Ode ao vazio
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Abilio Guerra, Fernando Luiz Lara e Silvana Romano Santos
ODE AO VAZIO
Carlos M. Teixeira
Brasil 02
ORGANIZAÇÃO
Abilio Guerra, Fernando Luiz Lara e Silvana Romano Santos
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Silvana Romano Santos, Fernando Luiz Lara, Abilio Guerra,
Fernanda Critelli e Caio Sens
PROJETO GRÁFICO
Maria Claudia Levy e Ana Luiza David (Goma Oficina)
DIAGRAMAÇÃO
Caio Sens e Fernanda Critelli
DIAGRAMAÇÃO EBOOK
Natalli Tami
apresentação
liquefazendo brasília
o capim
liberdade, ela é o vazio
manifesto palafitas
amnésias topográficas
palafitas
história do corredor
alphaville e ‘alphaville’
avesso exposto
projeto jari
fordlândia
ariaú jungle towers
paisagismo como conflito
apresentação
Escritos entre 1999 e 2015, os textos desse livro foram previamente publicados no Vitruvius, o portal que desde os anos 2000 tem se afirmado como o maior canal de debates sobre arquitetura no Brasil. Essa republicação, no entanto, não é uma simples coletânea, mas sim uma organização material que procura dar sinergia a ensaios que, antes isolados, aqui definem uma narrativa mais coerente e articulada.
O mais contundente deles é Liquefazendo Brasília
, um elogio do cerrado e uma onírica inversão da maneira de enxergarmos uma cidade: Brasília não conquistou o cerrado, o cerrado é que a conquistou (ou ainda há de conquistá-la). Apesar das superquadras do plano piloto implorarem por mais substância arquitetônica, na verdade o que ocorre é que aqui os vazios são muito mais eloquentes que os cheios: é cidade rala perdida num mar de gramíneas, e que agora deve ser reconsiderada pelo potencial desse mato sempre ignorado, porém insidioso e verdadeiro protagonista daquela paisagem.
Esse mesmo mato é deslocado para o contexto das cidades não planejadas em O capim
, um ensaio em tom de falsa enciclopédia que denuncia a falta de áreas verdes e espaços públicos, enaltece lotes vagos e expande o conceito daquilo que pode ser considerado como paisagismo. O capim
é uma negociação com a desordem e o imprevisto e, acima de tudo, uma maneira exaltada de aceitar as imperfeições da cidade.
Liberdade, ela é o vazio
é parte do livro Em obras: história do vazio em Belo Horizonte, de 1999, e endossa uma postura adversativa frente ao planejamento tecnicista. Ode à cidade que é a um só tempo eficiente e ineficiente, completa e incompleta, o texto propõe uma solução radical para os descaminhos do urbanismo moderno. Aqui, os vazios são menos um instrumento operativo e mais um recurso volátil e cambiante que precisamos detectar, e que deve ser "tão estimulante e enigmático quanto um crime perfeito o é para os velhos policiadores da cidade. Em consonância,
Amnésias Topográficas" descreve uma série de ações efêmeras que utilizam esses recursos de Em obras como o norteador de intervenções urbanas.
A ideia de vazio latente também está presente em História do Corredor
, onde esse espaço sempre evitado e que funciona como distribuidor de movimentos é visto como um possibilitador de usos delirantes.
Dando uma guinada para uma crítica factual do aqui e agora, Alphaville e ‘Alphaville’
ataca a segregação social e a fragmentação espacial causadas por condomínios fechados e enclaves urbanos — exemplos dos equívocos do urbanismo laissez-faire do Brasil e demais países onde se percebe a ausência do Estado como regulador da cidade. O mesmo tom soturno aparece em Avesso exposto
, um ensaio fotográfico que mostra como o urbanismo rodoviarista ainda assola as capitais do país.
Os últimos textos voltam a tratar do tema natureza e cidade. Projeto Jari
e Fordlândia
são fábulas sobre os fracassos do capitalismo na Amazônia e denunciam a visão da natureza como recurso infinito. Ambos foram empreitadas catastróficas que se prestam não apenas como anti-modelo de desenvolvimento econômico, mas também como exemplo de resiliência da floresta frente às tentativas de usá-la de maneira predatória.
Essa mesma resiliência é o tema de Paisagismo como conflito
, um manifesto que vê a arquitetura como um agente provocador de um paisagismo conflituoso por excelência e capaz de celebrar a destruição e a reconstrução, nunca a simples conservação
.
Ariaú Jungle Towers
apresenta um exemplo inaudito de arquitetura verde perdido no rio Ariaú, um afluente do rio Negro não muito distante de Manaus. É um hotel cujas surpreendentes torres cilíndricas estão imbuídas de devir, da passagem do tempo e do ciclo edilício construção-uso-destruição, não diferentemente do ciclo orgânico nascimento-trabalho-morte. Pois essas também eram as ambições dos arquitetos do Metabolismo, movimento vanguardista japonês que impressionou o mundo nos anos 1960: os deles eram edifícios vivos, mutantes, adaptáveis, capazes de reagir e provocar mudanças, em processos contínuos de construção e destruição. Eram visionários então unidos sob a copa de um Estado japonês que lhes provia um projeto de sociedade coletiva e que trabalhavam em um contexto político bem diverso