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Quase um Paraíso: Série de Mistérios Louise Golden
Quase um Paraíso: Série de Mistérios Louise Golden
Quase um Paraíso: Série de Mistérios Louise Golden
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Quase um Paraíso: Série de Mistérios Louise Golden

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About this ebook

A carteira Louise Golden vive na ilha de O'ahu e desfruta de uma relação de camaradagem com as pessoas de sua rota de entrega. Ao notar que a Sra. Santos sumiu de sua casa, Louise fica preocupada.  Enquanto questiona a vizinhança, tentando descobrir o que aconteceu à senhora idosa, Louise é arrastada para um mistério que envolve raptos, perseguições, uma festa na piscina com celebridades, danças exóticas, artefatos havaianos roubados e, claro, assassinato.

"Há muito mais neste livro do que a mera resolução de um crime. Isso acontece porque Hanan é uma escritora com profundidade, percepção e perspicácia. É um prazer ler este livro." William Bernhardt, autor na lista dos Livros Mais Vendidos do New York Times.

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateApr 6, 2019
ISBN9781547581962
Quase um Paraíso: Série de Mistérios Louise Golden

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    Quase um Paraíso - Laurie Hanan

    QUASE UM PARAÍSO

    Um Mistério de Louise Golden

    Laurie Hanan

    Tradução de Mariana Cepeda

    Publicado nos Estados Unidos por Hoaka Moon Publishing

    Copyright 2009 por Laurie Hanan. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida sem autorização, por escrito, da autora.

    Capa de Laurie Hanan

    Esta é uma obra de ficção. Todos os nomes, personagens e lugares são fictícios ou foram usados ficcionalmente. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou não, é mera coincidência.

    ––––––––

    ISBN-13: 978-1519441829

    ISBN-10 1519441827

    Outros Livros de Laurie Hanan

    Série de Mistérios Louise Golden:

    How Far is Heaven?

    Another Day in Paradise

    Stairway to Heaven

    Lei Crime Kindle World:

    Hoaka Moonshine, a novella

    Colaborações beneficentes:

    Mystery in Paradise: 13 Tales of Suspense

    Paradise, Passion, Murder: 10 Tales of Mystery from Hawaii

    Em memória de Daisey Grace

    27 de Fevereiro, 2005 – 11 de Agosto, 2008

    Você esteve ao meu lado durante todos os momentos da escrita deste livro.

    Que eu possa honrar sua memória vivendo minha vida com a simplicidade

    e a pureza de espírito que eram o âmago da sua existência.

    UMA NOTA DA AUTORA

    Quase um Paraíso contém palavras havaianas e nomes de lugares no Havaí. Se você não vem desse arquipélago, não deixe que isso o(a) intimide. A língua havaiana é simples, bonita e melódica. Palavras escritas podem parecer impossíveis de serem pronunciadas, porém, quebrando-as em sílabas, você provavelmente chegará perto. Uma sílaba nunca contém mais que duas letras e sempre termina em uma vogal. Há cinco vogais e sete consoantes no alfabeto havaiano, compondo um total de doze letras. É possível colocar várias vogais em sequência, mas as consoantes nunca são usadas juntas. Algumas palavras sequer têm consoantes e todas terminam em uma vogal. As consoantes são pronunciadas como na língua inglesa, com a exceção do W. A letra W é dita, por vezes, da mesma forma que o V — como na pronúncia tradicional da palavra Hawai‘i, que é foneticamente pronunciada huhvi-ee e não, como no inglês, huh-why-ee.

    Pronúncia das vogais segundo o Alfabeto Fonético Internacional:

    a: /a/

    e: /e/

    i: /i/

    o: /o/

    u: /u/

    Um símbolo que é colocado diretamente sobre uma vogal, chamado kahakō, indica que o som dessa vogal deve ser alongado. Um símbolo semelhante a uma apóstrofe, chamado ‘okina, indica uma rápida quebra na palavra, como quando um falante de inglês diz oh-oh. Portanto, a palavra havaiana ka‘a, que significa carro, seria pronunciada: ka-a.

