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Fenomenologia e Psicologia: A(s) Teoria(s) e Práticas de Pesquisa
Fenomenologia e Psicologia: A(s) Teoria(s) e Práticas de Pesquisa
Fenomenologia e Psicologia: A(s) Teoria(s) e Práticas de Pesquisa
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Fenomenologia e Psicologia: A(s) Teoria(s) e Práticas de Pesquisa

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A psicologia e a fenomenologia são áreas que fascinam pelas suas formas de pensar o humano, pois pensar o humano significa ir além: é pensar o homem em suas possibilidades e capacidades de enfrentar. É conceber a pessoa em sua dimensão de ser-no-mundo, que tem uma forma muito própria de olhar a vida, a si mesmo e ao outro. É compreender três olhares fundamentais: o olhar que lanço sobre mim, o olhar que lanço sobre o outro e o olhar que lanço sobre o olhar do outro, e me possibilitam ser quem sou. É necessário ir além da patologização do humano. A necessidade é de olhar o mundo de frente e redimensionar as relações. Quem somos? Como somos? Como conceber a vida? A vida é plena de encontros, desencontros e reencontros. Ao compreendê-la assim, possibilitamo-nos seguir adiante na busca de nós mesmos na comunhão com o outro.

A proposta desta obra é pensar a Psicologia partindo do pensamento de autores significativos da fenomenologia – Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre – e, a partir de então, explicitar as características do Método Fenomenológico de Pesquisa em Psicologia. Considerando tal proposta, são apresentadas aqui pesquisas realizadas com amazônidas, com temas contemporâneos, plenos de significados e de ressignificações. Quem somos nós? Como pensamos? Estamos incrustrados na maior floresta do planeta, sendo o resultado da heterogeneidade de mais de cem etnias distribuídas e, portanto, como o Rio Amazonas, jovem e em completo processo de reconstrução de suas margens (considerando que a cada cheia a orla se modifica), em contínua modificação, como nossa cultura. Ou seriam culturas amazônidas?
LanguagePortuguês
Release dateNov 6, 2017
ISBN9788547306946
Fenomenologia e Psicologia: A(s) Teoria(s) e Práticas de Pesquisa

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    Fenomenologia e Psicologia - Ewerton Helder Bentes de Castro

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO FILOSOFIA E EDUCAÇÃO

    A minha família, por tudo!

    A Milena Cecília, minha filha e meu amor maior.

    A todos que incansavelmente acompanham pessoas acometidas

    por câncer e Aids no estado do Amazonas, e que direta ou indiretamente

    contribuíram para que este livro fosse elaborado.

    A Fapeam, pelo apoio.

    APRESENTAÇÃO

    Este livro nasceu de trabalhos realizados pelo Grupo de Pesquisa em Psicologia Fenomenológico-Existencial da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas. É resultado de pesquisas realizadas e orientadas por mim, enquanto docente de Psicologia, nos últimos oito anos. Fruto de meu interesse em desenvolver, inicialmente, atividades relacionadas ao câncer e à Aids, meu projeto macro na pós-graduação. Permeiam este trabalho a persistência, o comprometimento e o compromisso para com aqueles que passam por situações consideradas desesperadoras, haja vista a grandiosidade do sofrimento aí presente.

    Poderia, não restam dúvidas, acomodar me no lugar seguro do ser-docente. Mas, sou neto de pescador, cujo exemplo faço questão de seguir até hoje. Assim, resolvi levantar as mangas da camisa e enveredar pela pesquisa junto aos vários tipos de dor e sofrimento que o povo amazônida – do qual sou parte, uma vez que em minha ascendência está o sangue indígena – vivencia, dando nos uma lição de como enfrentar as adversidades que a vida lhes trouxe, principalmente diante da possibilidade da perda de entes queridos.

    Por que fenomenologia e psicologia? Por acreditar que é na fala, no discurso, que esse outro me mostra o sentido que atribuiu à situação vivenciada. Utilizar o método fenomenológico de pesquisa em Psicologia significa compreender o modo de ser de cada um; significa ir além de conceitos já hermeticamente estruturados; significa ir até esse outro desarmado de pré-conceitos e pré-julgamentos; significa ser uma pessoa junto a outra pessoa; valorizar esse outro naquilo que ele traz, na forma singular como percebe a vida e as dificuldades inerentes ao viver.

