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O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor): Bekhor, #1
O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor): Bekhor, #1
O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor): Bekhor, #1
Ebook326 pages4 hours

O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor): Bekhor, #1

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About this ebook

Debbie Cohen, uma californiana de 16 anos, está longe de imaginar a extraordinária experiência que logo irá viver. Acreditando em uma lenda contada por um velho, ela vai à África com sua mãe antropóloga. Mas o que deve ser uma simples missão de observação toma um rumo inesperado quando uma criatura rapta Debbie e a leva a um misterioso jardim. Debbie fará ali uma descoberta que vai transformar sua vida e ligar seu destino a um ser fora do comum. E se ela encontrasse o amor onde ninguém procurou?

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateFeb 1, 2019
ISBN9781547567966
O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor): Bekhor, #1

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    O jardim proibido, tomo 1 (Bekhor) - Alain Ruiz

    Dedicatória :

    A minha alma irmã, cujo nome é o anagrama de Anjos

    Capítulo 1 - Expedição na Amazônia

    Floresta amazônica. Abril 1912

    No Orenoco, um dos principais afluentes da Amazônia, a piroga subia lentamente as intermináveis curvas de água amarelada deixando atrás de si um sulco efêmero, rapidamente engolido pelas entranhas do rio. Há cinco dias, a espessa floresta virgem que se estendia sobre centenas de quilômetros ao redor dava aos três passageiros, acompanhados por um guia e quatro carregadores venezuelanos, a desagradável impressão de não ter avançado.

    John McAllister, antropólogo e explorador britânico de 56 anos, estava sentado no centro da longa embarcação cavada no tronco de um gigantesco cachicamo (1). Lia-se em seu rosto, dissimulado por uma generosa barba branca mal cuidada em razão das difíceis condições de viagem, uma profunda inquietação. O eminente professor de Oxford estava, todavia, longe de se preocupar com sua aparência. Só pensava na esposa, Lucy, deitada perto dele. Ela queimava de febre e estava tomada por delírios. A mulherzinha de 48 anos, longos cabelos castanhos e pele clara cheia de sardas, ocasionalmente gemia fracamente. Seu estado de saúde se agravara consideravelmente desde a véspera e deixava temer o pior.

    — Aguente firme, Lucy, logo chegaremos, avisou o explorador britânico, pousando ternamente uma das mãos no rosto alagado de suor de sua mulher.

    Um novo queixume fez eco a seu gesto, o que estava longe de tranquilizá-lo.

    Quanto ao jovem Lawrence McAllister, não sabia mais o que pensar. Sentado exatamente à frente de seu pai, o adolescente de 14 anos, de compleição miúda e semblante suave, passou uma mão nervosa nos cabelos castanhos, que lhe colavam na testa. Ele suspeitava desta partida. Teriam eles tido razão para empreender viagem tão desgastante? Havia, no entanto, acreditado nas palavras de seu pai. Que sua mãe logo ia se curar e que eles, enfim, iam voltar a ter uma vida normal! Mas o que realmente aconteceria? A umidade ambiente que oscilava em torno dos oitenta e cinco graus de saturação não ajudava o rapaz a clarear as ideias. Seus olhos amendoados focaram o abrigo improvisado formado por varetas de madeira e recoberto por um telhado de folhas de palmeira que havia sido instalado exatamente acima de sua mãe a fim de conservá-la à sombra. Em seguida, cruzou com o olhar de seu pai e cerrou os dentes. No mesmo instante, um enésimo mosquito o picou no antebraço. Ele lhe deu um tapa raivoso com a mão. O sol mordia duramente sua pele clara, pigmentada de sardas exatamente como a de sua mãe. Jamais acreditaria que fosse lamentar a esse ponto o clima inglês. A camisa colava-lhe ao corpo. Além desta umidade onipresente, a temperatura beirava os trinta e cinco graus. E a paisagem que se estendia a perder de vista permanecia desesperadamente a mesma.

