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O Silêncio de Sara
O Silêncio de Sara
O Silêncio de Sara
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O Silêncio de Sara

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About this ebook

Um alarme estridente rompe a quietude da noite pouco antes de o inferno começar.

A cidade de Monteverde, na Gran Canaria, sempre foi pacífica e tranquila. Essa tranquilidade é vista um dia quebrada pela aparição, em um posto de gasolina na entrada da cidade, de uma garotinha de apenas oito anos de idade. Tem o olhar perdidos, está suja e desgrenhada, como se tivesse passado dias perdidos no bosque.

Ela não fala.

Está apenas ali.

Diego é policial na pacata cidade de Monteverde e seu trabalho é caracterizado pela falta de urgência e serenidade. Quando recebe a ligação do empregado do posto de gasolina, ele não sabe o que está prestes a acontecer.

Penélope é uma psicóloga e apenas sua amizade com Diego a faz ir ao seu chamado em horários estranhos, ignorando o motivo. Quando chega ao local, ela se encarrega da situação imediatamente. O que uma garotinha faz no meio do nada, suja e abandonada? Por que não responde a nenhum estímulo? Ninguém em Monteverde parece estar em condições de assumir o desafio que a sua presença implica.

Ninguém relatou seu desaparecimento. Ninguém procura a garota sem um nome.

Exceto o homem do carro preto.

A partir desse momento, o que parecia ser um caso simples de criança desaparecida se torna uma corrida para salvar sua vida, enquanto Diego e Penélope tentam deixar a garota a salvo daqueles que os perseguem, atirando primeiro e perguntando depois, daqueles que estão dispostos a recuperar a menina por todos os modos.

Sara não é garota qualquer e Penélope descobriu isso bem rápido. Graças a amigos inesperados e a certeza de estar fazendo a coisa certa, vai enfrentar o que for preciso saber a verdade e descobrir o terrível segredo escondido no bosque de Monteverde.

Embora isso possa custar sua vida.

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateNov 5, 2018
ISBN9781547554157
O Silêncio de Sara

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    O Silêncio de Sara - Rayco Cruz

    Para Ariadna e Nazaret

    Prólogo

    Esperava ansiosamente ouvir aquela sirene. Já não tinha volta. Tantos anos de trabalho duro que culminaram naquele instante no qual a luz vermelha de emergência, girando excitada, rompia o sossego da noite. Agora só restava esperar que os planos dessem resultado e que tudo saísse como planejado. Havia escolhido essa hora porque a segurança diminuía um pouco. Não muito, um pouco, não era possível querer muito. Em um centro de segurança máxima, um pouco menos de segurança já era demais. Mesmo assim, a noite era arriscado. Lá fora pairava a escuridão absoluta, com os perigos que isso implicava. Mas nenhum perigo exterior seria maior do que aquele que aquelas criaturas corriam ali dentro. Havia tomado uma decisão muito difícil e levou muito tempo pensando nela. Agora estava seguro: la fora, até mesmo na intempérie e na escuridão, teriam mais possibilidades de sobreviver do que neste lugar infernal onde nenhuma delas era considerada como algo além de um rato de laboratório. Havia feito o certo.

    Agora o caos reinava por toda parte e os gritos dos guardas se misturavam com outros mais agudos de prazer, medo e satisfação que percorriam os corredores de cima e debaixo. Sentado em seu escritório, o suor perlava sua testa. Se saísse agora poderia ver-se engolido pela maresia que estava aumentando lá fora. Teria que esperar o momento exato e, assim como as criaturas que acabava de libertar, deveria fugir o mais rápido possível, e o mais longe que pudesse. Quando descobrissem seu envolvimento na sabotagem seria um homem morto e esperava estar a muitos quilômetros de distância quando isso sucedesse. Teriam muita merda para limpar antes de começarem a procurar pelos responsáveis.