    O livro é composto de três partes. Na primeira, são trazidas as contribuições para a fenomenologia do pensamento de Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre. Em seguida é apresentado o método fenomenológico de pesquisa em Psicologia, mostrando o olhar que foi lançado sobre cada uma das temáticas.

    Na segunda parte, para melhor compreensão, são trazidos os trabalhos realizados sobre as temáticas Câncer e Aids, desenvolvidos em conjunto com alunos de graduação e pós-graduação em Psicologia, a saber: "Meu filho tem câncer: vivências de mães à luz da Ontologia Hermenêutica de Heidegger" com Denis Guimarães Pereira e Márcio Roberto Oliveira da Silva; Ela tem peito, a outra tem peito; sou des-peitada, muito prazer: a vivência de mulheres mastectomizadas com Jonileide Mangueira da Silva; Mães soropositivas: análise compreensiva do trajeto de vida pós-transmissão vertical com Marilia Maciel Laray; Redescobrindo o viver: sentidos atribuídos por adolescentes à experiência do diagnóstico de HIV/Aids com Cleison Guimarães Pimentel; "O que as estrelas têm a dizer: a escuta de adolescentes com câncer" com Priscilla Cabral Correia; E a vida sofre transformações: compreendendo a vivência de crianças com câncer com Kassia Karina Amorim Gomes.

    A terceira parte é denominada temas contemporâneos, dada a diversidade de pesquisas realizadas. Assim, temos os temas que escrevo em conjunto: A dor da perda por acidente de trânsito: o discurso de familiares com Mauro Batista Negreiros e Francisca de Lourdes Souza Louro; A formação em clínica psicológica infantil: com a palavra, os discentes com Aline Ferreira Gomes; Vivenciando o ser-docente em escola pública: sentidos e significados com Cristiano Lopes Torres; Meu filho permanece: sentido e significado do processo de doação de órgãos na perspectiva das mães de doadores com Maria Gleny Soares Barbosa; Adoecer-com-o-filho: os modos de ser autêntica na vivência de um tratamento clínico gestacional com Larissa Gabriela Lins Neves; Redescobrindo o ser-si-mesmo: a existencialidade de mulheres praticantes de pole-dance com Carolina Fernandes Ferreira; Ser-com no voluntariado: a expressão do cuidado com Bárbara Rebouças Alencar; Ser-mulher-praticante-de-futsal com Matheus Vasconcelos Torres e o último capítulo "Redes Sociais: possibilidades de pesquisa".

    O livro mostra esse outro olhar sobre a pesquisa a partir do método fenomenológico, um modo de ser-docente e de ser-humano que me preenche e leva-me ao encontro desse outro. E que me faz um ser-de-cuidado.

    PREFÁCIO

    É com entusiasmo e muita satisfação que recebi o convite de prefaciar esta obra. Sinto-me muito honrado em fazê-lo, pois além da minha cultivada amizade e admiração pelo professor Ewerton Castro, temos aqui presente um legado acadêmico que expõe diversas pesquisas fenomenológicas e existenciais, isto é, pesquisas de uma das mais importantes abordagens da psicologia contemporânea.

    Como é muito sabido, a fenomenologia é uma filosofia, um método e uma atitude filosófica fundada pelo matemático e filósofo Edmund Husserl (1859 – 1938). Para Husserl, essa filosofia consiste em uma análise radical, rigorosa e descritiva dos fenômenos, constituindo-se assim em uma autêntica ciência dos fenômenos. A palavra fenômeno, escolhida por Husserl, é proveniente da palavra grega phainomenon (φαινόμενον), e é traduzida como aquilo que se mostra, aparece. Assim, quando algo se mostra ou aparece, tem-se que aquilo que mostra-se, se mostra a alguém, ou seja, mostra-se a nós. A fenomenologia significa, assim, uma investigação, uma reflexão da aparição de todas as coisas.

    Em todo o seu percurso filosófico, Husserl teve como centro de suas preocupações epistemológico-metodológicas o esforço para encontrar um conhecimento autêntico das coisas, o qual oferecesse uma fundamentação radical e segura para a filosofia e, particularmente, para as ciências. Com isso, tinha como finalidade a construção de uma ciência universal para a subjetividade e um saber definitivamente válido e humano acerca das coisas, principalmente em uma época em que o positivismo e as ciências naturais ganhavam cada vez mais credibilidade, mas que, por consequência, excluíam, por princípio, o sentido das coisas.

