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Um Deus Bom
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Um Deus Bom

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About this ebook

          Os deuses dos atenienses não impediram suas derrotas para Esparta, o deus dos astecas e incas não os livrou do extermínio espanhol; o dos cristãos não os arredia de carnificinas do deus muçulmano na Nigéria e alhures; em verdade, o deus da maioria, até agora, é somente promessa. Bem como, haveremos de trazer à lembrança a desdita dos tantos povos africanos, que a tantos adoravam nas suas tribos e províncias, mas nenhum dos seus deuses se levantou para salvá-los da morte crua, amarrados nos navios negreiros europeus, e depois jogados no mar, para servirem de alimento de tubarões famintos.
          Aqui, este Deus Bom cuida de tudo explicar sobre este tremendo precipício entre a onipotência e a justa bondade, entre a onisciência e a plena realização das criaturas; que foram feitas para ser felizes, mas vivem naufragadas no medo, alimentando-se do eterno esperar.
          De vera, aqui, gesta-se um deus que consegue ser bom sem precisar de ser mau; sem carecer de maldades como condição de sua existência e projeção.

LanguagePortuguês
PublisherZé Valteno
Release dateJun 2, 2017
ISBN9781386677864
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    Um Deus Bom - JOSÉ VALTENO DOS SANTOS

    SOBRE O AUTOR

    *Sergipano de Laranjeiras / Sergipe. Concluiu o curso de Letras Vernáculas na Universidade Federal de Sergipe, e bacharelado em Direito na Universidade Federal de Alagoas. Atuou por muitos anos como professor de Literatura Brasileira, e é servidor público.

    Tem sua temática visão singela e ao mesmo tempo homônima, plural. Retrata, por necessidade, os ´sim´ e os ´não´, o fim e o aparentemente infindo; o ser humano e os seus mistérios.

    INDEX

    ––––––––

    *Prólogo —————————-  05

    ––––––––

    I - Da Qualificação ——————————  09

    II - Da Criação ——————————  34

    III - Do Gozo ——————————-  87

    IV - Da Vida ——————————-  105

    V - Logro ——————————-  146

    VI - Malogro ——————————-  181

    VII - Atos e Atitudes ——————————-  198

    VIII - Forma e Conteúdo—————————  239

    *Por meio do prazer e do equilíbrio tem-se a chave para a felicidade. Essa há de ser a contínua busca do ser humano, para o que carecerá de liberdade, de amizade e da reflexão.

    (Epicuro)

    *Não concordo com uma só de suas palavras; mas lutarei até a morte, para lhe dar o direito de dizê-las todas.

    (Voltaire)

    PRÓLOGO

    ––––––––

    A mente humana comporta qualquer céu e qualquer inferno. Assim, niilista não sejas, porquanto saibas da tua capacidade criativa. Esta obra nos fará saber que, quando verdadeiramente bom o criador, somente se terá uma criação de bonança e paz; com criaturas equilibradas, solidárias e felizes. Doutro modo, veremos o que os deuses maus fizeram com sua criação – questão de escolha. Desde os recém-nascidos incendiados em Sodoma e Gomorra e cercanias, a obrigar um filho inocente a passar por sangrento calvário e morrer crucificado; simplesmente, porque não se quis usar de sua onipotência e consertar tudo, com um só toque de dedos. Considerando a sua desmedida sabedoria, percebe-se que os maus criadores já no princípio premeditaram humanidades nefastas e do miserê – com muita guerra, barbárie, fomes e escravidão -; com muita morte; pois que desde antes eles já sabiam onde se ia chegar. Nenhum deus tem uma onisciência apenas relativa, que lhe permita planejar uma coisa, mas sair outra. Hão de saber de tudo, desde antes do primeiro traço.

