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Como é Azul o Meu Vale
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Como é Azul o Meu Vale

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O verdadeiro aroma da Provença? 

Lavanda, tomilho e fossa séptica.

Há centenas de coisas interessantes a se fazer numa banheira, mas lavar pratos não é uma delas, nem algo que a escritora Jean Gill tinha em mente, ao trocar o seu vale em Gales por um vale francês.

Ávida por escapar do estômago do elefante, aquela mescla de névoa cinza que em Gales chama-se de clima, ela ofereceu seu certificado de natação a um perplexo corretor de imóveis provençal e comprou uma casa com belas estrelas e com sua própria água de nascente.

Ou melhor, como descoberto depois, a nascente de um vizinho, que é a única a abastecer a cozinha e que, de acordo com os gentis rapazes da companhia de água, está escoando a água suja de forma ilegal direto na rua principal... e há coisas piores...

Mas como é que se pode resistir a uma vila chamada Dieulefit, “Deus a fez”, a vila “aonde todos pertencem”?

Descubra a verdadeira Provença 

em boa companhia.

“Ri em voz alta... uma imagem tão vívida dos

campos de lavandas, girassóis e oliveiras que

você se sente como se estivesse lá com ela.”

Stephanie Sheldrake, Revista Living France

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateDec 2, 2017
ISBN9781547505807
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    Como é Azul o Meu Vale - Jean Gill

    Como é Azul o Meu Vale

    Jean Gill

    Traduzido por Vinicius de Albuquerque Freire 

    lavender fleuron

    Para Clare, ma belle fille

    que pode atestar que o conteúdo deste livro é verdadeiro,

    não toda a verdade, talvez

    mas, sem dúvida, nada além da verdade

    Conteúdo

    1. Apaixonando-se

    2. Conectando-se ao Álcool Principal

    3. Crisântemos e Lápides

    4. Queijo de Cabra com uma Picada

    5. Seu país, de onde veio

    6. Porcos Voadores e Inspeção da Chaminé

    7. Kiwis na Provença

    8. Coisas Interessantes a se fazer numa Banheira

    9. Chablis, Chardonnay e uma Pedra Gelada

    10. Os Descampados e o Chocolate de Azeite de Oliva

    11. Procurando Jean le Blanc na Floresta Mágica de Saou

    12. Pastinacas e Partidários

    13. Dormindo mal no Aeroporto de Cardiff

    14. Os Jogadores de Rúgbi de Toulouse vencem os Scarlets

    15. Abelhas Estrangeiras Ultrassexuais

    16. Examinando Cascalhos e Arrancando Rosas

    17. Lavandas e a Melancolia Azul

    18. Não se preocupe, apenas as fêmeas matam

    19. A vila onde ninguém é um estranho

    Glossário

    Sobre a Autora

    Publicações de Jean Gill

    1.

    Apaixonando-se

    Todo domingo, alimentamos o sanitário, ou para ser mais exata, fazemos uma oferenda, através do vaso, para as Benevolentes Bactérias que supostamente habitam nossa fossa. A oferenda semanal assemelha-se bastante com concreto, vem num pacote sem etiqueta, de uma empresa não desejosa de divulgar quais são os ingredientes, mas que é confiante de que tal poção mágica irá evitar que o boue (ou lama) acumule em nossa fosse septique. Só por segurança, ocasionalmente, trato o vaso com iogurte, cuja recomendação é de que seja do tipo vivo.

    Você já vasculhou as prateleiras do supermercado atrás de iogurte vivo, supostamente o contrário do tipo morto? Não seria todo iogurte do tipo vivo? Contentei-me com o tipo natural e barato, decidindo que o sanitário não merecia tal oferenda com sabor de cereja, morango ou limão.

