Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Verdades, Mentiras e Propaganda
Verdades, Mentiras e Propaganda
Verdades, Mentiras e Propaganda
Ebook322 pages4 hours

Verdades, Mentiras e Propaganda

Rating: 0 out of 5 stars

()

Read preview

About this ebook

Embora Lucinda sonhasse ser escritora, obediente, ela estudou para ser professora e obter um emprego “adequado”. Seu primeiro contato com a mídia foi através do trabalho no Serviço de Língua Inglesa em Benghazi, na Líbia. Infelizmente, depois disso, ela voltou às salas de aula. Ela não imaginava que perder o emprego de professora e fazer fiasco numa audição para a SABC a teria levado a escrever roteiros de rádio sobre gado doméstico, sobre o qual ela não sabia absolutamente nada. Assim, começou a sua jornada através da escritura, pré-produção e direção de programas sobre diversos assuntos.

O que você vê na televisão, às vezes tem pouca relação com a verdade. Esta coleção de acontecimentos far-lhe-á rir e chorar. Ela retira a máscara da mídia e revela a verdade.

LanguagePortuguês
Release dateOct 1, 2017
ISBN9781507192504
Verdades, Mentiras e Propaganda

Read more from Lucinda E Clarke

Related to Verdades, Mentiras e Propaganda

Related ebooks

Performing Arts For You

View More

Related articles

Reviews for Verdades, Mentiras e Propaganda

Rating: 0 out of 5 stars
0 ratings

0 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Verdades, Mentiras e Propaganda - Lucinda E Clarke

    Verdades, Mentiras

    &

    Propaganda

    ––––––––

    por

    Lucinda E Clarke

    ––––––––

    Tradução em português

    por

    Talita Mahfuz Adamo"

    Verdades, Mentiras e Propaganda

    Copyright © por Lucinda E. Clarke, 2014

    Primeira edição.

    O autor reivindica os direitos morais, em conformidade com a lei de Direitos de Autor, Designs e Patentes de 1988 do Reino Unido, de ser identificado como o autor desta obra.

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios sem prévia autorização por escrito, exceto em casos de citações breves, incorporadas em resenhas-críticas. Proibida a distribuição com formato, encadernação ou capa que sejam diferentes daquelas com as quais a obra foi publicada e sem que condições semelhantes sejam impostas ao comprador subsequente.

    Editado por: Poppy Reid of Purple Sage Editing

    Purplesage.editing@gmail.com

    Capa realizada por: Rod Craig

    Tradução em português por: Talita Mahfuz Adamo"

    Este livro conta a primeira parte da minha jornada, desde a época em que eu era professora de escola primária até me tornar locutora de rádio, escritora de roteiros para rádio e televisão e, enfim, até entrar para o mundo da produção de vídeos.

    Todos os relatos são reais, embora alguns nomes tenham sido alterados para proteger alguns dos personagens mais intrigantes.

    Se você já tentou imaginar o que acontece por trás das câmeras, este livro revelar-lhe-á alguns segredos e explicará de que modo os programas são produzidos.

    Como é trabalhar com pessoas famosas? Ou entrevistá-las quando elas  não estão com vontade de falar com você? Não seja tolo de pensar que trabalhar na TV é glamoroso. Não é. Passei muito mais tempo em banheiros e vasculhando latões de lixo do que em salões de festa.

    Realizar qualquer tipo de programa exige trabalho de equipe, e eu trabalhei com as melhores equipes e com o melhor pessoal de estúdio da África do Sul. Sem eles e sem seu entusiasmo, hoje eu não sentiria orgulho de tudo o que produzimos.

    Dedico este livro a eles e aos clientes que nos escolheram para contar as suas histórias. Dedico-o também ao meu constante marido, cuja paciência enquanto eu o escrevia foi novamente testada ao limite.

    No mundo da mídia nenhum dia é igual ao outro e eu me sinto muito privilegiada por ter feito parte desse mundo. Não acredite em tudo o que você vê na TV; seria provavelmente mais sábio não acreditar em absolutamente nada!