    O explorador britânico afastou algumas mechas castanhas da testa de sua esposa, murmurando palavras tranquilizadoras. Seu espírito transbordava de pensamentos à imagem da cheia de um rio. Sabia que seu filho duvidava dele. Inútil falar para adivinhar o que ele tinha na cabeça. O eminente professor devia, no entanto, reconhecê-lo; quanto mais o tempo passava, mais lamentava ter feito sua família passar por tal provação. Não cessava de repetir para si mesmo as palavras de seu mais confrade mais próximo, a quem participara suas intenções antes de partir para esta aventura. Este último tentara veementemente chamá-lo à razão, exatamente antes de sua partida para Liverpool, onde deviam tomar o navio com destino a Caracas: «Acredite em mim, John, esta viagem é uma verdadeira loucura! Pelo amor de Deus, desista disso! Lucy não sobreviverá a ela em seu estado, você sabe muito bem».

    John McAllister  esperara ouvir antes outras palavras saírem da boca de seu grande amigo, mas entendia perfeitamente que seu confidente tinha desejado dissuadi-lo de levar à Amazônia sua esposa gravemente doente.

    «Talvez tivesse sido melhor eu seguir este conselho», pensou, ao mesmo tempo em que baixava os olhos como para fugir das censuras mudas de seu filho, que o observava severamente sem dizer uma palavra. «Oh, Lucy! Perdoe-me!», implorou por dentro. «Ficando na Inglaterra, Lawrence e eu poderíamos tê-la acompanhado decentemente até o seu derradeiro repouso... Compreenda-me, Lucy... Eu não podia deixá-la partir assim. Deveria tentar de tudo!»

    Lembrando-se de repente das palavras que havia dito a sua mulher pouco tempo antes de sua partida, John McAllister recusou-se a renunciar agora, quando estavam tão perto do objetivo. «Lucy, prometi a você combater por todos os meios este mal que a consome um pouco mais a cada dia... E é o que estou fazendo conduzindo-a a esta floresta, confie em mim!»

    No entanto, eles haviam consultado os maiores especialistas da Europa e todos, com grande lástima, haviam diagnosticado um tumor no cérebro. Os dias da Sra. McAllister estavam contados, mas seu marido não queria aceitá-lo. O eminente professor de Oxford estava consciente de que sua esposa sempre tivera uma saúde frágil, acumulando toda espécie de doenças à simples mudança de estação. Uma situação tanto mais espantosa quanto, ele, por sua vez, passara a maior parte da vida a percorrer os lugares mais recônditos e mais selvagens do globo sem nunca contrair a menor infecção. John McAllister, no entanto,, estava determinado a não se deixar capturar nesta armadilha deixando tão facilmente afundar sua mulher na morte.

    Ao cabo de um longo momento de silêncio, Lawrence, que não aguentava mais ver sua mãe sofrer, quis abrir a boca para protestar contra as condições de viagem que lhe eram infligidas, mas as sobrancelhas franzidas de seu pai dissuadiram-no. Ele sabia que não tinha nenhuma chance de fazê-lo mudar de opinião. Era tarde demais. Algumas lágrimas lhe subiram aos olhos, e ele se apressou em mascará-las para não deixar transparecer demais seus temores.

    Comovido, mas incapaz de verbalizá-lo, John McAllister preferiu fingir não ver o mal-estar de seu filho. Forçou-se antes a pensar nestas últimas semanas que passara a pedir por um milagre diante do fracasso da medicina ocidental. Ele se reviu na noite em que se fechara na biblioteca privada que dava para o jardim deles. Lá permanecera a noite toda, de joelhos, suplicando por uma intervenção divina em favor de sua mulher. Infelizmente, de madrugada, somente o desespero tomara lugar em seu coração ferido. Esgotado, as pernas dormentes e dolorosas, ele finalmente se erguera apoiando-se na quina de seu birô de acaju, antes de derrubar sem querer uma caderneta contendo os detalhes de sua última expedição na Amazônia. Quando de seu contato com o solo, o livreto recoberto de couro se abrira em uma página onde o explorador cuidadosamente desenhara, quatro anos antes, uma árvore tropical sem a menor folhagem para vestir seus galhos... Com as pálpebras pesadas, o antropólogo pusera aí maquinalmente o olhar... Depois de tantas horas passadas a rezar pela cura de sua mulher, tratar-se-ia de um sinal? O que era preciso interpretar diante da visão desta velha árvore despojada de qualquer forma de vida? Seria a mensagem de uma morte próxima e não negociável? A menos que... De repente, John McAllister rapidamente se endireitara, segurando preciosamente seu caderno de notas, depois saíra da biblioteca correndo e subira dois a dois os degraus da larga escada de madeira rústica da casa.

