Tom? — o olhou, já não tilintava de frio e seus lábios não estavam mais roxos.

    —Espere eu terminar de me esquentar.

    Não demoraram muito para sair da casa, bem aquecidos. Tinha parado de nevar, mas fazia frio. Foram em direção a alameda, que ficava fora do povoado.

    A neve da rua era bastante espessa. Em poucos minutos, havia acumulado pelo menos 25 centímetros. Isso fazia com que caminhassem lentamente.

    Finalmente chegaram a parte de fora do povoado e com os pés já quase completamente frios.

    —Menos mal que parou de nevar. Senão, já estaria com pelo menos 1 metro de espessura essa neve, mesmo que já tenha bastante. — comentou Miguel, dirigindo seu olhar para mais longe, onde se podia ver a alameda. Ao levantar o pé direito, tropeçou na borda da calçada e caiu — Maldita seja! — se colocou em pé com o cenho franzido, sacudindo a neve de sua roupa — Que sorte estou tendo hoje!  

    Tom começou a rir até não poder mais. Inclusive, até chorou de tanto rir. Elizabeth aguentou, mas por pouco tempo.

    —É engraçado? — Miguel grunhiu, com raiva — Em vez de me ajudarem, começam a rir. — Ninguém disse nada. Miguel pendeu a cabeça e não conseguiu permanecer zangado. Passou a rir também.

    —Miguel, não fique zangado. — lhe aconselhou Elizabeth, colocando a mão sobre o seu ombro. Não tenho outro remédio, já estou caído, pensou ele. — Vamos, a alameda está ali. E não podemos ficar aqui por muito tempo, ou congelaremos.

    Deixaram um abeto para trás, que estava até sem galhos, de tantos anos que tinha, e separava o povoado da alameda.

    Conforme se aproximaram, apreciaram a beleza daquilo. Todas as árvores cobertas de neve. Parecia até um cartão de Natal! Todos os anos, quando nevava, eles iam vê-la. E não paravam de brincar. Esse ano já havia nevado várias vezes. E eles voltavam para aquele lugar. Não se cansavam de apreciar sua beleza, mesmo a que estava guardada em seu interior, porque era muito mais que isso.

    Um rangido, parecido com uma rama se partindo fez Miguel virar-se. Abriu os olhos o máximo que pôde. Ou estava enganado, ou estava sonhando. Havia uma garota os espiando por trás do abeto? Usava um vestido longo e marrom escuro com mangas. Tinha o cabelo escuro, que estava colocado sobre o seu ombro direito, e seu rosto... Não dava para vê-lo dali. Pareceu estranho para ele. Quem era? Não lhe recordava ninguém. E aquele vestido, parecia já ter passado da moda atual. E o mais importante: Por que os estava espiando? Ia ficar os seguindo por muito tempo?

    Voltou a olhar para os seus amigos, ainda desconcertado.

    —Olhem atrás de vocês. No abeto. — disse em voz baixa — Tem uma garota nos espiando.

    Elizabeth se virou num impulso. Aguçou a vista e seu rosto permaneceu impassível.

    —Não vejo nada, Miguel.

    —Será a Mulher das Neves? — Tom falou com escárnio, olhando para seu amigo — Já deve ter ido, porque não estou vendo também.

    —Tom, não diga besteiras! — Miguel grunhiu, e voltou a olhar para o lugar — A Mulher das Neves vem de um conto, e não estou louco. Além disso, ela não é branca. Era morena; tinha um vestido longo fora de moda. — olhou de novo e não havia nada — Mas, como? Estava aqui há pouco. Não é possível ter ido tão rápido. Deve ter deixado alguma impressão digital.

    —Acho que não. — falou Tom, apontando o dedo para o abeto — Nada de nada, só as nossas próprias impressões. Tem seis, e não oito.

    Teve a tentação de cercar o abeto e checá-lo melhor. Tinha que haver impressões, que afirmariam que ela esteve ali e tinha ido embora. Mas, começou a duvidar. E se tinha sido uma ilusão? Mas, parecia tão real. Eu a vi, meus olhos não me enganam.

    —Não estou louco. Não tenho visões.

    —Sabemos disso, Miguel. — disse Elizabeth, cravando a vista em Tom, que se distanciava um pouco — Eu não a vi, não há provas... Mas, se você a viu, todos a vimos. — encolheu os ombros.

