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O menino que não quis chorar
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O menino que não quis chorar

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Para Santiago, o dia a dia na escola se transformou em um castigo insuportável e a ideia de suicídio, fascinante e terrível, vem à sua mente torturada, cada vez com mais frequência. Tudo muda quando conhece Lucía, a menina nova. Simpática, inteligente e dotada de grande sensibilidade, é a única capaz de descobrir o maravilhoso mundo interior que valoriza o estranho e solitário menino. Algo extraordinário começa a acontecer com Santiago. Oculta, sob a superfície de sua aparente timidez, uma personalidade forte, indomável e por vezes, sombria, se revela de repente. A cruel perseguição, porém, continua cada vez mais obsessiva e violenta. E Santiago, decidido a não se deixar derrotar, suporta-a em silêncio, sem se queixar, sem chorar. Até que finalmente, esse pesadelo também alcança sua única amiga, e a frágil sanidade de Santiago termina por se romper de maneira devastadora e terrível.

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateOct 28, 2018
ISBN9781547528646
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    O menino que não quis chorar - José Antonio Jiménez-Barbero

    O menino que não

    quis chorar

    Autor: José Antonio Jiménez-Barbero

    Registrado legalmente no Registro de Propriedade Intelectual com número: CMU—000009—2015

    Prefácio

    O menino observa absorto a paisagem que parece persegui-los do outro lado da janela. As árvores, espalhadas em grupos reduzidos pela extensa e praticamente inerte planície, parecem animais estranhos que fogem apavorados de algum perigo desconhecido. Desta vez viaja a bordo de uma viatura policial moderna, de cor cinza, convenientemente camuflada e que, ao que parece, costuma se encarregar desse tipo de transporte.

    Nos seus ouvidos ainda ressoam, fortes, as palavras do juiz de menores designado pela justiça para decidir o seu destino. Na realidade, nada foi como ele esperava. Logicamente, havia imaginado algo muito pior. Inclusive o transcurso do julgamento pareceu-lhe quase irreal, nem sequer parecido com a imagem que havia criado nos dias anteriores. De fato, lembrou-lhe mais uma reunião familiar que um processo penal por tentativa de homicídio.

    Ainda que tenham transcorrido algumas semanas desde tudo aquilo, ainda mantém vívida a imagem dos outros meninos transformados em tochas humanas, gritando e se agitando, até caírem ao chão em um último e vão esforço para apagar as chamas, enquanto ele observava indiferente, sentado comodamente sob a pia.

    —Devo dizer que, nos muitos anos em que exerço a magistratura, não soube de crime mais atroz e sórdido que o que hoje me vi obrigado a julgar. Não consigo compreender como um garoto de apenas catorze anos tenha sido capaz de planejar, organizar e executar um ato tão depravado e cruel contra outro ser humano. No entanto, espero que a permanência em um centro de internação lhe sirva para refletir sobre seus atos, e que algum dia o senhor chegue a se arrepender do imenso sofrimento que causou, não só às suas pobres vítimas, mas também para suas famílias.

    Não se lembra de ter dito palavra alguma durante o julgamento, exceto para reconhecer todos os fatos ao ser interrogado pelo promotor. Esboçou somente um rápido sorriso quando escutou a palavra "vítima, durante a tediosa assertiva.

    E não acredita que se arrependa jamais, tal e qual insinuou o juiz. Ele não sabe.

    A viatura policial que o transporta diminui a velocidade à medida que se aproxima de uma edificação que se assemelha mais a um imenso acampamento de verão que a um reformatório. Encontra-se situado em uma zona rural de Abarán, perto do monte, e, a parte que se acha rodeada de pinheirais soberbos lhe confere um aspecto, lindamente bucólico.

    Fazem uma breve parada diante da barreira que dá acesso ao local e que se encontra fechada nesse momento. Logo após a rápida conversa entre um dos agentes e o entediado guarda de segurança, da qual nada pode ouvir devido à tela de proteção que o isola no banco traseiro, observa como a barreira se eleva preguiçosa e o carro finalmente acessa o interior.

    O menino olha com interesse o aspecto do que será sua residência durante os próximos anos; três barracões idênticos, porém pintados de cores diferentes por alguma estranha razão, se alinham paralelamente em frente a outra construção branca de formas mais modernas, formada por linhas retas e elegantemente envidraçada. A viatura policial, então, se dirige exatamente até esta última e por fim, para silenciosa junto à porta principal.

