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Boneca Americana
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Boneca Americana

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About this ebook

Boneca Americana conta como o 11 de setembro abre uma Caixa de Pandora em uma família irlandesa/americana. Quando Laura Calane, de Nova Iorque, vem a Irlanda para aprofundar seus estudos e viver em o que seu pai considera um ambiente mais seguro depois do 11 de setembro, ela descobre que a terra dos seus ancestrais não é o paraíso que ela tinha acreditado ser. Quando ela conhece o assistente social Danny Faraday, ela fica dividida entre sua atração por ele e a chantagem emocional do seu tio Thady, que mora na Irlanda e nunca a deixa esquecer que ele salvou a vida do seu pai em um ataque terrorista em Nova Iorque em 1993.

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateNov 21, 2017
ISBN9781507199879
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    Boneca Americana - James Lawless

    Outras obras de James Lawless

    Romances

    Por amor a Anna (tr 2014 Bruna Gunther Da Silva Dantas)

    A Avenida (tr 2015 Cristina Benassy Costa)

    Descobrindo Penelope (tr 2015 Juliana Pellicer Ruza)

    Conhecendo As Mulheres (tr 2015 Gislayne Marise Costa)

    Poesia

    Rus in Urbe (tr 2014 Max Gonçalves Leite Ferreira) 

    Ruído & Reflexỡes sobre o Som (tr 2015 Patriícia Pinto)

    Histórias para crianças

    The Adventures of Jo Jo

    Crítica literária

    Iluminando a floresta obscura: a poesia enquanto visão de mundo (tr 2014 Marcella Mattar)

    Boneca Americana

    Boneca Americana

    Escrito por James Lawless

    Copyright © 2017 James Lawless

    Todos os direitos reservados

    Distribuído por Babelcube, Inc.

    www.babelcube.com

    Traduzido por Bianca Regina Paganini

    Babelcube Books e Babelcube são marcas comerciais da Babelcube Inc.

    ‘Ó, dizei, a bandeira estrelada ainda tremula

    Sobre a terra dos livres e o lar dos valentes?’

    F. S. Key

    PARTE UM

    Capítulo Um

    Ele a viu pela primeira vez no final de maio em uma palestra do Professor Foster sobre W. B. Yeats na Biblioteca Nacional em Dublin. Ele sabia que ela era americana logo que a viu, antes mesmo de ouvi-la falar. Ela tinha aquela pele saudável dos americanos, tão clara quanto o marfim das teclas de um piano, dentes cintilantes, e brilhantes olhos castanhos que pareciam sorrir. E o jeito tão expansivo de ser era bem americano também, ele pensou, observando-a procurar uma cadeira vazia, falando com todos ao seu redor um pouco alto demais para o decoro irlandês. Ela colocou sua franja castanho-avermelhada para trás e disse, ‘Minha franja está nos meus olhos’, como alguém que queria compartilhar o mundo. "Imagine, as histórias dos meus ancestrais estão guardadas aqui. Ai meu deus, e aquelas nuances verdes como um dos quarenta tons quando eu estava no avião Aer Lingus olhando para baixo. Foi tão incrível.’

    ‘Porque você não veio com a Panam?’ perguntou outra mulher, também americana, julgando pelo sotaque.

    ‘Meu pai insistiu dizendo que eu estaria mais segura se viesse com a Irish airline.’

    Ela sentou ao lado dele e disse sorrindo, ‘Eu simplesmente adoro o Yeats.’

    ‘Ele tem seus momentos,’ disse ele.

    ‘Laura Calane.’

    ‘Danny Faraday.’

    ‘Você tem braços bem compridos,’ disse ela. Ele olhou para suas mangas; ele nunca conseguia comprar uma camiseta com mangas compridas o suficiente para cobrir seus pulsos, mas ela obviamente falou aquilo como um elogio.

    Depois da palestra, quando ele contou a ela que às vezes escrevia poesias, ela se interessou na hora, ‘Você é um poeta."

    "Poeta de meia tigela.’

    ‘Uau,’ ela disse ignorando o título. ‘Você está saindo com alguém?’

    ‘Saindo?’

    ‘Namorando, você sabe.’

    ‘Não, e você?’

    ‘No momento não.’

    Ele se ofereceu para mostrar Dublin para ela se ela quisesse.

    ‘Legal,’ ela disse.