    Por exemplo: projetou-se um mundo que teria como pioneiros dois desobedientes: adão e eva. E, provada a falha, não eliminaram aqueles dois que adiante poriam toda a sua criação a perder; preferiram deixar o barco correr, para matar milhares e milhões depois, de forma ignóbil, como os 200 mil midianitas assassinados, sem contar os 20 milhões engolidos pelo famigerado dilúvio. O livre arbítrio valeu para adão e eva, não para milhões como moabitas, filisteus, amorreus, cananeus etc., trucidados debaixo de pestes, pragas, tempestades e outros sinistros divinos. Ninguém escuta o que tem a dizer do livre arbítrio aquele pessoal que fora fulminado pelo seu deus, somente porque preferiu alimentar-se com codornizes do Egito; coitados que não tiveram liberdade nem para escolher a sua comida.

    Evidencia-se, pois, cruenta dádiva: desde o nada, sabia-se que haveria rebelião, e que tantos dos filhos iriam ser arrastados para o pecado; por isso se construiu um imenso auschwitz nas trevas, para ali serem depositadas essas sucatas humanas (ou melhor, divinas; pois que se dizem geradas por um deus). Veja que o ´satanás´ tenta, destrói, esculhamba a criação e não é debelado pelos deuses tão poderosos; nem há reação séria; isso durante todo o tempo. Ninguém sem brocas no teto vai imaginar que um deus justo, previdente e onipotente, fez direitinho seus projetos, e foram os filhos desobedientes e tortos que os destruíram completamente. Quem pode mais, ou melhor, quem sabe do ontem, do hoje e do amanhã? A coisa é mesmo danosa e pífia desde o nascedouro, desde a concepção. Natimorta, natimortos. Vê-se, pois, que eles usam de dois pesos e de duas medidas. O ´demônio´ faz o que todos dizem, pinta o oito, e não é consumido. A mulher de ló, só para lembrar-nos de um caso, porque olhou para trás, quando o seu deus não o queria, foi morta e petrificada. Assim, demonstra-se mais apreço pelo ´diabo´ do que se teve por aquela pobre infeliz. Mas o sr. helen, criatura que fica toda tarde lá na Praça Sinimbu com o microfone, propagando dos ensinamentos do seu criador, foi claro em vaticinar que tudo é do desígnio de seu deus, e vem somente para confirmar a sua glória. Oh, caminhão de vaidades, bendito sede! Todos esses métodos e moldes cruéis e facínoras vêm, para firmar a sua fama e prestígio – ufa! E o que mesmo significa fascismo?

    Aqui, discute-se, inclusive durante o multicolor Quingentésimo Octogésimo Primeiro Congresso Planetário dos Deuses, da sanha, avareza e esquizofrenia dos maus deuses – no Ocidente e no Oriente; onde todos deram tiros no pé. Nenhum criador foi capaz de fazer somente filhos bons ou de bem retificar os ruins. Vê-se, ainda, que a apologética é o caibro de sustentação dos deuses maus ou, antes, a sua medula – isso é tudo. Mostram-se, dos vários tipos de deuses - dos que priorizam e consagram o livre arbítrio, em detrimento de todo o resto, inclusive de sua própria honra. Esses, malogram em tudo que traçam, têm fracassado tudo o que gestam, tudo que dão cor, que pintam forma. Por isso, além de crucificar inocentes para reparar tropeços, têm de reformar continuadas vezes a sua criação, com dilúvios, com pestes, trevas e sinistros de enxofres e tantos outros; e nada. Outros deuses há, que têm por bem adotar o livre arbítrio parcial – na criação desses, a sua criatura está absolta (alforriada) apenas para fazer o bem. Sabe-se, ainda, dos criadores que instituíram o livre arbítrio condicionado – tu podes deixar de louvá-los, com clamores e quebrantamentos, sacrifícios e penitências, contanto que sigas reto.

    Saberás de outro deus que concebera a sua criação inteira de satisfação, plena de realização e una de significante e de significado. Na criação deste, não se fez instituir o livre arbítrio, pois tendo sido os seus filhos feitos recheados de Equilíbrio, Solidariedade e Ternura, somente a bondade, a fraternidade e o amor se veem brotar em suas searas. Em verdade, livre arbítrio é para os deuses que optaram por livre arbítrio; afinal, livre arbítrio é para quem dele precisa. Bem como, mirarás do ostensivo politeísmo moderno, que célere graça entre nós.

