Os sonhos na terapia junguiana de casal
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A autora oferece uma proposta de intervenção prática no trabalho terapêutico com casais, que leva em conta tanto as individualidades quanto a relação que se cria e requer constante atualização. De maneira original e bem estruturada, toma os sonhos como palco de elaboração de conflitos, encontro e desenvolvimento.
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Os sonhos na terapia junguiana de casal - Maria Silvia Costa Pessoa
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSI
[...] ao relatar o sonho na terapia de casal, o sonhador entra em contato com a imagem, ouvindo sua voz. O outro é estimulado a tecer a sua própria imagem a partir da mesma temática, ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Essa vivência traz uma sensação única de aproximação.
Maria Silvia C. Pessoa
Agradecimentos
É imenso o sentimento de gratidão que tenho à vida, por tudo que nela e com ela realizo, inclusive a publicação deste livro. O trabalho com casais é algo fascinante, um mistério, e por isso me sinto-me privilegiada em adentrar no universo da conjugalidade para trabalhar com a força criativa que há no encontro afetivo entre duas pessoas. Prosseguir em nosso processo de individuação pessoal e conjugal é tarefa heroica para aqueles que recebem o chamado. Minha gratidão e admiração aos casais que se dispuseram a participar da pesquisa, que aceitaram o desafio de olhar e cuidar dos seus relacionamentos através das lentes dos sonhos. Aos meus clientes e colegas, pelas trocas valiosas, fontes de inspiração para meu crescimento pessoal e profissional.
Minha eterna gratidão ao Caio, meu grande parceiro: juntos tecemos nossos sonhos, construímos nossa história e estreitamos nossos laços. Aos meus filhos, Talita, Cauê e Gabriella, com os quais compartilho sonhos e realidades. E a Deus, que tem o poder de saber muito mais do que pedimos ou pensamos.
PREFÁCIO
Fiquei muito feliz ao ser convidado a prefaciar o livro de Maria Sílvia Costa Pessoa: Os sonhos na terapia junguiana de casal: um modelo de análise, por várias razões. A primeira surgiu quando fui seu orientador de doutorado e pudemos conviver bastante. A outra é porque, por meio dessa convivência, não apenas nos tornamos amigos, mas o mesmo ocorreu com nossas famílias. Por fim, a terceira razão: trata-se de trabalho criativo e inovador dentro da abordagem junguiana, que cruza a abordagem dos sonhos com uma modalidade de trabalho, a psicoterapia de casal.
A bibliografia referente ao trabalho com sonhos na terapia de casal, sobretudo na área junguiana, é pequena, e Maria Silvia pode ser considerada uma das pioneiras ao elaborar uma reflexão mais profunda sobre as implicações do trabalho com os sonhos nesse contexto.
É também importante ressaltar que Maria Silvia tem grande experiência no trabalho com casais. Sua pesquisa cruza o clínico com o acadêmico, em uma leitura profunda do que ocorre na dinâmica do casal, no trabalho com os sonhos na terapia e em seu manejo.
Mais do que tudo, no entanto, Maria Silvia propõe um método de trabalho com os sonhos na terapia conjugal, trazendo ao analista a oportunidade de operar com as diversas fases do processo, com seus significados e com sua finalidade.
Este é verdadeiro trabalho de artesão sobre as filigranas da análise do casal, mostrando a essência do trabalho junguiano, com base nos pensadores mais fundamentais, a partir de nosso mestre C. G. Jung e também dos autores contemporâneos da Psicologia Analítica.
O percurso do livro, cujo ponto de partida é o doutorado em que trabalhamos, inicia-se com uma revisão da questão dos sonhos na psicoterapia junguiana. Maria Silvia, em seguida, faz uma retrospectiva sobre a dinâmica conjugal e a terapia de casal na visão junguiana, o papel do terapeuta e as fases da terapia. No terceiro capítulo teórico, a autora faz uma revisão da literatura sobre o emprego dos sonhos na terapia de casal.