    —Isso não vale para mim. — Miguel resolveu muito sério. O que Elizabeth havia dito era como o que diziam para crianças para conformá-los, nada mais.

    —Vamos seguir Tom. Não vai demorar a nevar e teremos pouco tempo.

    Miguel foi atrás dela sem dizer nada, pensativo. Seguia dando voltas em seu próprio eixo. E por mais que o fizesse, sabia que era perda de tempo. Ele a tinha visto, isso era certo. E, se ela havia saído antes que seus amigos a vissem, isso era outra coisa. Mesmo que o mais estranho fosse a falta de impressões digitais ou qualquer rastro. Suspirou, resignado.

    Assim que chegaram à alameda, as nuvens começaram a soltar suas pérolas brancas.

    —Sabia! — exclamou Elizabeth olhando para o céu — Temos que voltar outro dia. Vamos logo para sua casa. Com certeza vai voltar a nevar com força.

    —Tem razão. Tom, volta, vamos embora! Está nevando outra vez!

    —Estou indo. Me esperem! — respondeu do interior do bosque.

    Não demorou para se juntar a eles, e se colocar a rumo da casa de Miguel.

    Como Elizabeth havia dito, começou a nevar com força. Os flocos pareciam moedas. E em poucos segundos, os centímetros de neve, aumentaram. Apressaram o passo, e não demoraram a chegar completamente gelados de tão frios, e de novo, com a roupa molhada, em casa.

    Miguel tirou a chave da calça com dificuldade. A sua mão tremia, e não conseguia pegá-la. Abriu a porta e entraram como se fossem um estouro de rinocerontes.

    No mesmo instante, suas bochechas ganharam cor, graças ao esplêndido calor que vinha do sistema de calefação.

    Miguel pegou o carpete que estava ao lado da porta. Limpou os pés e foi até o segundo andar. Pegou três toalhas limpas no armário do banheiro e desceu.

    —Peguem, se sequem. — lhes disse, passando sua própria toalha em seu cabelo.

    —Vamos manchar o chão com tanta água. — Elizabeth falou com lástima.

    —Depois eu limpo. Não se preocupem.

    Entraram na sala. Miguel pegou os três casacos de frio e colocou num cabideiro, que sua mãe tinha em frente ao radiador. Depois se jogou no sofá, como se estivesse exausto. Passou suas mãos no rosto e percebeu que Elizabeth o olhava fixamente.

    —Ainda pensando na garota? — perguntou. Miguel assentiu e com um jogar de mão, fez como se não tivesse mais importância. Não queria mais falar do tema. — Eu diria alguma coisa, mas você já sabe que...

    Miguel a olhou de soslaio, um tanto indignado. Continuavam sem acreditar nele. Mas, não podia fazê-los mudar de ideia, afinal, não tinha prova.

    —Pode me chamar de mentiroso, se quiser, mas sabem que nunca menti para vocês e nunca vou mentir. Não estou inventando nada. — resmungou e se pôs de pé. Queria deixar as coisas claras.

    —Miguel, nós sabemos disso, mas... — Elizabeth não continuou. Era evidente o que ela ia dizer. — O que quer que façamos?

    —Não tem que ficar dando voltas. Deixemos isso para lá. — o assunto já o assustava — Se acomodem. Tom, ponha o filme. Está em cima da mesa. — e saiu da sala, perguntando-se o que aquela garota queria deles, para segui-los e espiá-los. Não fazia ideia do porquê.

    Entrou na cozinha. Por que ficava dando tantas voltas para falar das coisas?

    Foi até o armário e pegou três pacotes de pipoca. Os colocou no micro-ondas e preparou três copos de limonada fresca, mesmo que algo mais quente fosse melhor para ficarem aquecidos. Pegou uma bandeja, colocou os copos nela e saiu.

    —Aqui. Já colocou o filme?

    Trevas do Inferno, não é? — inquiriu Tom, erguendo uma sobrancelha.

    —Não tinha outro filme, até onde sei. — Miguel falou — Não tenho nada quente. Foi mal.

    —Faz pouco que tomei meu café da manhã e eu pelo menos, não estou com muita fome. —Elizabeth falou, pegando seu pacote de pipoca e seu refresco.

    Tom, sem demora, antes mesmo de começar o filme, já estava comendo a pipoca.