    O significado da maioria das palavras ficará claro pelo contexto. Se restarem dúvidas, você pode consultar o glossário no fim do livro. O povo havaiano recebe bem forasteiros. Se você demonstrar um interesse em aprender a sua língua e conhecer a sua cultura, será acolhido(a). Diga uma palavra havaiana com um sorriso e com aloha, e não há como dar errado.

    Laurie Hanan

    A terra é uma mãe que nunca morre.

    ~Provérbio Maori

    Capítulo 1

    Abri meus olhos para a luz cinza da pré-alvorada. Os pássaros não tinham começado o seu alvoroço. O único som vinha da agitação das plantas de gengibre. A brisa soprada através da janela aberta transportava um frio suave, bem como o odor pungente da folhagem tropical e da chuva a caminho — um cheiro que carrega a sensação de lar. Era mais um dia perfeito, perfeitamente comum no Paraíso.

    Sim, eu vivo no Paraíso. Por vezes, nem eu mesma consigo acreditar. Sou uma migrante do continente, o que os locais chamam de malihini ou haole. Amor, perda e uma série de coincidências delicadas conspiraram para me trazer a essas ilhas, há sete anos, e tenho estado aqui desde então.

    O verde e o azul do Hawai‘i me acalmam. O ar quente e úmido e as leves brisas formam um bálsamo que escorre sobre mim em um banho doce. A chuva é como mãos amáveis e frias em meu rosto. As pessoas aqui são mais gentis. Elas têm algo que chamam de aloha. A maior parte dos americanos do continente que chegam aqui acaba por desenvolver a febre da ilha, uma sensação de pânico advinda da impossibilidade de dirigir mais do que cinquenta quilômetros em qualquer direção. Não aconteceu comigo. As costas marítimas que definem as bordas do meu mundo fazem com que eu me sinta segura e protegida. Os ritmos estáveis e reconfortantes do oceano cantam para a minha alma.

    Pelo chão frio de madeira, caminhei até a janela e olhei para o céu. Quando o sol nascesse sobre o Diamond Head, ficaria oculto atrás de espessas nuvens. Escovei meus dentes e passei uma escova pelos meus curtos e ondulados cabelos loiros. Eles são exatamente iguais aos cabelos da minha mãe da forma como elespermanecemem minha memória. Eu também tenho seus olhos azuis. Há pequenas sardas ao longo do meu nariz, o qual, por sua vez, é a única característica que herdei do meu pai. Estou acostumada a ele, mas faz com que me falte algo da beleza irlandesa que era a minha mãe.

    Quando criança, eu era sem graça — magricela e desajeitada, com um cabelo loiro escuro escorrido. A partir dos seis anos, meus olhos azuis passaram a ficar escondidos por trás de óculos grossos. Antes disso, ninguém havia reparado no quão míope eu era. Eu sentia o mundo à minha maneira, inconsciente de que outras pessoas o percebiam de forma diferente. Durante aqueles primeiros anos de vida, minha mãe era a única que conseguia penetrar a neblina. Ela era a única que parecia real para mim. Meus pais me levaram a especialistas para determinar o motivo das minhas fracas habilidades motoras e incapacidade de acompanhar as aulas. Os médicos me cutucaram, espetaram e testaram. No fim, não conseguiram achar uma síndrome com a qual me rotular.

    Finalmente, um professor astuto da primeira série sugeriu aos meus pais que me levassem a um médico que checasse meus olhos. O exame revelou que minha visão era 20/200 e fui equipada com um par de óculos de lentes de alto grau. O mundo, que até ali consistira de sons e cores mudas, subitamente entrou em foco absoluto. Você pode ver isso como uma espécie de milagre, mas para mim era incômodo. O mundo em 3D era intenso demais e me levava a remover os meus óculos com frequência, em vez de lidar com as suas complexidades. Minha próxima etapa visual veio aos doze anos, na forma de lentes de contato rígidas. Embora elas fossem um enorme progresso em relação aos óculos, eram difíceis de remover. Lentes de contato rígidas eram uma novidade e eu era a paciente mais nova do meu oftalmologista. Lembro-me da minha fascinação pelos seus olhos cinza-claros e seus traços severos. Essa atração era uma nova forma de perceber as pessoas do gênero masculino.