    Espanha 2014

    Also by Lucinda E Clarke

    Available in English

    Walking Over Eggshells

    Truth, Lies & Propaganda

    More Truth, Lies & Propaganda

    Unhappily Ever After

    The ‘Amie’ Series:

    Amie African Adventure

    Amie And The Child of Africa

    Amie Stolen Future

    Amie Cut For Life 

    Available in Spanish

    Amie una aventura africana

    Amie y la niña de África

    El futuro truncado de Amie

    Available in Português

    Verdades, Mentiras e Propaganda

    Available in Italian

    In punta di piedi  (Walking Over Eggshells)

    Índice

    1  VOCÊ NÃO PODE SER ESCRITORA!

    2  RADIO LIBYA

    3  A AUDIÇÃO

    4  O QUE ESCREVER A SEGUIR?

    5  RECOMEÇANDO DO ZERO

    6  DEIXANDO A ESCOLA

    7  NA TELEVISÃO

    8  AS PLACAS DE CARPETE E O PEIXE ESPIÃO

    9  TEMAS ALEATÓRIOS

    10  TOKOLOSHE E O CINEGRAFISTA

    11  NATION BUILDING

    12  INSERÇÕES DE VÁRIOS TIPOS

    13  BANCOS, DINHEIRO & MATEMÁTICA

    14  ADEUS, JOANESBURGO

    15  OLÁ, DURBAN

    16  O SANGOMA

    17  ENTREVISTAS BOAS E RUINS

    18  O RATO NA LIXEIRA

    SOBRE A AUTORA

    1   VOCÊ NÃO PODE SER ESCRITORA!

    Decidi que amanhã matarei Caroline. Eu gostaria de esmagá-la com um rolo compressor ou empurrá-la do topo do Empire State Building, mas não tenho certeza de como poderia atraí-la até lá, e suspeito que o Depfartamento de Saúde e Segurança já tenha providenciado o seu fechamento a essa altura. Não posso atirar nela, pois não tenho a mínima ideia de como conseguir um revolver; e uma faca requer uma abordagem íntima e eu não quero me sujar de sangue. Eu poderia envenená-la, mas não entendo muito bem de venenos e eu realmente preciso me livrar dela de uma forma mais interessante. Ela conseguiu fazer com que eu a odiasse e agora eu quero que a sua morte seja lenta e dolorosa.

    Há meses ela vem me causando uma dor e uma mágoa indescritíveis. Fiquei a noite inteira preocupada com ela; se eu ceder e dormir, a sua presença vai ter sido o motivo pelo qual me revirei até a madrugada. Tenho de dar um fim nisso. Como posso me livrar dela?

    Uma ceifeira-debulhadora, eis a resposta!

    Vou fazê-la em pedaços num idílico e tranquilo milharal, ao som dos passarinhos que cantam e do imperceptível bater das asas delicadas das borboletas. Os seus gritos vão ressoar à medida que as lâminas rotatórias desmembrarão o seu corpo e transformá-lo-ão em pedacinhos bem pequenos, fazendo jorrar seu sangue bem alto, colorindo o milho dourado e maduro de vermelho vivo.

    Sim, é isso que farei amanhã. 

    Sempre quis ser escritora. Naquela época, parecia um trabalho muito glamoroso e eu admirava aquelas pessoas que podiam transportar outras pessoas para um mundo de fantasia, levá-las de volta ao passado para um mundo diferente ou levá-las ao futuro em outro planeta. Sem contar que você, escritor, tem sempre a faca e o queijo na mão! Você pode dar uma dor de cabeça aos seus personagens ou, melhor ainda, quebrar as pernas deles ou colocá-los numa cadeira de rodas. E você pode matá-los de várias formas sensacionais.

    Que tal abandoná-los à morte para serem devorados por ratos ou afogá-los num tonel de vinho vintage ou envenená-los com o seu próprio bolo de aniversário?

    Claro que você também pode ser bonzinho com eles. Você pode conceder a ela um marido amoroso, rico, fiel e bem-sucedido; você pode presenteá-la com quatro crianças adoráveis, exatamente como aquelas de Uma Casa na Pradaria e, ao mesmo tempo, fazer com que seja linda de tirar o fôlego. Ela já está começando a embrulhar seu estômago e você já não a suporta, não é mesmo?

    É hora de complicar as coisas, de introduzir a secretária loira e ninfomaníaca da saia curta que mal a pena cobre a calcinha, com pernas de modelo, peitos grandes e instinto de predador. Muito mais entusiasmante, não?