    Miguel deixou a bandeja na mesa da sala de jantar. Pegou o controle do DVD que Tom lhe entregou e se sentou ao lado de Elizabeth. Se acomodou bem e se dispôs a dar play para que o filme finalmente começasse. Mas não o fez. Perguntou se queriam ver seu trabalho da Idade Média.

    Os dois assentiram.

    Miguel não demorou para ir ao seu quarto. Abriu a gaveta de sua mesa de trabalho e pegou uma pasta azul om seu nome em letras muito chamativas. Tirou um grande número de folhas, na qual na primeira página se podia ler: História da Idade Média. Devolveu a pasta à gaveta e desceu para a sala.

    —É este. — entregou a Elizabeth.

    Elizabeth olhou o trabalho por alguns minutos, enquanto Tom e Miguel continuavam comendo as pipocas muito calados.

    —Pega, Tom. — lhe entregou — Miguel, está bom, mas com 30 folhas fica muito pesado para ler.

    —Nada demais. O professor tem tempo de ler. — riu sem dar importância.

    —Sim, está bom. — Tom comentou olhando por cima, com certo asco — Não sei de onde vou tirar toda essa informação.

    —Eu tirei tudo de uma das enciclopédias do meu pai. Quer emprestado? — ofereceu Miguel, já pegando o seu trabalho.

    —Ok. Mas terei que correr muito para entregar esse trabalho amanhã.

    —Tom, não se estresse. Eu tenho que terminá-lo, esse quiser, nós podemos terminar juntos. –Elizabeth lhe propôs.

    —Claro que sim. — afirmou sorrindo — E o melhor é que como temos que fazer esse trabalho no computador, um pode escrever enquanto o outro pesquisa, não é?

    —Terão que mudar algumas coisas, senão ficará muito na cara. — Miguel foi racional.

    —Bobagem. Traga logo a enciclopédia, certo? — e meteu a mão no pacote de pipocas.

    Miguel deixou o trabalho perto da bandeja e voltou para o sofá. Pegou o controle e apertou o botão de reproduzir.

    Conforme o filme foi avançando, foi deixando eles com tédio. Onde estava o medo? Onde estava o suspense? Na locadora, haviam assegurado que aquele filme era um sucesso em muitos países e que ele não iria se decepcionar. E haviam feito uma bela propaganda. Não conseguia entender como aquilo tinha tido sucesso.

    Tom e Elizabeth acabaram dormindo. Miguel deu umas cochiladas, mas não chegou a dormir mais de três minutos, pois tentava averiguar o êxito escondido desse filme. Os diálogos chegavam como ecos distantes de tão ruins que eram. E depois, deixou de ouvi-los.

    Abriu os olhos devagar, com uma sensação estranha. Havia acabado a luz? A televisão estava desligada. Tudo estava às escuras. Não demorou para ir acender a luz, mas não funcionava.

    —Tom! Elizabeth! Acordem! — gritou. O filme não trouxe nenhum medo, mas aquilo o estava deixando todo arrepiado.

    Não obteve resposta de seus amigos. Estavam brincando com ele?

    Voltou ao sofá; se sentou e moveu a mão copiosamente na direção na qual se encontrava Elizabeth. Não estava ali. Havia desaparecido.

    —Não tem graça! Saiam de onde estão escondidos! — exclamou — O filme não é bom, eu sei. Mas, também não precisam fazer isso.

    Não teve resposta.

    Ficou nervoso. O que estava acontecendo? Onde estavam os seus amigos? Se estivessem se escondido para lhe assustar, já teriam aparecido, isso ele sabe.

    Girou a cabeça... e a televisão não estava lá. Havia sumido. E, no seu lugar havia uma das coisas mais estranhas. Um buraco negro, girando como as pás de um liquidificador.

    Subiu no sofá, horrorizado. Abraçou a si mesmo. O que era aquilo? Estava sonhando? Tinha que ser isso.

    De repente, um feixe de luz saiu do centro do buraco negro, e o cegou. Sentiu como se braços estivessem tirando algo dele, ou o levando para algum lugar...

    Quando recuperou sua visão, se viu dentro do buraco negro, dando voltas. O havia absorvido como se fosse uma boca.