    Sempre foi consciente de que o que ia fazer o conduziria para lá; em nenhum momento manteve a mínima esperança de esquivar-se: era o previsto. Inclusive se lembra de ter pesquisado na internet sobre o regime de funcionamento desses lugares, dias antes, durante o meticuloso processo de planejamento. Viu várias fotos de lugares semelhantes em diversos pontos do país, de modo que nada do que observa ali o pega de surpresa. Apesar do aspecto cordial do centro no geral, não se engana: sabe perfeitamente, que a vida a partir de agora será muito diferente.  Não poderá se comunicar com a sua família — mesmo que isso não o preocupe no momento... por enquanto prefere que seja assim —, nem empregar seu tempo como decidir.

    Já não é livre, é um presidiário.

    Desce do carro ajudado pelo policial que o conduz até a porta principal do edifício envidraçado. Ali é introduzido sem muita apresentação em um quartinho sem janelas nem espelhos, onde o revistam minuciosamente e registram seus pertences. Por um momento, um vislumbre de raiva aparece em seus olhos quando observa o monitor jogar no chão com ar descuidado a roupa dobrada primorosamente por sua mãe no dia anterior. Em seguida, porém, trata de desviar o perigoso curso que o seu pensamento se empenha em seguir porque começa a doer.

    Quando finaliza o penoso processo, o policial se despede e sai deixando-o sozinho com o monitor que aproveita para lhe dirigir um olhar debochado.

    —Olá, bebê — lhe diz em tom irônico. — Você é o piromaníaco? Nunca tivemos piromaníacos por aqui antes. Seus pais não lhe disseram que não se deve brincar com fogo? Que você pode fazer xixi na cama?

    Alto e de costas largas, de rosto quadrado e traços estúpidos e cruéis, o sujeito que tem à frente lhe dá receio. Parece muito com outra pessoa.

    — Sim. Gosto muito do fogo — responde. Ato contínuo, esboça um sorriso de propósito que mais parece uma careta. O monitor, repentinamente sério, o provoca em tom sombrio:

    — Nesse caso, não se preocupe. Aqui aprenderá rápido. Eu lhe prometo.

    O garoto fica em silêncio. Sabe quando é preferível calar.

    A porta se abre de novo e entra um indivíduo mais velho, alto e extremamente magro, de rosto flácido e triste, que se apresenta como Marcos, o coordenador dos monitores.

    — Bom, garoto, vejo que já conheceu o Fran, um dos nossos monitores mais apreciados. Se me acompanhar por um momento, cumpriremos uns simples trâmites burocráticos...

    O garoto, depois de pegar apressadamente sua maleta, acompanha Marcos para fora do quarto. Antes de sair, dirige uma última olhada para trás e surpreende o monitor sorrindo maliciosamente.

    E, no final, eles sempre voltam...

    PRIMERA PARTE

    QUEDA

    ––––––––

    A metade do caminho da vida,

    em uma selva escura me encontrava

    porque minha rota se havia extraviado.

    Quão dura coisa é dizer qual era

    esta selvagem selva, áspera e forte

    que me devolve o temor ao pensamento!

    Dante Alighieri

    La Divina Comedia

    Inferno. Canto Primeiro

    Santiago

    Queria desaparecer: simplesmente deixar de existir.

    Conhece perfeitamente o lugar onde a mãe guarda os comprimidos que toma para dormir; para ela, basta meio comprimido para cair num sono profundo durante várias horas. Santiago pensou que se tomasse todo o conteúdo da caixa de uma vez, talvez fosse o suficiente.

    Antes, em uma outra ocasião, perguntou-se o que aconteceria se morresse. Seria como dormir? Uma eterna inconsciência, sem pensamentos nem sonhos? Não sabe, apenas acredita estar bastante seguro de que não seria muito pior que o inferno em que sua vida se transformou.

    Quase chegou a fazê-lo, ao voltar da escola. Nem ela e nem o pai estavam em casa ainda: nesse dia trabalhariam até tarde. Entrou no quarto deles e depois de uma breve busca entre a roupa íntima, conseguiu se apossar da consoladora caixinha de cor azul. Diazepam mostra o anverso. Contém uns comprimidinhos diminutos de cor branca que representam a sua salvação. A fuga final, a paz definitiva, afastar-se deles para sempre...

    Ficou no quarto dos seus pais com a caixa na mão, imóvel, olhando para o espelho sem ver através dele. O tempo parece parar enquanto Nacho e os demais voltam à sua mente. De novo, estão no pátio durante o recreio, no canto mais distante. Outra vez, rodeado por eles que se esforçam para ocultá-lo do olhar do grupo de professores, que nesse momento, talvez conversem livremente na porta do colégio, enquanto acabam rapidamente o último cigarro.