    Quando criança, tive pouquíssimo controle sobre a minha vida, por isso escrever era super importante para mim. Era a única forma que eu tinha de fugir da banalidade do meu quotidiano. Eu sentava no meu quarto e escrevia estorinhas bobas num caderno e então corria para mostrá-las à minha mãe. Ela não era gentil, ela zombava das minhas primeiras tentativas de influenciar o universo dos livros; por outro lado, meu avô — que nunca tinha tido interesse em escrever — era bem mais encorajador.

    A personagem Jo de Mulherzinhas me influenciou muito naquela época. Perdi as contas de quantas vezes li o livro de Louisa May Alcott. Jo começara a escrever quando jovem. Vibrei quando ela vendeu uma estória e conseguiu comprar um tapete para a casa; e quando ela vendeu mais uma e ajudou a manter o conforto da família durante tempos difíceis, em que o seu pai estava combatendo uma guerra ou outra (Pelo menos, esta é a informação que tínhamos. Ele não teria fugido com outra mulher, não é mesmo? Não teria sido preso?). Jo era a heroína da família para mim e eu sonhava em enriquecer escrevendo livros igualmente maravilhosos e que o mundo todo gostasse de ler.

    Claro que a vida real é diferente, e as perguntas habituais surgiram no último ano de escola:

    — O que você vai querer ser: uma secretária, uma enfermeira ou uma professora?

    Sinceramente não queria ser nenhuma daquelas opções. Na minha mente, trabalhar como secretária significava servir um homem arrogante e barulhento num escritório sombrio. Eu buscaria as suas roupas na lavanderia, apontaria os seus lápis e passaria horas batendo à máquina, cometendo milhares de erros. Eu jamais seria uma boa secretária. Tenho vergonha de admitir, mas a verdade é que ainda não sei digitar, que não consigo tirar meus olhos das teclas e que, mesmo na minha idade, ainda cometo milhares de erros.

    A enfermagem estava completamente fora de questão. Eu não podia ver sangue que desmaiava, e desmaiar não era um pré-requisito para a carreira médica. Lembro-me de que uma vez desmaiei na classe durante a escola primária e telefonaram para a minha mãe ir me buscar. Chamaram o médico e eu fiquei de repouso pelo resto do dia. Sabe qual foi o motivo disso tudo? O sistema nervoso humano. A professora tinha nos pedido para abrir os livros de biologia numa certa página e, naquela página, você podia ver exatamente o que acontece quando você pica o dedo, através de ilustrações de cores fortes e brilhantes. As ilustrações mostravam o caminho percorrido pelas mensagens até chegar ao cérebro, através das vias nervosas, e o percurso contrário com a nova informação: Ai, que dor!

    Só de escrever isso agora, já fico nauseada.

    Desmaiei várias outras vezes durante o colegial, cada vez que eles decidiam abrir um coração, um globo ocular ou um pulmão de algum  pobre animal. Mas o resultado era cada vez menos dramático e eu já não era o centro das atenções por causa do meu comportamento vergonhoso. A professora simplesmente instruía dois dos garotos mais robustos para me carregarem porta afora, segurando-me por debaixo dos braços, e para me encostarem na parede externa do laboratório de biologia.

    Restava, portanto, o ensino. Concordei em me tornar professora, já que aquela parecia a carreira menos assustadora à qual eu pudesse almejar. Não que eu tivesse experiência com crianças — elas eram tão estranhas para mim quanto os pigmeus do Congo. Contudo, convenci-me de que os professores tinham longas férias e de que terminavam de trabalhar todos os dias às três da tarde.

    Tentei mais uma vez, mas as minhas últimas lágrimas na tentativa de me tornar escritora foram firmemente ignoradas. E ponto final. Dickens, as irmãs Brontë e Shakespeare jamais teriam que se revirar nas suas tumbas com medo que eu pudesse ameaçar as suas receitas.

    Eu era uma filha obediente e, portanto, empenhar-me-ia em iluminar as mentes de crianças teimosas e em levar uma vida direita e respeitável.

    Na verdade, até me arrisquei no final da adolescência e escrevi um pequeno artigo para o boletim informativo da nossa igreja; o artigo até foi impresso, mas eles deviam estar desesperados para preencher as páginas. Não me lembro do que escrevi neste momento, mas é provável que tenha sido um relatório sobre a Escola Dominical onde eu ensinava naquela época. 