    Girou numa velocidade vertiginosa. Sentiu o gosto da bílis em sua garganta. Umas luzes azuis e amarelas se intercalavam de vez em quando entre a espessura negra que o estava deixando mareado.

    Tateou aquele lugar com os braços, aguçando sua vista e buscando seus amigos. Tinha certeza que estavam ali. Mas não. Haviam desaparecido de sua casa e ali, eles não estavam. Onde eles haviam se metido então? Não gostava de nada daquilo que estava acontecendo. Nunca tinha se sentido tão aterrorizado.

    —Este é outro pesadelo? — se perguntou pronto para ter um ataque — Mas é tão real... É como se o buraco negro estivesse tragando tudo que encontrasse pelo caminho. E é impossível, porque só existem na galáxia. E Tom e Elizabeth. O que terá sido feito deles?

    Estava com a cabeça desordenada, o coração na boca, e estava a ponto de vomitar.

    Até onde o levaria aquele torvelinho? Parecia não ter fim.

    Para seu alívio, pôde ver um ponto de luz ao longe, mesmo que pequeno inicialmente, mas foi aumentando de tamanho.

    Estava vindo diretamente em sua direção.

    Assim que a luz o transpassou, ficou completamente cego quando os raios de solo surpreenderam.

    Já não estava dentro do buraco negro, mas suspenso no ar. Não estava gostando daquilo. E caiu em grande velocidade em direção ao solo. Ia se espatifar!

    Bateu numa grande rocha, com força. Sentiu uma forte dor em seus joelhos. Deviam estar completamente rompidos. Tinha que ser isso. Deu um grande grito. Vários pássaros saíram espantados.

    Não pôde suportar a dor, e além do mais com todos aqueles pássaros rodando em volta. Desmaiou por sua má sorte, e bateu com a cabeça em uma pedra. Uma brecha se abriu nela antes que ele ficasse completamente inconsciente.

    2

    Explicações

    DEMOROU DOIS DIAS PARA ACORDAR. QUANDO O FEZ, não foi tudo tão bem como ele havia esperado. Doíam seus joelhos e a cabeça, como se estivessem martelando sua cabeça, ou coisa parecida. Por que aquilo tudo? Porque estava ferido. Tinha bandagens, tanto em sua cabeça, como em seus joelhos.

    Se recordava pouquíssimo do acontecido. Sua mente era um quebra-cabeça que não estava se encaixando. E tudo parecia um sonho.

    Se sentou com muito cuidado, e foi uma tortura. Cada movimento era como uma faca se cravasse em suas feridas.

    Olhou em volta. Estava numa cama de solteiro, com lençóis azuis e um travesseiro fofo. Ao seu lado, havia um criado-mudo, com uma jarra de cristal que continha água. Havia mais dois criados-mudos e mais duas camas. As três estavam postas em círculo, ocupando a forma circular do quarto.

    Miguel tateou o lugar várias vezes, atônito. Onde estava? Aquele lugar não era nem seu quarto e muito menos sua casa. Será que ainda estava sonhando? Pensou. Tinha que ser isso. O buraco negro, o desaparecimento de Tom e Elizabeth, o golpe na pedra... Sim, tudo aquilo era imaginação. Mas, se era assim, por que tinha essas dores? Por que tinha os joelhos e a cabeça com bandagens? Não tinha pedras no seu quarto.

    Oh, o que estava acontecendo? Voltou a olhar em volta, de cabo a rabo. O buraco negro o tinha levado para outro lado. Sim, era isso. E tinha ido embora sem seus amigos. Onde eles estariam?

    Ordenou a sua mente. Tinha que se encaixar naquilo de algum modo. Não estava gostando daquilo. Mas estava buscando explicações. Algo que o fizesse compreender o que estava acontecendo ali. E também, encontrar os seus amigos...

    Tentou ficar de pé. E foi impossível. Assim que colocou o peso do seu corpo sobre os joelhos, desabou no solo, quase desmaiado pelo sofrimento de suas lesões. Tal foi o alarde que fez, que causou um dano em sua garganta.

    De todo modo, obstinado como era, tentou se colocar de pé novamente. Tinha que sair dali de qualquer maneira. E outra vez caiu, já estava chorando com seu padecimento.

