União europeia: resiliência e inovação política no mundo contemporâneo
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União europeia - Ana Paula Tostes
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
Para Tomás, meu filho,
espera e presente que substituiu em mim o sentido da limitação pela certeza do que a vida pode ser e será.
AGRADECIMENTOS
Acredito que os agradecimentos a serem feitos ao término de um trabalho intelectual deveriam ser sempre a todos à nossa volta: familiares, amigos, colegas da academia e alunos. Isso porque a tendência em exercer certa antropofagia é irresistível. Além do trabalho de pesquisa e estudo, tudo contou ao meu redor: os cursos que preparei, as aulas que ministrei, a interação que tive com meus queridos alunos, as conversas e conferências das quais participei. Nada nos escapa à reflexão ou troca de impressões quando estamos em estado de atenção e alerta para produzir e buscar alguma inspiração que ajude no retorno à reclusa tarefa da escrita. Esta que acontece ao fim e ao cabo na alegria da vida privada, sempre tão cheia de coisas. Agradeço especialmente à minha família, minha estrutura, pelo silêncio e pelo barulho que me acompanham na trilha que se faz fazendo: meus amores Carlos, Theo e Tomás.
PREFÁCIO
O processo de unificação europeia, 70 anos após os Tratados de Roma, é desafiado pela crise mais profunda em sua história: é ao mesmo tempo uma crise econômica e social, uma crise de migração e de refugiados, em meio a um confronto difícil com uma instabilidade de suas fronteiras externas, além da onda de ataques terroristas islâmicos. O conceito de Tostes de uma Europa resiliente
desenvolvido neste livro é uma hipótese madura e equilibrada de pesquisa para além de avaliações superficiais capazes de lidar com um período difícil em que ambas as tendências se enfrentam. Estão presentes neste livro tanto o sentido de uma maior integração regional (como a governação econômica e política dos refugiados) como a tendência oposta na direção da desintegração (em que o Brexit é um símbolo).
Em segundo lugar, essa dialética extremamente relevante entre inquilinos de mais Europa e nostálgicos de uma renacionalização impossível acontece dentro de um sistema institucional sofisticado, um conjunto de regimes intergovernamentais e instituições supranacionais que o livro bem introduz, também, a iniciantes e interessados.
É com um grande prazer que destaco a forma original e inovadora com que este novo livro de minha amiga, professora Ana Paula Tostes, contribui para a literatura internacional em estudos da UE.
Mario Telò
Presidente emérito do Institut d’Etudes Européennes, Université Libre de Bruxelles, J. Monnet Chair
Professor de Instituições da UE e Relações Internacionais na Université Libre de Bruxelles (ULB), Bélgica, e na Libera Università Internazionale degli Studi Sociali Guido Carli
(LUISS), em Roma, Itália
Membro da Royal Academy of Sciences Brussels
APRESENTAÇÃO
A constituição do homem é obra da natureza; a do Estado é obra da arte.
(Rousseau, Contrato Social, Livro III, capítulo XI)
A União Europeia é a integração regional mais avançada e bem-sucedida da história. Constituiu um mercado único altamente complexo e regulamentado, abrangendo uma população maior que a dos Estados Unidos, mesmo sem o Reino Unido. A cidadania única atribui os direitos necessários ao efetivo usufruto das quatro liberdades prometidas em um mercado único: liberdade de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Além disso, os quase 70 anos de integração foram possíveis graças à harmonização legislativa e cooperação entre mercados, governos e partidos políticos. Para resumirmos, a União foi fruto do mais duradouro e mais alto grau de cooperação entre potências que já se viu nas relações internacionais. Naturalmente, alguns Estados sempre foram mais pró Europa, como a Alemanha após a guerra. Outros nunca perderam seu ceticismo, como foi o caso do sempre desconfiado e pouco engajado Reino Unido. Se o projeto da União Europeia está em risco, não temos certeza, mas, conhecendo sua história e suas instituições, podemos ter uma clara dimensão de sua capacidade de resiliência e inovação.