    Eu estava sendo totalmente hipócrita, pois eu já quase não acreditava mais em Deus. Era somente uma tentativa de obter reconhecimento e conseguir entrar para a faculdade de formação de professores. Aquela também era uma boa oportunidade para conhecer algumas crianças e familiarizar-me com aqueles pequenos alienígenas.

    Eu fiquei tão eletrizada na época que surrupiei algumas cópias extras da revista e não conseguia parar de ler o meu artigo. Prometi conservá-lo para a posteridade e pratiquei a minha assinatura no fundo, pronta a distribui-lo à longa fila de admiradores, impacientes de receber uma cópia da minha obra-prima. 

    É estranho, mas não tenho a menor ideia do que aconteceu com todas aquelas cópias que escondi cuidadosamente debaixo da cama.

    No fim das contas, permaneci incógnita por anos. Para ser sincera, ainda o sou. Mas veja quem está agora com a faca e o queijo na mão. Sou eu a escritora, lembra-se? Mas eu acho que é melhor eu me ater à verdade e utilizar somente uma quantidade limitada de licença poética.

    Na verdade, eu até tive uma experiência positiva na escola: tivemos que escrever uma redação para a aula de Inglês sobre um desastre qualquer, como se tivéssemos sido testemunha ocular. Aquele deveria ser o segundo ano do colegial e eu decidi escrever sobre a destruição de um dos foguetes que levavam as pessoas para o espaço. Ir ao espaço, naquela época, era o furor do momento. Na minha imaginação, o foguete cortou o céu, paralisou-se por um segundo e, em seguida, caiu e se espatifou no chão.

    Dei o melhor de mim naquela redação, fiz de conta que tinha sido enviada a Houston pelo The London Times para fazer a reportagem sobre aquele evento importantíssimo — embora eles não estivessem esperando pelo acidente, é claro, o que para mim era uma vantagem.

    Fiquei tão impressionada com o meu esforço que me gabei para a classe toda, achando que teria recebido um merecido A+. Eu tinha até colocado um espelho no meu quarto e treinado minha humilde e genuína aceitação dos elogios da professora e uma elegante encolhida de ombros.

    Não recebi elogio algum; ao contrário, ela me acusou de plágio.

    — De qual jornal você copiou isso? — perguntou ela, revoando sobre mim como um gavião faminto.

    Bem, eu não tinha culpa se uma semana antes um foguete tinha realmente se estatelado no chão. Era tudo muito vago para mim. Quando você é adolescente, você não assiste a muitos jornais.

    Olhei ao meu redor e vi filas e filas de ex-amigos sorridentes, felicíssimos com o meu desconforto. Quanto mais eu negava, menos a professora de Inglês acreditava em mim. Eu não só era uma plagiadora, como também era mentirosa. Ela picotou a minha redação em centenas de pedaços — Há um quê de licença poética nesta parte—, que aterrissaram na minha carteira como confetes de carnaval.

    Aquilo foi suficiente para acabar com o meu entusiasmo; não o entusiasmo em relação ao ato de escrever, mas em relação a realizar novamente para ela qualquer coisa que fosse especial. Como muitos dos outros alunos, eu continuei a entregar textos medíocres e aceitei a coleção de notas B que recebi por eles. 

    Eu nunca tinha parado para pensar que se ela achava que eu tinha copiado de algum jornal local, significava que eu tinha escrito uma boa redação. Queria tê-lo compreendido naquela época, mas fiquei chateada. O que me deixou furiosa é que anos mais tarde, ouvi dizer que ela tinha contado à minha mãe que sempre soubera do meu talento em Inglês e que eu teria tido sucesso como escritora. Um absurdo! Ela nunca pensou isso sobre mim.

    Os anos se passaram e eu me formei professora; dei aula para crianças — algumas adoráveis, algumas terríveis e outras cuja higiene era questionável. Trabalhei duro e há provavelmente pessoas ao redor do mundo hoje que podem ler e escrever graças à minha valiosa dedicação. Algumas vezes até cheguei a gostar do meu trabalho, e eu realmente dei o melhor de mim.

    Por vezes, eu pensava no meu antigo objetivo de brilhar no mundo da literatura, mas geralmente eu estava cansada demais ao fim do dia para pegar na caneta. O que diabos tinha acontecido com aquela história de poder largar às três da tarde? As longas férias de um mês não importavam mais?

