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Assim transitam os textos: ensaios sobre intermidialidade
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Assim transitam os textos: ensaios sobre intermidialidade

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Se tem um foco especial em Shakespeare, o núcleo duro do cânone ocidental segundo Harold Bloom, os artigos deste livro estão longe de uma abordagem reverencial das formas consagradas. Ao contrário, o que lhe interessa das peças do bardo inglês – aliás, ele próprio, um grande adaptador –, é principalmente o processo pelo qual foram apropriadas e recriadas em novos formatos e mídias, de uma simples "adaptação" (e nenhuma adaptação, por mais simples que seja, é simples) a uma radical transcriação. Se de um lado temos preferencialmente obras oriundas do campo da literatura, e não só Shakespeare, mas também Kafka, García Márques, Osman Lins e Machado de Assis, por outro nos deparamos não só com o cinema, mídia já "clássica", mas também com HQs, animação digital, literatura de cordel e séries de televisão. Ou seja, do pop ao popular, gêneros ou manifestações artísticas, não raro intersemióticas, que ainda não gozam plenamente do prestígio acadêmico. Mas o que importa? Afinal de contas, o romance, gênero híbrido de origem plebeia, não foi só receber reconhecimento oficial lá pela metade do Romantismo? Aliás, os estudos de intermidialidade não estão aí para corroborar os juízos de valor estabelecidos. Se o que conta, no traslado de uma mídia a outra, de uma arte a outra, de uma cultura a outra, não é a fidelidade, mas a traição criativa, um dos objetos de toda pesquisa que se queira pertinente é uma subversão do nosso legado ocidental. Não para destruir o cânone (pois sempre haverá um cânone, nem que seja no sentido de um paideuma pondiano), mas para abri-lo, ampliá-lo, diversificá-lo, de modo que se torne mais afim ao nosso mundo pluricultural. Esse é o convite que este livro, ao fim e ao cabo, quer fazer.
LanguagePortuguês
Release dateJan 1, 2016
ISBN9788547303037
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    Assim transitam os textos - Brunilda Reichmann

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM

    À Solange Ribeiro de Oliveira,

    musa de todos os cantos e recantos.

    elogio da tra(d)ição:

    ou umas breves linhas à guisa de prefácio

    Traduttori, traditori – dizem os italianos. A questão, velha, da traição não é só da tradução de uma língua para outra. Nem tampouco de uma arte para outra. Mas também, e sobretudo, acentuando o caráter material do meio, de uma mídia para outra. Com efeito, esse debate tem sido atualizado não só pela criação do ciberespaço, mas também pelo olhar mais amplo que os Estudos Literários têm assumido ultimamente, extrapolando não raro os estreitos limites de um cânone logo e grafocêntrico. A questão não é só que toda tradução – intertextual, interartística ou intermidiática – implica em uma traição, uma perda, uma falha. Não. Muitas vezes ocorre o contrário: um acréscimo, um complemento, um plus. Todavia, o problema não é só de perdas e ganhos que se possam quantificar num hipotético balanço. O problema, muito mais complexo, é o do jogo das mais variegadas relações quando se dá o trânsito de uma mídia para outra.

    Todo trânsito, com efeito, envolve transações, e, no universo das múltiplas artes e mídias, transação, mais que tradução e translação, é re-criação, ou melhor, transcriação, para nos servimos do termo cunhado por Haroldo de Campos. Aí não entra mais em cena a fidelidade ou não ao texto-fonte ou mídia-fonte. Afinal, não há fonte, uma origem primeva, uma imago primordial, que deva ser restaurada ou recuperada. E não havendo fonte ou foz, original ou cópia, não há hierarquias, apenas uma rede complexa de signos em rotação, para nos servimos, agora, do título de um conhecido ensaio de Octavio Paz. O tradutor, no sentido amplo, não só é traidor como almeja essa traição, uma traição criativa. Nesse sentido, este livro, Assim transitam os textos: ensaios sobre intermidialidade, organizado por Brunilda Reichmann, não persegue uma fonte primária, mas se debruça – e se regozija – nas mais variadas formas em que não só os textos, como as artes e as mídias, dialogam entre si.