    Quando eu tinha trinta anos, uma cirurgia a laser corrigiu minha visão. Tempo e trabalho árduo adicionaram massa à minha estrutura. Agora, posso ser chamada de musculosa, em vez de magricela. Se não me olhar de muito perto, você pode imaginar que tenho menos do que os meus trinta e sete anos. Mas as linhas ao redor dos meus olhos, causadas por mais sol e menos risadas do que o necessário, denunciam-me. Vesti-me para o trabalho com o que, aqui, serve como um uniforme de inverno: calças compridas e um casaco impermeável. Todos noHavaísabem que chinelos de borracha são os melhores sapatos para andar na chuva, mas os regulamentos dos correios requerem o uso de meias e botas com o meu uniforme. No fim do dia, meus pés estarão enrugados comoameixas secas brancas.

    Eu amo entregar o correio. Amo trabalhar ao ar livre e sequer me importo quando chove. O trabalho pesado me mantém em forma e não preciso ir à academia. Amo como os olhos dos meus clientes brilham quando me veem. Amo a capa da invisibilidade que visto com meu uniforme, a forma como me mesclo e me torno parte do cenário. Dá licença, Xena, a Princesa Guerreira. Aqui vem Louise, a Portadora de Correio.

    Quando saí para o trabalho às sete horas, o céu estava tão claro quanto poderia ficar em uma manhã sombria de fevereiro. Pardais chilreavam nas árvores enquanto mainás batiam boca em meu telhado. Destranquei meu pequeno Z3 conversível branco, entrei e rodei a chave. As notícias da manhã entraram no carro, com Perry à esquerda e Price à direita. Na Pali Highway, dirigi em meio a uma garoa constante. Meu pequeno BMW conquistou as curvas como um carro de corrida, e eu me senti como o Magnum P.I. dirigindo um carro do James Bond.

    Morra de inveja, Xena!

    As notícias acabaram, e eu cantei com Stevie Nicks sobre navegar através das marés cambiantes do oceano. A transmissão do rádio foi cortada no túnel, mas eu continuei cantando: "Can I handle the seasons of my life? Uh huh...yeah, I’m getting older too... "

    Emergi da parte ventosa do túnel sob um aguaceiro cegante. Fechei minhas janelas, liguei os limpadores de para-brisa no máximo e me curvei para frente, como se isso fosse me auxiliar a ver através da chuva. Pesadas gotas batiam na capota de lona e os limpadores rangiam sobre o para-brisa. Liguei o rádio a tempo de ouvir Michael W. Perry informar-me o preço do ouro e quantos ienes eu poderia comprar com um dólar.

    Na Kam Highway, virei em direção a um pequeno centro comercial e entrei em uma longa fila no drive-thru da Starbucks. Quando cheguei à maquina de pedidos, abri minha janela. A chuva ensopou o lado esquerdo do meu corpo enquanto eu pedia um café latte grande. Fechei a janela, liguei o rádio mais uma vez e ouvi Cecilio e Kapono cantando Highway in the Sun enquanto eu avançava um centímetro de cada vez. O aroma do café quente me alcançou antes que eu chegasse à janela da entrega dos pedidos. Uma garota que não parecia ter idade suficiente para estar trabalhando me entregou meu café com leite. Dei a ela uma nota de cinco e disse-lhe para ficar com o troco.

    Minha rota de entregas levou-me através de uma parte da região de Kāne‘ohe, onde casas de milhões de dólares erguem-se sobre acessos compridos e íngremes para veículos, atrás de muros altos e de uma vegetação tropical excessivamente densa. Os residentes possuem piscinas, quadras de tênis e impressionantes vistas da Baía de Kāne‘ohe e do Oceano Pacífico mais além. Outras ruas enfileiram casas simples de madeira, que devem ter a mesma aparência de quando foram construídas há meio século. Com os anos, algumas casas foram erguidas para que um andar térreo, feito de concreto, fosse adicionado por baixo das estruturas originais de madeira. Outras acrescentaram quartos, lānais[1] ou garagens fechadas com portões automáticos. Entre as casas e a estrada encontram-se gramados bem-cuidados, ficando elas quase escondidas por trás de volumosos abacateiros, árvores-do-pão e mangueiras, carregados de frutas maduras. Os verdes profundos de Kāne‘ohe são pontilhados pelo amarelo, o vermelho e o cor-de-rosa das flores tropicais. O perfume do encontro entre a pluméria, o gengibre e o pīkake[2] é tão pesado que você pode quase segurá-lo na mão. Os quintais são cercados por paredes de rocha vulcânica cobertas por musgo, projetadas mais para impedir a erosão do solo do que a entrada de invasores.

