Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Corpo e(m) Discurso: Ressignificando a Transexualidade
Corpo e(m) Discurso: Ressignificando a Transexualidade
Corpo e(m) Discurso: Ressignificando a Transexualidade
Ebook206 pages3 hours

Corpo e(m) Discurso: Ressignificando a Transexualidade

Rating: 0 out of 5 stars

()

Read preview

About this ebook

Corpo e(m) discurso: ressignificando a transexualidade é um convite ao leitor para pensar sobre a constituição do discurso de sujeitos transexuais na contemporaneidade. Acessando o discurso desses sujeitos em entrevistas coletadas entre os anos de 2011 e 2014, naquilo que denomina cena discursiva, a autora reflete sobre como a língua e a ideologia são espaços significantes para se pensar sobre o assujeitamento, mas também o estabelecimento de um lugar para o sujeito na sociedade. Percorrendo um caminho de resistência, a autora chama a atenção para o percurso discursivo que se faz: parte do olhar outro, do discurso sobre o sujeito, e chega até o corpo que se constrói por meio do e no discurso. É a partir do olhar para o corpo, para as cicatrizes no corpo e transformações desses sujeitos, que o leitor começa a percorrer as sinuosas tramas das palavras dos sujeitos transexuais, que tentam legitimar seus corpos, fazendo com que tenham sentido em meio à profusão de discursos que tentam determiná-los, designá-los. É por meio da reflexão sobre uma perspectiva discursiva de língua, também sinuosa, que falha à perspectiva tradicional, que a autora conduz a obra, pensando sobre os processos discursivos que estão implicados nessa forma de subjetivação. Dessa forma, o leitor é convocado a pensar como o discurso dos sujeitos está tramado a outros discursos que falam sobre ele, mas também é alertado: esse corpo resiste e se legitima, marcando-se por intermédio de novos sentidos.
LanguagePortuguês
Release dateMay 3, 2018
ISBN9788547315399
Corpo e(m) Discurso: Ressignificando a Transexualidade

Related to Corpo e(m) Discurso

Related ebooks

Related articles

Reviews for Corpo e(m) Discurso

Rating: 0 out of 5 stars
0 ratings

0 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Corpo e(m) Discurso - Mônica Ferreira Cassana

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:DIVERSIDADE DE GÊNERO, SEXUAL, ÉTNICO-RACIAL E INCLUSÃO SOCIAL

    Este livro é dedicado àqueles leitores que, como eu,

    permitem-se intrigar com as sinuosas tramas da linguagem.

    AGRADECIMENTOS

    Há muitos caminhos a serem percorridos no trabalho da escrita. E a busca por esse caminho não precisa ser solitária. Por isso, deixo registrados meus agradecimentos especiais àqueles que me ajudaram a sustentar este exercício de escrever.

    Agradeço, sobretudo, o apoio e a escuta do Eduardo, meu marido, que, com seu companheirismo, esteve presente e me amparou nas tarefas mais simples e mais árduas. De sua forma amorosa, também me ajudou a traçar essas linhas.

    Agradeço, também, aos meus familiares: meus pais, Antônia e Osmar, e minha irmã, Francine, que fizeram parte de um momento tão importante, ainda que a distância nos mantivesse separados. Mesmo assim, souberam compreender minhas faltas e os meus silêncios. As linhas que seguem são o resultado da dedicação, ensinada por vocês, por meio do exemplo e do afeto.

    A essas pessoas, todo o meu amor e o meu mais sincero agradecimento.

    APRESENTAÇÃO

    Michel Pêcheux ensina que é preciso ousar se rebelar. Além disso, o autor também alerta: É preciso ousar pensar por si mesmo. Na teoria desse autor – fortemente marcada pela relação de sujeito, ideologia e língua – encontro as pistas que me ajudaram a delinear esta obra e, nessa perspectiva, convido o leitor a percorrer este traçado de forma pouco convencional.

    O discurso é, muitas vezes, associado à palavra em curso, em movimento. Uma língua em movimento é, por assim dizer, a língua viva, que significa diferentemente, de acordo com as condições em que é produzida. Ao se movimentar, palavras significam em relação às outras, formando, assim, uma trama de sentidos. É a partir dessa perspectiva que esta obra apresenta pressupostos teóricos e metodológicos entrelaçados, expondo análises desses discursos ao leitor. Como uma rede, ponto a ponto, será construída a reflexão que passa por olhar o corpo e vê-lo em sua forma mais significativa, com suas ressonâncias e resistências.

    O objetivo central desta obra é efetuar um gesto de interpretação sobre a transexualidade e os discursos que circulam em torno e a partir dessa condição. Aliançada às bases da Análise de Discurso, disciplina que se articula com o materialismo histórico e a psicanálise, ouso encontrar um lugar teórico para falar sobre o corpo e a transexualidade, condição silenciada socialmente e ainda pouco debatida no âmbito dos estudos discursivos.