    Graças aos conselhos da comunidade agrícola galesa que deixei para trás, ainda tenho alguns truques na manga, caso enfrentemos situação parecida com um daqueles anúncios bastante alarmantes que passam na televisão francesa: uma família feliz, comemorando aniversário no quintal, debaixo das árvores, com uma criança de dez anos soprando as velas do bolo, quando, de repente – que terrível! – cada membro da família é vencido pelo cheiro da malfadada fossa, e a criança põe-se a vomitar sobre o bolo. Desnecessário dizer, é uma propaganda sobre a tal poção mágica, e embora tenhamos rido bastante ao assisti-lo pela primeira vez, ao nos tornarmos os orgulhosos donos de uma fossa e de uma casa, rapidamente nos pusemos a estocar a substância.

    Não esperamos nos mudar para a França para saber mais dos detalhes cotidianos da vida, compartilhados por amigos e vizinhos. Nossa antiga casa em Carmarthenshire, no coração do sul de Gales, é um bom lugar para buscar conselhos sobre quase tudo, mas fossa é um assunto que me despertou muita paixão, acima de todas as coisas sobre as quais procurei me informar, durante os vinte e cinco anos em que adotei Gales como meu lar, sem me preocupar se também fui adotada ou não.

    É essencial que se limpe a fossa de forma profissional, um processo que envolve um caminhão-tanque e um ser humano sem olfato, com um talento inverso ao dos grandes narizes da França, que permitem a criação de novas mesclas de vinhos e perfumes. Para usar a enorme mangueira de sucção (inevitavelmente, um homem que faz o serviço), o habilidoso limpador precisa saber onde fica a fossa.

    Se você esqueceu de perguntar, ao comprar a casa, onde ela fica, então vai precisar observar algumas pistas; acima da fossa, a grama é mais verde, o cheiro (se não tomou os devidos cuidados) é mais forte, e se os supracitados limpadores enfiarem um espeto no chão, serão capazes de perceber os vários níveis da terra, recheados com o produto.

    Se você precisa dar um empurrãozinho a uma fossa um pouco lenta, deve usar uma galinha morta, a ser inserida diretamente na fossa, pois somente um idiota completo iria tentar enfiar uma galinha vaso abaixo. As Benevolentes Bactérias fornecidas pela galinha farão o fermento funcionar novamente, de acordo com meu amigo veterinário, que também me prometeu longas luvas cirúrgicas de presente, para que, se um dia eu obstruísse a saída de ar com muito óleo de frigideira ou algo parecido, eu pudesse liberar o fluxo do sistema, ao ser capaz de enfiar o braço tão fundo na terra quanto a uretra de uma vaca.

    Não fico chateada por ele ter esquecido disso; preferiria muito mais não ter de explicar aos vizinhos por que temos tantos pacotes de luvas cirúrgicas, evitando a necessidade de convencê-los de que isto não é uma prática comum, ou mesmo incomum, dos fetiches sexuais ingleses.

    Você deve estar se perguntando: com que frequência a fossa deve ser esvaziada? Os conselhos sobre isso são inequívocos. Algumas pessoas dizem que a cada dois anos, outras dizem que a cada cinco, algumas dizem que até dez, algumas dizem que só quando cheirar mal e outras dizem que nunca (se você cuidar dela). Tais conselhos são inequívocos apenas se você ouve uma única pessoa, pois cada uma está firmemente convencida de que ela (e mais uma vez, geralmente é um homem) está certa, só que o assunto sempre gera mais perguntas do que respostas. Por que, por exemplo, você deve dobrar a dosagem de poção mágica a cada semana que estiver fora de casa, e o mesmo deve ser feito se estiver recebendo muita gente? Certamente, se há menos pessoas = fossa mais feliz, nenhuma pessoa = fossa extremamente contente, não é? O que nos traz de volta às apostas; ao iogurte (a opção vegetariana ao invés da galinha morta) e à poção mágica; à lista de substâncias banidas (água sanitária, água sanitária, água sanitária) e a um poço lá fora para lavar pincéis e frigideiras. Por enquanto, tudo bem.