    Muitos dos meus clientes eram idosos. Eles haviam morado em suas casas desde jovens e tinham criado suas famílias ali. Alguns de seus filhos tinham se mudado para o continente, em busca de algo além do que as ilhas podiam oferecer. Estacionei meu furgão dos Correios no canto da rodovia, vesti meu capacete colonial, fechei o casaco impermeável e adentrei o aguaceiro. Puxei a bolsa cheia de correspondências sobre meu ombro e tranquei o veículo, ainda que só fosse ficar longe dele por alguns poucos minutos. Regra de segurança número três dos carteiros e carteiras, depois de carregar um repelente de cães e vestir sapatos apropriados: sempre tranque o furgão.

    Não havia calçadas no velho bairro. Eu caminhei sobre grama, pedras e barro com minha carga pesada, tomando cuidado para não torcer um tornozelo. Poderia colocar as correspondências nas caixas de correio, sem sair do veículo, mas eu gostava de dar ao meu trabalho um toque mais pessoal. Parava para conversar com os clientes que me esperavam todos os dias e entregava em mãos o seu correio. Onde estava a Sra. Santos? Era incomum não vê-la esperando do lado de fora. Na verdade, ela nunca havia deixado de me encontrar ao lado da sua caixa de correio. Fizesse chuva ou sol, ela estava ali, acompanhada da sua pequena e levemente caricata cadela, Pipsqueak.

    A Sra. Santos estava na casa dos 80 anos e vivia sozinha. Ela se virava bem o suficiente, mas vinha decaindo nos últimos tempos. Sua mente parecia se tornar mais jovem à medida que seu corpo envelhecia. Ela nunca recebia cartas da filha e dos netos que ela dizia ter na Califórnia, mas, talvez, eles mantivessem contato por telefone. A Sra. Santos não recebia correspondências pessoais de ninguém, nem mesmo no Natal. Eu lhe trazia catálogos e revistas excedentes, que não puderam ser entregues e acabariam na reciclagem. Sabia que poderia perder meu emprego por causa disso, mas era um gesto que a fazia feliz. A cada Natal, dava-lhe os presentes que eu recebia de clientes na minha rota. Eu ganhava tantos que nem sabia o que fazer com eles, e acho que eram os únicos presentes que ela recebia.

    Teria ela perdido a hora? Passei pelocaminho rachado da entrada, através do portão aberto da garagem, e bati na porta da frente. A casa não tinha calhas e a chuva caía como uma cascata do telhado, espirrando lama castanho-avermelhada sobre o chão e as paredes.

    — Sra. Santos? Olá? Sra. Santos?

    Não houve resposta.

    — É a Louise, dos Correios. Trago a sua correspondência.

    A Sra. Santos tinha problemas de audição. Talvez ela não tivesse ouvido minha batida por causa do som da chuva. Eu bati de novo, mais forte dessa vez, e esperei. Testei a maçaneta. A porta estava destrancada. A velha porta, inchada pela umidade, reclamou com um rangido alto quando a empurrei. Logo atrás dela, Pipsqueak olhou para mim. Seu rabo batia no chão. Ela era o único cão da minha rota que nunca latia para mim. Mesmo naquele momento, em que eu entrava na sua casa, ela não latira.

    A primeira coisa que notei foi o cheiro. Cachorro sujo e... algo que não consegui especificar. Esperei enquanto meus olhos se ajustavam à luz fraca. Móveis robustos e feitos de bambu, com almofadas de estampa havaiana em azul, ocupavam a maior parte da sala de estar — duas cadeiras, um sofá, uma mesa de centro, mesas de canto com um conjunto de luminárias.