    Conferirás, também, que as criaturas menos sofridas, mais dignas e mais vivazes no Planeta Terra são os que nunca viram, não têm e não conhecem deus algum - a maior parte da Europa, principalmente escandinavos. Ah, aqui, saberás de bonanças, e degustarás da maravilhosa criação de um deus bom. Mais, agora, estou cônscio da lição do mestre grande francisco dantas – do Departamento de Letras Vernáculas da UFSE: você somente precisa ver com quem fala, somente isso – que há de ter pré-requisitos para ouvir o que se tem a dizer. Depois disso, tudo pode ser dito. Pois que algo dito a quem não está preparado para ouvir pode lhe custar muito – até a vida.

    Antoninnu, desde o útero ouvia sobre seu deus.

    Nasceu e cresceu vendo e aprendendo sobre ele...

    Não há outro deus verdadeiro para antoninnu – não existe.

    DA QUALIFICAÇÃO

    ––––––––

    Este não é de verdade nem de mentira, é um deus bom. Ele se quer um deus que exista, seja válido e se mostre eficaz. Tolerar maledicências em seu domínio não é característica sua. Não consente a ideia de o mal vir a habitar sua criação; mesmo considerando que chega ele em tempos já sabidamente carregados. Nesse ponto, o curioso é que os primeiros a construírem uma criação encontraram o nada, e nele se erigiram. Logo, não havendo ainda o mal, criaram-no; e, logicamente, o alojaram, dando-lhe guarida dentro de seus domínios. Mas, entende tu, isso é ideologia divina. Cada deus tem a sua, que o leva a fazer e a gerar a criatura a seu gosto, a criação que lhe apraz. Um deus bom somente faz coisas boas. Coisas boas são boas para nós seres humanos, coisas ruins são ruins. As coisas boas de um deus são boas e suas coisas ruins não têm outro nome. Um deus bom sabe de tudo, é onipotente e está em todos os lugares, sempre que deseja. Ora, este deus que se gesta, pela sua honra, e para a plenitude de toda a sua criação, o que lhe vem como sua única e verdadeira glória, por princípio, apenas fará coisas maviosas; desde o preambular rabisco na prancheta de seu projeto. Pois que assim ele quer e pode; pois que desse modo ele sabe que será. Todos, logo, notarão que este deus é fantástico, que este é excelso. E olharão para frente, para trás ou para os lados, e só verão coisas boas. Não se poderão alvejar o bem e o mal na cúria deste ser divino; mas somente o primeiro. Não haverá, aqui, demônios nem infernos, porque coisas do mal; portanto inconcebíveis com os desígnios deste meu deus bom. Escolher um e / ou servir a algum deus não hão de trazer somente dissabores, sendo exceção apenas os poucos momentos em que cânticos de louvor permeiam o conjunto neurológico da criatura e lhe enlevam ao nirvana. Seguir um deus justo há de ser uma plenitude de vida, não mapas de um perpétuo esperar. Os deuses que se apresentam, aí e acolá, são inconciliáveis e insustentáveis dentro da forma que nos mostram os seus apologetas, que os dizem sábios e justos, oniscientes, onipotentes e onipresentes; pois nada disso referidos pupilos fazem valer. Para começo, carecem demais de louvores – é o oxigênio e inseparável antidepressivo deles. Triste começo. Filho de peixe é peixão. De tal modo, criaturas imperfeitas precisam de muito adorar o seu criador e ofertar-lhe sacrifícios, do contrário não terão nem promessa de salvação; e o casamento está ajustado. Mão e luva. A luva fora desenhada e feita para suprir as necessidades da mão; aquela que não se encaixa, que não se veste, é descartada. Mas a mão não somente fez luvas ajustadas; eis o deslize necessário. Depois de feitas, têm as luvas a obrigação de se esticarem, de se adaptarem aos gostos e plasticidade da mão artesã. Mesmo as não de látex. Assim tem sido. E a luva que desfaça o nó, porque à mão corre água fresca e vem sombra larga. Entretanto não tardará e teremos à disposição um deus que te acolherá como filho e te dará o que tu mereces sem câmbios prévios, sem pendengas ulteriores; pois, ainda que sem