    Ela olhou para o relógio. ‘Talvez amanhã. Agora eu estou atrasada. Eu tenho aula.’

    ‘Você acabou de sair de uma aula.’

    ‘Não, quero dizer, uma aula de verdade. Eu vou à Trinity College.’

    Estava chovendo na manhã seguinte, era sábado, o céu parecia uma caixa de pólvora cinzenta cheia de nuvens suspensas, e ele esperava por ela, como combinado, na entrada principal da universidade no College Green. Ele olhava para o outro lado da Dame Street meio que sorrindo para a estátua de Thomas Davis, jorrando sua fonte com o hino em grafitti ‘Urinando novamente’, quando ela o chamou de baixo de uma sombrinha amarela.

    ‘Você não está louco de raiva,’ ela disse mascando chicletes, ‘porque eu o deixei esperando?’

    ‘Claro que não. Eu sou louco de qualquer forma.’

    ‘Ah tá,’ disse ela com um sorriso de quem não entendeu muito bem.

    Eles tinham decidido começar com a Saint Patrick Catedral. ‘Você conhece o Swift e tudo mais,’ Danny disse desinteressadamente amarrando os cadarços do seu Nike de corrida branco na borda da cerca da Trinity. ‘Ah, sim, eu adoro o Swift. Você leu As Viagens de Gulliver?’ Ela contou a ele que tinha uma bolsa de estudos na Fulbright para fazer pós-graduação em estudos irlandeses por um ano, e se seu pai aceitasse, teria a possibilidade de ficar mais tempo.

    ‘Ele queria que eu ficasse segura.’

    ‘Segura?’

    ‘Sim, sabe, depois do 11 de setembro.’

    Ele não respondeu, mas chegou mais perto dela embaixo da sombrinha enquanto eles passavam pela prefeitura. Usando jeans skinny e uma bota de couro de cano alto, ela era uma sexy cowgirl com um salto de sete centímetros que a deixavam na altura da orelha de Danny. ‘Ah, eu adoro a chuva irlandesa,’ disse ela encolhendo os ombros. ‘É diferente da chuva dos Estados Unidos. Eu adoro a textura, a maciez.’ Ela colocou a mão para fora para senti-la.

    ‘O assunto de teses,’ Danny disse.

    ‘As brumas da Irlanda Celta.’

    ‘Você entendeu mal,’ disse ele, mas secretamente pensou que aceitaria aquilo. Ele aceitaria qualquer coisa que essa garota americana barulhenta, mas atraente tinha a oferecer a ele; quem poderia ser tão direta como ela, praticamente chamando-o para sair, fazendo sua busca por mulheres fáceis muito menos complicada?

    ‘Você quer um doce?

    ‘Não, eu não uso essas coisas.’

    Ela riu. ‘Chicletes.’

    ‘Dá gases.’

    ‘Sério, Danny.’

    Ele estava andando mais rápido que ela, então resolveu desacelerar o passo.

    ‘Esse Swift tour vai ser legal,’ ela disse, ‘para a disciplina de romance irlandês.’

    ‘Você quer dizer anglo-irlandês.’

    ‘Bem, sim,’ ela disse balançando a franja. ‘Nós chamávamos assim no campus na América. É irlandês.’

    ‘Tudo bem, mas e quanto ao Gaélico nativo?’ perguntou ele, achando que como um nativo ele sabia mais do que ela sobre aquele lugar tão chuvoso. ‘Quero dizer, como vocês chamam isso?’

    ‘Irlandês também. Ah, eu vou aprender muito mais. Quando eu era criança meu pai me mandou para a escola de línguas Gerry Tobin em Babylon.

    ‘Babylon?’

    ‘Em Long Island.’

    ‘Certo,’ disse ele saboreando a estranheza do nome como se ele tivesse uma geografia desarraigada no seu significado, como Babel com todas as línguas, o crisol das raças; mas talvez não fosse nada estranho, e ele pensou no seu falecido pai, que era bom em línguas.

    ‘Eu fiz a disciplina de linguística nos Estados Unidos. Eu tenho créditos.’

    ‘Que bom para você.’

    Ela parou, olhou para ele seriamente com os olhos arregalados. ‘Eu não sei se você está sendo sarcástico ou não.’