Já na parte II, Silvia nos mostra o seu bem fundamentado método e dois estudos de caso de terapia de casal em terapia breve, para efeito deste estudo.
A partir do cruzamento das sessões terapêuticas e dos sonhos que vão ocorrendo, a autora nos mostra a função dos sonhos como catalizadora dos conflitos do casal e também como elemento prospectivo de abertura de novos caminhos ao casal, sejam eles no sentido da união ou no da separação.
No último capítulo, Maria Silvia costura, por fim, todos esses dados em uma proposta coerente e criativa de como proceder à análise dos sonhos no contexto da conjugalidade, amarrando de forma muito sensível os dados clínicos vividos e elaborados.
Considero o trabalho de Silvia uma elaboração superior do pensamento junguiano contemporâneo, aliado às raízes da tradição junguiana, e que merece ser divulgado não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Prof. Dr. Durval Luiz de Faria
Professor associado da PUC-SP, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica
Analista membro do Instituto Junguiano de São Paulo, da AJB
Filiado à International Association of Analytical Psychology
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
O Sonho na Psicoterapia Junguiana
1.1 A natureza dos sonhos e sua leitura simbólica
1.2 O Trabalho com os sonhos
1.3 Os diferentes aspectos dos sonhos
1.3.1 Sonhos iniciais na análise
1.3.2 Sonhos antecipatórios
1.3.3 Séries de sonhos
1.3.4 Sonhos recorrentes
1.4 Os sonhos e seus símbolos
1.5 Os sonhos e o campo relacional
1.6 O legado de Jung
CAPÍTULO 2
A dinâmica conjugal e a terapia de casal na visão junguiana
2.1 O arquétipo da união e a construção do relacionamento íntimo amoroso
2.2 A terapia de casal na visão junguiana
2.2.1 O papel do terapeuta
2.2.2 Fases da terapia de casal
2.3 Exposição do Conflito
2.4 Elaboração simbólica do conflito
2.5 A Saída do impasse
CAPÍTULO 3
O sonho e a terapia de casal: uma revisão da literatura
CAPÍTULO 4
O Caminho da Pesquisa
4.1 Participantes
4.2 Procedimento
4.3 O enquadre
CAPÍTULO 5
O TRABALHO COM OS SONHOS DOS CASAIS
5.1 O sonho
5.2 Procedimento de análise dos dados
5.2.1 Fases e Subfases do método: Descrições
5.3 Reflexão
CAPÍTULO 6
Casos Clínicos
6.1 Casal 1: Lana e Joel
6.1.1 Primeiro sonho: atrasada
(Lana)
6.1.1.1 Sonho do casal
6.1.2 Apreciação
6.1.2.1 Reflexão
6.1.2.2 Comentários
6.1.3 Segundo sonho: inadequação
(Lana)
6.1.3.1 Sonho do casal
6.1.3.2 Apreciação
6.1.3.3 Reflexão
6.1.3.4 Comentários
6.1.4 Terceiro sonho: fragilizada
(Joel)
6.1.4.1 Sonho do casal
6.2 Apreciação
6.3 Reflexão
6.4 Comentários
6.5 Quarto sonho sem saída
(Joel)
6.5.1. Apreciação
6.5.2 Reflexão
6.5.3 Comentários
6.5.4 Quinto sonho o sequestro
(Lana)
6.5.4.1 Sonho do casal
6.5.4.2 Apreciação
6.5.4.3 Reflexão
6.5.4.4 Comentários
6.5.5 Sexto sonho: medo
(Joel)
6.5.5.1 Sonho do casal
6.5.5.2 Apreciação
6.5.5.3 Reflexão
6.5.5.4 Comentários
6.5.6 Sétimo sonho: contramão
(Lana)