    Às vezes eu tentava elaborar uma estória, mas percebi que meus pensamentos eram muito mais rápidos que a caneta e o manuscrito ficava cheio de rabiscos, flechas que indicavam onde as palavras deveriam ser colocadas, parágrafos que precisavam ser reescritos. Era impossível de ler. Troquei a caneta pelo lápis e comecei a usar borracha, mas também não adiantou. Os papéis ficavam borrados de cinza e úmidos, com buracos onde eu calcava muito forte com o lápis. 

    Até parei de treinar o meu discurso para quando tivesse ganhado o prêmio Nobel de Literatura. Eu estava desistindo dos meus sonhos e abraçando o lado mais prático e sensato.

    2   RADIO LIBYA

    Eu dei um fim ao meu sonho literário e não pensei mais nisso. Alguns anos mais tarde, quando eu morava em Benghazi, na Líbia, e ensinava na escola local, uma amiga sugeriu que eu tentasse entrar para a rádio local.

    — Trabalhar na rádio? Você só pode estar brincando!

    — Não, estou falando sério — disse Anne. — Eu soube, através do Serviço de Língua Inglesa, que eles estão procurando por novos apresentadores. Eu me candidatei e eles me contrataram.

    Das quatro às sete, de segunda a sexta-feira, tínhamos o privilégio de ter três horas de transmissão em língua inglesa na rede nacional. O conteúdo era totalmente inofensivo, é claro; era uma transmissão de notícias minuciosamente controladas pelas autoridades em Tripoli, a capital da Líbia, e reprises de séries interessantíssimas, como "Paul Temple Mysteries, Men from the Ministry e The Navy Lark", compradas da BBC a preço de banana.

    Os Líbios deveriam achar que esses programas fossem o mais puro reflexo da política Britânica e das forças armadas. Eles não tinham o menor senso de humor e suspeito que eles os vissem como programas bem sérios, que simplesmente confirmavam a estupidez da vida na Grã-Bretanha. E também não havia uma trilha de risadas para dar-lhes um indício. Acho que eles riam sozinhos pelo simples fato de que quiséssemos apresentar programas que nos mostravam sob uma perspectiva ridícula.

    Eu estava me sentindo bastante insegura, quando fui até a entrada da estação de rádio na manhã seguinte. Próximo à cancela do estacionamento, um soldado munido de espingarda me observava através da janela do meu fusca desmazelado. Expliquei a ele, com o meu árabe atroz, que tinha uma audição com o chefe da estação.

    Não sei se ele não me entendeu ou se ele não acreditou em mim; só sei que ele me deixou lá sentada, derretendo de calor, e foi para dentro da sua pequena guarita e apanhou o telefone. Enfim, ele voltou, levantou a cancela com relutância e indicou o espaço onde eu deveria estacionar meu carro.   

    Enquanto eu estacionava meu carro amassado na vaga estreita, notei que o meu era o único modelo barato à vista. Meu velho fusca ficou inibido diante de todas as BMWs e Mercedes, mas alegrei-me ao ver que a maioria delas também tinha a carroçaria amassada e arranhada. Dirigir não era algo muito seguro na Líbia. Na verdade, se o seu carro não tinha sinais, você era considerado fresco ou bunda-mole.

    Olhei ao meu redor, sem saber para onde ir. Estava cercada por todos os lados por edifícios baixos, de um só andar, que não tinham insígnias em Árabe — e muito menos em Inglês. Procurei o guarda ao portão com o olhar, mas ele não estava mais lá. Então chegou o momento da oração. Aquilo foi uma saia justa, pois com a demora ao portão eu já estava atrasada para o meu encontro; e, ainda por cima, teria de fazer hora e esperar que todo mundo tivesse terminado de olhar para o leste e enrolado os seus tapetes de oração.

    Enfim, entrei no edifício à esquerda. Se eu achava que ele parecia avacalhado por fora, o lado de dentro era pior ainda. O corredor era longo, com paredes verde e bege separadas ao meio por uma espessa linha marrom. Em ambos os lados do corredor, a tinta dos batentes das portas descascava e parecia que o piso de pedra áspero nunca tivesse sido visto uma vassoura ou um pano de chão.

    Continuei percorrer o corredor, olhando para ambos os lados, na esperança de encontrar alguém que me mostrasse o caminho. Eu começava a ter sérias dúvidas sobre aquela ideia. Eu estava prestes e virar e ir-me embora, quando exclamaram de dentro de uma sala:

    — Audição?

    — Hã...sim.