    Justo quando pegamos o jeito da coisa e nos sentimos ecologicamente corretos, surgem rumores de que a comunidade está se adequando às novas normas e de que a rede de esgotos irá se estender gradualmente, chegando, por fim, a nossa casa. Teremos então uma maison tout à l’égout’, uma frase que minha irmã Anne e eu, na procura por casas mais isoladas de onde morávamos na Grã-Bretanha, encontramos nos folhetos de venda, e que traduzimos incorretamente por inteiramente ao seu gosto. Talvez não tenhamos traduzido tão errado assim.

    lavender fleuron

    Além de ser o dia do sanitário, outra característica dos domingos de outubro é a chuva. Posso até aceitar, no outono, um dia de chuva por semana, mesmo tendo visto em todos os guias que em Dieulefit teríamos 300 dias de sol por ano e que teríamos um microclima. Estou ciente de que, em todo lugar da França, de acordo com os guias locais, há 300 dias de sol e um microclima, dos alpes à Côte d’Azur.

    Meus amigos em Gales me falavam para não levar isso tão a sério, mas não consigo evitar; tenho uma forte convicção interna de que não deveria chover em cima de mim por meses a fio, seja no verão ou no inverno. Talvez minha infância itinerante, incluindo três anos em Hong Kong, depois três anos em Berlim, tenha me deixado lembranças de lugares que não choviam o tempo todo.

    Em uma tentativa perdida de me alegrar, o rapaz de Gales que me vendia semanalmente frutas e verduras numa van me falou que, ao menos, não tínhamos um clima tão extremo quanto o da França. Nasceu-me à mente a ideia de que chuva incessante, de fato, faz parte de um clima extremo.

    E falando em nascer... cheguei a ter muitas visões literárias arrebatadoras com auroras cor de rosa, e acabei por me desapontar com as letras do cantor francês Cabrel, que cantava o velho clichê de um belo amanhecer rosado, mas agora já vi como as coisas funcionam, e são totalmente diferentes. Claro que houveram algumas manhãs chuvosas de Gales em que a aurora vermelha pintou os céus, como nos cartões postais de natal, e quanto aos pores do sol, tínhamos até a janela do pôr do sol na sala de estar, onde a imagem do sol se pondo aparecia, todo ano, durante o mês de maio. Isto é, se o nascer ou pôr do sol pudesse ser visto, claro.

    Provavelmente, sentirei falta de viver naquele estômago de elefante, com toda sorte de neblina cinzenta por todo canto, mas, no momento, sinto que estive faminta de luz por vinte e cinco anos e estou me saciando, já tonta de tanta abundância. Você pode ver o mundo através do fundo de uma taça de Kir, em que o cassis poderá te dar espetáculos em tons negros, ou pode jogar o seu drinque fora e apenas olhar, mas o efeito é igual.

    Alguns de nós nascem à procura de um lar; se tivermos sorte, com o passar de anos de experiência agradáveis (ou não), nos tornamos mais seguros de nós mesmos, do homem certo para nós, do caminho que devemos seguir na vida e do lugar a que pertencemos. Sendo uma idealista racional, não acredito em sinais – mas isso não me impede de os seguir.

    Quando meu amigo e parceiro de bridge, de repente, recitou o início de um caro poema francês do qual pensei ser a única a saber de cor, surgiu um caso de amor que vem durando há mais de vinte anos. Nenhum choque de realidade poderia reverter tal efeito, nem a descoberta de que John o havia aprendido por causa de um dueto musical, nem o fato de ele não entender uma palavra sequer do poema, e nem mesmo quando ele, imperdoavelmente, perdeu a tradução que eu fiz para ele (e que ele não gostou mesmo).