6.5.6.1 Sonho do casal
6.5.6.2 Apreciação
6.5.6.3 Reflexão
6.5.6.4 Comentários
6.5.7 Oitavo sonho: contundida
(Lana)
6.5.7.1 Sonho do casal
6.5.7.2 Reflexão
6.5.7.3 Comentários
6.5.7.4 Sonho do casal
6.5.7.5 Apreciação
6.5.7.6 Reflexão
6.6 Casal 2: Paulo e Rita
6.6.1 Primeiro sonho: traição
(Rita)
6.6.1.1 Sonho do casal
6.6.1.2 Apreciação
6.6.1.3 Reflexão
6.6.1.4 Comentários
6.6.2 Segundo sonho: o encontro
(Paulo)
6.6.2.1 Sonho do casal
6.6.2.2 Apreciação
6.6.2.3 Reflexão
6.6.2.4 Comentários
6.6.3 Terceiro sonho: o vizinho
(Rita)
6.6.3.1 Sonho do casal
6.6.3.2 Apreciação
6.6.3.3 Reflexão
6.6.3.4 Comentários
6.6.4 Quarto sonho: início
(Paulo)
6.6.4.1 Sonho do casal
6.6.4.2 Apreciação
6.6.4.3 Reflexão
6.6.4.4 Comentários
6.6.5 Quinto sonho: desafio
(Rita)
6.6.5.1 Sonho do casal
6.6.5.2 Apreciação
6.6.5.3 Reflexão
6.6.5.4 Comentários
6.6.6 Sexto sonho: iniciativa
(Paulo)
6.6.6.1 Sonho do casal
6.6.6.2 Apreciação
6.6.6.3 Reflexão
6.6.6.4 Comentários
6.7 Repercussões do método de trabalho com os sonhos
6.7.1 Sonho do casal
6.7.2 Apreciação
6.7.3 Reflexão
CAPÍTULO 7
O MODELO DE ANÁLISE
7.1 O terapeuta e o fenômeno transferencial
7.2 Fases do método
7.2.1 Sonho do casal
7.2.2 Apreciação
7.2.3 Reflexão
Considerações Finais
Referências
INTRODUÇÃO
Por meio das páginas deste livro, convido o leitor a caminhar entre os mistérios dos sonhos e dos relacionamentos afetivos. Proponho, dentro da perspectiva junguiana, um modelo de intervenção que torne o sonho um instrumento facilitador no trabalho com o casal, de modo a favorecer a compreensão da dinâmica conjugal e apontar caminhos para a resolução do conflito presente.
Um ano antes de meu casamento em 1984, tive um sonho que me tem acompanhado desde então:
Eu estava na sala de espera de uma clínica com meu noivo, que era, então, estudante de medicina. Ele iria fazer uma entrevista de estágio com um médico. Ao entrar em sua sala, ele me entrega um cachorro e pede para que eu o segure. Este começa a me morder; mesmo angustiada, eu tento suportar suas mordidas e não largá-lo, pois não quero decepcionar meu noivo.
Esse sonho despertou-me para a complexidade desafiadora do relacionamento conjugal, mostrando-me, ao longo dos anos, a necessidade de correr riscos, decepcionar e ser decepcionada, lidar conscientemente com cada etapa da convivência, prosseguir com o meu próprio processo de individuação e com o amadurecimento da relação. Ele mostra um ego onírico, com medo de sair de uma situação incômoda e confrontar o verdadeiro conflito. O sonho, entre outros aspectos, alerta a pessoa que o sonha sobre a necessidade de deixar uma situação idealizada e construir outra mais real, viva e equilibrada.
Sabemos que a quebra da harmonia em um relacionamento cuja base está nas projeções de certas imagens idealizadas é um sacrifício necessário para o desenvolvimento. Logo, poderíamos imaginar que mensagem o sonho traria para um casal, caso fosse trabalhado em terapia.