louvores, ele continuará deus. Embora sem sacrifícios, suas criaturas lhe serão dignas e benignas; não haverá escambo em seu reino. Louvores não serão moedas nem sacrifícios se farão duplicata ou passaporte. Assim será, porque para se realizar ele não carece mesmo de encômios, de bajulação nem de mercancia. De tal sorte, sempre boas serão as crias de um deus bom; perfeita será a criação de um ser perfeito – diferente não houvera de ser. Confesso: estivemos, desde sempre, propensos a conceber um deus que, ao invés de apelar por doações, as ofertasse. Nessa questão há três tipos sabidos: os que dão dízimos e ofertas, os que recebem, e os que nem uma coisa nem outra. Nota-se um certo grau de desajuste em fazer criaturas necessitadas, como igualmente há despautério naqueles deuses que aceitam, imploram, carecem e mendigam dos ganhos de suas crias. Somente pode perceber isso quem olha a realidade e dela tira seu sumo. E tal não se consegue, ordinariamente, com as lentes do inconsciente. Pois que o inconsciente não raciocina, não tem tino; é latência. O inconsciente é motor construído e constituído, nas suas esponjas, de alhos e bugalhos. Se as experiências de cada um recheiam-se mais de alho, tem-se uma vida temperada, quando se experimenta mais do segundo, tem-se a inconstância no gosto e demais sentidos. Transportar-nos de nós e até nós é preciso, porque a autotranscendência nos é apenas um meio. O inconsciente é formado e conformado pelas imagens do externo que permeiam, que visitam e revisitam o nosso ambiente interno; qual uma caldeira, derretendo-lhe, fundindo e moldando, a seguir, todas as nossas concepções, atitudes e ações externas, fechando-se um ciclo do que entra e nos permeia, do que sai e nos apresenta ao mundo. A informação, assim, é uma arma perigosa; porque ela acorda, ela anima e muda as pessoas. Por isso tanto temem em dizer aos povos dos seus direitos e dos seus milhões. Também dos direitos sobre a vida e de se ter um deus que promova o viver (facilitando-a) e não a morte constante (impedindo-a). Um deus bom é sábio; além de onisciente, onipotente e onipresente. Não é apenas sabedor, é sábio. Não prevarica nem se descompromete, não olvida, não se isenta; e é humano, para ser sagrado.  Assim que se der por criado este deus, não será ele um ser ideal, mas real. Os seus céus serão de todos, como láurea sua e galardão; pois que ninguém, por cá, haverá de ser lobo de ninguém. Ideal é o ser sagrado, infinito, perfeito, capaz, inatingível. Sucede que o meu deus bom, antes de tudo, será real; porque porá em uso as suas potências, até sempre e desde sempre. De nada lhe servirão o tudo-saber, o tudo-poder, se fracassados acabarem os seus engenhos. Este jamais dimensionaria uma criação e uma criatura desajustadas, para depois ainda se auto nominar sábio e justo. Tal será positivamente a sua maior distinção: um deus cognoscente, altivo e brioso. E não é redundância. Disso, é inescusável se ressaltar, que por certo todo deus haveria de ser muito sabedor, muito poderoso e sempre presente. Porém os maus sempre deixam algo de inexplicável. O deus ora concebido fará uso desmedido de sua constância, de sua sublime potência e de sua manifesta sapiência; por isso o dizemos prudente e primoroso. Porque precavido, pesará todos os vieses inimagináveis desde os primeiros traços nas planas de sua criação; altivo, porque nunca deixará de previdentemente agir para a bem-aventurança de sua humanidade; brioso, justo porque jamais dará azo a liberalidades quaisquer que comprometam o absoluto e irretocável sucesso de seu projeto. Tudo dele virá para a magnânima inteireza de sua glória, e para a plenitude e concórdia de sua concepção. Logo saberão todos que o sucesso de sua criação é a plena bonança; é o inteiro bem-estar de toda criatura. Daí, vem essa sua alcunha, esse seu batismo: um deus bom. Pois, por outros lados, certificamo-nos, há deuses que são verdadeiros escroques, em tudo desbragados.

