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Os libertistas
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Os libertistas

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About this ebook

Tudo começou em Paris, no ano de 1980. Comunidades que defendiam teorias filosóficas começaram por existir apenas em França, depois da morte de Jean-Paule Sartre. Não demorou muito tempo até se propagarem por toda a Europa, com um objetivo de as defender, mas da pior maneira. "Estamos condenados à liberdade" é a frase de Jean-Paul Sartre que anunciava, num folheto, a Comunidade Libertista. Nestas comunidades, propagam-se teorias filosóficas que se defendem da pior maneira. Quando Nicole e Matilde sugerem aos amigos juntarem-se a uma das Comunidades, o que todos aceitam, começa o primeiro dia da fase mais difícil da vida deles. A cada momento a sua liberdade vai-se esgueirando por entre dedos que ficam cada vez mais presos e ligados ao rigor de um exército. Avizinham-se momentos de grande tensão, a clamar por uma importante decisão do grupo.
LanguagePortuguês
Release dateFeb 19, 2019
ISBN9789898938022
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    Os libertistas - Diana Brígida Correia

    depois

    Prólogo

    Dezembro de 1986, Porto.

    Manuela Barreiro já trabalhava na maior fábrica de calçado da cidade há vinte anos. Já todos a conheciam como a «chefe do calçado português», tanto a nível nacional como internacional. Nunca pensou em fazer nada para além disso, até que a sua vida começou a ficar monótona e conheceu Wallace, um homem francês que mudaria a sua vida. Encontraram-se num dia excecionalmente quente de dezembro, num café perto da mansão de Manuela. Wallace era alto e magro, de sotaque bastante carregado. Aprendera português no ensino secundário e na faculdade, por isso conhecia apenas o básico da língua.

    — Boa tarde, Manuela — disse, apertando-lhe a mão. — Trago aqui o folheto da Comunidade de que lhe falei — referiu, entregando-lhe o folheto e sentando-se.

    — Parece-me uma iniciativa bastante interessante — comentou Manuela, com um sorriso formal.

    — Concorda com as nossas condições, presumo.

    — Sim.

    — A Comunidade Libertista será a primeira a ser fundada em Portugal — explicou Wallace. — Em França já existe há seis anos e tudo corre bem. Já ouvi falar de si várias vezes e tenho a certeza de que o seu perfil é o adequado para fundar a primeira Comunidade Filosófica Portuguesa.

    — Obrigada. Vou tratar do resto da papelada esta tarde — disse, guardando o folheto.

    — Nós é que agradecemos o seu interesse e cooperação. Qualquer dúvida disponha.

    Manuela voltou para casa, já era final de tarde. Assinou os papéis que tinha para assinar e, naquele momento, começou a nova etapa da sua vida, que duraria vinte e quatro anos.

    capítulo 1: 17 anos

    Era sexta-feira à noite, uma altura esperada por todos, especialmente pelo Alex que completava nesse dia dezassete anos. Teve a ideia de fazer uma festa num bar onde nunca tinha estado, para ser diferente.

    Alex escolheu uma camisa branca, com botões castanho-claros que lhe davam um ar sofisticado, mas também descontraído. Os seus olhos eram cor de mel, a contrastar com o cabelo escuro, conferindo-lhe um aspeto amigável e ao mesmo tempo humilde.

    Alex pegou no casaco e no telemóvel, saiu de casa e deparou-se com uma chuva torrencial repentina. Pôs o capuz e foi a correr até à paragem de autocarro, tentando não escorregar.

    Chegou à paragem e o autocarro saiu quase em simultâneo, ao entrar, viu Nicole na última fila de cadeiras.

    Nicole, uma das melhores amigas de Alex, usava sempre uma trança nos seus cabelos castanhos, tinha olhos esverdeados e um estilo hippie que combinava com a sua personalidade descontraída e aventureira.

    — Olá! — disse Nicole, quando Alex se sentou ao pé dela, ainda cansado da corrida para chegar ao autocarro — Parabéns.

    — Obrigado — disse Alex, sorrindo.