    Entre as paredes brancas e assépticas de seu escritório, sentado na poltrona que durante tantos anos havia ocupado, era capaz de supor com clareza o que estava acontecendo do lado de fora. E sofria por isso, apesar de saber que era o certo, que aquele lugar era o inferno, e sua chefe era o diabo. As práticas que aconteciam ali eram definitivamente imorais e, como ele acreditada, todos os que as executaram eram sádicos. Escória. E ele tinha feito parte ativa de tudo isso. Com essa sabotagem esperava limpar sua consciência, embora soubesse que estava levando muitos à morte, tanto as criaturas que ele havia libertado quanto os vigilantes que agora corriam atrás delas em uma tentativa inútil de detê-las. Sem seus inibidores sinápticos não teriam nenhuma chance. Quando tudo acabasse, o centro ficaria com um aspecto  desolador e, ele esperava não ter que estar ali para vê-lo. Repetidamente dizia a si mesmo que era seu dever, mas, na verdade, estava morrendo de medo. Se uma daquelas criaturas entrasse ali, apesar das fechaduras da porta de segurança de seu escritório, ela o reconheceria, e sua morte seria lamuriosa e instantânea. O revólver que descansava sobre a mesa não faria diferença e nenhuma delas acreditaria que, depois de anos causando tanto sofrimento com seus malditos experimentos, espremendo até a última gota de vida com o pretexto da ciência, era ele quem finalmente as libertou. Seria impossível acreditar nisso. Além disso, a turbulência dominava suas mentes e as convertiam em seres irracionais, como gatos encurralados buscando uma fresta para escapar. Não teriam consideração com ele. Portanto, sua única esperança era que não parassem diante de sua porta, que seguissem direto sem olhar para trás. Quando saísse de lá, teria de ser de forma rápida e discreta.

    Há anos estava arcando com a crise de consciência que o levou até esse ponto e, muitos meses de planejamento culminaram no exato momento em que o sistema de segurança de toda instalação, devido suas manobras discretas e as manipulações dos códigos de segurança e dos programas de automação das instalações, entrou em sobreposição. O sistema de segurança estava dividido em partes, de modo que em um determinado momento uma delas entrava em repouso, diminuindo sua eficácia ao mínimo para realizar as tarefas de verificação automática. Quando isso acontecia, as demais tarefas se ampliavam, mantendo o nível de segurança equilibrado sem deixar qualquer resquício. Modificando um dado aqui e uma data ali, conseguiu fazer que todo o sistema entrasse em repouso ao mesmo tempo sem que ninguém detectasse que havia um acoplamento nas tarefas. A sabotagem demandou meses de trabalho camuflado graças a seus conhecimentos como programador e aos seus quase ilimitados acessos de segurança.

    Mas tudo valeu a pena. Essas criaturas não mereciam o castigo que estavam sendo submetidas em nome da ciência. Os anos ensinaram a ele que a ciência deveria avançar na mesma velocidade que a vida. O que eles fizeram ali foi esmagar a vida para que a ciência avançasse. E isso não estava certo, mesmo que tenha demorado muito tempo para compreender isso.

    Na universidade, enquanto estudada neurocirurgia, nunca imaginou que acabaria assim, mas ele estava no olho do furacão e não tinha como escapar.

    Até hoje.

    Estava pensando em todas essas coisas quando percebeu que a movimentação do corredor diminuía. Presumiu que a violência tinha se deslocado a outros pavilhões. O suor escorria pela testa e pelas costas. Tinha que ser agora ou nunca.

    Pegou a arma e se levantou devagar. Lá fora não se ouvia nenhum barulho e nenhum movimento. Permaneceu junto à porta por mais alguns minutos, alerta a qualquer ruído. Assim que se certificou que tudo estava tranquilo, começou a destrancar as fechaduras de segurança eletrônica.

    Quando a última estava aberta, conteve a respiração e entreabriu a porta, apenas uma brecha para dar uma olhada. O cenário que surgiu diante de seus olhos era desolador. Perdeu o fôlego e voltou a fechar.