    ‘Nem um pouco,’ disse ele, propenso a desconsiderar todos os clichês, pois se viu sendo atraído por sua inocência, uma qualidade que ele nunca havia pensado que as americanas tivessem.

    ‘Meu quinto avô era um falante nativo de Gaélico.’

    ‘Quinto avô?’

    ‘Sim, do lado do meu pai.’

    Assim que ela disse isso, uma moto passou roncando na faixa de ônibus espalhando água lamacenta nos pés e pernas de ambos.

    ‘Aí está a sua linda chuva irlandesa,’ disse Danny.

    Ela riu, ignorando o ‘banho’. ‘Eu sei cinco erros para se evitar na Irlanda.’

    ‘Só cinco?’

    ‘Eu tirei da internet. Você não pode dirigir na direita.’

    ‘Bom.’

    ‘Use o termo going on holiday ao invés de dizer vacationing quando for sair de férias.

    ‘Sim.’

    ‘É combustível, não gasolina.’

    ‘Foram só três.’

    Ela pensou um pouco. ‘Ah, eu esqueci os outros.’

    Gotten,’ ele disse. ‘Você diz gotten ao invés de got, embora muitos irlandeses usem os dois. Por que será que eles fazem isso, por que eles têm que colocar letras desnecessárias? É a propagação imperial americana eu presumo.’

    ‘Você pensa assim, Danny?’

    Ele não teve que responder, já que ela estava distraída com uma pedinte na Lord Edward Street. Laura tirou uma moeda do bolso e colocou na caixa velha de cereal Weetabix da pedinte.

    ‘É tão triste,’ ela disse, ‘aquela pobre garota irlandesa sentada naquele chão molhado.’

    ‘Ela não é irlandesa, é romena,’ Danny corrigiu, acenando para a garota.

    A garota sorriu para Danny.

    ‘Ela tem um rosto seráfico,’ disse Laura enquanto eles continuavam caminhando. ‘É melhor que dizer obrigada, aquele sorriso.’

    ‘Ela é muda.’

    ‘Muda?’

    ‘Eu conheço ela da distribuição de sopa.’

    ‘Distribuição de sopa? Você faz isso?’

    ‘Não é nada de mais. Você devia vir comigo uma hora dessas.’

    ‘Claro’, disse ela, mascando rapidamente seu chiclete. ‘E o que mais você faz?’

    ‘Eu dou aula em presídios.’

    ‘Uau.’

    ‘Na verdade eu estou tentando montar uma peça teatral. Bem, não sou eu propriamente dito. Os presidiários estão fazendo a maior parte do trabalho. Eu só estou dirigindo a peça. Um cara chamado Três Dedos quer liderar. Ele quer escrever a peça.’

    ‘Três Dedos?’

    ‘Sim, parece que ele perdeu dois dedos em uma das suas fugas.’

    As mãos deles se tocaram quando ambos tentaram firmar a sombrinha em um repentino redemoinho quando viraram a esquina na Patrick Street. Ela não deixou a mão dele se demorar, o que era a intenção dele, mas antes educadamente retirou a dela.

    Ela disse que tinha sorte porque seu quarto na Trinity, embora tivesse uma janela velha e barulhenta com cordas e roldanas duras, era moderno por dentro, com um guarda-roupa e uma prateleira de pinos, aquecimento central e internet. E era tão perto de tudo, no segundo andar de onde se podia ver a delegacia de polícia na Pearse Street. Mas ela disse, ainda, que era pequeno e apertado, não caberia nem um gato, o que ele entendeu que foi o jeito de ela dizer, Você não está convidado para subir, Danny, pelo menos ainda não.

    ‘Eu não gosto de gatos,’ disse ele com um leve repúdio.

    ‘Nós tínhamos uma gata quando eu era criança. Ela se chamava Saoirse e foi atropelada por um caminhão dos bombeiros, acredita? Mas não um dos caminhões do meu pai.’

    ‘Seu pai é bombeiro?’

    ‘Ele era.’

    ‘Era?’

    ‘Ele está aposentado.’ Ela ficou pensativa por um momento. ‘Embora ele tenha saído da sua aposentadoria para ajudar no 11 de setembro. Aos 53 anos ele era um dos bombeiros mais velhos lá.’

    Danny suspirou. ‘Todas as idades, eu suponho, requerem seus heróis.’

    ‘Meu pai’, disse ela mastigando mais devagar, ‘não foi requerido.’