    No início, deu-se grande polêmica, sobre o nome deste ser – se haveria de se chamar Um deus bom ou Um deus que não era mal. Nesse ponto, foi que tive de discordar da minha criatura: chamar-te-á Um Deus Bom; apesar de ele mesmo sugerir intitular-se um deus que não era mal. No entanto não me deixou claro se assim propunha, porque idealizava que ser bom é já a obrigação de todo deus ou se seria de o segundo vocativo lhe distinguir dos demais. Um deus poeta. Eis quem mais aconchega equilíbrio, perseverança e solidariedade! Um deus tenaz vem mesmo de tudo poder. E este deu de clonar o DNA de graciliano, zumbi e rousseau, para distribuir exemplares aos milhões pelos parlamentos de todo o mundo. Vejo-o, muito, a recitar sartre, bandeira, pessoa e brecht. E a cozer os próprios versos em tudo o que versa e pulsa.

    Antes, porém, alertamos: tudo que se desenha existe. E um desenho – uma vez desenhado, pronto - existe como desenho e como espectro do que fora estruturado, do que se faz representado no desenho. Em verdade, é mais que um alerta; é isso um apelo.

    A adolescência é estágio insólito e não haveria de ser eterna, deveria ter limites; mais ainda para oniscientes. Porém alguns deuses não têm ponderação. Neuróticos. São pura adrenalina; não conseguem desvencilhar-se dela; com a adolescência fizeram consórcio. Conheço um deus masoquista e muito sei do sadismo de outros.  Mais já vi daquele.  Os sádicos determinam sinistros, para, adiante, contemplá-los. Os masoquistas, entretanto, não param de fazer transplante em sua fracassada criação; tanto fazem, chega a nos parecer engodo. Mas, reconheçamos, os deuses de que falamos transitam ainda pela Era medieval. É verdadeiro, há-nos ainda muitos antigos e primitivos também. Somente os deuses neopentecostais, provas são somente o que há, assimilaram tons iluministas - da parte putrefata, está claro. Onisciência, onipotência e onipresença são as principais dimensões de que se vale um deus, para fazer-se um ser real. E todo o destaque se dê para a sua lanterna, o tudo-saber. As demais dimensões suas interagem com o intento de realizar, de materializar a sua sapiência. Não consegui encontrar uma só pessoa no mundo disposta a servir e a se entregar perdidamente, de unhas e dentes, a um deus duvidoso; que vacile quanto ao que quer, que tenha dúvidas no que faz, bem como no que deixa de fazer. Mas deus que age desse modo é somente o que se tem. Um deus bom jamais olvidará suas potências, seu esplendor; não se esquecerá da pala nem do cálice. Ele não será somente firmamento, metafísico, psiquè; far-se-á igualmente somático, da vida finita. Eis um deus que se alcança; porque na vida e eminentemente para a vida. Há quem faça deuses para a morte; para colher glórias e louvores sem fim, ditar castigos, e ofertar promessas do depois.