    — É maravilhoso, Lucy! Gritara ele, entrando no quarto. Nossas preces foram atendidas! Escutou? Nossas preces foram atendidas!

    Naquela manhã, depois de algumas explicações sumárias, John McAllister tinha convencido sua mulher a segui-lo ao coração da mais vasta floresta do mundo, exclamando:

    — Se este milagre não vier a nós, somos nós que iremos até ele!

    Mas seu filho Lawrence permanecera cético diante desta possibilidade. Ele tinha dificuldade de acreditar que seus pais poderiam encontrar um remédio qualquer em um lugar tão distante e fora da civilização. Apesar de todo o respeito que tinha por seu pai, esta lenda amazônica sobre uma por assim dizer árvore guardada por um espírito curador lhe parecia totalmente ridícula.

    — Como pode ter certeza de que mamãe vá se curar indo até a Amazônia? Ele havia perguntado imediatamente..

    — Porque meus amigos Yanomamis descreveram-me em detalhe as virtudes curadoras desta árvore...

    — E isto basta para convencê-lo de que eles estão dizendo a verdade! Quem lhe garante que eles não inventaram esta história para impressioná-lo?

    — É impossível, meu filho, pois a mentira não está consolidada na cultura dos Yanomamis.

    — Ora, meu pai! É preciso realmente ser ingênuo para acreditar em uma coisa dessas! Vindo do senhor, é muito surpreendente...

    — Nesse caso, meu filho, você é livre para não acreditar nisso, mas tomaremos o próximo navio para Caracas, sua mãe e eu, quer você queira, quer não. Minha decisão está tomada.

    Lawrence não insistira mais em dissuadir seu pai, mesmo estando firmemente convencido de que esta por assim dizer árvore milagrosa só tinha lugar nos livros para crianças. Do alto de seus 14 anos, que ele exibia orgulhosamente desde há pouco, com efeito fazia muito tempo que não acreditava mais em todas essas histórias. «Teria meu pai, o eminente professor McAllister, sumidade reconhecida em inúmeros países, bruscamente perdido a razão?» Pela primeira vez, Lawrence se pusera a duvidar das palavras daquele por quem sempre tivera uma admiração próxima da adoração. Com prazer,ele bebera nos inúmeros relatos do explorador, a ponto de ele também aspirar tornar-se um dia um grande antropólogo renomado. Mas a doença incurável de sua mãe bruscamente pousara um véu negro em todos os seus sonhos e brilhantes projetos para o futuro. Diante da decisão firme de seu pai, e temendo nunca mais rever aquela a quem mais amava no mundo, Lawrence finalmente consentira em deixar seus pais fazerem essa longa viagem, com a condição de ele poder acompanhá-los.

    Sentado na proa da embarcação, o guia se voltou para o explorador britânico, interrompendo seus pensamentos:

    — Logo iremos atravessar umas corredeiras, señor McAllister... Acho que não teremos muitas dificuldades de atravessá-las, mas mesmo assim devemos desconfiar dos montes de rochas. Elas são muitas neste lugar. Eu o aconselho a se segurar bem.

    A piroga, com nove metros de comprimento e um metro e cinquenta de largura, já começava a balançar sob a pressão das ondas. Com sangue-frio, o guia e os quatro carregadores venezuelanos, munidos de seus remos, logo se engajaram em uma manobra delicada e exigente.

    A sequência dos acontecimentos se desenrolou muito rapidamente. Os primeiros obstáculos foram ultrapassados com bastante facilidade, mas a corrente tornava-se cada vez mais  forte.

    — Afaste os seus dedos da borda! Advertiu o guia, vendo a mão do jovem McAllister perigosamente exposta.

    Pouco depois, o flanco da piroga bateu rudemente contra uma grossa rocha negra e quase vira. John McAllister segurou com ainda mais força sua mulher, ao mesmo tempo em que agarrava seu filho com a ponta dos dedos, o tempo de outra sacudidela, acompanhada por uma lúgubre esfregada ao nível do casco.

    — Mas tomem cuidado, os senhores vão nos matar a todos! Berrou, erguendo a cabeça para se fazer ouvir em meio ao rugido das águas tumultuosas.