    Se têm um foco especial em Shakespeare – o núcleo duro do cânone ocidental, segundo Harold Bloom –, os artigos deste livro estão longe de uma abordagem reverencial das formas consagradas. Ao contrário, o que lhe interessa das peças do bardo inglês – aliás, ele próprio, um grande adaptador –, é principalmente o processo pelo qual foram apropriadas e recriadas em novos formatos e mídias, de uma simples adaptação (e nenhuma adaptação, por mais simples que seja, é simples) a uma radical transcriação. Se de um lado temos preferencialmente obras oriundas do campo da literatura, e não só Shakespeare, mas também Kafka, García Márques, Osman Lins e Machado de Assis, por outro nos deparamos não só com o cinema, mídia já clássica, mas também com HQs, animação digital, literatura de cordel e séries de televisão. Ou seja, do pop ao popular, gêneros ou manifestações artísticas, não raro intersemióticas, que ainda não gozam plenamente do prestígio acadêmico. Mas o que importa? Afinal de contas, o romance, gênero híbrido de origem plebeia, não foi só receber reconhecimento oficial lá pela metade do Romantismo? Aliás, os estudos de intermidialidade não estão aí para corroborar os juízos de valor estabelecidos. Se o que conta, no traslado de uma mídia a outra, de uma arte a outra, de uma cultura a outra, não é a fidelidade, mas a traição criativa, um dos objetos de toda pesquisa que se queira pertinente é uma subversão do nosso legado ocidental. Não para destruir o cânone (pois sempre haverá um cânone, nem que seja no sentido de um paideuma pondiano), mas para abri-lo, ampliá-lo, diversificá-lo, de modo que se torne mais afim ao nosso mundo pluricultural. Esse é o convite que este livro, ao fim e ao cabo, quer fazer.

    Dr. Otto Leopoldo Winck

    Professor do Programa de Mestrado em Teoria da Literatura da Uniandrade e de cursos de graduação da PUCPR, autor do romance Jaboc, lançado em 2006, ganhador do Prêmio Nacional de Literatura da Academia de Letras da Bahia, e do livro Minha pátria é minha língua: identidade e sistema literário na Galiza, a ser lançado em 2016.

    apresentação

    O olhar da crítica literária foi estendido, nas últimas décadas, devido à mudança de paradigmas engendrada pelos diálogos entre as artes e mídias, que privilegiam não apenas as relações interartísticas, mas também as manifestações midiáticas da cultura popular e de massa. Os artigos deste volume reúnem leituras críticas de pesquisadores que se debruçam sobre aspectos diversos da intermidialidade, dentre eles a hibridização de linguagens em produções plurimidiáticas, e evidenciam o crescente interesse por esse campo de estudos, cujas raízes históricas encontram-se na estética, filosofia, semiótica, literatura comparada e estudos interartes.

    Os sete primeiros artigos incluídos neste livro tratam de releituras contemporâneas de William Shakespeare (1564-1616), dramaturgo e poeta de impacto inesgotável no universo literário, e estão aqui reunidos como uma homenagem aos 400 anos de morte do escritor renascentista. Os demais artigos versam sobre a transposição de peças e romances para cinema, animação, séries televisivas e HQs, e sobre a relação inter ou intramidiática da literatura com a pintura e/ou outras artes/mídias.

    O primeiro artigo sobre releituras de Shakespeare, "Ham-let (1993), com direção de Zé Celso: um ritual antropofágico", de Anna Stegh Camati, postula que a transposição de textos dramáticos ou não dramáticos para a cena é um processo complexo que envolve operações e negociações diversas, visto que não se trata apenas de um exercício de enunciação, por atores, de palavras escritas, mas de um texto materializado em linguagens cênicas no palco. Ao longo do ensaio, a pesquisadora desenvolve uma reflexão a respeito de Ham-let (1993), com direção de Zé Celso, um espetáculo que marcou o retorno artístico do encenador e inaugurou o novo espaço cênico do Teatro Oficina. As perspectivas intermidiáticas e interculturais da produção cênica são discutidas à luz do conceito de antropofagia (1928), de Oswald de Andrade, e das noções de hibridismo e entre-lugar (1971), de Silviano Santiago, teóricos brasileiros pioneiros que anteciparam importantes aspectos sobre fenômenos da reciclagem artística em geral.