    Nacho o empurra uma e outra vez contra a parede enquanto o insulta: Gordo maricas, "Nerd, ou o seu preferido Saco de banha", são os epítetos que lhe dedica nesse dia. De vez em quando dirige divertidas olhadas em volta, procurando e obtendo aprovação dos demais meninos. Santiago pode ver como vários deles o focam com o celular, enquanto soltam algumas risadinhas de satisfação. Nem sequer tenta se defender; sabe que qualquer gesto hostil de sua parte poderia terminar com um espancamento a cada momento. De modo que, com a cabeça baixa, tratando de cobrir o rosto com as mãos, envergonhado, limita-se a suportar em silêncio a enxurrada de golpes que vêm em seguida.

    Desta vez não se permite nem uma lágrima. Com o passar dos meses, aprendeu a reprimi-las, a fim de privar seus algozes de qualquer diversão extra; é o último reduto de sua quase aniquilada dignidade.

    Finalmente o joga no chão e, depois de tomar-lhe o sanduiche do almoço, o esfrega pelo seu rosto, sujando-o de restos de tomate e atum. Nessa ocasião, como novidade, também levanta sua larga camisa amassada e deixa exposto seu corpo volumoso.

    Olhem, meninos... Tem tetas e tudo...! Eca, que nojo! grita com júbilo, enquanto belisca grosseiramente seus peitos. Santiago escuta perfeitamente as risadas estridentes do garotos e garotas que se apinhavam em torno deles. Quer despertar, mas lhe é impossível. Hoje não se trata de um pesadelo, é tudo muito real.

    No final não pode evitar, grossas lágrimas de vergonha e dor deslizam por seu rosto. Tem medo. Medo de que o vejam chorar outra vez. Medo de que isto não termine; de que Nacho e os outros continuem torturando-o, eternamente. Medo de transformar-se em uma fofa e nauseante massa de carne trêmula, sem nome, sem valor e nem identidade.

    Uma voz de adulto. Um professor jovem, a quem não conhece mais que de vista, grita enraivecido.

    Vamos! Todos fora daqui!

    Ajuda-o a levantar-se e, depois de direcionar um olhar furioso ao vigoroso grupo de curiosos que se juntou para apreciar o espetáculo, vira-se para o agressor.

    Você, para o gabinete do diretor! Agora! diz, zangado.

    O que o senhor disser, professor responde o referido aluno com voz de falsete. Inclusive se permite um último gesto de transgressão antes de ir. Alguns de seus companheiros aproveitam para dar tapinhas nas costas do seu herói, tratando de incentiva-lo.

    Santiago então, começa a sentir uma náusea profunda e intensa que lhe ataca desde o fundo do estômago, até chegar à sua garganta que arde de forma atroz. Sem poder evitar, se agarra desesperado ao professor como um náufrago a um bote salva-vidas e, entre dolorosos espasmos, vomita, convulsivamente. As golfadas se sucedem, uma e outra vez, e o mundo se enche de pontinhos negros e brancos, que dançam e tilintam diante dos seus olhos, como estrelas fugazes. Está a ponto de cair.

    Calma ouve o que o professor lhe sussurra.

    Quando tudo termina, ajuda-o a se recompor e o acompanha para dentro do edifício. Agora, é o silêncio, espesso e culpado, que se apoderou do pátio e que o segue durante o vergonhoso trajeto.

    De novo o diretor, desta vez acompanhado pela orientadora. De novo, as mesmas palavras vazias, incômodas e impotentes. De novo, indefeso e duplamente humilhado, sai do gabinete para sua casa, onde sabe que ninguém o espera.

    E agora, ali, ainda diante do espelho do dormitório dos seus pais, observa a caixinha azul que agarra com suas mãos. Sua salvação.

    Abre e tira dela um blister. Tem apenas que tirar as pílulas e engoli-las com um pouco de água. E deixar de sofrer.

    De repente, lhe vem outra lembrança. É a adorável e clara risada de sua irmãzinha Teresa, no dia anterior à tarde, enquanto lhe desenhava seu personagem favorito da Disney, a princesa Elsa. Quando o termina, ela aperta o seu rosto entre suas pequenas mãozinhas e o observa com prazer ou algo parecido com admiração. Ele a abraça e cobre de beijos. Por um breve instante, se permite ser feliz.

    Um momento de reflexão; a sombra de uma dúvida; o desejo de uma esperança.

    Santiago devolve o blister para dentro da caixinha e a guarda na mesinha de cabeceira

    de sua mãe, escondida entre a roupa íntima. Com um suspiro, afasta-se dali.