    Li em uma estrofe deste deus que ora se gesta, lá nas anotações em seus proclamas: "Não se cultue, sequer furtivamente, o fascismo dos encômios nem o despotismo dos castigos". De tal modo, ele não admitirá fatwa, guerra santa, fogueiras ou balcões sob seu nome. Nem burca ou xador; nenhuma espécie de hierarquia feminista ou masculinista; pois que na sua praia as relações se darão de modo que a fêmea não seja somente reprodutora nem o macho se suponha a excelência da função mantenedora. Nesse ponto, vem-nos o asco que um deus, dos mais procurados e adorados em todo o mundo, demonstra pelas mulheres, quando manda seus porta-vozes assinalarem: Aquele que repudiar sua mulher torna-a adúltera; e quem casar-se com a repudiada comete adultério. De tal sorte, para esses até a ação errática do homem é um tributo a ser pago pela mulher. A natureza de um deus bom o meu tem. É um deus democrático; onde já se viu isso? E congrega a mulher como igual, que perfeito! Por isso ele determina se fazer imprimir nas bandeiras do empirismo o feminino de papa. Tem-se aí um outro norte. Deve ele ter sabido de joana, a aproximar-se do Coliseu. Um ser que não precisará de usar porta-vozes tu terás. Aqui, com este, todo o gênesis machista será inexoravelmente revogado. A obrigação e satisfação de um DB (deus bom) é fazer-se usina de felicidade para os seus, não um engenho de espera e dores. Que se saiba, somente um deus, acolá, montou uma manufatura de santos; ora, a todo vapor. Este, conosco, estabelecerá escala de critérios para a eleição de santos em seus domínios; onde nada cita sobre anjos, arcanjos ou querubins - lá se vendo referências a vandré, kant, nietchze, sartre, drumonnd, lima barreto, da silva jardim, paulo freire e gilberto, patativa e frei caneca; suassuna, boca do inferno, sandino e ernesto guevara de la serna; wladimir maiakowiski, neruda e seu carteiro; vila-lobos, zumbi, benário e herzog; sebastião bernardes de souza prata, conselheiro, tarcila, del piccha e seus passeiros; castro alves, preto velho, chowmski e alende, gonzaga (o filho), s. zé paulo da macacheira e marley; d. bebé lavadeira, trotski, rousseau, pessoa e chao do pife; rogério dias, joaquim josé e belchior; zé ramalho, niemeyer, e os chicos (césar, mendes e buarque); juruna e baleiro e salgado, tolstoi, turing, rubem alves e morus; clístenes e sólon, e mestres e seguidores seus, o velho graça ali não faltaria, e luciano de Samósata – um sofista, quem diria? Lá, veem-se raul, elomá e vital; geraldinho e changai. Também figuram plutarco, feuebach e engels, richard bach, elis e lennin; galilei, rushidie, habermas e toiybee, jon sobrino, bakhtin, spinoza e hoonaert; bandeira, brecht e david yallop; ricardo arjona, baleiro e lenine. Ah, desculpas - logo no início da lista estão casaldáliga, arns e jorge de lima, e também calheiros, o bispo. E, adiante, bertran russel, cazuza, edward said, hugo e amadeus. Ainda vi o violeiro versinho santana e prof. José paulino da silva, a pescadora dedé, além de amando fontes, tantos bispos comunistas e camponeses arruinados;  e a bela maria caruaru.

    Já nas primeiras evoluções dos tempos, a exemplo da criação de códigos linguísticos, os pendores estéticos do deus bom estruturam-se com significante e significado. O primeiro anuncia, o segundo interpreta. O significante é a imagem do que é e do que será, é o fato, a ação; o significado é a reação; o resultado reflexo que restará por dentro e por fora de cada uma das partes e do todo. Um e outro são, pois, a diversidade e seus sentidos plurais. Porque sabe, de antemão, que diversas serão as criaturas, ambientes e coisas de sua criação, o deus bom conceberá a multiplicidade de tons e de elementos como signo primeiro da comunicação, da beleza e do deleite. Por isso é que babel aqui para este deus esvazia-se de sentido. Ah, como manja ele de semiótica; neurolinguística é o seu carro e a sua roda! Tenho comigo ainda a sua primeira lição na lousa, a que chama de máxima: Nenhuma ideia existe até que algum signo lhe dê corpo e lhe apresente à vida.

    Nota-se nele um deus sapiente, porque em tudo ponderado! Rememoremos, ainda que de revés: culto é aquele que muito sabe de cultura, dos feitos, da história. Este deus é, ademais, racional, lógico e terno. Um sábio. Aliás, todo deus haveria de ser precavido. Diferentemente, os maus cometem injustiças até contra si próprios; veja lá contra as suas criaturas! Por falar em maldade, não sei bem qual a real intenção, alguém querendo desmantelar a reputação de um deus, lá no congresso dos deuses, fez publicar essa narrativa que demonstra sobre o caráter e o perfil de determinadas criaturas:

    "Nita e joão mitro tinham uma filhinha – a linda lênia. Esta recém-nascida era mesmo muito vistosa, uma lindeza; mas a sua mãe nita era bela por demais. Tão formosa que chegou a popularizar este adjetivo naqueles rincões sertanejos. Por ali, em casos que tais, sempre todos usavam os termos bonita ou linda. Até que surgiu a incrivelmente faceira e já muito exuberante nita, no alto dos seus 13 anos; mas já então publicamente enamorada pelo coleguinha de classe, o guitarrista da banda mirim joão mitro. A partir do seu aparecimento, de tanto ouvir, de tanto falar-lhe, é que as pessoas do lugar passam a se acostumar no uso do adjetivo bela.