    Alex e Nicole permaneceram em silêncio durante algum tempo, o que começou a ser confrangedor.

    — Vai mais alguém, além do habitual, à festa? — perguntou Nicole.

    — Não — acenou negativamente, encostando-se à cadeira. — Não tenho a certeza se a Matilde consegue vir, ela estava com alguma dificuldade em convencer os pais.

    — É sempre assim — ri-se. — E depois acaba sempre por vir.

    Alex riu-se, concordando. A chuva, que era forte, começara a abrandar e o trânsito desapareceu quando o autocarro virou para uma rua muito menos movimentada.

    O autocarro parou na paragem onde Alex e Nicole saíam. Alex pôs de novo o capuz e Nicole tirou um guarda-chuva, que parecia que não havia de durar muito. Andaram em passo rápido até à porta do bar, onde já lá estavam Marta e Ricardo.

    — Parabéns desde hoje de manhã! – exclamou Marta, abraçando Alex.

    — Obrigado, Marta.

    Ricardo também deu os parabéns a Alex e ficaram a falar sobre o jogo de futebol que tinha dado na televisão, o que fez Marta e Nicole revirarem os olhos de entediadas.

    Marta era uma rapariga com cabelos longos, loiros e de olhos castanhos, e Ricardo, o seu namorado, tinha o cabelo castanho-claro, com um redemoinho na franja e os olhos eram verdes. Ricardo e Alex faziam parte da mesma equipa de futebol, Alex era o capitão, tendo ambos um bom físico. Alex e Ricardo eram bastante competitivos quando se conheceram, no futebol, mas com o passar do tempo tornaram-se grandes amigos.

    — Temos jogo na semana que vem? — perguntou Ricardo.

    — Sim... Não sei se estamos bem preparados. Mas ainda temos tempo para ficarmos a 100% — disse Alex, motivando Ricardo.

    Matilde chegou à porta do bar, a correr. Fechou o seu guarda-chuva, dirigindo-se para o grupo.

    — Está toda a gente! — disse Alex, depois de Matilde lhe ter dado um longo abraço de parabéns.

    Matilde tinha o cabelo castanho-escuro, de lábios finos e face um pouco pálida e com sardas, os olhos eram castanhos.

    Os cinco adolescentes entraram no bar e ficaram surpreendidos pelo ambiente. O bar (que nem era bem um bar) tinha um aspeto deteriorado e parecia que não recebia clientes desde... a Idade Média. Ok, vá, desde a década passada.

    As paredes eram azul-escuras, mas os cantos apresentavam uma cor negra da humidade, e os bancos do balcão eram de uma madeira gasta. No bar estava um empregado com cerca de vinte e cinco anos (provavelmente, o filho do dono), um pequeno grupo de adultos, uns quatro ou cinco adolescentes e pouco mais. O grupo sentou-se à volta de uma mesa, surpreendentemente bem conservada, com uns bancos também de madeira gasta, disfarçados por um veludo almofadado barato.

    As suas expressões, desconcertantemente semelhantes, demonstravam estranheza.

    — Alex — disse Ricardo, franzindo o sobrolho. — Que sítio é este?

    Marta encostou-se ao ombro de Ricardo.

    — Isto é estranho, tens a certeza de que estamos no sítio certo? — perguntou Marta.

    Alex olhou em volta, confuso.

    — Sim, estamos no local certo, o meu irmão disse que o bar ficava nesta rua.

    — Vamos sair daqui, isto está a cair de podre... — disse Ricardo, e Marta começou a rir.

    — Isto é fixe, é diferente — retorquiu Alex, tentando incentivar os amigos.

    — Vá, vamos ficar aqui. É um sítio alternativo, gosto! — exclamou Nicole. — Tenho uma coisa para ti, Alex.

    Nicole tirou um presente embrulhado da sua mala e, entusiasmada, deu-o a Alex.

    — Uau — disse Alex, e começa a rir. — É um colar.

    — Não é só um colar, tem um símbolo hippie da paz.

    — Obrigado, Nicole.