    Não pode fazê-lo. A lembrança de sua irmã, a quem ama com paixão, impediu-o desta vez. Olha para o seu relógio, verifica que ainda há uma hora para que os seus pais voltem e vai para o banho. Joga a roupa suja e ainda manchada de sangue no chão e forma um triste monte que empurra enojado com um pé.

    Novamente, volta a voz do diretor, senhor Carlos:

    Santiago, sinto muito o ocorrido, mas pouco podemos fazer... se você e seus pais não denunciarem sussurra sem olha-lo nos olhos.

    Ele se limita a manter o olhar fixo no chão. Não deseja que castiguem Nacho e os demais. Isso só serviria para intensificar os seus ataques.

    Senhor diretor, devemos informar os pais dele, a agressão foi muito violenta... sugere timidamente o professor novato que o acompanhou até ali.

    O diretor levanta o olhar para ele, com expressão de reprovação... Não tinha que se meter onde não foi chamado, parece querer acusa-lo.

    Claro, lhes escreverei uma mensagem que o próprio Santiago poderá levar finalmente decide, arqueando as sobrancelhas — O que lhe parece, Santiago?

    A orientadora, uma jovem senhora excessivamente maquiada, observa-o com uma expressão estúpida. Quando ele levanta os olhos para ela, vira a cabeça para o outro lado, em direção à janela. Algo mais interessante parece estar acontecendo lá fora...

    O primeiro a voltar para casa é o pai. É encanador, mas ultimamente, não lhe oferecem muito trabalho. Na maioria das vezes, quando volta para casa ao meio-dia, sua respiração malcheirosa denuncia que passou grande parte da manhã no bar. Em raras ocasiões, no entanto, volta feliz e esgotado, ainda carregando sua velha caixa de ferramentas. Nessas vezes lhe sorri e até lhe dá tapinhas no ombro em um gesto carinhoso.

    Há alguns anos, seu pai não frequentava os bares. Trabalhava para uma grande empresa de construção e estava sempre ocupado. É verdade que quase não o via durante o dia, mas compensava mais o ar de felicidade que irradiava. Nos finais de semana iam todos juntos ao parque, não muito longe de sua casa, e fingiam jogar futebol. Sempre terminavam chorando de rir, abraçados no chão. Depois voltavam para casa, sujos, suados, porém satisfeitos, para escutar a mãe que os repreendia com um sorriso de cumplicidade:

    — Nossa, que desastre vocês estão...! Já podem ir deixando a roupa suja na máquina de lavar — ordenava enquanto molhava o dedo com saliva para limpar-lhe umas manchas de barro de seu rosto feliz e envergonhado.

    No entanto, isso já fazia muito tempo. Ele tinha oito anos e ainda não era o gordo maricas, nem o quatro olhos, mas somente Santiago, ou Santi: um menino um tanto robusto, que desfrutava do colégio com gosto. Aliás, tinha dois ou três amigos com os quais jogava habitualmente, e tirava sempre as melhores notas, principalmente em matemática.

    Santiago é muito saudoso dessa época. Às vezes, à noite, até sonha que o tempo parou aí, que ele ainda é um garoto feliz e normal que não tem que lutar cada dia no colégio para evitar que lhe batam e roubem o almoço e, principalmente, que ainda pode falar com os outros meninos.

    Mas, ao mesmo tempo, odeia esses sonhos. Odeia-os porque ao acordar todas as manhãs volta à cruel realidade do seu calvário cotidiano. E não pode evitar que os olhos se encham de lágrimas cada vez que isto acontece.

    — Oi pai! — cumprimenta-o assim que entra. Imediatamente olha-o nos olhos, tentando de descobrir qual é o seu estado de espírito. Logo se dá conta de que não houve trabalho.

    Seu pai, ou melhor, seu espectro caminha vacilante até o sofá, onde se deixa cair com ar abatido.

    — Oi, garoto, como foi no colégio hoje? — responde arrastando as palavras com dificuldade. É evidente que voltou a beber.

    Apesar disso, Santiago se aproxima dele e o abraça com certa ansiedade. De alguma forma percebe que seu querido pai se sente derrotado e que, como ele próprio, sangra por

    dentro.

    — Ei! — exclama surpreso — Por que isto?

    — Não sei, papai. — Não se separa dele imediatamente. Escaparam-lhe novamente algumas lágrimas e não quer que seu pai veja. Dá a ele certa vergonha, porque como ele mesmo disse, os homens não choram. Desculpe — apressa-se em desculpar-se.

    — Não tem nada que se desculpar. Venha aqui grande homem. — E o abraça de novo, desta vez com mais força. Fede a álcool, mas

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