Segundo Caillé (1994), o casal pode ser visto como um tecido, com textura de qualidade variável: encolhe, estica, cria problemas e satisfaz os cônjuges em maior ou menor grau. Com existência própria e com a finalidade de alcançar melhor equilíbrio, o relacionamento, muitas vezes, encontra-se em conflito com as necessidades pessoais dos parceiros. Há, neste momento, oportunidade propícia para examinar a relação e realizar alguns reajustes.
Jung (1991a), em seu artigo O casamento como relacionamento psíquico
, discorre sobre o casal como uma unidade, na qual a relação somente pode existir quando existe a diferenciação entre o eu e o outro. No casamento, para ele, as necessidades individuais não podem ser negligenciadas, pois o relacionamento psíquico não surge como fenômeno isolado, mas como resultado da interação eu/outro. Como escreve Von Franz (1997, p. 205): Quanto mais nos tornamos um indivíduo único, mais nos individuamos no sentido junguiano do termo, mais podemos ver o outro como um ser único, sem juízos estereotipados
.
A compreensão de seu próprio mundo interno por parte de cada parceiro o habilita, portanto, a compreender o mundo interno do outro. Desse modo, ambos poderão progredir em direção à capacidade de resolver seus conflitos conjugais de maneira efetiva e sustentável (SIVER, 2006).
Nos conflitos conjugais, estão presentes elementos inconscientes de cada indivíduo, que são projetados no outro. Esses conteúdos mobilizam uma força psíquica e, quando não conscientizados, podem criar um campo conjugal caótico em que os parceiros tendem a atuar defensivamente, impedindo os símbolos de serem discriminados e integrados (YOUNG-EISENDRATH, 1995; BENEDITO, 1996; VITALE, 2004).
O casal, formado a partir do encontro de dois parceiros que intencionam viver uma existência rica e significativa, é confrontado por duas forças paradoxais: a individualidade e a conjugalidade, surgindo dessa tensão um terceiro elemento – o nós
–, que precisa ser construído e cuidado. Cabe ao casal criar seu modelo único de ser, com espaço de crescimento dinâmico e flexível para cada um dos parceiros.
Os modelos de funcionamento das famílias, dos casais, do indivíduo têm passado por profundas transformações nesses últimos tempos. Surge, então, um desafio para o terapeuta de casal: acessar recursos terapêuticos eficazes para a realização de um trabalho profundo, que se estabeleça com base na diversidade.
A inserção de técnicas de intervenções terapêuticas na terapia de casal, assim, é uma necessidade quando se busca ajudar os parceiros a identificar, vivenciar e integrar os complexos inconscientes da dinâmica conjugal e assisti-los em suas dificuldades de comunicação e de tratamento dos conflitos.
Os sonhos – como fenômeno revelador e porta-voz do inconsciente – podem ser um instrumento facilitador nessa modalidade terapêutica. Por isso, propomos inseri-los no trabalho com casais, de modo a ajudá-los a lidar com os conflitos que surgem em cada etapa do casamento e, dessa forma, prosseguir no caminho da individuação.
Jung ressaltou a importância dos sonhos, considerando-os fundamentais no processo terapêutico. Para ele, ainda que os sonhos estejam sempre a serviço do equilíbrio psíquico, a compreensão de suas mensagens apenas é possível por meio de trabalho consciente do conteúdo onírico. Quando não analisado, o sonho pode trazer mensagem fraca e transitória, sendo necessário que ela se repita diversas vezes até chegar à consciência. Ao longo de sua vida, Jung aprimorou sua teoria sobre os sonhos por meio do trabalho exaustivo de sonhos próprios e de sonhos colhidos junto aos seus analisandos (MATTON, 2013).
Como fenômeno natural e espontâneo da psique, os sonhos expressam o estado do inconsciente, sob a forma que a psique se apresenta naquele determinado momento. Eles contêm algo essencialmente desconhecido, que emerge de forma espontânea e criativa na consciência, buscando expressão e integração. Quando interpretamos um sonho, descobrimos, assim, os conteúdos inconscientes e ampliamos a nossa consciência, tornando-a mais ativa e participativa em relação aos nossos posicionamentos perante as questões da vida (DURVAL; FREITAS; GALLBACH, 2014).
