O último verão em Paris
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Escritas nos anos 1999 e 2000, as crônicas que compõem este ebook retratam, sob a perspectiva de uma estudante estrangeira, o clima econômico e cultural de Paris na passagem do Milênio. Acompanhe a estudante nas suas andanças pelas ruas e metrôs de Paris, pelos corredores da Sorbonne, pelos eventos artísticos e culturais realizados na capital francesa nos anos de 1999 e 2000. Imperdível acompanhar a autora no ritual do Ano Novo, em meio a taças de champanhe, óculos enormes com a inscrição do número 2000: emocione-se com a contagem regressiva da passagem do milênio à beira do Sena e aos pés da Torre Eiffel. Não perca também o retrato que a autora faz da cidade parisiense por ocasião do último eclipse solar total do milênio, visto em toda a Europa, carregado de simbolismo. Nas entrelinhas dos textos, perceba como a Globalização e a criação do Euro acaba afetando a vida de todos, com o surgimento de pedintes nos metrôs parisienses ou de favelas nas imediações de Barcelona, tudo isso um ano antes do atentado às torres gêmeas nos EUA.
Hilda Magalhães
Hilda Magalhães é uma pesquisadora brasileira.Doutora em Teoria da Literatura pela UFRJ, com pós-doutoramento na Université de Paris III e na EHESS(França), é autora de dezenas de obras na área de Literatura.
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O último verão em Paris - Hilda Magalhães
O último verão em Paris 1
Pela terceira vez imprimo o artigo sobre Histórias de gente alegre, escolhido entre uma dúzia de textos academicamente saídos das exigências curriculares do início da década de 1990, do Curso de Doutoramento em Teoria da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uns mais sisudos, outros não, conforme os ventos da Baía da Guanabara, mesmo endereço de Álvares de Azevedo ou de Machado de Assis, que fiz questão de verificar, mesmo endereço também onde o moço vindo do nordeste, o antigo inquilino celibatário e suicida se suicidou, por isso é que o apartamento estava barato e tanto tempo sem alugar, eu de nada sei, alugo o exíguo imóvel e dou graças a Deus pela vista para o mar, a meio passo dali, e depois encontro a aliança cintilando ouro e prata no fundo do vaso, com cuidado retiro-a, vejo que está um pouco enferrujada, veja só o que estava perdido, será que é de ouro ou de prata?
Passo a aliança na parede, ela deixa um traço meio empretecido, não vejo nisso muita ciência, passo também um anel ordinário, mesmo risco, mesmo traço, ouro ou latão – quem vai saber o destino das coisas?, pelo sim e pelo não, guardo a aliança, gosto de coisas misteriosas e antigas, volto aos textos, procuro alguma pedra escondida, esférica e de valor, cá estou entre análises de textos de Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Manuel Bandeira, tenho a alma ruim
, não nego, e de Drummond, e de Clarice Lispector, e de Machado de Assis e de Guimarães Rosa. A impressora retoma uma nova página em branco e recomeça o seu trabalho. Poderia ter escolhido um outro, talvez? Sim e não. A temática da revista eliminando minhas pesquisas atuais e nove dos doze textos existentes, à exceção dos ensaios sobre Missa do Galo
, de Machado de Assis, Histórias de gente alegre
, de João do Rio e Darandina
, de Guimarães Rosa. E cá estou eu, no meio de Paris, repassando no ecran esses rabiscos, a lembrança da aliança aparecendo de supetão, o rastro negro na parede, o aro de ouro ou latão, onde andará, como vou saber?, do morto inquilino suicida que, de repente, me lembra os mortos anjinhos adolescentes de Paris, um frio repentino congelando o apartamento, penso na minha filha de quatro anos que está na escola, estará com fome, já tomou água, sente frio?, penso nos românticos poetas do século passado, morrendo estáticos entre o frio e a depressão.
Concluo a leitura, os três me parecem, em essência, bons, não obstante o discreto cheiro de mofo. Em todo caso, descarto o de Guimarães Rosa, que sofre de uma fragilidade teórica que poderia me custar vários dias na biblioteca. O meu preferido, uma análise semiológica de Missa do Galo
, de Machado, está, me escandalizo, sem as notas de rodapé e, após uma vã procura nos frágeis aros negros do disquete, lá está o texto amarelado no fundo de uma caixa, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, escuto minha voz, se alguém telefonar, anote o número, subo a escada em caracol, fecho a porta atrás de mim, que não quero ser incomodada, olho para o céu, mas que beleza, aqui, no portal da Amazônia, nenhuma nuvem, esse calor, ah, esse calor, quem aguenta? Em fevereiro, tam-tam-tam, tem carnaval, ao lado da piscina troco o CD, Francês para Estrangeiros, passo rapidamente entre as caixas expurgadas na última das incontáveis triagens das coisas que vão
, das coisas que ficam
e das que ficam provisoriamente
, tudo devidamente pesado e medido de acordo com as normas de transporte aéreo, que o avião suba e que ele fique lá em cima, amém, daqui eu vejo o Charles de Gaule, suas formas esféricas, que, de cima, me lembram o Maracanã e, de baixo, cenário Boulevard Jourdan, trinta e sete, apartamento duzentos e sessenta e cinco, alugado quase oito meses antes, taxa para estudante, cinco mil e seiscentos francos?!, mas isso eu ainda não sei, o prefeito de Saint-Denis deseja as boas-vindas aos turistas du monde entier que vêm à festa de Saint-Vincent Tournant, a água transparente reflete círculos solares que me fustigam os olhos, ainda penso na solicitação da