    — Eles estão fazendo o melhor que podem, señor! Assegurou o guia, enxugando um generoso salpico. São os melhores remadores que encontrei, pode acreditar em mim.

    John McAllister se contentou com estas simples palavras. De qualquer maneira, o que eles podiam fazer além de se entregar à experiência da equipagem? Ele se inclinou novamente para sua mulher, rezando interiormente para que eles todos saíssem vivos deste inferno.

    A piroga e seus passageiros continuaram a ser maltratados durante vários minutos, batendo várias vezes contra as rochas que se espalhavam pelo rio em fúria. Felizmente, os remadores eram hábeis. Evitaram um a um os obstáculos que entravavam sua progressão para, finalmente, chegar a uma corrente menos forte.

    — Atravessamos a passagem mais difícil de nossa viagem, anunciou o guia.

    Às águas agitadas sucedeu uma calma repentina. Gritos de alegria explodiram na piroga. Lia-se o alívio em todos os lábios. John McAllister acreditou até ver um ligeiro sorriso se esboçar no semblante de sua esposa, o que não deixou de tranquilizá-lo e de lhe dar esperança. Ao mesmo tempo em que agradecia à mão divina que os protegera das corredeiras, o antropólogo britânico lançou em seguida um breve olhar para seu filho, que parecia estar bem, ao mesmo tempo em que apertava a outra mão quente de sua mulher.

    — Aguente firme, Lucy ! Estamos quase lá... 

    Ao ouvir seu esposo, a senhora McAllister fez uma pequena mímica para tranquilizar o marido acerca de seu estado, sem, no entanto, ter a força de pronunciar uma única palavra. As recentes sacudidelas não pareciam tê-la incomodado demais, e o abrigo improvisado havia agüentado bem.

    A piroga logo se bifurcou pelo Rio Ocamo, que devia conduzi-los ao coração mesmo do território dos índios Yanomamis.

    Capítulo 2 - Os Yanomamis

    As margens do Rio Ocamo se haviam sensivelmente aproximado perto da fronteira brasileira. A longa embarcação agora navegava em câmara lenta. O estreito corredor fluvial se torcia e se distorcia sem cessar. Os remadores descansavam um pouco, deixando-se guiar pelas ondas. A impressionante e espessa arcada de folhagens que desfilava de cada lado da margem depunha majestosamente sua sombra benfazeja sobre o curso de água. Da piroga,,facilmente podíamos nos dar conta do gigantismo da vegetação amazônica. Algumas árvores atingiam facilmente os 70 metros e não deixavam atravessar os raios do sol senão em raros lugares, oferecendo uma luz tamisada sobre esta parte do rio. Daqui e dali, ventos violentos e chuvas torrenciais venceram algumas árvores na beira, que em tempos normais nada poderia balançar. Arrastados em sua queda por faixas inteiras de margens argilosas, vários desses troncos, levados pela infatigável corrente, acabaram por ligar as duas margens. Os emaranhados de seus galhos e de suas lianas, mais grossas do que um punho, tornam a navegação difícil e mais lenta do que nunca.

    Ao mesmo tempo em que segurava maquinalmente a borda da piroga, Lawrence não podia se impedir de admirar a imensa floresta tropical que os cercava. Tanto a paisagem lhe tinha parecido monótona antes das perigosas corredeiras, quanto a visão impenetrável de que ele agora usufruía era uma prova incontestável de que continuava vivo! Ora erguia os olhos para o céu, para contemplar um voo de gaivotas  imaculadas ou um casal de araras de cores brilhantes, ora observava a superfície da água estagnada sobre a qual flutuavam folhas e flores, por vezes animadas por sobressaltos provocados por peixinhos de comportamento voraz. Esta agitação submarina estava, no entanto, longe de tranquilizá-lo, pois estava convencido de que piranhas à espreita de carne fresca deviam estar pululando sob o barco.

    Lawrence bruscamente sentiu um impacto emocional. Acabava de virar a cabeça esforçando-se para não pensar no que aconteceria se eles viessem a afundar nessas águas fervilhantes de vida, quando acreditou perceber uma silhueta através da espessa folhagem que margeava a beira. Invadido por um pânico indescritível, de repente teve a estranha impressão de que estavam sendo espionados.