    Husserl¹, já em seus últimos escritos, denominados A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental, afirmava que as ciências positivas excluem de modo inicial as questões sobre o sentido ou ausência de sentido de toda esta existência humana. Chega também a dizer que as meras ciências de fatos fazem meros homens de fatos. Bem, essa crítica nada mais é do que uma denúncia sobre a crise da vida humana ocidental, originada por uma crise da razão, da filosofia e principalmente das ciências no geral.

    É nesse contexto que a fenomenologia aparece não só como um novo método reflexivo capaz de apreender essa crise (filosofia e ciências), mas também, para Husserl, como a filosofia que tem a pretensão de encontrar o sentido e a orientação da existência humana, retomando radicalmente a subjetividade transcendental, exposta nas evidências pré-científicas do mundo-da-vida (Lebenswelt).

    A crítica fenomenológica tem muita relevância ainda em nossos dias e isso pode ser facilmente visto a partir das diversas influências que a fenomenologia exerceu e ainda exerce em numerosos campos do conhecimento científico, principalmente no campo da Psicologia. Na acepção de Husserl, a Psicologia é uma importante área do conhecimento, por se constituir como a principal ciência da subjetividade. No entanto, ela apareceu como ciência natural, ou seja, já em meio à crise das ciências e, dessa forma, sofre as consequências da crise, fundamentalmente no seu estatuto interno de ciência.

    Nesse sentido, a psicologia tem fracassado como ciência da subjetividade, pois se postula apenas no nível da objetividade, da materialidade (psicofísico) e do naturalismo, orientada e fundamentada pelas ciências naturais. Em síntese, possui a ideia de que o ser humano é mais um fato entre outros fatos e está constituído em um mundo de fatos – humano empírico e natural. E, o mais grave, como adverte Husserl, essa concepção naturalista e material do psíquico acaba por reduzir todas as características humanas e seus produtos (culturais ou não) na mente, no cérebro humano, no material (trabalho) ou mesmo no ser humano concreto-natural (ser humano empírico). Que seja: reduz todo o ser humano em uma configuração particular. Assim, para Husserl², tem-se o problema, então, instaurado, porque considerando o psíquico puramente como subjetivo – e, no sentido amplo, o espiritual, existencial – é evidente que ele escapa naquilo que é peculiar ao pensamento científico, impossibilitando a construção de um saber pleno e fundamental que compreenda a existência humana e pessoal, as suas expressões culturais e sua vida social.

    É nessa direção crítica que a pesquisa fenomenológica e existencial na Psicologia tem crescido constantemente no meio acadêmico brasileiro, tanto nas indagações metodológico-epistemológicas quanto nas práticas psicológicas, à medida que se mostra eficiente como um método rigoroso no campo das ciências psicológicas e sociais. Desse modo, essa pesquisa visa a possibilitar o retorno de um novo sistema de relações entre a subjetividade e a objetividade, ultrapassando a cisão entre sujeito e objeto e entre o mundo vivido e o mundo teórico.

    Podemos afirmar que desde os anos 2000, aproximadamente, os pesquisadores brasileiros têm contribuído mais diretamente para tal estudo, mesmo havendo uma crescente produção bibliográfica de pesquisas com a nomenclatura de psicologia fenomenológica e existencial. Conforme alguns estudos³, o número de pesquisas com o método fenomenológico (do empírico ao hermenêutico) tem aumentado e, ainda, a ideia de uma psicologia fenomenológica e existencial não tem se restringido apenas à concepção de Edmund Husserl, mas ampliou-se em diversas outras propostas fenomenológicas de investigação, tais como a de M. Heidegger, M. Merleau-Ponty, E. Levinas, J. P. Sartre e A. Schultz; que também possibilitaram o surgimento de psicologias caracterizadas atualmente como fenomenológicas e existenciais.

    É assim que este livro aparece, como um exemplo importante e necessário desse tipo qualitativo de pesquisa a partir da crítica fenomenológica e que evidencia a ampliação do sentido do humano presente nas vivências do mundo-da-vida. Funciona, assim, como uma crítica que ressignifica as práticas psicológicas, contribuindo para a expansão de diversos conceitos; estabelecendo-se para além do modelo naturalista e incorporando os diversos sentidos (culturais, sociais, espirituais) que interagem no ser humano.