    Fui até à cozinha e coloquei a bolsa pesada de correspondências em cima do balcão. Massageei meu ombro enquanto olhava ao redor. A chuva soprava através da persiana de uma janela acima da pia. Estendi a mão e fechei o vidro. Os pratos estavam lavados e guardados; as bancadas tinham sido limpas. Nada parecia estar errado. Então, por que eu tinha a incômoda sensação de que algo não estava nos conformes?

    As unhas das patas de Pipsqueak clicavam no piso de linóleo enquanto ela me seguia pela casa. No corredor, passei por um banheiro aberto e por duas portas fechadas. Uma porta no final do corredor estava entreaberta. Bati.

    — Sra. Santos? É Louise, a carteira.

    Empurrei a porta e a abri. O quarto parecia estar vazio.

    — Sra. Santos? Olá?

    Entrei no aposento e olhei em volta. A cama de casal tinha sido feita cuidadosamente, com uma desgastada manta de chenille por cima. Uma cômoda estava encostada em uma das paredes, com seu verniz descascado pela idade. Um porta-retratos com uma moldura prateada estava sobre a cômoda, exibindo a foto de um jovem casal sorridente, no dia do seu casamento. Eu não tinha certeza se aquela era a Sra. Santos quando jovem ou, possivelmente, a filha de quem ela falara. A única outra peça de mobília era uma mesa de cabeceira ao lado da cama.

    Ao atravessar a sala, fui atingida pela lembrança de uma outra tarde, vinte e dois anos atrás. Eu havia chegado da escola e encontrara nosso apartamento vazio. Aquilo era estranho. Minha mãe estava sempre lá quando eu chegava em casa. Andei pelo apartamento, gritando "Mamãe? Você está aqui? Mamãe? Onde você está?.Finalmente, eu a encontrei. Ela estava deitada no chão, escondida atrás da cama. Eu me agachei ao lado dela e estendi minha mão para tocar a sua. Mamãe? O que foi? O que aconteceu?".Seu peito subia e descia, mas ela não se moveu. Naquele momento, eu sabia que a doença da minha mãe era mais do que uma gripe persistente, como fui levada a acreditar. Desde aquele dia, passei a viver com um medo silencioso da tendência que a vida tinha de virar de cabeça para baixo, sem qualquer aviso prévio.

    Seria possível a Sra. Santos estar no chão, atrás da cama? De repente, não havia oxigênio suficiente no quarto. Eu fiquei parada, congelada e sem conseguir respirar. Forcei o ar para dentro dos meus pulmões. Mais uma inspiração, e mais outra. Quando minha visão clareou, eu me obriguei a dar a volta na cama e olhar para o chão. Meus joelhos se dobraram de alívio.

    A Sra. Santos não estava ali.

    E agora?

    De volta ao corredor, bati em uma das portas fechadas.

    — Sra. Santos?

    Estava destrancada. Eu a empurrei, mas ela não se mexeu. Joguei meu peso contra a porta e ela se abriu com um gemido. Pelo cheiro, aquele quarto devia ter ficado fechado durante anos. As paredes eram de um tom pálido de lavanda. Uma camada de poeira cobria o mobiliário branco que exibia um estilo de princesa. A garotinha que usara esse quarto devia tê-lo adorado. Uma cama de solteiro continha vários bichos de pelúcia gastos — um ursinho, um coelho, um gato de um olho só. Era impossível dizer qual tinha sido a estampa da colcha desbotada. Uma coleção de bonecas se localizava em uma prateleira, em vários estados de nudez, encarando-me com os olhos vazios. Cortinas de tecido manchado caíam diante de uma janela com a veneziana completamente fechada. Um rápido olhar me disse que a Sra. Santos não estava nesse quarto. Saí e fechei a porta atrás de mim.

    A outra porta fechada se abriu mais facilmente, com apenas um empurrão.

    — Olá?

    Andei em volta de caixas de papelão, uma máquina de costura Singer, uma cadeira de balanço e uma bicicleta Stingray cor-de-rosa. Toquei as franjas que pendiam da ponta do guidão da bicicleta e passei a mão pelo banco banana. Quando criança, eu sonhava em ter uma bicicleta como essa.

    A Sra. Santos não estava no depósito.

    Na primeira vez que andei pelo corredor, o banheiro escuro parecia estar vazio. Por uma questão de meticulosidade, estendi meu braço para dentro do aposento e acendi a luz. Pulei quando um exaustor barulhento ligou-se acima de mim.