    Assim que recuperou a coragem, abriu de novo, desta vez totalmente. Diante dele se estendia um corredor largo de paredes brancas e teto alto. Mas a pintura não era tão branca como antes. Manchas enormes de sangue respingaram onde os guardas da segurança caíram. Havia dezenas deles apenas nesse corredor. O denso líquido vermelho encharcou o caminho. Dava a sensação de que muitos haviam matado uns aos outros ou que haviam arrancado os olhos com suas próprias mãos. Era um espetáculo dantesco. Levou vários minutos para processar o que estava vendo e ao mesmo tempo as lágrimas molharam suas bochechas. Muitos daqueles homens eram seus amigos, outros ele tinha visto crescer, tinham famílias que esperavam por eles toda noite. Hoje não os veriam. E tudo era sua culpa.

    Deixou-se cair contra o batente da porta e sentiu a tentação de despencar ali mesmo no chão e esperar que ele fosse encontrado para morrer também mas, então, ninguém saberia o que tinha acontecido ali. Não podia morrer. Hoje não. Havia coisas para fazer.

    Fazendo um esforço maior do que podia imaginar, ele secou as lágrimas e se endireitou. Desviando dos cadáveres que se estendiam aos seus pés, disparou a correr. Tinha que sair dali e esperava fazer isso rapidamente.

    1

    Quando Mateo saiu para trabalhar essa manhã, esperava um dia normal, daqueles chatos como os vividos no posto de gasolina da cidade. Em seus vinte e cinco anos, nunca trabalhou em um que não fosse assim, mas acreditava que, pelo menos, era divertido atender aos clientes, ir lá fora, abastecer os carros e cobrar.... Ficar atrás de um balcão a manhã inteira era muito frustrante, mesmo sendo em trabalho de verão e que precisasse dele para pagar o próximo curso na universidade. Entretanto, aquela manhã seria um pouco diferente.

    Apenas uns clientes no início da manhã e isso era tudo o que ele podia contar daquela dia. As corroídas bombas de combustíveis dessa região ainda não tinha recebido a visita daqueles homens engravatados, da empresa que estava passado pelos povoados, anotando as melhorias que cada posto necessitava. Mateo acreditava que eles apareceriam qualquer dia desses mas não tinha muitas ilusões. Estava repondo os itens da loja, os jornais da manhã e outras coisas. Só restava ter paciência e esperar que seu turno acabasse para poder ir para casa.

    O tilintar das sinetas da porta o distraiu de seus pensamentos. Era o senhor Alberto. Seu Ford antigo estava no posto cinco, bem diante da vidraça por onde Mateo estava vigiando as bombas. Estava tão distraído que não o viu chegar.

    —  Bom dia, Mateo — disse o sr. Alberto com um tom jovial — Dia lindo, não acha?

    E de fato estava. Um esplêndido sol de verão refletia nos bicos sujos das mangue-as mas ele nem tinha se dado conta. Essa era a melhor parte de se viver no campo: manhãs incríveis e tardes lindas. Prometia ser um dia bonito ainda que fizesse muito calor. Mateo sempre passava os verões ali, pois era a cidade de seus pais e eles gostavam de voltar todo ano para se encarregar da velha casa e deixar para trás a agitação agonizante da cidade grande. Pela vidraça era possível ver a floresta montanha acima, as copas dos antigos pinheiros brilhando sob a luz estival e dançando ao som da brisa. Parecia um imenso mar verde de águas redemoinhadas. Era uma vista bonita sob a luz do sol, embora a noite ela intimidasse um pouco. Este era o segundo ano que ele trabalhava no posto de gasolina e todos o conheciam. Estava cansado de escutar comentários sobre como havia mudado desde o ano anterior, que já era um homem e mais mil perguntas que se repetiam, todo ano a mesma ladainha.

    —Sim, muito bonita — respondeu olhando em direção à vidraça enquanto se levantava da poltrona e estendia a mão para receber os dez euros que o sr. Alberto lhe dava. — Como está a senhora Glória?

    —Hoje ela está um pouco cansada. Está com uma gripe terrível. Em nossa idade esses pequenos vírus começam a incomodar bastante — respondeu sr. Alberto ao mesmo tempo em que guardava a carteira no bolso da calça.