    O homem atrás da escrivaninha se levantou e saiu da sala, agitando as mãos para indicar que eu deveria segui-lo. À terceira porta, ele virou a maçaneta e a abriu, revelando a pequena sala do lado de dentro. As paredes estavam cobertas com painéis acústicos brancos, cheios de buracos; havia uma mesa, uma cadeira e um microfone pendurado no teto. Ele apontou para a cadeira com determinação e eu — timidamente — caminhei em direção a ela e sentei-me. 

    Olhei ao meu redor e notei que parte da parede na minha frente era de vidro, e do outro havia um engenheiro de som sentado atrás de outro microfone suspenso. Ele me deu sinal com o polegar, eu anuí e esperei.

    O tempo passou e nada aconteceu, até que o meu guia agitou os braços, o que considerei um convite para começar a falar. Mas o que eu iria dizer? Deu branco total, parecia que a minha língua era cinco vezes maior do que o seu tamanho normal e a minha boca ficou seca.

    — Audição, audição — murmurei para mim mesma. — Diga alguma coisa, sua idiota.

    — Meu nome é Lucinda — gralhei. — E eu vim aqui hoje para fazer uma audição. E...eu vivo aqui em Benghazi e eu...eu dou aula na escola local e... eu...

    Fiquei completamente paralisada. O que mais poderia lhes dizer? Que produzíamos cerveja ilegalmente? Que dávamos festas, construíamos distilarias secretas e fazíamos álcool puro? Ou que acampávamos na praia e mergulhávamos completamente nus quando escurecia? Não, não seria uma boa ideia. Poderíamos não estar no mesmo comprimento de onda e não daria muito certo.

    O homem na porta assentiu e indicou que eu o seguisse. Ele me conduziu até outro escritório no final do corredor; bateu na porta, abriu-a e eu o segui porta adentro. Aquele era o escritório mais elegante que eu tinha visto até então. Imaginei que deveria pertencer ao Chefão. 

    O homem atrás da escrivaninha era bem grande; ele vestia um camisão azul elegante, fumava incessantemente e bebia diretamente de uma garrafa com rótulo Jonny Walker — que de certo não continha nada mais letal do que chá frio dentro dela.

    O homem murmurou algo bem rápido em Árabe e o Chefão disse para eu me sentar. Para minha surpresa, seu Inglês era perfeito.

    — Então, por que você quer se tornar locutora de rádio? — perguntou ele.

    Só havia um problema com aquela pergunta: até então eu tinha certeza de que não queria me tornar uma locutora. Não tinha a menor vontade de fazer papel de boba perante meus amigos, que acenderiam o rádio todas as noites para me ouvir balbuciar o tempo todo.

    Permaneci em silêncio por vários segundos — feito um peixe que abre e fecha a boca sem produzir som algum — e acabei respondendo uma bobagem qualquer que já nem me lembro mais.

    — Você superou o teste — respondeu o Chefão, para minha completa surpresa.

    Ele só podia estar brincando! De duas, uma: ou o padrão deles era inferior a zero ou eles estavam desesperados.

    — Mas você terá que escrever os seus próprios intervalos — acrescentou.

    A palavra escrever permeou meu cérebro atordoado. Ele disse escrever? E eles vão me pagar? Para escrever? Eis a minha chance!  Logo me animei. Sim, agora eu queria o emprego. Ofereci-lhe meu melhor sorriso, mas ele deve tê-lo considerado um olhar malicioso — o que não era adequado em um país Árabe —, pois olhou de volta bastante surpreso. Quase fui mandada embora antes mesmo que a minha carreira na rádio tivesse iniciado. Então, tentei uma abordagem humilde:

    — Ficaria muito grata por esta oportunidade — murmurei.

    Em seguida, lembrei-me de que os anunciadores de rádio deveriam ter uma voz firme e clara.

    — Muito obrigada! — exclamei. — Quando posso começar?

    Ele recuou com a cadeira e me olhou novamente surpreso.

    — Depois de amanhã. Esteja aqui às três e meia — disse ele, despedindo-se.

    Enquanto eu percorria o caminho de volta através do corredor, sob aquele calor ofuscante, percebi que quarenta e oito horas não era tempo suficiente para preparar meu debuto na rádio. E o que ele queria que eu escrevesse? Era melhor conversar com Anne e descobrir.

    — O que eu escrevo? — perguntei a Anne quando apareci

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1