    O artigo "Estou te escrevendo de um país distante: uma recriação cênica de Hamlet por Felipe Hirsch", de Célia Arns de Miranda, demonstra que as apropriações da obra shakespeariana revelam ser matéria não consensual e apontam para uma multiplicidade de tendências. A proposta da autora centraliza-se em uma versão contemporânea do Hamlet, escrita e dirigida por Felipe Hirsch em 1997. Ao integrar, na montagem, várias referências intertextuais, valendo-se da prática paródica como dinâmica de apropriação textual, Hirsch elabora, segundo a autora, uma recodificação moderna da tragédia shakespeariana: o homem é despido de todas as suas máscaras, ilusões e verdades disfarçadas, e dilacera-se entre as exigências contraditórias de um mundo que finge ser real e que o impele a assumir ficticiamente o seu papel de herói trágico. A autora também demonstra que essa encenação alcança uma perfeita integração entre forma e conteúdo, confirmando a legitimidade das estratégias paródicas e metateatrais que cumprem a função de conscientizar o espectador de que a realidade é subjetiva e linguisticamente construída.

    Marcia Regina Becker, em "Hamlet, 2000, New York", analisa parte do filme Hamlet: vingança e tragédia, de 2000, dirigido por Michael Almereyda, correspondente à passagem que inclui a peça dentro da peça do terceiro ato do Hamlet shakespeareano. Almereyda ambienta seu Hamlet em New York, com uma aura futurística brilhante e estéril, no ano 2000, tentando satisfazer às necessidades de uma plateia eminentemente visual, 400 anos após a provável estreia de Hamlet nos palcos londrinos. Ao invés da peça dentro da peça, tem-se um filme dentro do filme: Mousetrap é o filme-colagem produzido por um Hamlet igualmente amargurado. As características modernas do filme de Almereyda apenas reforçam a já conhecida contemporaneidade do texto de Shakespeare, cujos temas, vivos e abertos, atualizam-se constantemente por meio de inúmeras adaptações. Almereyda consegue produzir, segundo a autora, uma grande interseção de superfícies textuais, formando um pacote denso, visualmente rico, refletindo a cultura pop tão familiar às plateias do século XXI.

    O artigo de Camila Figueiredo, "As mil faces do príncipe dinamarquês: um estudo comparativo de adaptações de Hamlet para os quadrinhos", demonstra que, além da universalidade de seus temas, os escritos de Shakespeare são marcados por uma forte narratividade. Por isso, seus textos têm recebido constantes releituras e adaptações ao longo dos tempos. As incontáveis traduções de suas peças em várias línguas e culturas em toda parte do mundo comprovam o caráter transcultural de sua obra. A autora analisa diferentes adaptações da narrativa do príncipe Hamlet para os quadrinhos em seu texto. Ela observa, em algumas publicações recentes, brasileiras e estrangeiras, as técnicas utilizadas para recontar o texto shakespeariano, estabelecendo uma comparação entre as duas mídias envolvidas, cada qual com suas possibilidades e limitações. Considera, ainda, as soluções encontradas para transpor a história para a mídia quadrinizada, examinando, por exemplo, como o uso de metáforas visuais elaboradas proporciona múltiplos níveis de significação ao manipular com engenhosidade as porções verbais e visuais da narrativa. Além disso, atenta para as variáveis culturais que influenciam as adaptações, refletindo, por exemplo, sobre o modo como algumas famosas cenas e falas de Hamlet foram retratadas.

    O artigo intitulado "Relações espaciais na transposição cênica de Sonho de uma noite de verão", de Assiria Maria Linhares Masetti, demonstra que a adaptação cênica de Sonho de uma noite de verão, de Marcelo Marchioro, foi parte do projeto Shakespeare no Parque, realizado em Curitiba, em 1991-1992. Tal projeto tinha entre seus objetivos o de popularizar o teatro de Shakespeare. Ao montar Sonho, o encenador paranaense mesclou estéticas de teatro e de circo, construindo o espaço cênico a partir de uma releitura do palco elisabetano. A autora analisa os recursos que o encenador utilizou para fazer com que o espaço cênico abarcasse o espaço dramático proposto por Shakespeare em seu texto, de modo a estabelecer um diálogo intercultural a ponto de promover um abrasileiramento do espaço dramático. Para realizar essa análise, a autora partiu do pressuposto de que o espaço cênico constitui-se de todo espaço de atuação aliado ao espaço de recepção, ou seja, inclui os espectadores; e o espaço dramático seria o espaço da ficção, construído tanto pelo texto quanto pela encenação, aliados à imaginação da plateia. Como suporte teórico à análise, os conceitos de Patrice Pavis, Linda Hutcheon e Anne Ubersfeld são utilizados.