    «Talvez se trate simplesmente de animais atraídos por nosso cheiro», pensou para se tranquilizar. «A menos que esses olhares invisíveis sejam os de índios selvagemente hostis à presença de estranhos em seu território...»

    Vendo que seu filho parecia de repente tomado pelo pavor, John McAllister apressou-se em perguntar:

    — Algo errado, meu filho?

    — Parece-me que vi uma silhueta na margem. Por um instante, achei mesmo que alguém nos observava, mas com este calor sufocante e o cansaço da viagem, sem dúvida imaginei tudo isso...

    — Não acredito nisso, Lawrence. Afinal, estamos em território yanomami. Os indígenas que vivem nas proximidades deste rio provavelmente já nos observam há várias horas.

    — Várias horas? Acha que eles vão nos atacar? Preocupou-se o adolescente, os olhos esgazeados.

    — Não acho, na medida em que não empreendemos nenhuma manobra que eles pudessem interpretar como ameaça. E além disso, se tivessem desejado nos atacar, já o teriam feito...

    John McAllister não teve tempo de terminar a frase, pois uma silhueta apareceu de repente em seu campo de visão. Ele então encadeou, sem fazer o menor gesto, evitando assim qualquer provocação:

    — Lawrence, olhe lentamente para a sua esquerda. Aí você verá Yanomamis. Eles finalmente decidiram se mostrar.

    O adolescente fez exatamente o que seu pai lhe pedira, mas a espessa floresta camuflava seus habitantes como uma capa de invisibilidade.

    — Não vejo nada...

    — Olhe melhor, mas, sobretudo, sem apontá-los com o dedo,Eles poderiam pensar que você os ameaça...

    De repente, Lawrence exclamou:

    — É isso, pai, vi um! Oh! Mas há outro!

    Logo uns vinte índios, unicamente homens, se apresentaram na margem. Um deles atraiu particularmente a atenção de Lawrence, sem dúvida porque parecia ter a mesma idade que ele. Ainda que bastante baixo, o jovem Yanomami de pele baça parecia particularmente esbelto e ágil. Como única roupa, trajava uma pequena tanga. Seus cabelos curtos eram negros como as penas de um corvo. O rosto estava cheio de tatuagens em forma de ondulações que partiam das asas do nariz para se unir ao alto das bochechas. Uma haste reta estava plantada em seu nariz e passava de cada narina, para grande estupefação do adolescente britânico. Lawrence jamais vira nada de tão insólito. Seu pai certamente lhe descrevera inúmeras vezes os povos que havia encontrado, mas era a primeira vez que ele via esses relatos ganharem vida.

    O jovem Yanomami segurava uma longa lança na mão. Lawrence, no entanto, não se sentia ameaçado ao vê-lo armado. Era curioso. A confrontação entre esse mundo e o seu o punha quase pouco à vontade. No entanto, ele tinha consciência de ser estrangeiro neste território, com todos os riscos que isso podia comportar. Vários Yanomamis exibiam penas nas orelhas. Outros apresentavam pinturas e tatuagens em uma parte do corpo ou unicamente no rosto.

    Sem esperar, os remadores pararam a piroga, enquanto o explorador britânico dava suas instruções sem erguer o tom. Lawrence observou com certa admiração que seu pai estava estranhamente calmo naquelas circunstâncias.

    Com uma flecha pronta nos arcos, os Yanomamis pareciam visivelmente prontos a atirar ao menor movimento suspeito do grupo. Por isso, sentindo a ameaça, o guia venezuelano colocou discretamente a mão direita em seu fuzil, descansando bem pertinho dele, mas John McAllister lhe soprou rapidamente:

    — Não faça nada, Manuel. Não teríamos nenhum chance diante de todos esses homens. Eu o aconselho a levar lentamente a mão à coxa.

    No mesmo momento, uma flecha passou silvando diante do rosto do guia. Visto a curta distância que separava a piroga da margem esquerda, era evidente que aquele era apenas um aviso.

    Imediatamente, o explorador britânico ergueu os braços, ao mesmo tempo em que exclamava:

    — Shori, shori! Amigo, amigo!