Em uma paisagem de novidades e crises, a União pode perder espaço como a maior potência econômica do mundo, conforme mostraram alguns indicadores. Pode, ainda, diminuir mais o seu tamanho ou simplesmente parar de crescer. O melhor e mais oportuno exemplo de resiliência do projeto europeu é o exato momento da entrada do Reino Unido, que agora o deixa. O Reino Unido, que trouxe consigo tantas exigências e exceções, mudou o rumo inicialmente intencionado em tornar a União homogênea, sem diferentes níveis de compromisso e sem um menu a la carte. A saída do Reino Unido pode, por um lado, ensinar à União que as exceções concedidas ao longo do tempo não tiveram a capacidade de mudar o humor e a orientação de um país que sempre se posicionou em função de suas excepcionalidades e que esperou ser um membro especial e diferente até tornar-se indiferente. Certamente, novas reformas são necessárias de tempos em tempos, mas ajustes necessários parecerem direcionar a Europa para alguns de seus fundamentos. Ou seja, já podemos ver uma Europa menos ambiciosa economicamente e mais voltada para a estabilização e para a perseguição da paz.
Mas o que é a União Europeia? O que foi por meio século e o que virá a ser diante de seus novos dilemas e necessidade de reformas? Será que a perda de potencial econômico, com a saída do Reino Unido, não poderia devolver ao projeto europeu uma ambição menos liberal, menos competitiva e mais voltada para seu interior, para sua própria visão da política e da economia, em que o Estado exerce um papel social mais importante do que intenciona uma inserção internacional em um sistema capitalista? Como redimensionar o projeto de integração pacífica sem exército próprio diante da chegada do terrorismo na região? Há muito mais a pesquisar e refletir sobre a União Europeia atualmente do que quando tudo parecia estar em ordem. A boa compreensão de seus problemas exige o aprofundamento de conhecimento sobre seus sucessos e sobre sua dimensão institucional e jurídica. O fato é que a estrutura jurídica e a rede institucional que sustentam a União de Estados revolucionou os sistemas políticos europeus, e essas não parece estar sob ameaça. Ao contrário, as vias institucionais e diplomáticas da União parecem ser o melhor instrumento para enfrentar as crises atuais. Caso já não houvesse o nível de aprofundamento de cooperação policial e judicial, bem como de cooperação econômica e política, o continente de países pequenos precisaria, ainda, construir tais vias para enfrentar os atuais problemas que são de natureza regional e não nacional.
Enquanto a economia europeia mostrava-se estável e mais competitiva internacionalmente, as críticas que recebia a União eram restritas e voltadas a aspectos identitários e de defesa da soberania nacional. Ou seja, dentre partidos mais extremistas, os partidos de extrema esquerda não alcançavam suporte eleitoral expressivo, mas apenas partidos de extrema direita. Desde a década de 1980, embora de forma pouco alarmante, partidos de extrema direita na Europa tiveram um aumento em seu número de simpatizantes. Nas décadas de 1980 e 1990, a extrema direita, menos ecoante do que hoje, procurava criticar a imigração interna na Europa e associar prejuízos econômicos ou desemprego à livre circulação de pessoas. Apelavam, já, para discursos que combinavam aspectos de identidade e nacionalismo com aspectos econômicos e sociais.
Quando a crise financeira global, que se originou nos Estados Unidos em 2008 e causou efeitos devastadores sobre economias estáveis ao redor do mundo, chegou à Europa, muito começou a mudar. Inseguranças e assimetrias foram reveladas no continente integrado, fragilizando-se, com isso, o status quo do equilíbrio político e ideológico que garantira a consolidação da União. Os extremos fortaleceram-se diante da insegurança e da insatisfação econômica; logo se misturaram a críticas aos governos locais, à perda de confiança na política tradicional e a protestos diante da resposta europeia de austeridade no momento da crise econômica. Grupos de extrema esquerda, tímidos durante toda a história de uma integração bem-sucedida, também se fortaleceram, assim como os populismos de extrema direita espalharam-se mesmo em países que não alcançavam anteriormente. A extrema direita, que parecia um fenômeno localizado em alguns países e chegava a ser inexpressiva em outros, passou a navegar em águas favoráveis ao discurso eurocético. Não nos esqueçamos de que a extrema direita havia sido até então a única voz dissonante da integração, mas só o mau tempo favoreceu sua velocidade e crescimento mais acelerado a partir de 2008.
No contexto da crise econômica, os Estados membros também revelaram recíprocas intolerâncias e incompreensão sobre o grau e as consequências de suas responsabilidades nacionais em meio aos compromissos regionais assumidos. Por algum tempo, entrou em cena um novo personagem, a Troika, como ficou conhecido o tripé institucional composto pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional no período em que ganharam visibilidade pela responsabilidade sobre as negociações e medidas econômicas nos casos mais graves de crise desde 2009. Nesse contexto, o Banco Central Europeu revelou os riscos da hibridez do sistema político da União, que mantém competências supranacionais, mas que também se caracteriza por um alto grau de intergovernamentalismo, do que se pressupõe cooperação e compromissos críveis de responsabilidade fiscal e financeira.