    É abordando essas questões e tantas outras que apresentamos o presente livro. Em sua elaboração, o livro divide-se em três partes: na primeira parte, temos o contexto da filosofia fenomenológica de Husserl e de alguns de seus colaboradores, como M. Heidegger, M. Merleau-Ponty e J. P. Sartre, explicitando como essas fenomenologias influenciaram a psicologia e foram elaboradas como método de pesquisa. Já a segunda parte, consiste em uma apresentação de diversas pesquisas de práticas psicológicas voltadas à saúde humana, em especial à questão do Câncer e da Síndrome Imunodeficiência Adquirida (Aids). E, por fim, na terceira parte, temos o relato de pesquisas evidenciando as vivências psicológicas do mundo contemporâneo, do âmbito mais coletivo até o regional cultural brasileiro.

    Outro mérito que gostaria de destacar da composição deste livro está na excelência da organização das pesquisas, todas orientadas cuidadosamente pelo professor Ewerton Castro. O professor Ewerton, com sua formação em diversos níveis na Psicologia, é um pesquisador e docente par excellence de uma importante universidade da Região Norte do Brasil, empenhado em apresentar e desenvolver reflexões e pesquisas a partir da filosofia fenomenológica e existencial em uma região que ainda carece de pesquisas desse tipo, pois como se sabe, o País possui regiões diversas e, muitas vezes, distantes entre si, com culturas e práticas muito distintas.

    Oxalá que o leitor aproveite essas contribuições e possa compreender que, tal como afirma Husserl⁴, só o espírito humano e exclusivamente o espírito existe em si mesmo e para si; só o espírito é autônomo e pode ser tratado com essa autonomia, de forma verdadeiramente racional e de modo radical.

    Prof. Tommy Akira Goto

    Universidade Federal de Uberlândia

    Referências

    ANDRADE, C. C.; HOLANDA, A. F. Apontamentos sobre pesquisa qualitativa e pesquisa empírico-fenomenológica. Estudos de Psicologia. v. 27, n. 2, Campinas, p. 259-268, 2010.

    GOTO, T. A. Introdução à psicologia fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl. São Paulo: Paulus, 2015.

    HUSSERL, E. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

    Sumário

    PRIMEIRA PARTE

    1 – A FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER

    Ewerton Helder Bentes de Castro

    2 – A FENOMENOLOGIA DE MAURICE MERLEAU-PONTY

    Carolina Fernandes Ferreira | Ewerton Helder Bentes de Castro

    3 – SARTRE: FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO

    Camila Leão Gadelha

    4 – O MÉTODO FENOMENOLÓGICO DE PESQUISA EM PSICOLOGIA

    Denis Guimarães Pereira | Ewerton Helder Bentes de Castro

    Segunda parte

    1 – MEU FILHO TEM CÂNCER: VIVÊNCIAS DE MÃES A PARTIR DA ONTOLOGIA HERMENÊUTICA DE HEIDEGGER

    Denis Guimarães Pereira | Márcio Roberto Oliveira da Silva | Ewerton Helder Bentes de Castro

    2 – ELA TEM PEITO, A OUTRA TEM PEITO; SOU DES-PEITADA, MUITO PRAZER: A VIVÊNCIA DE MULHERES MASTECTOMIZADAS

    Jonileide Mangueira da Silva | Ewerton Helder Bentes de Castro

    3 – MÃES SOROPOSITIVAS E TRANSMISSÃO VERTICAL: O TRAJETO DE VIDA À LUZ DA PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

    Marília Maciel Laray | Ewerton Helder Bentes de Castro

    4 – RE-DESCOBRINDO O VIVER: ADOLESCENTES E A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO DE HIV/AIDS

    Cleison Guimarães Pimentel | Ewerton Helder Bentes de Castro

    5– O QUE AS ESTRELAS TÊM A DIZER: A ESCUTA DE ADOLESCENTES COM CÂNCER

    Priscilla Cabral Coreia | Ewerton Helder Bentes de Castro

    6 – E A VIDA SOFRE TRANSFORMAÇÕES: COMPREENDENDO A VIVÊNCIA DE CRIANÇAS COM CÂNCER

    Kássia Karina Amorim Gomes | Ewerton Helder Bentes de Castro

    terceira parte

    1 –A DOR DA PERDA POR ACIDENTE DE TRÂNSITO: O DISCURSO DE FAMILIARES

    Mauro Batista Negreiros | Francisca de Lourdes Souza Louro | Ewerton Helder Bentes de Castro