    O empregado aproximou-se do grupo, com um ar de quem não dormia há mais de dois dias, e perguntou-lhes se desejavam alguma coisa para beber.

    — Olhem — disse Marta, quando o empregado se foi embora —, eu acho que este empregado é um zombie.

    Todos se começaram a rir, achando imensa piada a todo aquele cenário. A conversa fluiu rapidamente, como era habitual, e as raparigas acabaram a falar da nova série que todas estavam a ver e os rapazes do jogo de sábado.

    Alex pediu mais uma rodada de cervejas, só o Ricardo o acompanhou. Para se divertirem ainda mais, Nicole sugeriu meterem conversa com o empregado, o que foi não foi fácil.

    O empregado aproximou-se deles, com as cervejas de Ricardo e Alex, e este último meteu conversa com ele.

    — Muito obrigado — agradeceu Alex. — É daqui?

    O empregado demorou um tempo a perceber que a conversa era dirigida a ele, e ficou um pouco desorientado quando percebeu.

    — Ah... Sim.

    — Hum… nós não, moramos um pouco longe — disse Alex, e bebericou da sua cerveja.

    O empregado acenou ligeiramente com a cabeça e disse:

    — Eu sou o Gustavo, se precisarem de alguma coisa, digam.

    O empregado foi-se embora e o grupo ficou surpreendido com a sua resposta.

    — Uau — comentou Marta, levantando-se. — Até já.

    Marta foi até à casa de banho, passou por um grupo de pessoas e pediu licença em voz alta porque ninguém reparara nela. Pelo caminho deixou cair a carteira. Um rapaz reparou no incidente, pegou na carteira, tentou captar a atenção de Marta, acenando-lhe, mas ela não olhou.

    Passados uns minutos, Marta voltou da casa de banho e foi ter com o grupo. Sentou-se, e Ricardo pôs o braço à volta dela, bebendo mais um gole de cerveja.

    — Então, de que estavam a falar? — perguntou Marta.

    — Da figura triste que o Alex fez na aula de Inglês — respondeu Ricardo.

    O rapaz que tinha ficado com a carteira de Marta aproximou-se do grupo, com um olhar um pouco inseguro.

    — Acho que isto é teu — disse o rapaz a Marta, pondo a carteira na mesa.

    Marta ficou a olhar para o rapaz, e quase se esqueceu de agradecer.

    — Obrigada — acabou por dizer.

    O rapaz foi-se embora, dirigindo-se para a porta do bar. Ficaram todos a olhar para ele, intrigados.

    — Estranho... — disse Matilde, em voz baixa.

    O grupo acabou por esquecer o rapaz estranho — todos, menos Marta.

    Alex experimentou o colar que Nicole lhe tinha oferecido, o que provocou grandes gargalhadas a todos quando viram como ficava. Marta aproveitou a distração do grupo, aproximando-se da porta do bar, onde o «rapaz estranho» se encontrava.

    Saiu do bar e impressionou-se com a noite gelada e o chão molhado refletindo as luzes da cidade. Marta apertou o casaco e aproximou-se do rapaz, que estava sozinho e ainda não tinha reparado nela. A rapariga não evidenciava qualquer receio de parecer demasiado direta ao abordá-lo.

    — Quem és tu? — perguntou Marta.

    O rapaz olhou para ela, sem expressão, e desviou o olhar. Tinha os olhos castanho-escuros, intensos, o cabelo da mesma cor, ondulado e curto. Teria cerca de dezoite anos.

    Marta ficou à espera da resposta do rapaz, fitando-o. O rapaz olhou para ela de novo.

    — Porque é que queres saber?

    Porquê? — perguntou Marta, franzindo o sobrolho.

    O rapaz olhou para ela, imperturbável, e acenou, parecendo pouco curioso na resposta.

    — Porque me apetece.

    O rapaz tirou um livro de bolso do casaco preto e começou a ler, ignorando-a. Marta inclinou-se para ele, tentando perceber que livro era aquele, mas não conseguiu. Passado algum tempo, fartou-se de ser ignorada.

