Um Beijo na Praia
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O professor Fontela, doutorado em Educação Intercultural e docente do Instituto Superior de Educação, tinha-se divorciado por suspeitas de adultério. A esposa tomou conhecimento de que ele teria encontros amorosos com alunas. Um dia ao entrar em casa, ela confrontou-o com a situação e exigiu-lhe que fizesse as malas e saísse de casa. Ele ainda tentou reagir. Mas como era um fraco diante das mulheres, foi fazer as malas, deu um beijo aos dois filhos que dormiam e foi alugar um quarto numa pensão.
José Leon Machado
José Leon Machado nasceu em Braga no dia 25 de Novembro de 1965. Estudou na Escola Secundária Sá de Miranda e licenciou-se em Humanidades pela Faculdade de Filosofia de Braga. Frequentou o mestrado na Universidade do Minho, tendo-o concluído com uma dissertação sobre literatura comparada. Actualmente, é Professor Auxiliar do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se doutorou em Linguística Portuguesa. Tem colaborado em vários jornais e revistas com crónicas, contos e artigos de crítica literária. A par do seu trabalho de investigação e ensino, tem-se dedicado à escrita literária, especialmente à ficção. Influenciado pelos autores clássicos greco-latinos e pelos autores anglo-saxónicos, a sua escrita é simples e concisa, afastando-se em larga medida da escrita de grande parte dos autores portugueses actuais, que considera, segundo uma entrevista recente, «na sua maioria ou barrocamente ilegíveis com um público constituído por meia dúzia de iluminados, ou bacocamente amorfos com um público mal formado por um analfabetismo de séculos.»
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Um Beijo na Praia - José Leon Machado
Um beijo na praia
O professor Fontela, doutorado em Educação Intercultural e docente do Instituto Superior de Educação, tinha-se divorciado por suspeitas de adultério. A esposa tomou conhecimento de que ele teria encontros amorosos com alunas. Um dia ao entrar em casa, ela confrontou-o com a situação e exigiu-lhe que fizesse as malas e saísse de casa. Ele ainda tentou reagir. Mas como era um fraco diante das mulheres, foi fazer as malas, deu um beijo aos dois filhos que dormiam e foi alugar um quarto numa pensão. Daí a alguns meses, foram os dois presentes ao juiz e assinaram os papéis do divórcio.
Vivia agora sozinho num apartamento que entretanto comprou a crédito, onde recebia uma vez por outra alguma aluna mais necessitada de apoio físico e psicológico.
No início da primavera, foi convidado para um colóquio e avisou os alunos de que iria faltar na aula seguinte por esse motivo. Explicou-lhes que ia a um colóquio sobre educação em Espinho. Uma aluna, que era de lá, disse-lhe que talvez aparecesse para o ouvir.
A moça sempre apareceu. O professor Fontela, na mesa a aguardar a sua vez para falar, viu-a entrar e ficou encantado. O vestido cor-de-rosa de um tecido muito fino e os sapatos altos davam-lhe um toque particular. As pernas branquíssimas e o cabelo aloirado não a faziam passar por filha de pescadores.
O professor pronunciou a sua comunicação e no intervalo da sessão foi cumprimentar a aluna.
– Onde vais assim tão bem arranjada? – perguntou ele olhando-a de cima abaixo.
– Vou a uma reunião da paróquia.
– Uma reunião da paróquia? E eu a pensar que tinhas encontro marcado com o namorado.
– Não tenho namorado.
– Não tens namorado?
– Ninguém me quer.
E riu-se graciosamente.
– Os rapazes devem andar cegos. Uma rapariga tão encantadora sem namorado é um desperdício.
– Sim, devem andar mesmo cegos.
– Pois se não tivesse já um compromisso, convidava-te para jantar comigo.
– Jantar não posso. Mas depois da reunião da paróquia, se o professor quiser, poderemos encontrar-nos. Eu levo-o a conhecer a cidade. Podemos marcar à entrada do casino.
– Pois está muito bem. Às 22 horas lá estarei à tua espera.
Encontraram-se à hora marcada. A Marisa quis levá-lo a conhecer os bares e uma discoteca. Mas o professor preferiu um passeio pela praia, à luz da lua.
– Já alguma vez tiveste namorado, Marisa?
– Não, nunca.
– Então eu hoje, se me permitires, vou ser o teu namorado.