    Nessa trama significante, o leitor é conduzido a ler esta obra não em uma ordem exata, mas na ordem em que os sentidos vão aparecendo àqueles que se propõem a realizar esse gesto de leitura. O leitor vai, assim, percorrendo o caminho da escrita e é chamado a compreender e questionar as reflexões aqui propostas.

    A autora

    PREFÁCIO

    Dizer-se pela voz do outro, pela língua que escapa

    Quando o sujeito transexual se apresenta em entrevistas realizadas no âmbito televisivo, é interpelado a dizer de si: verbalizar quem é, o que é, de que forma se situa em categorias previamente pré-definidas em outros lugares, como lida consigo mesmo numa sociedade baseada na norma, na padronização e, consequentemente, na exclusão. A investigação de Mônica Ferreira Cassana não se detém no discurso gravado em cena num palco midiático; vai além, vai ao avesso, percorre como que bastidores dos discursos.

    A partir de uma articulação teórica segura, com a leitura de trechos recortados de entrevistas televisivas e, sobretudo, diante das análises brilhantemente realizadas pela autora, é que vamos percorrendo esses bastidores. E assim vamos descobrindo sinalizações de como se constitui o discurso (do e sobre o) transexual. Que discursos apresentam-se para definir o corpo e o sujeito. E como funcionam os litígios sociais, discursivos, semânticos, a respeito da transexualidade.

    Para o indivíduo interpelado em sujeito de seu discurso pela ideologia, lugares, posições e modos de ser estão previamente determinados. Há um pré-ordenamento corporal definido historicamente. E diante do corpo que não se encaixa nesse ordenamento prévio, o impossível provoca: é preciso definir, nomear, codificar. Porém, no (des)dizer, a língua escapa.

    Em Corpo e(m) discurso: ressignificando a transexualidade, a autora percorre o discurso do transexual, mostrando que esse discurso é atravessado por discursos sobre a transexualidade e o transexual, ou seja, por discursos já-lá: é o discurso médico-científico, que aborda o corpo/sujeito no âmbito das doenças e dos transtornos; é o discurso jurídico, que aborda o sujeito/corpo por categorias, legislação e decisões judiciais. Esses são os discursos que dão sustentação ao discurso transexual. E, principalmente, são discursos que atravessam uma Formação Discursiva de Ordem do Corpo, em que o corpo e o sujeito transexual são significados.

    Em recortes de entrevistas concedidas a jornalistas, a autora analisa a cena discursiva, seus elementos e suas determinações externas. Observa como o discurso jornalístico conclama o sujeito entrevistado, de forma tanto espetacular quanto pedagógica, a explicar-se para si e para o espectador. Na entrevista, sob a forma do espelhamento e, principalmente, da transferência discursiva (que a autora investiga partindo perspectiva psicanalítica e chegando à perspectiva discursiva pecheutiana), sentidos se deslocam num discurso contraditório de um sujeito dividido – um sujeito em trânsito entre o que era, o que foi, o que é e o que será.

    O impossível do corpo é, então, recortado pelo jogo de interlocução entre entrevistador e entrevistado, para que algo desse impossível seja possível de ser dito, explicado, significado, compreendido. E é dito na forma de corpo errado, corpo não adequado; é dito no deslizamento, seja pela metáfora (do sapato invertido), seja pela metonímia (do detalhe), seja pela ambivalência metáfora/metonímia (do negocinho), seja pelo lapso (da re(de)signação).

    O corpo que falta é dito por uma língua que não abarca, que falha. A língua, em sua ambivalência, é a materialidade do discurso transexual, ensina-nos a autora.

    Solange Mittmann

    Professora no curso de pós-graduação em Letras

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    LISTA DE SIGLAS

    SUMÁRIO

    PRIMEIRAS PALAVRAS

    capítulo 1

    OLHAR O CORPO

    1.1 A (des)ordem do corpo 

    1.2 O corpo errado 

    1.3 Saberes sobre o corpo: memória e psicanálise 

    capítulo 2

    FALAR SOBRE O CORPO

    2.1 Corpo e comunicação 

    2.2 Corpo e transferência 

    2.3 Corpo e(m) discurso 

    capítulo 3

    RESISTIR O CORPO

    3.1 Corpos em metonímia

    3.2 Discursos em metáfora

    3.3 O corpo (im)possível

    PALAVRAS FINAIS

    REFERÊNCIAS

    PRIMEIRAS PALAVRAS

    La Iglesia dice: El cuerpo es una culpa.

    La ciencia dice: El cuerpo es una máquina.

    La publicidad dice: El cuerpo es un negocio.

    El cuerpo dice: Yo soy uma fiesta.