    No artigo "Domar a megera, essa é a questão: metalinguagens e jogos de poder/sedução em Shakespeare e em Dá-me um beijo de Sidney", Climene de Moraes Favero esclarece que o filme Dá-me um beijo (Metro-Goldwyn Mayer, 1953), de George Sidney, é uma transposição midiática realizada a partir de dois textos-fonte, A megera domada, de William Shakespeare, e Backstage, musical homônimo da Broadway, de Cole Porter. As fronteiras fluídas entre arte e vida, problematizadas por meio do artifício de molduras entrelaçadas, são analisadas pela autora, tomando como referência as músicas cantadas dentro e fora de cena. Ela demonstra, ainda, que os jogos de poder e sedução entre pares, do texto shakespeariano, são transformados em triângulos amorosos em Dá-me um beijo, refletindo a mudança das mentalidades no contexto da década de 1950, época em que o filme musical é ambientado. Essa análise é elaborada com base em postulados teóricos de críticos como Patrice Pavis, Irina Rajewsky e Robert Stam, autores que refletem (e abordam reflexões) sobre os processos de apropriação e adaptação inerentes à recriação fílmica do texto shakespeariano.

    O último artigo sobre releituras de Shakespeare, intitulado "A guerra das ruas em duas visões de Romeu e Julieta", de Deize Mara Ferreira Fonseca, relata que Romeu e Julieta, talvez a peça mais conhecida de Shakespeare, consagrou-se no cânone literário mundial como história de amor exemplar. Porém, o que nem sempre se diz sobre a peça é que ela é também uma narrativa sobre um violento conflito civil que divide uma cidade, trazendo consequências para seus cidadãos. A autora analisa a releitura desse conflito em duas versões cinematográficas: os filmes West Side Story (1961), de Robert Wise, e Romeu + Juliet (1996), de Baz Luhrmann. Ambientados em cenários urbanos dos EUA na segunda metade do século XX, os dois filmes retomam a temática shakespeariana ao mesmo tempo em que dialogam com sua própria época. A rua, segundo a autora, emerge como palco e protagonista das tramas, o espaço no qual os momentos decisivos acontecem e se resolvem, desde a abertura até o desfecho. As escolhas narrativas dos realizadores são analisadas sob uma perspectiva dialógica, tanto com a obra shakespeariana quanto com os seus respectivos contextos de produção.

    Os artigos seguintes versam sobre a transposição de peças, romances e contos para o cinema, animação, série televisiva ou HQ. O primeiro deles, de Mirian Ruffini, Memória em Kazuo Ishiguro: romance e cinema, demonstra como, em suas obras, Kazuo Ishiguro aborda a memória como recurso de busca da serenidade em face da perda. As personagens de seus romances, segundo a autora, refletem sobre suas experiências traumáticas e a forma como superaram a ausência de pessoas estimadas, arrebatadas de seu convívio pelos desdobramentos de eventos desastrosos. Os vestígios do dia, adaptado para o cinema em 1993, apresenta a tentativa do mordomo Stevens de se reconciliar com suas memórias de um amor não realizado e do fato de ter sido o bode expiatório das atividades de seu patrão, simpatizante nazista na Inglaterra pré-guerra. Não me abandone jamais, cuja adaptação fílmica ocorreu em 2010, vislumbra uma sociedade futurista na qual clones são criados e mantidos para desempenhar a função primordial de fornecer órgãos saudáveis aos seus humanos originais. Kathy relembra sua atividade de cuidadora dos doadores de órgãos e de sua relação afetiva com os amigos Tommy e Ruth. Sua vivência nesse contexto de desesperança está presente em suas lembranças na procura da reconciliação interna. Esse artigo analisa a configuração cinematográfica das reminiscências das personagens de Ishiguro e das relações humanas geradoras das emoções adaptadas para o cinema.