    Se agarrou ao lençol com os olhos cheios de lágrimas. Conseguiu subir na cama, o que não foi uma tarefa fácil. Se acomodou, respirando entrecortadamente. A cabeça ardia. Fechou os olhos e tentou relaxar, e assim conseguir fazer com que as dores passassem. Não funcionou. Cada vez que fechou os olhos, as dores foram mais fortes.

    —Merda! Tudo acontece comigo.

    Ordenou sua mente novamente. Desde o momento que havia saído de sua casa, batido a cabeça na pedra e depois, escuridão. O golpe o havia deixado inconsciente, Então, nada daquilo era um sonho. Tudo era real.

    Um profundo temor se apossou de seu corpo. Como tudo aquilo havia acontecido? O buraco negro parecia magia! De onde havia saído? Aonde havia o levado? E os seus amigos? Talvez tivessem sido levados para outro lugar. Haviam desaparecido antes dele!...

    Começou a chorar, preso a sua própria angústia. O que ia acontecer a partir de agora? Fechou os olhos. Se encostou, limpando as lágrimas que lhe escorriam pelas bochechas. E temendo por sua vida e pela de seus amigos, acabou dormindo. E as dores pararam.

    ––––––––

    O sol de um novo amanhã inundou o quarto. Miguel tinha passado 24 horas dormindo, sem levantar nem para comer nem beber algo. A dor das feridas o tinha feito mergulhar numa profunda letargia.

    Sonhava. Uma voz doce falou com ele, a voz de uma donzela com a qual ele se encontrava num jardim repleto de rosas vermelhas. Parecia com Elizabeth, mas não dava para distingui-la direito. Seu rosto estava como borrado. Estavam sentados em bancos de pedra, enquanto a lua lhes acariciava os rostos e eles comiam uvas.

    Miguel... Miguel...

    Ele sorriu, abobado.

    Miguel...Miguel... Acorda. — a jovem o tocou com um dedo. Ele quis exagerar o movimento para fazê-la sorrir, mas acabou exagerando demais e caiu do banco.

    Abriu os olhos e tocou seus joelhos. Deu um grito. Aturdido, se levantou e se sentou de novo na cama, com os olhos cheios de lágrimas, e seus joelhos completamente adormecidos.

    Tateou várias vezes à sua volta. Entre o cristalino de seus olhos, distinguiu borradamente três pessoas. Indubitavelmente duas delas eram seus amigos, mas a terceira pessoa. Quem era?

    Era uma jovem, quase da mesma idade que Elizabeth. De todo modo, parecia um pouco mais velha. Era muito bonita e magra. Tinha grandes olhos verdes. O cabelo castanho caía por seu cabelo, entrelaçado numa trança cheia de amapolas e margaridas. Suas roupas, pareciam ter passado da moda. Vestia um vestido comprido, marrom, mesmo que decotado. Sua cintura estava marcada por um grande cinto de fivela dourada, que funcionava como um corset. Suas mangas eram largas. As dobras da roupa e em volta do pescoço estavam bordadas a ouro.

    Ficou parado. Sua roupa o fazia recordar algo, mas não sabia bem o que.

    Voltou seus olhos para os seus amigos. Uma alegria súbita lhe subiu pelo estômago, como uma cosquinha. Oh, estavam bem! Não havia acontecido nada com eles! Isso queria dizer que o buraco negro os havia levado junto com ele... Mas era estranho. Quando eles haviam desaparecido, só viu o buraco negro depois de um tempo. Será que estavam lá e seu pânico não deixou que os visse?

    —Miguel, você está bem? A queda... Você gritou de dor... Só te toquei um pouco... — falou Elizabeth se abraçando a ele.

    Miguel aproveitou o abraço, feliz de estar vendo-a novamente. Não pensou que voltaria a vê-la, nem mesmo Tom. Estava muito feliz de tê-los ali.

    —Fique calma, nos sonhos faço loucuras. — riu — Gritei e tenho várias feridas.

    —Oh, claro, não me lembrava. Você teve muita má sorte. — sua voz soava angustiada.

    Tom colocou Elizabeth de lado e se aproximou de Miguel. Lhe deu a mão.

    —Gosta de estar doente? — Tom disse com ironia — Fico feliz que esteja bem, dentro do possível. — girou em direção a garota que estava impassível — Essa bela garota é Aglaia.

    Miguel cravou sua vista nela novamente. De perto era ainda mais bela e seus traços, um tanto familiares. Queria se lembrar de onde, mas não conseguia. Havia um lago em sua mente.