    É até possível que o sul de Gales estivesse cheio de homens atraentes, e que qualquer um deles poderia recitar El Desdichado para mim, mas nenhum o fez, pois estava escrito nas estrelas (coisa que também não acredito, de forma alguma), mas foi assim que aconteceu – o homem certo, escolhido.

    Minha inquietação pelo lugar certo foi uma longa jornada, mas nos levou para cá, à vila de Dieulefit, em Drôme Provençale.

    Fica na Provença? Luzes deslumbrantes e céus azuis – confere. Azeitonas – confere. Lavandas – confere. Solo vermelho e pedras calcárias em florestas repletas de azinheiras – confere. Trufas – confere (pretas, obviamente). De fato, nosso guia francês do Drôme no outono afirma que as melhores trufas são encontradas lá, conhecidas como Perigord por razões puramente geográficas. Tal desdém é para ser ouvido de longe, até Dordogne.

    Nosso corretor francês ficou bastante envergonhado ao nos falar a respeito da cláusula surpresa que estava no contrato da casa; Monsieur Dubois, o dono anterior ao dono anterior, manteve o direito de circular com um veículo pequeno em nossa entrada particular, para poder regar suas trufas de carvalho. Eu havia farejado a palavra trufas, e fiquei tão ocupada ponderando sobre a capacidade de dois cães montanheses dos Pireneus de encontrá-las (um talento a ser descoberto), que não me preocupei com os aspectos legais deste direito do vizinho de circular em nossa propriedade.

    Até agora, nenhum sinal deste gene canino para achar trufas, e você não vai querer saber o que estes dois cães andam encontrando na floresta, mas há evidências da presença delas: o fato de haver terras férteis entre fileiras de carvalhos – e a loucura anual dos mercados de trufa em novembro.

    O que mais é Provençal? Tomates, alho e ervas selvagens do garrigue¹ – ah sim. O sotaque do Sul, que faz da nossa dor diária uma palavra de três silabas? Beh oui. Girassóis – confere. Embora, assim como as plantações de milho, eles tenham sofrido bastante com a canicule do ano passado, os dias de cão de uma onda de calor que bateu todos os recordes.

    Mas então, o que não é Provençal? Estaria disposta a arriscar meu pescoço e dizer que a Provença não é conhecida por vinhos refinados, porém nossos vinhedos locais são de vilas Côtes du Rhône². Estamos a trinta minutos dos grandes tintos: Roaix, Sèguret, Rasteau, Gigondas e Châteauneuf-du-Pape; ou, se você preferir, trinta minutos ao sul da igualmente celebrada comuna Crozes-Hermitage.

    La Drôme está em expansão populacional, por parte de veranistas e até mesmo de estrangeiros como nós, mas há também alguns parisienses e britânicos; a maioria dos chegados, no entanto, são holandeses, belgas e alemães, que fizeram do Ardèche sua região de morada da França, e que exploraram além do vale de Rhône, chegando aqui.

    Se você desenhar uma linha reta, de Dieulefit a Montélimar, terá uma noção superficial da fronteira imaginária ao norte, onde o Drôme Provençale se torna o Vallée de la Drôme, no território de Diois. Essas distinções são vitais em uma região que reivindica estar no sul do Mediterrâneo por sua cultura e clima, não propriamente por ligações com o mar. Também reivindica sua parte norte nos Alpes. Cometa um equívoco e se verá obrigada a trocar rapidamente suas oliveiras por pés-de-leão, e suas cabras por vacas.

    E quanto a Dieulefit? De acordo com o mesmo guia francês imparcial, que julgou suas trufas como as melhores da França, Dieulefit é uma vila maravilhosa, famosa pela cerâmica, pela qualidade do ar, o que levou a torná-la um centro de excelência no estudo e cura de doenças respiratórias, e também por ser um centro intelectual, somente inferior a Paris e Lyon.