Quando se foca no trabalho com os sonhos numa perspectiva relacional, poucas referências clínicas e empíricas são encontradas na literatura, pois a maioria dos estudos visa o trabalho intrapsíquico com os sonhos. Na literatura analítica, podemos citar o trabalho de Renée Nell (2005), psicóloga e terapeuta junguiana, que discorre sobre sua experiência no trabalho com os sonhos em atendimentos de casais. A autora enfatiza a importância de um trabalho profundo com os casais, que considere tanto o inconsciente pessoal como o inconsciente coletivo dos parceiros. Os sonhos criam pontes entre o mundo consciente e o mundo inconsciente, elucidam espontaneamente a questão central do relacionamento do casal e mostram o que é necessário para alcançar o equilíbrio.
A autora, ademais, descreve quatro razões para inserir os sonhos na terapia de casal. São elas:
• sonhos mostram as conexões entre o comportamento observado e a dinâmica inconsciente;
• sonhos lançam luz sobre os conflitos que causam tensão e projeção;
• sonhos confrontam cada parceiro com suas próprias características e com as raízes profundas de seus problemas, inclusive as dificuldades sexuais; e
• sonhos permitem insights na situação transferencial que facilitam as discussões sobre o relacionamento conjugal.
O estudo de Hill e Kolchakian (2002), baseado na abordagem cognitiva-experimental, mostra que a tarefa de compartilhar os sonhos de um dos parceiros na sessão pode ajudar a modificar posturas defensivas, que poderiam, ao longo do tempo, tornar a convivência entre os cônjuges insustentável. Segundo os pesquisadores, este recurso terapêutico fortalece o vínculo do casal, aumenta a capacidade de empatia na relação, favorece a intimidade psíquica e ajuda o casal a construir novos significados, que contribuem para a qualidade do vínculo conjugal.
As pesquisas de Hill e Kolchakian (2002) e o trabalho de Nell (2005) sugerem que sonhos trabalhados em um contexto terapêutico podem ajudar os casais a se aproximar entre si e a alcançar um nível mais profundo de compreensão mútua.
Outros trabalhos destacam que o sonho, como um fenômeno simbólico, pode ser considerado uma manifestação do sistema conjugal, capaz de auxiliar diagnóstico e prognóstico e, quando compartilhado no setting da terapia de casal, de propiciar um importante momento em que padrões inconscientes de comunicação são manifestados e podem ser elaborados (PERMULTTER; BABINEAU, 1983; BENEDITO, 2006).
O trabalho clínico com os sonhos, em diferentes abordagens teóricas, foi tema de estudo de Schredl et al. (2000). Os resultados mostram que os profissionais reconhecem o valor terapêutico dos sonhos, embora trabalhem apenas ocasionalmente com eles. Apontam, ainda, a existência de uma correlação entre a frequência com que o analista trabalha seus próprios sonhos e a frequência do trabalho com sonhos na prática terapêutica do profissional.
Podemos levantar alguns pontos para explicar o uso ocasional e informal do sonho como instrumento terapêutico. Além da escassez de trabalhos publicados sob o prisma da abordagem junguiana, com enfoque na dimensão interpessoal e, mais especificamente, na terapia de casal, a maioria dos trabalhos existentes apenas traz relatos de casos. Poucos estudos apontam para um modelo sistemático de trabalho com os sonhos.
Outro fator, também digno de nota, refere-se às formações teórica e prática dos profissionais no tocante ao trabalho com sonhos, geralmente realizada de modo informal, por meio de leituras e seminários. Em consequência, muitos psicoterapeutas não se sentem suficientemente seguros para explorar esse recurso tão rico e tão acessível.