    Tudo bem, Louise. Acalme-se. Respire fundo.

    O banheiro tinha apenastrês metrosquadrados, aproximadamente. Puxei a cortina mofada do chuveiro para o lado. A Sra. Santos não estava no banheiro. Ela não estava em lugar nenhum.

    Capítulo 2

    Cascalhos rangiam sob minhas botas enquanto eu caminhava penosamente através da enxurrada de água. A chuva pingava da aba do meu chapéu e dificultava minha visão.

    A Sra. Fujioka esperava por mim sob o abrigo de sua garagem.

    Ohio gozaimas, Louisa-san.  Ela se curvou em uma ligeira saudação.

    Eu entreguei a ela uma pilha de correspondências.

    — Você tem uma carta do seu irmão hoje.

    Ela sorriu quando viu o envelope do Japão.

    Uma professora aposentada do jardim de infância, a Sra. Fujioka agora traduz livros infantis para o japonês. Ela estava em Hiroshima quando a bomba explodiu e os altos níveis de radiação a deixaram incapacitada de ter filhos. Seu marido acabou deixando-a por uma mulher mais jovem. A Sra. Fujioka nunca se casou novamente.

    — Você conhece a Sra. Santos? — fiz um gesto em direção à casa da Sra. Santos. — Ela mora a algumas casas abaixo daqui.

    A Sra. Fujioka me espreitou através de óculos com grossas lentes redondas, que cobriam quase metade de seu rosto levemente enrugado.

    — Eu sei quem ela é. Não falo muito com ela.

    — Você a viu hoje?

    — Não. Não a vejo desde ontem.

    — Estou um pouco preocupada com ela. Ela sempre me espera ao lado da sua caixa de correio e, hoje, não está lá.

    — Tenho certeza de que ela está bem. Provavelmente está andando por aí.

    — Talvez você pudesse ficar de olho nela. Diga-me se você a vir.

    —  Farei isso —ela se curvou novamente. —Domo arigato.

    Enquanto eu passava, o Sr. Kaminaka mal olhou por cima do tiki que estava esculpindo. Um homem enxuto em seus 60 e poucos anos, ele se sentava em sua garagem dia após dia esculpindo seus tikis. Ele demorava cerca de uma semana para terminar um e, então, imediatamente começava o seguinte. Ouvi dizer que ele os vendia no eBay. O Sr. Kaminaka não tinha a maioria dos dedos da mão direita e seus vizinhos especulavam que ele pudesse ser da Yakuza. Eu pensava que era mais provável que aquilo tivesse algo a ver com a motocicleta que ocupava o resto do espaço da sua garagem. No começo, eu tentava lhe dizer olá. Ele nunca respondia com mais do que um olhar. Depois de algumas tentativas de conversa, desisti. Havia também a Sra. Kaminaka, que trabalhava no turno da noite do Hospital Castle e dormia durante o dia.

    — Bom dia, Louise! A Sra. Shimabukuro chamou do seu abrigo para carros, onde se encontrava sentada em uma cadeira de rodas. Ela tinha recentemente colocado sua segunda prótese de quadril.

    Eu subi pelo acesso de carros.

    — Bom dia, Sra. Shimabukuro. Como está seu neto?

    — Ah, ele está ótimo. Eu fiquei cuidando dele ontem e ele me pediu uma caneta e um papel. Ele escreveu todos os números de um a 200 perfeitamente, em kanji!

    — Estou impressionada. Ele só tem três anos, não é?

    — Isso mesmo. Só três.

    Ela era uma avó orgulhosa e uma das sortudas. Seu filho morava na ilha e ela costumava ver o neto com frequência.

    — Você conhece a Sra. Santos do final da rua?

    Ela fez um aceno com a mão e balançou a cabeça em desaprovação.

    — Aquela lá. Ela está sempre se metendo nos assuntos de todo mundo. Gosta de sair por aí olhando pelas janelas das pessoas.

    — Você tem a visto ultimamente?

    — Talvez alguns dias atrás. Andando com o cachorro dela. Não falei com ela.

    — Estou um pouco preocupada. Ela parece estar desaparecida.