    — Se queres que faça figura de parva, posso ir-me embora. Só queria falar contigo, é assim tão difícil? — indagou Marta.

    O rapaz fechou o livro, desta vez com uma expressão ligeiramente reveladora de alguma consideração pela pergunta.

    — Talvez.

    Marta ficou sem saber o que dizer e, apesar da indignação, não era capaz de sair dali.

    O rapaz olhou para Marta, pensativo, queria formular uma pergunta como se fosse quase para lhe fazer uma vontade.

    — Como é que te chamas? — acabou por perguntar.

    Marta admirou-se com a iniciativa inesperada do rapaz e escondeu a sua admiração.

    — Marta — respondeu, fazendo um esforço por permanecer neutra.

    — Marta... — disse o rapaz, olhando para ela concentrado — Bom nome.

    O rapaz continuou a ler e o contacto visual acabou.

    — Como é que tu te chamas? – perguntou Marta.

    O rapaz dobrou a borda da página do livro que estava a ler e colocou-o apressadamente no bolso.

    — Tenho de ir — disse o rapaz, e foi-se embora.

    — Mas...! — disse Marta, mas o rapaz já estava demasiado longe para a ouvir.

    O rapaz continuou a andar e a sua silhueta foi ficando cada vez menos definida. Marta observava-o, insatisfeita. Voltou para o bar e sentou-se ao pé dos amigos.

    — O que aconteceu? — perguntou Matilde, preocupada.

    — Fui apanhar ar — respondeu.

    No dia seguinte de manhã, Alex e Ricardo foram juntos para o treino de futebol. Entraram no campo, já equipados, e antes de terem começado a jogar o treinador chamou-os e avisou-os de que tinham um jogador novo, que já estava sentado no banco.

    Alex olhou para ele, e pensou que o conhecia de algum lado.

    Começaram a jogar, e o rapaz jogava bastante bem. A meio do treino, Alex reconheceu que o rapaz era o que tinha estado no bar, na outra noite.

    No final do treino, foram para o balneário e o rapaz recebeu elogios pela sua prestação.

    — Acho que já te vi em algum lado — disse Alex, arrumando o seu equipamento na mochila.

    O rapaz olhou para ele, acenando afirmativamente.

    — Sim, provavelmente — disse.

    Ricardo também acabou por se lembrar onde tinha visto o rapaz, e olhou-o de soslaio, não simpatizando com ele.

    Ricardo foi o primeiro a sair do balneário e Marta estava à espera dele.

    — Olá — disse Marta.

    — Olá — disse Ricardo, e deu-lhe um beijo nos lábios.

    Ricardo olhou para a camisa rosa velho de Marta e para as suas calças brancas.

    — Estás linda — disse Ricardo — És linda.

    Marta abraçou-o, agradecendo.

    — O Alex já saiu? — perguntou Marta.

    — Ainda não — disse Ricardo. — Temos um novo jogador. Estava ontem à noite no bar.

    Marta franziu o sobrolho, pensando que poderia ser o «rapaz estranho». Rapidamente percebeu que Ricardo não fez uma boa cara quando falou do rapaz, revelando que não simpatizara com ele.

    — Ah, okay — disse, escondendo a sua curiosidade.

    De repente, o «rapaz estranho» saiu do balneário e passou por Marta e Ricardo.

    O rapaz olhou para trás, e reconheceu Marta. Também surpreendido, pensou dizer-lhe algo, mas Ricardo olhava para o rapaz com uma cara tão séria que ele continuou a andar como se nada fosse.

    Marta ficou frustrada, e reparou na cara séria do namorado.

    — Não gostas dele? — perguntou Marta, muito mais irritada do que parecia.

    — Não — disse Ricardo.

    — Porquê?

    — Não vou com a cara dele — disse Ricardo.

    Alex saiu do balneário e foi ter com Marta e Ricardo.

    — Olá! — exclamou, animado.

    — Olá, Alex — disse Marta.

    — Foi um bom treino, Ricardo — disse Alex, e Ricardo acenou afirmativamente. — Eu tenho de ir agora, os meus pais dizem que têm um presente para mim.

