A Reforma Protestante - Síntese À Maneira De Breve Compêndio
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A Reforma Protestante - Síntese À Maneira De Breve Compêndio - Stefano Ulliana
AUTOR
ÍNDICE
Premissa
Introduçãoe
Primeira parte. O problema representado pela Reforma
Erasmo de Rotterdam
Segunda parte. Lutero
Uma nova proposta teológica
O corpo doutrinário da nova proposta teológica
Os primeiros efeitos politicosi
Terceira parte. A esquerda protestante
Quarta parte. A direita protestante
Quinta parte. A Reforma na Inglaterra e na Itália
Sexta parte. Conclusõesi
Notase
Bibliografia e sitografia
Página dedicada ao autore
PREMISSA
A elaboração deste breve ensaio dedicado ao nascimento e do primeiro desenvolvimento da Reforma protestante gira em torno de uma série orgânica de polos gravitacionais teóricos e interpretativos, que podem ser aqui rapidamente delineados e descritos sob a forma de perguntas. Essas são relativas a:
a) a aquisição de uma possível via de fuga fundamental no modo de pensar a gênesis da modernidade (em conexão com o desenvolvimento complexo da primeira filosofia moderna). A Reforma protestante dá talvez lugar a uma nova possível fase de civilização para o continente europeu, na qual o elemento platonizante (prevalentemente a tração transcendente se confronta e/ou se funde com uma revitalização do elemento aristotelizante renascentista (prevalentemente a radicalidade imanente)? A questão da salvação individual (segundo a graça e a providência divinas ou segundo os méritos ligados às obras) deve ser vista como um esquema, através e pelo qual se movem fatores de natureza teológico-política, que portam os impulsos mais revolucionários, posto em movimento pela Reforma? Pode-se falar de uma Direita (Calvino) e de uma Esquerda (a cada passo mais radical e revolucionária: Melantone, Zwingli, Müntzer e os Anabatistas) no movimento teológico-político protestante franco-alemão? A figura de Lutero poderia assim representar o Centro e o ápice de uma possível recomposição do antigo e tradicional modo de pensar e de viver medieval com o novo impulso da transformação, que porém fosse funcional para limitar e neutralizar as suas formas teológico-políticas mais subversivas?
b) Esta problematização como pode valer-se das contribuições dos conhecimentos históricos ligados à subdivisão territorial alemã daquela fase histórica? Devem-se considerar os contextos territoriais germânicos limitados como causas de novas liberdades (teológicas, políticias e econômico-sociais)?
c) Qual é a influência da pressão central do Império sobre estas formas de liberdade tradicionais e agora inovadoras? O desenvolvimento da contenda entre o poder político central e a defesa do cimento ideológico constituído pela religião católica (Carlos V) põem em risco de deflagração a própria estrutura política-hierárquica do Império? Abre, ou poderia ter aberto, soluções completamente novas e incompatíveis com aquela recomposição entre a antiga ordem feudal e o início de um processo protocapitalista mercantil contra o qual as novas forças dirigentes no Império (Dieta e Függer) pareciam querer arremeter?
d) A nova sistematização teológico-política, instável até a metade do século seguinte (Guerra dos Trinta Anos) e diferente nos diversos territórios do Império, conflita tendenciosamente e potencialmente com o acentuar-se das tendências à concentração dos poderes, que a partir da constituição das monarquias nacionais na Europa tenderá rapidamente na idade moderna à fundação dos estados de identidade absolutista (veja-se a França de Luís XIV)? Assim a ausente constituição de um estado unitário germânico (além da contribuição linguística inacabada da obra teológico-política e literária de Lutero) vale como uma ausência nos confrontos do processo do progresso histórico europeu, ou ao contrário como um desses «atrasos» da própria história, que – como indicava Ernst Bloch [1] – teriam podido antecipar um futuro novo e completamente diferente, revolucionário?
e) O tema do nascimento da consciência individual, da sua autonomia e liberdade, da sua independência e da sua ativa determinação projetual, pode coligar-se com a aventura de uma nova organização racional do conhecimento filosófico e científico (Telesio, Bruno, Galilei)? O princípio da liberdade teológica concorda com o da liberdade racional e da pesquisa natural? A desvalorização inicial da Natureza em Lutero – pela predominância do pecado original e da Lei – pode encontrar solução, sempre no mesmo Lutero, com a revolução feita pelo Amor divino? A abertura que aqui se decreta salva a mesma consideração natural e dá início às formas de estímulo aos estudos naturalistas (segundo a linha germânica que une Paracelso a Böhme)? Nesta perspectiva o futuro idealismo e pós-idealismo alemão poderiam ser considerados como a consolidação definitiva da «ideologia alemã», [2] como depositária final das intenções de conservação e composição mediativa (superestrutural) luterana [Marx 1846]? Os efeitos históricos sucessivos que terão como sujeito a nação alemã (militarismo, imperialismo, nacional-socialismo, neoliberalismo autoritário do Capital) – com as relativas problemáticas político-sociais e econômicas, na verdade ideológicas – devem ser vistos como a necessária consequência da sua contínua retomada e recomposição?