    ‘Desculpe.’ Ele percebeu que a tinha ofendido.

    ‘Milhares de pessoas saíram com velas nas ruas de Nova York para homenagear os bombeiros mortos.’

    ‘Já entendi.’

    Já entendi?’ Ela o encarou. ‘Você é cínico, Danny Faraday?’

    ‘É só a desvantagem de ser ingênuo.’

    Ela espiou por baixo da sombrinha. ‘A chuva parou.’

    ‘Não se iluda. É pura enganação irlandesa.’

    ‘Você não gosta do seu próprio povo?’

    Ele não respondeu. Ele não queria entrar nessas discussões pesadas; aquele não era o seu objetivo, então eles andaram em silêncio por um tempo. Quando viraram na Saint Patrick’s Close ela disse, ‘Onde você mora, Danny?’

    ‘Na South Circular Road, perto da mesquita.’

    ‘Da mesquita?’ Ela hesitou.

    Ele olhou para ela. ‘Algo errado?’

    ‘Não... claro que não,’ disse ela, tentando sorrir.

    Capítulo Dois

    Ela tinha que ir uma vez por semana, nas terças, surpreendentemente, visitar seu tio Thady. Ela era misteriosamente vaga sobre a localização.  ‘O que importa onde é? perguntou. Ela tinha saído de uma aula, e eles estavam dividindo um banco debaixo do sol da tarde do outro lado da torre do sino da Trinity.

    ‘Então, por que é tão importante visitar um tio?’ ele perguntou.

    Ela contou que ele era o irmão mais velho do seu pai e que costumava trabalhar no corpo de bombeiros com ele. Ele salvou a vida do seu pai em 1993 quando terroristas entraram com uma van no subsolo do World Trade Center, matando seis pessoas. O pai dela ficou irritado com o governo, acreditando que esse era um precursor e um aviso, mas o governo não deu ouvidos, então eles não estavam preparados para o ‘Grande Ataque’ quando ele chegou. A mãe dela estava no andar de cima na hora da explosão trabalhando como garçonete no Windows of the World. Ela não se machucou, saiu ilesa (para Danny, estranhamente, Laura parecia estar falando com pesar agora), mas a perna do seu pai ficou presa embaixo de uma viga, e seu tio Thady, com toda sua força, ergueu a viga de cima da perna do seu pai e o carregou em segurança nos ombros até o guindaste dos bombeiros.

    ‘Então é isso,’ Danny disse, ‘isso é o porquê de você ter que visitá-lo?’

    Ela suspirou.

    ‘Você não gosta de visitá-lo?’

    Os lábios dela se moveram mas se recusaram a falar.

    ‘Laura.’

    ‘Eu estou falando sobre minha Mãe.’

    ‘Ok.’

    ‘Meu Pai não queria que minha Mãe voltasse ao trabalho mais tarde, você sabe, depois que eles limparam e reconstruíram tudo, mesmo com a segurança reforçada dos guardas de casaco azul e os cartões de identificação. Mas minha Mãe amava aquele lugar. Ela vivia falando dele. Os funcionários eram tão amigáveis, e os clientes eram...’

    ‘O quê? Por que você está hesitando?’

    Ela olhou para ele, tentando encontrar confiança nos seus olhos. ‘Eu não sei se posso te contar, Danny.’

    Ele deu de ombros. ‘Beleza,’ ele disse.

    ‘Eu gosto disso em você,’ ela disse endireitando-se no banco. ‘Você não é intrometido ou insistente como algumas pessoas.’

    Você não me conhece, ele ia dizer, mas porque se incomodar?

    ‘Então, meu Pai ainda fica se culpando,’ ela disse ponderando com aquela boca americana, meio aberta, com os dentes aparentes, o que ele achou tão fisicamente saudável e atraente ao mesmo tempo. ‘Ele fica pensando que mais ataques virão.’

    ‘O que você quer dizer com fica se culpando?’

    ‘Minha Mãe morreu no 11 de setembro.’

    ‘Meu deus, Laura, sinto muito.’

    ‘Tudo bem,’ ela disse por dizer. ‘Eu posso lidar com isso. Mas não tenho certeza sobre meu Pai e o Tio Thady.’

    ‘Por que não?’