    Devo repetir? Esta vila de 3.000 habitantes, que dobra sua população no verão por causa dos acampamentos, hotéis e, claro, do Club Med, tem poder de atração por causa da elite intelectual que abriga. Há evidências históricas para tal afirmação. Em 1876, apenas Paris teria enviado um número maior de representantes para o congresso internacional de arqueologia.

    Gostaria de pensar que nos encaixamos bem por aqui, mas a verdade é que, ciente deste fato sobre a inteligência média local, tenho ainda mais respeito por cada prestador de serviço que encontro – apesar de tudo, eles falam francês muito bem. Se eu for julgar pelos avisos que constam na praça da vila, há uma séria evidência para esta alegação, pois aqui se consegue gente suficiente para manter aulas noturnas de latim e grego antigo, com mais quinze minutos extras depois da aula, para aqueles mais interessados em gramática.

    Dá para imaginar este tipo de aula sendo ministrada em uma cidadezinha inglesa – ou galesa, nos tempos de hoje? Talvez no passado. Há recentes trinta anos, os clubes de trabalhadores e grupos de ensino para mineradores ofereciam – e eram solicitados a dar – suporte financeiro para educação. Meu vizinho em Bancffosfelen, que era mineiro, podia falar sobre Gerard Manley Hopkins³ tão facilmente quanto podia plantar ruibarbo; aprendi sobre ambos com ele.

    lavender fleuron

    Por enquanto, estou preocupada demais com todas as novidades, com tudo caindo e explodindo ao meu redor, para ser tentada a frequentar tais aulas. Há uma descoberta nova a cada dia. Se você sentar no chão do sótão e olhar pela minúscula janela que há lá, feita para afastar o calor e os insetos no verão, e para manter o calor no inverno, poderá ver a melhor de todas as montanhas, Mielandre, que de acordo com o mapa, tem altura de 5.000 pés ou 1.450 metros, isso se você já aprendeu a converter as unidades ou não. Seu pico liso e sombrio abarca toda gama de cores, desde o branco da neve em contraste com o céu azul, até o cinza da neblina em contraste com o sol a pino.

    As colinas que admiramos pela janela, ao inspecionarmos a casa pela primeira vez, hoje ganham gradativamente o nosso respeito. A verde cadeia de montanhas de Grace Dieu se tornou mais alta desde que a percorremos, partindo de Dieulefit e seguindo pelo caminho de pedras calcárias, subindo mais... e mais. Parte de uma das maiores trilhas da França, o Grande Randonneé nº 9 é um caminho semipavimentado com imensas rochas, um jardim de pedras que parece ter sido criado por Titãs, e que começa a desgastar os tornozelos após uma hora de caminhada.

    Não importa quão fortes sejam suas botas e quão ergonômica seja sua bengala de caminhada, o terreno irregular e a variação de ritmo necessária são exaustivos, e você se dá conta de que as colinas de 1.500 metros são, na verdade, tão altas quanto os Breconsde Gales, que nós chamávamos de montanhas, quando ainda morávamos lá. Percebemos que todas as colinas são o equivalente às montanhas de Gales, e suas silhuetas no céu noturno ou no rosa brilhante da alvorada provençal estão próximas aos mitos celtas que te enlouquecem ou te transformam em um poeta, caso passe uma noite em tais alturas.

    lavender fleuron

    Há várias maneiras de se desenvolver loucura e poesia; eu devia ter percebido que, quando John falava sobre morte, e aparentava estar morrendo, estava mesmo era gripado. Quando a ficha cai, e eu percebo que sou uma companhia indesejada, por conta de seis doses diárias de antigripal, a ideia de me aventurar sozinha torna-se melhor. Minha cabeça extasiada com o outono, decido andar em direção ao vilarejo, mas estou tentada a explorar primeiro, então sigo para a direção oposta. Em Gales, é bastante comum que se possa usar rotas diferentes para chegar ao mesmo local, no mesmo tempo, mesmo que uma delas vá para o norte e a outra para o sul. As trilhas e rotas ao redor de Dieulefit tornam perfeitamente possível vagar por diversos caminhos, mas, diferentemente de Gales, há apenas uma estrada principal, e as montanhas impõem sua própria restrição aos movimentos humanos.