    Wellington R. Fioruci, em "Eréndira de papel e de película, ressalta que Gabriel García Márquez é um escritor constantemente revisitado não apenas pelos críticos e teóricos literários, mas também pelos cineastas, que veem em seus textos um construto potencial para a adaptação cinematográfica. Assim, de acordo com o autor do artigo, muitas de suas obras já foram transpostas para a tela grande, como é o caso de La increíble y triste historia de la cándira Eréndira y de su abuela desalmada", levada ao cinema pelas mãos do consagrado realizador Ruy Guerra, radicado no Brasil desde 1958. O texto de García Márquez, a meio caminho entre novela e conto, foi publicado em um volume com outras seis narrativas breves em 1972, sendo adaptado pelo cineasta em 1983 sob o título de Eréndira. Ao autor, interessa, nessa análise, observar como a linguagem literária de García Márquez é reutilizada pela linguagem cinematográfica de Ruy Guerra, fato que coloca em conflito criativo o realismo mágico neobarroco do escritor hispano-americano e o discurso cinemanovista do diretor luso-americano.

    O artigo "Lisbela e o prisioneiro: caminhos para a renovação da arte", de Prila Leliza Calado, tem por objetivo analisar a transmutação da peça teatral Lisbela e o prisioneiro, escrita por Osman Lins em 1960, para a linguagem cinematográfica, 42 anos passados de sua primeira encenação nos palcos. Por meio das pesquisas sobre intertextualidade, intermidialidade e adaptação – propostas pelos teóricos Robert Stam, Claus Clüver e Júlio Plaza –, a autora enfatiza como o cinema e seus recursos próprios interferem na produção de sentido, trazendo possibilidades de novas leituras semióticas. Já a contribuição inovadora do roteiro adaptado do filme de 2003 busca na metalinguagem um meio para tornar o filme um sucesso de público. Assim, em um segundo momento do texto, a autora explora – com base nos estudos de Roman Jakobson, Linda Hutcheon e Haroldo de Campos – as funções metalinguísticas e a narrativa metaficcional que provocam diferentes sensações nos espectadores, mas, acima de tudo, instigam a dialogia entre ficção e realidade.

    O artigo intitulado "(A) Metamorfose: da narrativa ao filme de animação digital", de Beatriz de Castro da Cruz, analisa o filme contemporâneo de animação Metamorfose, de Fabianne Balvedi (2000), comparando-o com a novela clássica A metamorfose, de Franz Kafka (1915), à luz das teorias da adaptação, de críticos como Linda Hutcheon e Robert Stam, que demonstram ser a obra adaptada fruto de uma repetição, mas não de uma replicação, e de Claus Clüver, que aborda a questão da substituição dos Estudos interartes por Estudos intermídias. O filme, segundo a autora, é uma animação computacional tridimensional, um cronotopo cinematográfico que recicla a obra literária e traduz a palavra escrita para a imagem, expressando a angústia da personagem kafkiana por meio de recursos específicos da mídia digital. Além disso, o artigo verifica as escolhas da cineasta em relação à caracterização dos personagens, à atmosfera e à ambientação das cenas, visando mostrar que a tradução intermidiática suprime ou inclui elementos sem que a história perca a sua força expressiva perante o espectador/leitor.

    Brunilda Reichmann, em "House of cards: uma introdução à trilogia e às séries", demonstra como tanto os romances políticos de Michael Dobbs quanto as séries homônimas, ao trabalharem temáticas shakespearianas, utilizam-se também da linguagem e de características de peças do dramaturgo inglês. O texto trata de aspectos relacionados à intermidialidade, intertextualidade e interculturalidade e visa resgatar elementos das peças Macbeth, Ricardo III e Otelo, presentes na trilogia de Michael Dobbs, na série A House of Cards Trilogy da BBC, e na maxissérie House of Cards da Netflix, contextualizadas em época e cultura distintas daquela de Shakespeare.