    — Uau, o que será? — perguntou Marta.

    — Não faço ideia — disse Alex, entusiasmado — Até amanhã.

    Tchau — disseram Marta e Ricardo.

    Marta olhou discretamente para o «rapaz estranho», que estava junto ao portão do clube de futebol, à espera do autocarro. Vestia um casaco de lã castanho e umas calças pretas.

    Ricardo e Marta foram até ao portão do clube, e daí, a pé, até ao centro comercial almoçar. O centro comercial não ficava muito longe, tinham de passar por uma rua estreita onde não havia nada, a não ser muros, uma zona aberta com uns bancos, que não era bem uma praça, e por uma ciclovia que começava à saída da «praça».

    Alex entrou em casa e os pais já estavam à sua espera. Disseram-lhe que o presente estava na garagem e Alex ficou eufórico, suspeitando o que poderia ser.

    Entrou na garagem com os pais e viu uma mota de cor preta opaca, com uma forma baixa, robusta e um estilo esculpido.

    — 85 quilowatts! — exclamou o seu pai, orgulhoso, enquanto a mãe de Alex sorria, tentando não pensar no dinheiro que gastara.

    — É fantástica — disse Alex, completamente fascinado. — Obrigado.

    — Mereces, Alexandre — disse a sua mãe. — Pelas tuas notas!

    Alex ficou a contemplar a mota e a observar o motor, as rodas e todos os seus pormenores. Decidiu estreá-la em grande, e não havia motivos para esperar, por isso leu o manual de instruções na diagonal, pois já estava farto de aprender sobre motas, e tirou a mota da garagem.

    — Conduz com cuidado, não queiras já andar muito rápido — avisou a sua mãe.

    — Claro, não te preocupes.

    Alex lembrou-se de que Matilde tinha aula de violino nesse dia de manhã e que sairia daqui a meia hora. Com o intuito de fazer uma surpresa, Alex foi de mota até à escola de música de Matilde.

    Estacionou ao pé da escola, tirou o capacete e ficou à espera da amiga.

    Quando Matilde saiu, com a mochila do violino na mão, ficou surpreendida ao deparar-se com Alex em cima de uma mota.

    — Oh, meu Deus! — exclamou Matilde, aproximando-se de Alex e de olho na mota. — O que é isso?

    — É uma mota — disse Alex, rindo-se.

    — Eu sei que é uma mota, idiota — disse, sarcástica. — Mas é tua?

    — Sim, recebi-a nos anos. Estás à espera de alguém ou queres que te leve a casa?

    — Sabes que moro longe...

    — Exato — interrompeu Alex. — Assim andamos mais.

    Matilde acabou por deixar-se convencer. Embora um pouco insegura no início, foi ganhando confiança em relação às aptidões de condução do rapaz, e aceitou andarem um pouco mais rápido, fazendo esvoaçar o seu cabelo castanho-escuro.

    Alex entrou na autoestrada e Matilde disse-lhe para irem com mais calma, mais de uma vez, pois estava a entusiasmar-se.

    Antes de passarem pela casa de Matilde, depois da autoestrada, decidiram parar numa hamburgueria para almoçar. A hamburgueria era moderna, e estava cheia de gente. Matilde queria provar a comida desde que abrira, mas ainda não tinha tido oportunidade.

    Entraram na hamburgueria e sentaram-se numa mesa ao pé da janela, que tinha vista para... outros restaurantes e casas. Ah, e uma rotunda.

    Alex pediu um hambúrguer grande com bacon e queijo, pois estava cheio de fome por causa do treino, e Matilde pediu um hambúrguer normal só com queijo.

    — Obrigada — disse Matilde — Estava a precisar de boleia.

    Anytime — disse Alex.

    O empregado chegou e distribuiu-lhes a comida.

    — Este ano está a correr-te bem, a nível de notas — comentou Matilde.

    — Sim, mas os setores estão a pressionar-me cada vez mais... Dizem que por ser o melhor aluno tenho de fazer tudo de maneira perfeita.