Segurou-lhe na mão e caminharam ao longo da praia, saboreando a maresia e escutando o rebentamento das ondas. Ele disse-lhes coisas engraçadas, ela ria, pouco à vontade. A dada altura pararam. O professor Fontela olhou-a e disse-lhe que ela era a mulher mais bela que ele jamais tinha visto. Ela disse:
– Se o professor quiser, pode beijar-me.
– Queres mesmo que te beije?
– Sim, quero.
– E porquê?
– Nunca fui beijada por um homem.
Ele segurou-lhe no queixo e beijou-a ao de leva na boca. Depois olhou-a. A moça tinha os olhos fechados e os lábios entreabertos. Puxou-a para si, enlaçou-a e beijou-a profundamente.
Alguém se aproximava, eles interromperam o beijo e continuaram o passeio de mãos dadas.
– O professor gosta de mim? – perguntou ela um pouco depois.
– Sim, Marisa, gosto muito de ti.
– Na universidade dizem que se separou da sua mulher por causa de uma aluna. Foi verdade?
– Não é bem verdade. O meu casamento estava com problemas. Eu e a minha mulher não nos dávamos lá muito bem.
– O professor começou a andar com uma aluna?
– De certa maneira, sim. Mas não foi a aluna a causa do meu divórcio.
– E que é feito dessa aluna?
– Terminou o curso e casou-se.
– Então essa relação não foi uma coisa séria.
– Depende.
– E o professor ficou triste quando soube que ela casou?
– Não, que ideia! Eu sinto-me feliz com a felicidade das pessoas de quem gosto. Até fui ao casamento.
– Então se um dia eu me casar, o professor vem ao meu casamento?
– Sim, irei com todo o gosto. Se quiseres, serei até o padrinho.
Sentaram-se no paredão, ela encostou a cabeça ao ombro do professor e ele esteve a afagar-lhe o cabelo junto às orelhas.
– És muito bonita, Marisa. E mereces o melhor que a vida te pode dar.
– Case comigo, professor.
– Queres que case contigo?
– Neste momento quero. Se disser que vai pensar, talvez eu amanhã já não queira.
– Nenhuma mulher me pediu em casamento.
– Nem mesmo a sua ex-mulher?
– Nem mesmo essa.
– E agora tem medo de dizer que sim?
– Tenho pena de dizer que não.
História de uma cama
A primeira vez que me deitei com uma mulher não foi nos estofos de um carro ou noutro lugar menos confortável e pouco resguardado, mas sobre uma cama com colchão de molas, lençóis lavados, almofadas e colcha às florzinhas.
Era uma velha cama de família que a minha mãe herdou dos pais e, por uma série de circunstâncias, foi parar ao meu quarto no momento em que eu, com dois anos de idade, me emancipei, o mesmo é dizer, deixei a mama, a chupeta, os mimos e fui expulso do berço que ficava ao lado da cama de casal, para dar lugar à minha irmã do meio acabada de vir ao mundo. Passei a partir de então a ter o meu próprio quarto e toda uma cama para me estender e crescer.
A minha mãe chamava-lhe a cama de nogueira. Desconhecia-se o carpinteiro que a construiu e o comprador. Nela, segundo a tradição familiar, tivera a minha avó materna cinco filhos, um nado morto; nela penara o meu avô várias semanas com uma coisa ruim que ninguém sabia dizer ao certo o que era, até adormecer para nunca mais acordar.
Foi na cama de nogueira que os meus pais passaram a noite de núpcias e nela se presume que eu fui engendrado, não propriamente nessa noite, mas nas muitas que se seguiram até que o ovo fecundasse, trabalho a que o meu pai se propôs sem desanimar.
Tendo o casal comprado mobília nova, foi a velha cama relegada para o quarto dos fundos e aí ficou dois ou três anos até me ser dada quando a minha irmã do meio nasceu. Nela cresci e me fiz homem. Aos sete anos, a minha mãe achou que eu já era suficientemente crescido para, depois de me levantar pela manhã, esticar os lençóis, estender os cobertores e alisar a colcha. Apesar dos meus esforços, nunca consegui a perfeição. Ou a colcha pingava demasiado de um lado, ou os cobertores, engelhados causavam ondas que levariam a pensar que andara por ali gato a fazer ninho.
Foi na cama de nogueira que recuperei dias seguidos das doenças de menino: o sarampo que me atordoou como o álcool a um bêbedo; a varicela que me pôs a cara como o dorso bexigoso de um sapo; a papeira que me inchou o pescoço como um balão; a gripe que me punha o corpo dorido como se tivesse levado uma tareia com um pau. Durante essas doenças, eu era tratado como um príncipe: faltava à escola,