    Considerando a trajetória de construção desta obra, optei por apresentar uma reflexão inicial apontando o gesto de interpretação sobre o discurso dos sujeitos transexuais, trabalhando no (im)possível encontro entre discurso e corpo, que propõe a Análise de Discurso, fundamentada por Michel Pêcheux. Tentarei demonstrar como, neste livro, as partes do texto constroem sua estrutura, necessitando da compreensão de cada parte para a reflexão sobre o todo. Assim, proponho que, ao longo destas linhas, o olhar sobre o corpo deixe de lado suas partes e passe a deslizar pela totalidade que o constitui.

    O texto que descerra esta obra é um pequeno poema de Eduardo Galeano chamado Ventana sobre el cuerpo. Em seu livro Las palabras andantes¹, Galeano, escritor comprometido com as transformações de nosso tempo, brinda o leitor com esse questionamento sobre como o corpo é visto historicamente. A partir de suas palavras, percebo o quanto as nossas palavras são mesmo andantes ou o quanto nosso olhar sobre o corpo é determinado ideologicamente, e, portanto, também se desloca em sua significação.

    Há, portanto, muitos saberes que determinam o corpo, de acordo com cada formação discursiva em que ele é significado. Todas essas designações sobre um mesmo objeto do olhar me lançam a diferentes significações e me levam a pensar sobre os (des)encontros que há quando se fala no discurso (do) transexual, esse sujeito em trânsito entre o corpo e outro, que tem sua identidade marcada pelo desejo de ser e a falta.

    Assim, para falar no discurso transexual, é preciso trabalhar na tensão entre corpo e língua, pensando na estrutura que liga esses dois elementos: a estrutura do corpo, a estrutura da língua e as determinações que estabelecem as fronteiras entre os corpos que devem ser significados e os nomes que podem ser ditos.

    Por isso, este livro se orienta por meio do olhar para o corpo: o olhar do outro, que enxerga, mas não vê o sujeito transexual, e o olhar do Outro², atravessado ideológica e historicamente pela palavra, que designa o vazio do sujeito.

    Assim, convido o leitor a percorrer esse discurso. Como e para quem as palavras do discurso transexual significam? De que forma o corpo desses sujeitos é significado? O que significam os nomes que são dados ao campo semântico da transexualidade: o transtorno, a disforia, o nome social, a redesignação? O que essas palavras importam e quais sentidos elas suportam ao referir-se a corpos que sofrem a angústia do chamado erro do corpo?

    É preciso situar o leitor a partir de questões que me levam a pensar na urgência de pensar esses discursos: o Brasil é o país que mais mata sujeitos transexuais. De acordo com a Organização Internacional Transrespect, entre 2008 e junho de 2016, 868 pessoas trans foram assassinadas³ no país. Esse número é absolutamente maior do que em qualquer outro país do mundo. Os dados revelam que os sujeitos transexuais estão situados à margem nessa sociedade. Discursivamente, entendo que, nessa formação social, os espaços destinados a esses sujeitos estão apagados, silenciados, sendo revelados apenas em lugares muito específicos. Esse apagamento – de ordem ideológica – revela a interpelação por meio de discursos vários, que formam o discurso sobre os transexuais. Tais discursos atravessam e sustentam o discurso dos próprios sujeitos.

    Por meio da articulação entre língua e corpo, tento entender como esse discurso começa a se movimentar, indiciando que pode haver um lugar para o corpo do transexual nessa formação social – ainda que esse lugar seja da ordem do impossível. Nas análises, deparei-me com o real do corpo: um corpo falho, que denuncia, a partir das suas cicatrizes, uma história que não cessa e uma memória que sempre retorna através da língua, que situa o sujeito nesse lugar permanente de transitoriedade, de transexualidade.

    O corpo do sujeito transexual é permeado de apagamentos e evidências. Assim, apagam-se as cicatrizes que denunciam um rosto que já foi coberto pela barba, um peito que já sustentou seios. Apagam-se ou evidenciam-se pelos, seios, órgãos genitais; formam-se novos processos de subjetivação a partir de corpos que não encontram um lugar para si dentro das perspectivas binaristas.

    Assim como os corpos, também a língua possui sua estrutura: através das inúmeras palavras que compõem esse (novo?) sítio de significância da transexualidade, procuro entender a urgência em formular palavras (novas) para sentidos (des)conhecidos. Será preciso nomear o sujeito transexual e o seu modo de subjetivação? Seria uma patologia? Um transtorno?

    Na perspectiva do discurso médico-científico, isto é, a partir de um saber que pretende procurar a patologia inscrita no corpo para, então, curá-lo, deparo-me com uma noção de corpo desorganizado, cujos pedaços não encaixam: como pode um rosto delicado apresentar uma barba? Como pode um corpo forte mostrar seios? Parece que não há uma simetria entre os corpos transexuais. E há um discurso que pretende interpretar esses elementos, estabelecendo, a partir da estrutura da língua, nomes que também parecem ter sido construídos de palavras outras,

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1