    Não tardou - dois ou três anos – e eles se uniram, após a notória gestação da filhinha. Porém antes de completar quatro anos de idade, a menina lênia estava órfã e a bela nita viu-se viúva.

    O guitarrista, que saiu nas primeiras horas da madrugada para Salvador, onde iria comprar acessórios e equipamentos de som, sofreu um acidente fatal em uma curva nas imediações da cidade de Alagoinhas e, voando do carro, teve seu crânio estourado no asfalto. A consternação foi geral, e a pequena cidade do sol tremeu de comoção. O que ninguém desconfiou jamais é que aquele fim trágico do rapaz tivesse uma motivação – a volúpia e a formosura de nita é que levaram o seu amado à morte. Tudo fora programado pelo sogro fazendeiro. O pai do guitarrista inclusive estrategicamente ofertou dinheiros para o filho comprar novos instrumentos. E, também, na hora da partida, pessoalmente, lhe entregou aquela garrafa com suco de goiaba com uma eficaz substância que lhe entorpecera para o sono da morte. Nita ficara viúva abruptamente.

    Agora, pronto. Fazia anos que a nora estava órfã de pai e mãe, e o sogro ardiloso estava livre para concluir sua empreitada – dá o bote na nita. Assim foi, e tudo lhe sucedeu como o planejado.

    Em uma tarde alegre, em que estava arrumando a sacola para ir à maternidade dar à luz o seu primeiro filho depois da morte do guitarrista, ela se surpreendeu ao reencontrar dentro de uma pequena caixa uma carta que o seu amado te entregara, dias antes de falecer. Já muito afeiçoada ao seu novo amante (ex-sogro), ainda assim se fizeram notar grossas lágrimas deslizarem pelas suas faces. Porém leu compassivamente o achado até o fim:

    (Mulher,

    Eu já não sou o mesmo. Depois de você, inexoravelmente, sou um outro ser - mais burilado, mais civilizado, mais humano.

    Nita, com você, posso crer ser o amor substantivo concreto; e, depois de nós, posso anunciar que a vida vale a pena, que a felicidade existe.

    Sejamos felizes, até sempre, portanto.

    J. mitro)

    ––––––––

    Nita teve mais dois filhos com o sogro; mesmo este permanecendo com a esposa, a mãe do guitarrista, que morava a menos de quinhentos metros. A cidade se escandalizara. Mas nada foi diferente.

    Por cá, este deus emprega dos saberes tantos, para evitar dificuldades futuras, contornar procelas iminentes, conter hipóteses de anomalias e perdas. Um deus assim não terá que fabricar maledicências e sinistros, não ordenará carnificinas, pragas ou pestes. Nem queimará seu filme montando calvários e crucificação. Nunca, jamais, carecerá de criminosos dilúvios. Nada disso passa pelo seu projeto. Todo ser que se vale de racionalidade somente investe ou se investe em algo que lhe dê lucros – mais amizade, mais conhecimento, mais prazer, mais frutas ou mais vinhos; nunca no que lhe traga contendas, prejuízos e derrotas. Este deus, sendo sapiente, racional e excelente, não se olvidou, obviamente, de afastar de seus planos a ocorrência de forças capciosas, de entidades nefastas, de figuras polutas. Aqui, somente vingou, ou antes, apenas projetou o bem; porque somente o bem queria em sua humanidade e para os seus. Como todas as coisas estão sob o seu domínio, o mal nem veio a existir; pois já estava sob controle. Eis um deus por inteiro. Eis um deus na medida. Ingresso não há deveras para a maledicência na criação deste deus benigno. Como o pato nasce já nada, igualmente as criaturas de um criador bom já chegam navegando nas entrelinhas; pois são esculpidas para a sabedoria, e desde o útero já lhes vaticinaram que tudo o que aprendemos ou apreendemos se nos vem por meio de imagens; que toda aprendizagem humana se dá a partir de certo nervo óptico, onde se classificam cada som e plasticidade da mensagem recebida e seleciona-se e sintoniza-se o correspondente arquivo que temos em nosso cérebro; ali, naquele dispositivo nevrológico, produzem-se e se guardam arquivos novos quando conteúdos inéditos são captados. Por isso, têm os seus filhos o pleno controle do dizer seu e do dito de outrem, e mais ainda do pensar. Ninguém, portanto, nesta criação, nasceria nas trevas da Pré-História, da Era Primitiva ou medieval. Nem em trevas que sob quermesses se impõem. Dito e feito. Nenhum caio augustos, nenhum diocleciano, na Roma de ontem ou nos States de hoje, instituiria a política do pão e circo. E veja que a carta que panfletaram lá no encontro dos deuses, aqui, não tem ela cabimento mesmo, pois sem destinatário provável:

    CARTA ABERTA AOS JOVENS DE TODAS AS IDADES, DE TODOS OS MUNDOS

    ––––––––

    HELIÓPOLIS / Bahia, ABRIL DE 1993.

    ––––––––

    "Dizer que os homens são pessoas, 

    E como tal são livres, 

    E nada fazer concretamente, para que isso se torne realidade, é uma farsa."

    ––––––––

    Jovens, esta carta triste mas corajosa é para vocês, de todas as idades. Todos que têm espírito e coração jovens. O que é preciso ser pensado e dito? Filosofia, Poesia, Mentira, o quê, para entendermos todos que somos sujeitos, nascemos para fazer a nossa história, nossa sorte, nosso destino? Estão fazendo por nós do jeito que querem!

    O que é preciso haver, mais humilhação, mais enganação, mais necessidades e fomes e sedes e dores e ignorância, para percebermos que estamos sendo objetos? Não foi para isso que viemos à Terra com a imagem e semelhança de Deus, com voz e inteligência, com reflexão, que nos faz perfeitamente diferentes de bois e cavalos. Temos obrigação de saber que, enquanto não cumprirmos a nossa função social de Cidadão que se integra ao meio em que vive, influenciando e transformando-o para melhor, e a nossa função natural de sermos pessoas, gente que tem voz, que usa a reflexão e tem opinião própria, enquanto isso não ocorrer, estaremos igualados aos animais comuns que apenas comem, bebem e dormem.  Nascem, crescem e morrem sem fazer outra coisa senão receber o cabresto dos que pensam, porque apenas agem por instinto.  Nossa geração marchará, construirá seu destino, todos juntos.

    Eu sempre creio, sempre haverá uma saída. E a História não me deixa mentir, me enche de exemplos. Tudo o que é baseado em opressão e desigualdade um dia cai; sempre que o oprimido desiste de sofrer e se organiza. Foi assim com o Império Romano; foi assim com a França e com outros sistemas monárquicos e opressores; foi assim com os colonos norte-americanos, que conquistaram sua independência da metrópole inglesa. Também no Brasil do século passado, quando os escravos negros revoltados contra desumana exploração se organizaram em quilombos, tendo em Palmares o principal deles. A Princesa Isabel assinou a libertação, quando a revolta era já imensa, era já incontrolável em todo o país.

    Ainda no século XIX, alfaiates, militares, estudantes, camponeses se organizaram de norte a sul do país, protestando contra as injustiças do império, em revoltas como a Cabanagem, a Sabinada, a Praieira, entre outras tantas. Sem falarmos na mais incrível delas, a Revolta de Canudos. Revolta de um pobre povo camponês que lutou organizado e unido por um ideal socialista contra muitas forças. Primeiro, contra as forças dos coronéis; segundo, contra as forças estaduais da Bahia; por último, contra as forças federais até o fim.

    Chega de exemplos.  A história é toda feita da luta de oprimidos contra opressores.  Não há

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