    — Desaparecida?

    —Ela geralmente fica me esperando, mas hoje não está lá. Apenas fique de olho para ver se ela aparece, sim?

    — É claro.

    Coloquei a correspondência nas suas mãos inchadas e curvadas de artrite, depois empurrei a cadeira de rodas por uma pequena rampa e para dentro de sua casa.

    Quando fiz o meu caminho rua abaixo, pequenascrianças gritaram Oi, tia! através de suas portas de tela. Eu amo o fato de que as crianças aqui me chamam de tia. Isso faz com que me sinta como se fosse parte de uma grande família.

    Eu tinha uma carta registrada para a Sra. Kalama. Ela atendeu a porta com uma criança de fraldas e cara suja, de cerca de dois anos, apoiada em seu quadril.

    — Bom dia, Sra. Kalama. Você vai precisar assinar por esta.

    Eu lhe entreguei a carta e uma caneta. Ela deslocou o bebê para o outro quadril e a criança começou a chorar. A Sra. Kalama assinou a parte destacável do envelope. Eu a recortei e lhe devolvi a carta.

    — Você conhece a Sra. Santos, que mora no final da rua?

    Ela olhou na direção para a qual apontei.

    — Ah. Ela.

    — Você a tem visto ultimamente?

    — Ela está sempre andando por aí com aquele cachorro dela, olhando pela janela de todo mundo.

    — Quando foi a última vez que você a viu?

    — Noite passada — sua voz se tornou um pouco mais aguda. — Eu chego em casa do Walmart e lá vem ela até meu carro e começa a fuçar minhas sacolas de compras pra ver o que comprei. Aí eu tenho que andar rápido, levar minhas coisas pra dentro e fechar a cortina.

    — Você costuma ver a Sra. Santos ir a algum lugar de ônibus ou de Handi-Van?[3]

    — Às vezes a Handi-Van vem buscar ela. Ela me diz que tem consultas médicas para o coração dela. Mas eu não vi Handi-Vanhoje não.

    Agradeci à Sra. Kalama e continuei pela rodovia, perguntando a todos que estavam em casa se tinham visto a Sra. Santos. Todos sabiam quem era a Sra. Santos, mas ninguém a conhecia bem. Seus vizinhos pareciam considerá-la um estorvo e a evitavam. Ninguém se lembrava de tê-la visto desde o dia anterior. Ninguém tinha visto uma Handi-Van na sua rua recentemente.

    De volta à agência dos Correios, sentei-me em um banco de madeira entre os armários, tirei minhas botas encharcadas e as minhas meias. Peguei um par de chinelos de borracha do meu armário e empurrei meus pés frios e enrugados para dentro deles.

    Minhas roupas ainda estavam molhadas, mas pelo menos meus pés secariam. Parte do meu treinamento como portadora de correspondências teve como foco observar sinais de que clientes idosos em minha rota poderiam estar com problemas. Se as correspondências começarem a se acumular na caixa de correio de um idoso, devo entrar em contato com o Conselho para Idosos. Cabea esse conselho, então, entrar em contato com as autoridades.

    Mas quanto tempo isso levaria? E se a Sra. Santos precisasse de ajuda naquele momento? Ninguém sentiria falta dela. Ninguém estaria procurando por ela. Eu não suportava a ideia de que ela pudesse estar vagando perdida e desorientada debaixo de chuva. Ou parada ferida em algum lugar, esperando ajuda enquanto sua correspondência se acumulava na caixa de correio. Se fosse para alguém procurá-la, teria que ser eu. E eu não ia esperar que o correio dela se acumulasse. Eu tinha que contatar a polícia — quanto mais cedo melhor.

    A delegacia de Kāne'ohe fica do lado oposto da Kam Highway em relação ao posto dos Correios. Passo dirigindo por lá várias vezes ao dia, mas felizmente nunca precisei entrar. Virei na estrada Waikalua, entrei no pequeno estacionamento e saí do carro. Empurrei a porta de vidro colorido, espiei lá para dentro e entrei.

    Por assistir a programas de crime na televisão, eu sabia que a polícia normalmente não aceita uma denúncia de pessoa desaparecida até que ela esteja ausente há pelo menos quarenta e

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