    —Bom, sessenta e cinco anos não é tanto assim, sr. Alberto, o senhor não está velho.

    —Eu sei — respondeu com um sorriso— mas precisa explicar isso ao meu corpo!

    Os dois gargalharam. Dava gosto ter uma conversa, qualquer conversa, só para quebrar a monotonia, e Mateo não queria que o sr. Alberto partisse. Ele sempre tinha uma piada ou algum caso engraçado.

    —Até logo, filho — despediu-se caminhando com suas costas encurvadas rumo à porta.

    Mateo viu-o novamente sair ao sol da manhã. No momento em que o sr. Alberto entrava em seu carro, o telefone tocou. Afastou-se da vidraça e se aproximou do aparelho. Com um pouco de sorte poderia ter uma agradável conversa com que alguém que o tirasse do torpor. Infelizmente, na tela do identificador de chamadas apareceu que era sua mãe. Revirou os olhos e atendeu a chamada.

    — Mateo?

    —Sim mamãe, sou eu — respondeu desanimado.

    —  Quando voltar, pegue seu irmão que está na casa do Jorge.

    Era a mesma coisa de sempre. De uns tempos para cá, Mateo, por ser o irmão mais velho, estava virando a babá de seu irmão e ela já não mais suportando. Mesmo assim, estava disposto a prolongar a conversa o máximo possível, mesmo que com sua mãe, para passar um momento distraído.

    — O que ele está fazendo lá? —perguntou.

    —Ele passou a noite lá para jogar o bendito videogame; parece que tem um jogo novo. Não sei que graça tem isso.

    Essa era a queixa favorita de sua mãe. Mateo estava de pé, com o telefone apoiado no ombro e as mãos nos bolsos.

    —Você vive em que mundo? —sorriu— O que você espera de um menino de dezesseis anos? Estamos no verão, ele vai passar o dia assim. Pode ter certeza.

    — Muito trabalho? —perguntou sua mãe mudando de assunto.

    Mateo se aproximou da vidraça novamente para observar se alguém tinha chegado.

    —Não mamãe, aqui está como semp...

    Mateo ficou em silêncio no momento que viu algo estranho. O estacionamento estava vazio, nenhum veículo tinha parado. Mas havia alguém ali. Era uma menina. Ela estava em pé diante a vidraça, no meio do estacionamento. Ela o observava. Ele ficou boquiaberto. De repente o telefone ficou insuportável.

    —Daqui a pouco te chamo.

    Ouviu que sua mãe respondeu alguma coisa mas ele não deu importância e desligou sem deixar de olhar para fora. A menina não se mexia. Simplesmente estava ali, olhando para ele. Sua cabeça estava abaixada e o cabelo cobria seu rosto mas sabia que ela o estava olhando. Mateo sentiu-se intimidado. Ficou estupefato por alguns segundos. Então foi até a porta e saiu. A menina não o seguiu com os olhos, pelo contrário, seus olhos permaneceram fixos na vidraça.

    Mateo foi até ela. Tinha o cabelo sujo e embaraçado, a roupa rasgada e estava muito magra, como se estivesse há meses na rua vagando. Nunca tinha visto algo assim, e estava com medo.

    — Oi! —agachou-se na frente dela— Você está bem?

    Seu corpo não teve nenhuma reação, foi como se ela nem sequer o tivesse escutado, com o olhar fixo na vidraça e quase sem piscar

    —Qual o seu nome? —preguntou na tentativa que ela reagisse— Anda, não tem graça, menina.

    Silêncio. Parecia que ela não estava ali e sim a milhares de quilômetros de distância. Ele se lembrou das bonecas dos filmes de terror antigos que subitamente ganhavam vida e começavam a matar todo mundo. Sentiu um arrepio percorrendo sua espinha.

    Mateo apoiou a mão sobre o ombro da menina e movimentou suavemente, como quem tenta despertar alguém que está dormindo profundamente, mas não teve nenhum resultado. Estava doente? Com medo de tocá-la novamente, deixou a menina ali e entrou na loja. Com as mãos trêmulas e sem perdê-la de vista, pegou o telefone e ligou.