    O pesado silêncio que se seguiu esteve longe de tranquilizar os ocupantes da piroga. O guia esfregou nervosamente a mão na coxa, prestes a se apoderar de sua arma, ao mesmo tempo em que mantinha um olho na margem. John McAllister temia que ele fizesse um gesto leviano. Quanto a Lawrence, tinha agora a impressão de que vivia seus últimos instantes. Uma coisa, no entanto, era certa. A intervenção de seu pai parecia ter criado um efeito surpresa nos índios. Eles olhavam uns para os outros com espanto. Finalmente, uma voz autoritária se ergueu da folhagem, e todos os autóctones baixaram os arcos e as lanças. Um Yanomami de altura mediana apareceu então gritando, os braços erguidos:

    — Shori, Shori!

    John McAllister deu um sorriso largo, visivelmente aliviado. Acabava de reconhecer o líder. Ele soprou, dirigindo-se a todo o seu grupo:

    — Está tudo bem agora. Eles não nos farão nenhum mal...

    Lawrence olhou para seu pai com um ar surpreso. Evidentemente, esses Yanomamis o conheciam.

    O explorador britânico sorriu generosamente ao rever seu amigo Shaweiwë. Este último não mudara desde o último encontro, quatro anos atrás. O homem estava longe de ser maciço, mas sua musculatura se contraía a cada um de seus gestos. Parecia difícil dar a ele uma idade. Os traços de seu rosto tinham permanecido os mesmos das lembranças do antropólogo. Evidentemente, não perdera nada de sua flexibilidade e sempre despendia muita nobreza apesar de sua nudez. Colares de conchas moviam-se sobre seu torso. John McAllister ficou mesmo muito tocado de ali encontrar pendurada a medalha que ele lhe havia ofertado para selar a amizade deles.

    No entanto, estivera muito próximo de ver a morte no dia de seu encontro, sendo os índios Yanomamis geralmente hostis aos estrangeiros. Apesar do aspecto primário de suas armas, seus gestos eram particularmente precisos, e quem quer que penetrasse seu território pagava com a vida. John McAllister esfregou a barba, tornando a pensar nesta aventura. Devia o fato de ainda estar  vivo unicamente a sua pele clara e a sua espessa barba inteiramente branca. Os índios tinham de fato ficado fascinados ao ver pela primeira vez em sua vida um homem de aparência tão estranha. Com a ponta dos dedos,tinha procurado tocar suas vestes, acreditando que se tratasse de uma espécie de pele intercambiável. Depois, maravilhados, tinham finalmente decidido convidar o estrangeiro a sua aldeia, alegrando-se de antemão pela curiosidade que ele suscitaria entre os outros membros do clã.

    Imitando seu líder, todos os Yanomamis presentes na margem ergueram os braços de maneira amigável e, com o mesmo sentimento, manifestaram sua alegria:

    — Ai, ai, ai, shori!

    A piroga desta vez virou a bombordo, enquanto índios já haviam saltado na água para se reunir à longa embarcação. Vários não hesitaram em ali se agarrar e lá subir, correndo o risco de fazê-la virar. Mas o barco de madeira de cachicamo resistiu ao entusiasmo dos Yanomamis, visivelmente muito felizes por rever «o homem da barba branca», como o haviam apelidado.

    Logo que a piroga atracou, o guia venezuelano se apressou em ajudar o explorador britânico a transportar sua mulher, que se tinha erguido. Apesar desta renovação de energia, parecia evidente que Lucy McAllister seria incapaz de prosseguir o caminho a pé através daquela densa floresta. Um dos carregadores se propôs então a levá-la nas costas, enquanto os outros já se ocupavam a descarregar a embarcação, tomada de assalto pelos índios. Muito depressa, houve uma verdadeira aglomeração a bordo. Todos riam, gritavam, batiam com os pés e gesticulavam, cada um querendo ser o primeiro a descobrir o conteúdo das bagagens.

    O chefe yanomami avançou sem hesitar na direção do antropólogo e parou a alguns milímetros de seu rosto. Lawrence ficou estupefato vendo seu pai sorrindo. Todo britânico digno desse nome teria recuado, a fim de manter uma distância respeitosa das convenções sociais. Mas eles não estavam mais na Inglaterra, e os valores não pareciam ser os  mesmos aqui. Lawrence via agora seu pai e o homem apertar longamente os ombros um do outro. O Yanomami até puxou a barba do professor várias vezes.

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