    ‘Bom, o corpo da minha Mãe nunca foi encontrado, e meu Pai ainda não aceita, apesar de todo o tempo que passou, que ela está morta. Ele fica revivendo o 11 de setembro o tempo todo, como se ele não conseguisse seguir em frente; ele está congelado lá. E o Tio Thady ficou um pouco estranho também, eu acho, quando ele viu na TV.’

    ‘Como assim estranho?’

    ‘Eu não posso falar sobre isso.’

    ‘Você está me provocando Laura, o jeito que você está contando algumas partes, omitindo outras.’

    ‘Me desculpe, Danny,’ ela disse fazendo um barulho com seu chiclete que tentou contrastar com a seriedade momentânea que obscureceu seu rosto. ‘Eu não quero provocar você, mas isso é tudo que eu posso te contar agora. Você tem que entender que o Tio Thady se preocupava com meu Pai, seu irmão mais novo, você sabe como é. Ele queria comprar uma passagem de volta para Nova Iorque quando o 11 de setembro aconteceu, mas ele foi impedido.’

    ‘Quem o impediu?’

    Ela parou, olhou para baixo como se contasse os paralelepípedos. ‘Maureen, sua esposa.’

    Uma vez que ele tinha quebrado o gelo da taciturnidade dela, Laura se abriu para Danny e logo estava expondo espontaneamente – sua propensão natural, Danny pensou – pelo menos alguns dos caprichos da sua família. Ela contou a Danny que Maureen, com a ajuda de um curador local, tinha colocado o tio Thady na clínica Saint John of God por uma semana, só até ele se recompor do choque de ver aquelas torres desmoronando.

    ‘Eu não sei o que eles disseram, se foi violento... meu deus, ele nunca foi violento; pelo menos nunca comigo.’

    ‘Mas e a sua mãe?" Danny perguntou porque, apesar de negar, estava ficando intrigado com ela.

    ‘Ela não era uma heroína.’

    ‘Não?’

    Laura olhou para Danny. ‘Ela traía o meu pai. Com um Maruf Rayhani.’

    ‘O quê, um árabe?’

    Uma brisa bagunçou a franja dela revelando a brancura da sua testa. ‘Com um nome desse, o que você acha? Eu encontrei coisas no diário dela. Ele era um cliente regular do restaurante. Talvez por isso ela insistiu em voltar a trabalhar lá depois de 1993.’

    ‘Você acha que eles eram íntimos já naquela época?’

    ‘Eu não sei, Danny. Eu nunca contei ao meu Pai. Iria destruí-lo. Ela foi o amor da vida dele.’

    Laura respirou fundo. ‘Ah meu pobre, iludido pai.’

    Danny estava sentindo um estranho sentimento tomando conta dele, indo contra seus instintos mais baixos (uma voz do bem murmurando algo não totalmente compreensível, mas ainda assim insistindo), e a imagem dos seus falecidos pais passou por sua mente no momento do seu último aceno para eles antes de desaparecerem atrás da parede de acrílico no aeroporto de Dublin.

    ‘É por isso que eu fui vê-la,’ Laura estava dizendo, ‘aquele dia no Windows of the World. Ela queria falar comigo urgentemente. Minha mãe era obcecada,’ ela falou dando tapinhas nas bochechas com as duas mãos. ‘Ela não se importava nem um pouco comigo ou meu Pai.’

    ‘Espera aí,’ Danny disse, atraído pela emoção da voz dela.

    ‘É verdade. Você não sabe. Mas ela nunca conseguiu me contar a decisão dela. Ela falava muito do meu Pai pelas costas. Ela dizia que ia para casa depois do trabalho para seu desapontamento. Isso levou a algumas discussões porque eu sempre defendia meu Pai, e ele sempre inventava desculpas para ela. Ela tinha esse livro, Contos de Alhambra, com todas aquelas fotos mouras. Ela falava da Arábia e tentava justificar seu discurso sobre o país dizendo que a Arábia era um país amigo dos EUA e era tipo um lugar maravilhoso, exótico e romântico.’

    ‘Bem,’ disse Danny, sem saber como responder àquela intimidade inesperada e confessada abertamente.

    ‘A cabeça dela era uma bagunça. Sempre,’ disse ela puxando as mangas. ‘Ela era uma grande fã de filmes; quando eu era pequena ela costumava me levar ao Jackson Heights, mas quando ela queria ver aqueles filmes mais adultos, ela desaparecia por Manhattan com algum amigo ou amiga que eu nunca cheguei a conhecer.’