Este livro busca, diante dessas considerações, contribuir para o preenchimento da lacuna existente na literatura, sobretudo na psicologia analítica e no trabalho com casais. Assim, as páginas que se seguem apresentam uma proposta de modelo de intervenção terapêutica, que busca instrumentalizar e incentivar os profissionais da área clínica a desenvolver junto aos seus clientes um trabalho reflexivo e criativo com sonhos.
No primeiro capítulo, o sonho é abordado conforme as ideias de Carl Gustav Jung e de seus seguidores. A contribuição para o desenvolvimento de novas propostas e descobertas sobre esse fenômeno psíquico é o ponto central do capítulo.
O segundo capítulo versa sobre a dinâmica conjugal e a terapia de casal na abordagem junguiana. Apresenta os conceitos básicos relacionados à dinâmica conjugal, assim como os aspectos do processo terapêutico do casal.
O terceiro capítulo traz uma revisão da literatura, apresentando ao leitor produções científicas de diferentes abordagens, sobre os sonhos na terapia de casal. Intenta-se informar o leitor a respeito dos aspectos pesquisados e, ao mesmo, estimulá-lo a refletir sobre futuras pesquisas.
Os capítulos quatro e cinco apresentam os passos para a realização da pesquisa que deu origem ao livro. Algumas adaptações foram feitas para tornar a leitura mais leve e acessível, menos carregada das pontualidades científicas.
O sexto capítulo descreve o trabalho com os casais, seus sonhos e a aplicação do modelo proposto de análise. Traz ainda as repercussões do método de trabalho com os sonhos na dinâmica conjugal.
O sétimo capítulo propõe-se a delinear o modelo de análise dos sonhos na terapia de casal, descrevendo seus passos e os procedimentos referentes a cada um deles. Traz também os objetivos de cada fase e subfase, o procedimento e as atitudes terapêuticas necessárias em cada etapa do método.
As considerações finais discorrem sobre as contribuições da pesquisa para o campo da psicologia junguiana, para o trabalho terapêutico com os sonhos e para os atendimentos de casais.
Por fim, diante da abrangência do tema estudado e das limitações da pesquisa, este trabalho pode ser considerado um passo. Resta esperar que a temática prossiga sendo pesquisada e que, em cada vez mais settings terapêuticos, o trabalho sério com os conteúdos oníricos possa pavimentar o caminho de casais em direção à individuação.
A você leitor, uma boa leitura.
CAPÍTULO 1
O Sonho na Psicoterapia Junguiana
O sonho é uma tentativa de nos fazer assimilar coisas ainda não digeridas. É uma tentativa de cura.
(JUNG, 1991c, §. 52)
Com o surgimento da Psicologia como disciplina acadêmica voltada aos estudos da psique humana, no século XIX,os sonhos também passaram a ser reconhecidos como fenômenos psíquicos com funções e significado. Durante o século XX e até nossos dias, as investigações sobre o uso terapêutico dos sonhos se expandiram, de modo que temos à disposição uma variedade de métodos e técnicas no trabalho com eles.
Do ponto de vista histórico, as descobertas de Freud e Jung foram valiosas, pois permitiram aos psicólogos e demais estudiosos investigar os fatos conscientes, a partir dos aspectos psíquicos inconscientes (JUNG, 1977).
Neste capítulo, discutiremos o sonho na prática clínica a partir das ideias de Carl Gustav Jung e de outros teóricos da psicologia junguiana.
A teoria proposta por Jung tem sido estudada, criticada e ampliada no decorrer do tempo. Suas descobertas, assim como os conceitos por ele desenvolvidos, continuam vivos e férteis (BULKELEY, 1997). Eles são continuamente atualizados por meio de pesquisas empíricas, de estudos teóricos e da prática clínica. Como salienta Samuels (2008), a abordagem junguiana persiste como referência para os estudos interdisciplinares, além de promotora de espaço para debates socioculturais.
Uma de suas maiores contribuições à teoria e à prática da psicologia contemporânea foi sua visão sobre o papel dos sonhos na psique e no processo de individuação do ser humano. Entender o