    Se você virar à esquerda na Crèmerie de Picodon Cavet, uma grande produtora de queijo de cabra AOC em Dieulefit, pode cruzar o rio Jabron, com a promessa de chegar a uma passagem submersível, que inunda em épocas chuvosas, e que segue as estradas que dão ao centro de Dieulefit, desembocando perto do Super-U, o supermercado cuja entrada é coberta de crisântemos.

    O feriado de Toussaint, Todos os Santos, marca uma explosão de arranjos florais, em amarelo, castanho, marrom, branco... cada magnífica planta em seu pote de terracota, arruinadas apenas pelos inevitáveis pôsteres de Halloween, com máscaras de fantasmas e interjeições de espanto.

    As abóboras de maior tamanho já desapareceram do jardim onde ficavam, desde julho até agora, como um aparato para um Cinderela qualquer, e parece-me que, afinal, elas eram de verdade, idênticas àquelas exibidas nas prateleiras do supermercado.

    Já estou afrancesada o suficiente para querer tocar nos produtos antes de comprá-los; nos mercados de Gales, seria um feirante qualquer a gritar: Venha provar os melões! e eu recusaria, mas agora não penso duas vezes em pegar um pedaço de melão, queijo ou linguiça, de uma mão que se estende pelo caminho, a fim de apreciar tais iguais durante as compras.

    Meu impulso consumista mais extravagante, desde que nos mudamos, consiste de um queijo montanhês que me chamou atenção (e tão caro que até esperávamos ser donos de uma parte da própria montanha, acrescentar uma parte dos Alpes à parte do Snowdonque existe na minha memória, graças à revista National Trust). Outros desejos pecaminosos estão relacionados a um site de roupas íntimas – um tanto perigoso poder fazer compras sentada e tomando uma ou duas taças de vinho.

    No vilarejo, observo os avisos dos eventos daqui e fico intrigada com um deles, sobre uma discussão a acontecer na biblioteca local, com o título de Je suis aussi un mouton. Aparentemente, será conduzida por um historiador local. Por algum motivo, não posso imaginar tal título com uma boa tradução em Gales, embora tenha guardado esta frase, Sou uma ovelha também, para um romance futuro cujo tema abarque vales, drogas, sexo, desemprego, que terá um jovem rapaz anti-herói e que, com certeza, será um best-seller. Claro que alguém já escreveu sobre isso, mas afinal, o que é original?

    Vou à banca de jornais e dou uma olhada na seção de revistas. Embora tenhamos conhecido franceses familiarizados com todas as coisas britânicas, especialmente com a língua, o amor pelos britânicos não é recíproco. Você não encontrará, em Dieulefit, revistas chamadas Vivendo na Inglaterra ou um livro com o título Aprenda inglês sozinho, e se há algo parecido, terá um lugar bem discreto em uma prateleira qualquer, em vez de competir com os glamorosos produtos multimídia que prometem te ensinar francês enquanto você escova os dentes.

    No entanto, as revistas de imprensa local são tão comuns aqui como em qualquer banca de jornais britânica. Assim como os produtos dos mercados e supermercados, os títulos podem variar de estação para estação, podendo haver, em outubro, um frenesi com um título de Tire o melhor proveito na colheita de cogumelos, empurrando Os bombeiros para uma posição de menor destaque.

    Pode imaginar o impacto de Os bombeiros em Smiths? Ou em que prateleira estaria? Não se engane, bombeiros também tem uma imagem sensualizada na França, contando com mais voluntários do que bombeiros de fato, mas as histórias e fotos destacam mais o heroísmo do que a sensualidade em si.

    Em nossa região, como em todo lugar do Sul, incêndios são frequentes e são um problema compartilhado por

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