Junto com a crise migratória, antes ainda de terem sido encontradas todas as soluções para a crise econômica e da chegada do terrorismo no continente, vimos tudo se misturar ao solo fértil de uma intolerância de diversas naturezas. Passos de formiga para o Brexit e para a emergência de uma clara cisão entre Leste e Oeste dentro da União.
Nesse livro procuraremos compreender a dinâmica política e social da União Europeia. Para isso, é indispensável nos debruçarmos sobre o funcionamento da União a partir de suas inovações institucionais. Essa tarefa se faz, muitas vezes, com a compreensão dos momentos de crise e eventuais reformas realizadas após situações de descompasso entre o projeto e a realidade. Vimos, até o momento, sem garantias de continuidade, que crises passadas foram capazes de fortalecer a União e demonstrar sua capacidade de resiliência em função de seu complexo institucional inovador e sem comparação com as instituições políticas nacionais. No momento da coordenação dos conflitos, fica clara e notória a baixa compreensão sobre o modelo que converge centralização e descentralização, supranacionalismo e intergovernamentalismo, integração econômica e política, mas não se enquadra em um federalismo. Isso foi verdade no passado, como ocorreu, por exemplo, com a rejeição do Tratado Constitucional, mas, principalmente, acreditamos que é verdade ainda no atual momento.
Vimos o modelo da União Europeia receber críticas por sua centralização ao mesmo tempo em que recebia críticas pela falta de instrumentos necessários para conduzir com celeridade e eficiência tarefas de responsabilidade soberana dos Estados membros, como impor disciplina fiscal e tributária. Essa contradição, encontrada na literatura e em pesquisas de percepção, foi a grande motivação para escrever este livro.
O mundo parou para assistir os capítulos do impasse entre a União e a Grécia, especialmente em 2015. Esse episódio revelou muito sobre a contradição que inspira a reflexão sobre a União Europeia aqui conduzida. O grau de importância para os gregos em permanecerem na União e na zona do euro mobilizou discursos populistas e confundiu aqueles que pensaram que o termo Grexit significava que a Grécia queria deixar a União. Pesquisas de opinião pública na ocasião revelaram que, apesar da insatisfação e da verdadeira queda de braço que ocorreu entre o governo nacional e o europeu, os gregos não desejavam o retorno ao dracma ou muito menos a saída da União Europeia. Drama quase sem saída, que se ajustou dentre crises sociais e insatisfações com as soluções possíveis. Naquele momento, revelava-se a relação de poder da Europa sobre seus Estados membros e a expectativa, por outro lado, sobre sua resiliência e capacidade de excepcionar o tratamento igualitário entre os países, no sentido de assistir de forma responsável às necessidades de seus membros mais frágeis economicamente. Há muito ainda a se refletir sobre a crise do Grexit em 2015 e viria a culminar na saída do Reino Unido em 2016.
Enquanto ainda esperava-se da Europa o suporte necessário para a retomada da economia e medidas de salvação dos traumas sociais oriundos da crise soberana de Estado em países como Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia, novos desafios não esperaram para invadir a cena europeia. Uma conjunção de fatores externos de violência e guerras levou a uma onda migratória sobre as fronteiras de Shengen em meio à crise econômica interna da União. A nova onda migratória do século XXI é um sintoma das consequências de fatores combinados: crise econômica mundial e conflitos de difícil solução na África e no mundo árabe. Estados membros dividiram opiniões sobre soluções voluntárias e diplomáticas para a acomodação desses imigrantes, diferenças entre Leste e Oeste reaparecem no continente, e nada disso se resolve em poucos anos.
Tudo bem junto e ao mesmo tempo, ainda em meio à crise econômica e à crise migratória, vimos o retorno do terrorismo, e atentados multiplicarem-se na Europa. Não agiam mais as grandes redes que poderiam ser identificadas por Estados inteligentes e polícias investigativas tecnológicas, mas vimos bastar um só indivíduo, inspirado por um fundamentalismo sem causa, demonstrar que o terrorismo já não necessita sequer de bombas ou outras armas letais. Bastou apenas um caminhão para gerar sofrimento e horror no mundo inteiro, como o que ocorreu no feriado mais importante para os franceses, o dia da queda da Bastilha em 2016, em Nice.
Todo esse quadro de novidades e desafios no continente trouxe um aumento da visibilidade sobre a política