INTRODUÇÃO
O horizonte e o fundo da civilização medieval – no sentido teológico e psico-social, logo, tanto cultural quanto no senso lato político – era dominado pela concepção de um Deus aparentemente de amor, que incutia porém ambiguamente medo e terror no confrontos dos próprios inimigos, que tinha portanto em si mesmo a prevalência de fatores tanto de negação quanto de subordinação nos confrontos de um mundo inferior particularmente turbulento, indisciplinado e corrupto, quase como – ícone da masculinidade patriarcal tradicional – «invidioso et invido» [3] – teria dito sucessivamente Giordano Bruno na sua mirabolante crítica do processo ideológico que inervava o desenvolvimento da civilização ocidental – da livre potência criativa da Natureza e da Razão, considerada como a extrema personificação da essência e da existência diabólica. Um Deus, que, portanto, fazia vislumbrar a continuidade com o império e a construtividade da Lei (o V. T.), mais que a libertação obtida graças à espontaneidade e igualdade do amor infinito e universal (o N. T. E o Espírito de Cristo).
Todas as formas heréticas que o tinham portanto historicamente atravessado – Cátaros,[4] Patários, Albigenses ‒ se fixavam portanto mais na negação dessa negação, com exceção da mesma que conduzia para formas de autoaniquilamento coletivo, mais que para a ruptura de um horizonte dotado de um impulso radical propulsor, tanto do ponto de vista psicológico quanto cultural e político. Ao contrário os diversos e recorrentes movimentos itálicos dos séculos XII-XIII-XIV, ligados às figuras de Arnaldo da Brescia (influenciado pelo ensinamento parisiense de Abelardo), Gioacchino da Fiore [5] (desejoso de transpor no sentido civil o ideal comunitário oriental), Dolcino ( com a sua crítica à concepção vertical e hierárquica do poder, tanto religioso como político), Pietro d’Abano [6] (promotor da liberdade de movimento para os próprios astros celestes e da visão dialética de composição-decomposição univeral), Marsilio de Pádua [7] (que com o seu Defensor Pacis talvez dá início à divisão entre poder do Estado e referência teológica e eclesiástica) tendiam a considerar e validar positivamente a contribuição popular e tendenciosamente democrática à vida religiosa e à política, para impedir que a relação vertical de poder perdesse a própria Igreja dentro do vórtice alienante das relações de força (econômicas, institucionais e culturais dominantes), e a levasse a tornar-se instrumento da arriscada valorização das novas forças protoburguesas, desejada no interior das novas formas civis citadinas (as Comunas), tensionadas à separação da vida individual e coletiva da determinação religiosa e à busca da felicidade e dos prazeres, que a ideologia da imanência (veja a retomada de Aristóteles) podia fundamentar e garantir (veja, também, as obras literárias de Boccaccio). Assim enquanto os possíveis derivados democráticos das Comunas eram neutralizados na Itália pelo advento das Senhorias, o movimento humanístico começa a reutilizar o classicismo filosófico e as antigas práxis civis e políticas greco-romanas para consolidar uma forma de potência imanente, abstém-se da necessária justificação teológica e/ou religiosa, mas ao mesmo tempo adequada para impedir vias de fuga laterais do tipo efetivamente revolucionário (possibilidades que, ao invés, se representarão no início da idade moderna, ao menos nas próprias possibilidades teóricas, com as posições de Giordano Bruno e Baruch Spinoa). As posições de Lorenzo Valla e de Niccolò Machiavelli estariam assim sucessivamente a demonstrar uma aceita impossibilidade de saírem fora das tendências políticas ou político-teológicas imanentes e/ou transcendentes, de novo neoplatonizantes (de Nicola Krebs a Marsilio Ficino). De tal modo a nova fase do desenvolvimento ideológico da civilização ocidental veria na Itália agitar-se um debate entre duas posições, que na realidade não consentem – cada uma da sua parte ‒ qualquer variação e qualquer transformação daquela raiz tradicional (Aristóteles recomposto dentro de Platão), que a coloca, todavia, em um horizonte superior de determinação absolutamente vinculante, em seguida de uma relação de hegemonia e de poder inevitável e necessário. Seja na hipótese de uma pré-determinação, ou naquela de uma coleção de diferenças ligadas ao comum interesse do Estado regional em formação, a divisão, a alienação e a cisão do sujeito civil e político contempla em si a versão neomística do infinito da vontade e da potência (soberania absoluta do reinante), como neoaristotélica da separação abstrata das virtudes e das classes socio-economicamente e politicamente ou culturalmente dominantes (segundo o princípio de uma determinação de natureza oligárrquica).