    Dez minutos depois, o único carro da polícia da cidade entrava no estacionamento do posto. O giroflex estava ligado, mas a sirene não. Mateo estava sentado na calçada, a dois metros da menina, que permanecia sem mover um dedo. Mateo começou a se questionar se era algum problema mental ou algo parecido. Seu olhar permanecia fixo e em frente.

    A porta do carro se abriu e saiu um homem alto e moreno sem o uniforme, vestindo calça jeans e camisa.

    —Oi, Mateo —disse o policial, em seguida viu a garota — O que acontece?

    O jovem se levantou.

    —Oi, Diego. É isso que você está vendo. Essa menina apareceu aqui do nada. Não consegui fazer ela falar, e não se mexe de nenhuma forma.

    Diego se agachou em frente a ela da mesma forma que Mateo havia feito.

    —Olá?

    Não teve resposta.

    —O que mais me assusta são seus olhos, Diego, não desviou o olhar desde que a encontrei, e isso tem mais de vinte minutos.

    Diego acenou a mão na frente dos olhos da menina. Nada.

    —Certeza que não é uma brincadeira?

    Percebeu que não era antes mesmo de terminar de perguntar.

    —Venha —disse— vamos tentar lavá-la para dentro. Não quero que isso chame a atenção de curiosos.

    Na verdade, não sabia como fazer isso. Pegou na mão da menina com cuidado. Ela estava fraca e imunda, com as unhas quebradas, como se tivesse cavado a terra. Uma pontada de angústia se instalou em sua glabela. Puxou ela com doçura e se surpreendeu que não havia resistência. A menina o seguiu, mansa como um cordeiro, até o interior da loja. Levou-a até os fundos, para longe do olhar de quem pudesse entrar e, a colocou sentada em uma cadeira segurando-a pelos ombros. Assim como Mateo, ele também teve a impressão de que ela fosse uma boneca. Nesse momento, escutaram o motor de um carro que chegou abastecer e o Mateo voltou para a loja.

    Diego sentiu pena daquela pobre criatura. Seu aspecto era terrível. O cabelo escuro  muito encaracolado e sujo, assim como seu rosto, onde encontrou arranhados com sangue coagulado como quando se caminha entre arbustos. Também tinha arranhões nas pernas e braços. A roupa estava rasgada em vários lugares.

    —Qual o seu nome? —perguntou de novo o policial enquanto tirava do bolso do seu casaco um lenço de tecido que usou para limpar a bochecha dela. Por onde passava o lenço, surgia uma grande mancha branca. Tinha a pele morena e os olhos esverdeados que continuavam olhando para frente. Não respondeu.

    Cuidadosamente, Diego tocou em sua cabeça, seus braços e suas pernas a procura de algum osso quebrado ou alguma hemorragia interna, mas não encontrou nada. Ela continuava sem demostrar se estava ciente do que estava acontecendo.

    Assim como Mateo fez pouco antes, Diego também se perguntou se ela teria algum problema psicológico. Como policial, ele tinha visto muitos casos de vítimas de acidentes ou familiares de vítimas com essa mesma expressão. Tinha o mesmo aspecto de alguém que sofreu muito, alguém que se desconectou da realidade após sofrer um choque muito forte.

    As sinetas tocaram novamente. O cliente foi embora. Mateo foi capaz de criar uma desculpa convincente para explicar o motivo do carro da polícia estar ali sem contar nada relacionado a menina.

    Quando Diego saiu, Mateo estava indo até o fundo da loja.

    —Isso me sobrepassa —disse o policial— Posso usar o telefone?

    Se aproximou do aparelho, retirou o telefone do gancho e ligou. Alguns segundos depois, disse:

    —Olá, é o Diego, tem um minuto?