    —É um prazer. — falou. Esperou que ela se aproximasse e lhe desse dois beijos nas bochechas. Mas ela não se mexeu, então ele só estendeu a mão.

    —O prazer é meu. — ignorando o gesto de Miguel, fez uma reverência.

    Miguel não demorou para recolher a mão, com uma sobrancelha arqueada. Por que ao invés de aceitar sua mão fez aquele gesto? Aglaia tinha algum problema mental?

    —Desculpe, mas, por que você fez isso? Não sou ninguém importante. Pode ser que você tenha me confundido com alguém...

    Mirando para ele fixamente, quase o intimidando, respondeu.

    —Não me equivoquei, sei muito bem o que faço. Você é o único que acha que não é importante. — esboçou um leve e doce sorriso.

    Tais palavras caíram sobre ele como um balde de água fria, e não somente para ele, mas também para seus amigos. O que estava insinuando? Que ele era importante? Que loucura. Claro, era um jogador de futebol, jogava numa equipe da 1ª divisão, ganhava muito dinheiro, aparecia na televisão. Claro, era isso!

    —Você está me reconhecendo, não é?

    —Não é uma questão de reconhecer. — voltou a ficar séria .— Talvez no seu mundo você não seja tão importante, mas aqui sim.

    No seu mundo? O que ela queria dizer? Que não estavam mais na Terra? Aquilo estava ficando estranho. Olhou para seus amigos e aquilo não pareceu surpreendê-los. Será que sabiam de algo?

    —Você acredite ou não, Miguel, foi eleito como o nosso salvador. Você é o Salvador. O salvador do país de Lort.

    Miguel balbuciou um surdo, o quê? Completamente louca, pensou. Como assim Salvador? Que Salvador? E de que país? Lort existia, ou ela tinha inventado? Recapitulou um pouco. Bem, não estou na Terra. Veja por partes, Miguel. Se você não está na Terra, está em outro planeta, ou não sei aonde. E talvez nesse lugar tenha um país chamado Lort, certo?

    —Bem, você diz que me conhece como o Salvador. O que você supõe que eu fiz para merecer esse título? Ainda mais, nem sequer conheço esse país do qual você fala. Onde estamos, Aglaia?

    —Você está num mundo paralelo ao vosso. Agora mesmo está em Manes, um dos reinos de Lort. E Lort é uma das cinco ilhas que compõem esse mundo.

    —Isso entendi. E o que foi que eu salvei?

    —Nada, por enquanto. Mas espero que em breve, o faça.

    —Não quero rodeios. — exclamou indignado. E se estava mentindo?

    —Queres que eu te explique tudo para que entendas, certo? — retificou-se.

    —Claro. É nisso que dá começar a casa pelo telhado.

    —Como?

    —Nada. Se explique, por favor.

    —Disse que você é o Salvador, porque se nos ajudar, nos salvará da ira de Geptalon, e de sua esfera.

    —De quem? — perguntou.

    —Geptalon. — falou se sentando na cama ao lado.

    —Então, ainda não sou o Salvador. Não fiz nada!

    —Miguel, não seja grosso. Deixe que ela fale. — grunhiu Elizabeth, sem tirar o olhar de Aglaia.

    —Vocês sabem de algo? 

    —Não nos contaram nada. Isto é tão novo para mim quanto é para você. — assuntou Elizabeth.

    —Geptalon é o ser mais desprezível que já pisou neste mundo. É o maior bruxo que existe e desgraçadamente, de Magia Negra.

    What?I don’t understand anything.

    —O que disse? — Aglaia ficou completamente desconcertada com aquele novo idioma.

    —Aglaia, as vezes ele fala em inglês. Significa: O quê? Eu não entendo nada. — Tom traduziu imediatamente.

    Aglaia sacudiu a cabeça um pouco nervosa.

    —Aglaia, você está nos enganando? Em que mundo estamos para que exista Magia Negra e bruxos? Na Terra, isso acontece nos contos de fadas. Estou sonhando. Não é isso? Magia não existe. Ah, claro. Agora entendo porque aquele buraco negro apareceu na minha sala e nos trouxe aqui. Tudo magia.

    —Deixe de ironias, por favor. — Aglaia pediu mais séria — Aqui,

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