Diante desta situação parece agora estar a polêmica da natureza puramente religiosa – que parece neste ponto quase de mero retrocesso – entre uma hipótese de salvação individual vinculada à determinação dogmática das práxis ligadas às boas obras e ao relativo mérito e uma nova hipotese intepretativa, fundada sobre a primazia da liberdade da graça divina, solicitada pela famosa questão da venda das indulgências, mas conectada também com as aspirações políticas alemães no sentido de uma maior autonomia e de uma decisiva anulação de todas as formas de determinações externas provenientes do Papa e da Cúria romana. Neste sentido, o valor desta autonomia e desta autodeterminação tenderá a negar a proposta humanística (ver a disputa entre Lutero e Erasmo de Rotterdam), reprojetando para um horizonte de novo absolutista, mas ao mesmo tempo tendenciosamente democrático (comunidades protestantes), a vontade de alienação e assim recolocando o ponto de origem de uma nova fase de atividade, tendenciosamente inclinada para um mundo verdadeiramente e realmente novo. Dotado de um novo horizonte ideológico e com novas modalidades dialéticas, propostas pelas novas relacões intersubjetivas (seja na terra alemã, como holandesa, ou inglesa, até às colônias americanas de nova formação).
Neste contexto a primazia da fé, da graça e da Escritura assumirá, portanto, o valor, o sentido e o significado paradigmático de uma nova aliança entre o divino e o humano, propensa a confirmar constantemente o próprio conteúdo e a própria forma original (com o apelo à fonte do Novo Testamento e posta na questão da tradição eclesiástica como justificação principal para a salvação), enquanto o horizonte final e conclusivo da obra humana no mundo não deverá fazer mais que seguir o simples, mas complicadíssimo, princípio ético-religioso (e político) do amor fraterno e infinito (verdadeiro e único, real, dom da divina Providência). Neste sentido se poderia também defender que o movimento protestante alemão rejeitará todas as incrustações humanísticas e classicizantes da fé, para livrar-se do abraço mortal com um poder político e econômico, com o qual, porém, não coseguirá nunca – com exceção das formas mais à esquerda, radicais e revolucionárias – ir até o fim por conta própria, demonstrando com isso ainda uma vez o defeito da origem da própria empostação: o pretexto e o gancho necessários à diagonalização tradicional do Ser, que estabelece e classifica de um lado (o da identidade platônica) a potência/vontade divina, enquanto do outro depõe da limitação e a corrupção do ente finito (seguindo, deste modo, a impostação tomística). Somente a restauração do contato com o originário criativo e duplamente dialético de uma Matéria Vivente que surge como Espírito (infinito e universal) e a subversão do teísmo em ateísmo como verdadeira e real religiosidade comum permitirá talvez – caminho de Fichte, do jovem Scheling e da linha interpretativa que nascerá a partir de Feuerbach e Marx – ao movimento protestante alemão realizar as próprias aspirações mais altas, profundas e radicais.
PRIMEIRA PARTE – O PROBLEMA REPRESENTADO PELA REFORMA [8]
Se a modernidade parece iniciar-se no continente europeu justamente graças à agitação teológica, eclesiástica e político-social originada pelas reflexões teológicas de Martinho Lutero – como sustenta até o século XIX a historiografia protestante – então é graças à ruptura com o universalismo forçado do catolicismo romano, que o espírito de liberdade da nova época pode livrar-se nos novos céus de uma ética religiosa e política renovada, aberta e de novo criativa, cheia de novas promessas de salvação individual e coletiva, capaz de renovar o empenho pela evangelização e a transformação também radical dos modos de vida e dos comportamentos sociais e econômicos. Não se deve esquecer, de fato, como os