    — Não dizem isso diretamente...

    — Mas dizem indiretamente — respondeu, rindo-se.

    Matilde e Alex pediram sobremesa, pagaram, e saíram da hamburgueria. A casa de Matilde não ficava muito longe, podiam caminhar até lá.

    Alex levou Matilde a casa de mota, ela agradeceu-lhe uma última vez, e despediram-se.

    capítulo 2: O convite

    Era segunda-feira e Nicole entrava na escola. Vestia uma sweatshirt amarelo-torrada e usava um colar com um símbolo da paz. O grupo andava todo na mesma escola, mas em turmas diferentes. Marta, Ricardo e Alex estavam na turma de Ciências e Tecnologias, e Nicole e Matilde na turma de Artes. Nicole entrou na sala, onde iam ter História de Arte, e viu Matilde. A sua turma tinha cerca de vinte e cinco alunos, e Artes era a única área com apenas uma turma, sendo a que tinha menos alunos. Os alunos de Artes sentiam-se muitas vezes excluídos por existirem tantos alunos das outras áreas na escola, e os de Artes serem tão poucos. Dos vinte e cinco alunos, vinte eram raparigas. E dos cinco rapazes, um deles frequentara apenas duas vezes a escola no primeiro período... Dizia-se que tinha desistido da escola e que só tinha vindo para Artes porque pensava que era só desenhar mãos e flores e passava de ano. O que não é muito normal, porque já estava no 11.º ano e, seguramente, já tinha tido tempo para perceber que não era bem assim. Os de Artes eram os alunos que faziam de tudo para decorar a escola, desde quadros, a esculturas, e até origamis. Contudo, nunca havia nenhuma atividade especial para eles. Os de Ciências estavam sempre a fazer visitas de estudo a tudo o que estava relacionado com as Ciências, e também tudo o que não estava; os de Economia já tinham ido ao Parlamento fazer uma visita de estudo; os de Humanidades tinham um dia só dedicado à História; os de Artes... basicamente eram os alunos que decoravam a escola.

    — Olá — disse Nicole, sentando-se ao lado de Matilde.

    — Olá! — exclamou Matilde.

    O professor de História de Arte ainda não tinha chegado. Era o professor mais tranquilo, e os alunos por vezes abusavam um bocado.

    Os poucos rapazes sentavam-se na parte de trás da sala, num canto. Não faziam muito, para além de chegarem quase sempre atrasados.

    Quem entrou na sala um pouco depois de o professor ter chegado, para surpresa de todos, foi o rapaz que só tinha vindo duas vezes no primeiro período.

    — Olha quem está ali — disse Matilde, admirada.

    O rapaz chamava-se Miguel, mas forçava toda a gente que o conhecia a chamar-lhe João Micael, pois era o seu nome artístico de sonho.

    João Micael tinha o cabelo castanho-escuro à altura dos ombros, os olhos castanhos-esverdeados, e um corpo musculado, especialmente os braços. Vestia calças de treino pretas, e uma camisola de alças cinzenta.

    — Miguel? Está aqui? — perguntou o professor, surpreendido.

    — É João Micael — disse, sentando-se ao lado de Matilde.

    — Mas não tinha desistido da escola? – perguntou o professor.

    — Sim, mas decidi voltar...

    — Não sei se isso é possível, Mig... João Micael — disse o professor, tentando compreender o aluno.

    — Tudo é possível, basta acreditar — disse João Micael, tirando os livros da sua mochila de pele a tiracolo — Acho que os professores deviam dar mais este tipo de motivação aos alunos... Só dão matéria, percebe? Matéria atrás de matéria... E esquecem-se de que incentivar os alunos com os verdadeiros lemas de vida também é essencial. Não deixem os vossos sonhos serem sonhos! Sejam vocês mesmos! Este tipo de incentivos é muito importante para fortalecer o nosso caráter.

    — Pois... — disse o professor, sem saber o que dizer mais — Infelizmente, não há tempo para ensinar aos alunos frases motivadoras. Agora tenho de começar

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