    Laura olhou do outro lado da torre do sino para uma pomba que tinha acabado de pousar. ‘Meu Pai não era muito de filmes românticos, só, talvez, se fosse com a Marilyn Monroe. Na verdade, desde o 11 de setembro ele não vê filme algum.’

    ‘Por que?’

    ‘Onde estava o King Kong quando os aviões vieram? É o que ele diz.’

    Danny riu educadamente.

    Eles não falaram nada por algum tempo, vendo alunos e professores em suas vestimentas agitadas, cruzando a praça carregados com livros e pastas. Então ela se desculpou por ‘ter tagarelado sem parar’, dizendo que desde que ela veio para a Irlanda as coisas tinham aumentado um pouco dentro dela, como acontece às vezes, e ela não tinha intimidade com ninguém para conversar, nem com as pessoas na universidade ou no Insomnia Café na rua Nassau onde ela trabalhava meio período para poder se manter.

    ‘Todos precisam de alguém que os ouça,’ Danny disse.

    Ela riu.

    ‘O que é engraçado?’

    Ela contou que era isso que o seu pai dizia sobre o seu tio Thady, que ele era péssimo para música e não tinha o menor ritmo, enquanto seu pai podia cantar como um pássaro, bem, quando ele estava a fim, e que o tio Thady, às vezes, quando ela o visitava, estava ouvindo alguma música no último volume, como Beethoven ou algo assim, o oposto dos cânticos da Maureen.

    Ela parou para ver se Danny estava prestando atenção. ‘Ele chora como um bebê, grandes lágrimas rolam em sua face.’

    ‘A instituição?’ Danny perguntou.

    ‘É, só que não é a instituição agora.’

    ‘Maureen?’

    ‘Com certeza é a Maureen. Mas eu quase nunca a vejo.’

    ‘Não?’

    ‘Não. Por isso eu faço as visitas nas terças-feiras, quando ela está na fraternidade. Mão para abençoar,’ disse Laura fazendo mímicas, ‘joelho para ajoelhar. Rosários, novenas, via-sacra, atos de autonegação, sem doces na Quaresma, sem carne nas sextas, sem...’

    ‘Sem o quê?

    Ela enrubesceu. ‘Sem nada.’

    Danny percebeu que ela tinha corado, sentiu sua hesitação, esperou que ela contasse mais, mas tudo que ela fez, como que se salvando daquele silêncio desconfortável, foi por fim desabafar, ‘É tão difícil às vezes...’

    ‘Você não tem que ir lá, definitivamente.’

    ‘Eu tenho, sim, Danny.’

    ‘Por que? Por que Laura?’

    Ele olhou para ela. O rubor tinha atenuado, mas suas sobrancelhas demonstravam uma ansiedade intrigante.

    Capítulo Três

    A tarde estava nublada, mas seca quando ele a buscou no Insomnia Café. Ele ia levá-la caminhar até a prisão Mountjoy do lado Norte da cidade para mostrar a ela onde ele tinha dado sua última aula naquele dia antes das férias de verão.

    Laura notou mais lixo nas ruas quando eles atravessaram o rio Liffey pela ponte O’Connell e um olhar mais faminto e cansado nos passantes. ‘Eu nunca vi tanta gente usando agasalho esportivo.’

    ‘Você não sabe que é o uniforme nacional?’ Danny perguntou.

    Ela não riu como ele esperava, mas o olhou perplexa.

    Quando eles chegaram perto da loja Boots ela disse, ‘Vamos tirar uma foto um do outro.’

    ‘Sorria,’ Laura disse depois que Danny tinha ajustado a altura do banco na frente das lentes dentro da cabine. Ele fez uma cara séria, achando difícil manter o que ele chamava de o sorriso do gato de Cheshire.

    Quando eles saíram da Boots e viraram na North Circular Street, a torre da prisão surgiu diante deles.

    ‘Você vê os cabos, com metros de extensão,’ ele disse.

    ‘O que está preso neles? Bolas de plástico, brancas e laranjadas.’

    ‘Elas são os sóis e as luas dos prisioneiros,’ ele disse escondendo dela a possibilidade de haver drogas contrabandeadas no interior delas.

    ‘Sobre o que é essa peça em que você tem trabalhado?’

    Danny respirou

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