    Em Lampião em quadrinhos: além do bem e do mal, Luiz Zanotti analisa a adaptação, para histórias em quadrinhos e romances gráficos, da personagem Lampião, um dos heróis brasileiros que teve a sua biografia romanceada, filmada, dramatizada, e é, por muitos, considerada a personagem mais importante em termos do número de obras publicadas no Brasil. O autor do artigo trabalha com os cartoons sobre o sertão do cartunista Henfil, a história em quadrinhos Lampião: ...era o cavalo do tempo atrás da besta da vida (2006), de Klévisson Tupynanquim, e o romance gráfico Lampião e Lancelote (2007), de Fernando Vilela. Nessas três obras, o autor diz ser possível verificar como cada autor busca a adaptação dessa ilustre figura, seja no seu confronto com a época do autoritarismo (Henfil), seja na apropriação da literatura oral popular e, mais especificamente, o cordel, por novas mídias (Tupynanquim), bem como o enfoque da dicotomia bem/mal no Lampião de Vilela. Essa ambivalência está presente na literatura, em que o cangaceiro geralmente é caracterizado ou como um herói ou como um facínora.

    Os autores dos cinco artigos da última parte deste livro voltam-se para outras artes, principalmente a pintura, como elemento unificador da obra literária, ou abordam a picturalização do texto literário. Solange Ribeiro de Oliveira, em Intermidialidade na ficção de Clarice Lispector, partindo da reflexão de teóricos da intermidialidade, complementada pelo testemunho de historiadores da arte como E.H. Gombrich e Herbert Read e dos pensadores Gaston Bachelard, Gilbert Durant, Henri Lefebvre e Carl Jung, analisa a função exercida pelas relações entre as artes e a ficção de Clarice Lispector. Nesse sentido, a autora busca demonstrar que, ao remeter à arquitetura, à pintura, à escultura e à arte abstrata, a relação intermidiática desempenha, nos textos estudados, um papel estruturador, que confere ao conjunto da obra uma unicidade não destacada pela crítica especializada.

    O artigo "A reapresentação de Judith decapitando Holofernes em novas mídias", de Miriam de Paiva Vieira, debruçando-se sobre produções contemporâneas inspiradas na tela Judith decapitando Holofernes (1620), da pintora caravagista Artemísia Gentileschi, objetiva investigar três diferentes processos de transformação midiática: a fotossequência do americano Duane Michals (1979), a exposição sob curadoria da holandesa Mieke Bal (1998) e a videoinstalação intitulada Artemisia Gentileschi’s Judith Beheading Holofernes, Jeff Koons’ Untitled, and Thai villagers (2012), da artista tailandesa Araya Rasdjarmrearnsook. Para tal, vale-se das noções de écfrase, sugeridas por Claus Clüver, do conceito de remediação, proposto por Bolter e Grusin, e também de questionamentos acerca de mídias contemporâneas por Mieke Bal e Peter Wagner.

    Sigrid Renaux, no ensaio "Do texto bíblico a Portinari: uma leitura inter e intramidiática de A fuga para o egito", partindo do episódio bíblico sobre A fuga para o Egito e apoiada nos preceitos teóricos de Clüver, Rajewski e Souriau sobre abordagens interartes, faz uma leitura da transposição pictórica desse texto para os afrescos de Giotto e de Fra Angelico. Em seguida, avalia como os estilos desses dois pintores renascentistas refletem-se nas obras de Portinari sobre o mesmo tema. Ao passar do academicismo inicial ao experimentalismo moderno nos desenhos e pinturas preparatórios para as obras de 1952, e principalmente nos trabalhos posteriores sobre o tema, entre 1953 e 1960, A fuga para o Egito continua, de acordo com a autora, a inspirar o artista, estabelecendo assim, simultaneamente, um dialogismo entre o tema bíblico e temas da cultura e história brasileiras.

    Em "O livro das provas: palavra e imagem", Solange Viaro Padilha demonstra que o texto de John Banville configura-se como uma paleta de cores diversas. Frederick Montgomery, narrador-protagonista, revela os detalhes de dois crimes que cometeu: o roubo de uma tela e o assassinato da mulher que testemunhara a cena. De acordo com a autora, confissão, memória e fantasia misturam-se nesse romance de grande plasticidade. A relação entre a vida e a arte e a permeabilidade das fronteiras entre a realidade e a representação – tão características da contemporaneidade – estão presentes nesse texto que, por caminhos tortuosos, leva o leitor a perseguir não o réu, mas a escritura; não o assassino, mas a tessitura de dois códigos que se entrelaçam: a palavra e a imagem. Esse trabalho, cuja fundamentação teórica encontra-se especialmente nos textos de Liliane Louvel, tem como

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