    2

    Penélope sempre gostou de correr cedo. Era algo que lhe dava uma sensação de vitalidade que nem o café mais forte conseguia dar o ânimo que ela precisava para se manter alerta durante todo o dia. Costumava correr uns quarenta e cinco minutos, embora hoje ela pudesse correr o dia inteiro sem se cansar. Tudo estava na mente. Aproveitava esse momento para repassar sua agenda do dia, tirar alguma conclusão de algum trabalho anterior ou, simplesmente, pensar em suas coisas. O sol brilhava intensamente e prometia um dia quente, um daqueles dias de verão em que a única vontade que você tem é de ficar em casa, sentar em frente a televisão e assistir a muitos filmes com o ventilador ligado no máximo e sem camiseta. Ela adora esses dias assim. A cidadezinha despertava com uma luz que parecia emanar de dentro, iluminando cada árvore, cada casa de pedra. Parecia que tudo estava em seu devido lugar.

    Estava superaproveitando o exercício e ter que interrompê-lo a fez resmungar baixinho. Agora voltava para casa com o agasalho e o cabelo castanho molhados de suor. A ligação de Diego lhe aborreceu, pois seu horário ainda não havia começado e não gostava de ser incomodada no seu tempo livre.

    Mas Diego era um amigo, e ela sabia que ele não a teria chamado se não fosse algo importante. Ele não quis dar detalhes e ela preferiu não perguntar até ver com os próprios olhos o que estava acontecendo.

    Quarenta minutos depois, entrou com seu Fusca no posto de gasolina e estacionou atrás da viatura da polícia. Parecia que estava vazia mas no momento em que entrou na loja e as sinetas soaram, Mateo apontou a cabeça para fora da porta que levava até ao fundo da loja.

    —Olá —disse ele— Diego está esperando lá dentro.

    Ela acenou e foi diretamente até o fundo da loja, onde as caixas se amontoavam desordenadas e a bagunça reinava no ambiente. Encontrou o policial ali, sentado em frente a uma menina que olhava a parede sem se mover. Sua aparência desastrosa a assustou.

    O agente a cumprimentou enquanto se levantava.

    —Obrigado por vir. Desculpa por ter incomodado tão cedo, mas não consegui pensar em nada melhor que pudesse ser feito.

    —Oi, Diego, o que aconteceu?

    Diego se afastou para um lado, deixando a menina a vista. Estava imóvel sentada em uma cadeira velha.

    —Mateo a encontrou essa manhã parada no meio do estacionamento.

    — Em qual estado? —perguntou Penélope surpreendida— E o que fazia ali?

    —Não sabemos. Não conseguimos fazer que ela falasse ou fizesse alguma coisa, embora ela não resista que seja movida. Já não sabia o que fazer. Não queria alarmar ninguém, então resolvi chamar você antes de ligar para a delegacia. Eu pensei que o primeiro a ser feito é fazer com que ela tenha alguma reação e, para isso, preciso de você.

    —O que aconteceu com ela? —preguntou Penélope.

    —Não tenho a menor ideia. A psiquiatra é você.

    —Não sou psiquiatra, sou psicóloga, você sabe —replicou Penélope. Agachou-se em frente a menina e a olhou nos olhos. Agora seu rosto estava mais decente graças ao cuidado do policial, mostrava uma aparência mais digna. Aparentava ter uns oito ou nove anos, e era bonita debaixo de toda aquela sujeira.

    Penélope sabia, desde muito jovem, que psicologia era sua vocação e se dedicou a ela por inteiro. Mudou-se para Monteverde por vontade própria já que a cidade não lhe permitia levar o estilo de vida tranquilo que ela procurava, ter tempo para escrever e viver em paz, e não se arrependia da decisão que tomou. Era uma garota urbana, e a mudança, quase há um ano, foi um grande esforço. Era a única psicologa do povoado e, às vezes, colaborava com a polícia em casos de acidentes e em outros casos pequenos.

    —Você tem nome? —preguntou com um grande sorriso.

    A menina mais uma vez se negou a responder. Entretanto, notou uma leve mudança em sua expressão. Seria uma resposta inconsciente a sua voz? Seus olhos se moveram de maneira quase imperceptível. Ou talvez tenha imaginado?

    —Você pode me ouvir? —preguntou de novo. Desta vez nada refletiu que ela tinha escutado.

    Se levantou e se dirigiu de novo a

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