    2 –A FORMAÇÃO EM CLÍNICA PSICOLÓGICA INFANTIL: COM A PALAVRA, OS DISCENTES

    Aline Ferreira Gomes | Ewerton Helder Bentes de Castro

    3 – VIVENCIANDO O SER-DOCENTE EM ESCOLA PÚBLICA: SENTIDOS E SIGNIFICADOS

    Cristiano Lopes Torres| Ewerton Helder Bentes de Castro

    4 – MEU FILHO PERMANECE: SENTIDOS DO PROCESSO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS NA PERSPECTIVA DAS MÃES DE DOADORES

    Maria Gleny Soares Barbosa | Ewerton Helder Bentes de Castro

    5 – ADOECER-COM-O-FILHO: OS MODOS DE SER AUTÊNTICA NA VIVÊNCIA DE UM TRATAMENTO CLÍNICO GESTACIONAL

    Larissa Gabriela Lins Neves | Ewerton Helder Bentes de Castro

    6 – REDESCOBRINDO SER-SI-MESMO: A EXISTENCIALIDADE DE MULHERES PRATICANTES DE POLE DANCE

    Carolina Fernandes Ferreira | Ewerton Helder Bentes de Castro

    7 – SER-COM NO VOLUNTARIADO: O CUIDAR NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

    Bárbara Rebouças Alencar | Ewerton Helder Bentes de Castro

    8 – CON-VIVENDO COM A LOUCURA: SER-LOUCO E SER-COM-O-LOUCO NA VIVÊNCIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

    Diego de Souza Aguiar | Ewerton Helder Bentes de Castro

    9 – SER-MULHER-PRATICANTE DE FUTSAL: COMPREENDENDO O MUNDO-VIVIDO SOB A ÓTICA DA FENOMENOLOGIA

    Matheus Vasconcelos Torres | Ewerton Helder Bentes de Castro

    10 – REDES SOCIAIS: POSSIBILIDADES DE PESQUISA

    Ewerton Helder Bentes de Castro

    Referências

    SOBRE OS AUTORES

    PRIMEIRA PARTE

    FENOMENOLOGIA: A(S) TEORIA(S)

    1

    A FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER

    Ewerton Helder Bentes de Castro

    1.1 Breve bibliografia

    Martin Heidegger nasceu na Alemanha, em Messkirch, no dia 26 de setembro de 1889, na região de Baden. Teve sua formação filosófica realizada na Universidade de Freiburg-in-Breisgau, onde foi aluno de Edmund Husserl, criador do método fenomenológico e de Ricket, estudioso da Filosofia da Grécia Antiga. Seu interesse pela Filosofia é despertado pela leitura da obra Sobre os diversos sentidos do ente segundo Aristóteles, de Brentano. Depois disso, estudou obras de Nietzche, Kierkegaard e Dostoievski, além de ter interesse por Hegel e Schelling, pelos poemas de Rilke e Tralk e pelas obras de Dilthey. Tais estudos levaram-no a questionar a orientação da metafísica ocidental.

    Consegue, em 1916, na Universidade de Freiburg, habilitação para o magistério, e passa a ministrar aulas sobre Conceito de Tempo nas Ciências Históricas.

    Torna-se assistente de Husserl e comenta a sua obra Investigações Lógicas. Em 1927, publica seu trabalho mais conhecido, porém, como ele mesmo ressalta, inacabado - Ser e Tempo (Zein und Zeit). Por meio dele, Heidegger projetou-se como o mais famoso representante da filosofia existencialista, qualificação que mais tarde repudiou. Substituiu Husserl na Universidade de Freiburg em 1928, sendo nomeado, cinco anos mais tarde, reitor desta universidade.

    1.2 Em busca do sentido do ser

    Devido à Primeira Guerra Mundial, os valores tradicionais e o orgulho da civilização estavam sendo colocados em contínuo questionamento. É nesse momento de instabilidade social que desponta o pensamento heideggeriano, o qual pretende recolocar a questão do Ser, um dos pilares fundamentais da filosofia. O filosofar heideggeriano é uma interrogação constante sobre essa temática.

    Heidegger se propõe a tratar da questão do sentido do Ser, ou seja, buscar a noção de homem em sua singularidade a partir do que chamou de Dasein (pre-sença). O Dasein, como totalidade estrutural, mostra-se na cotidianidade mediana, imprópria e impessoal, sempre, porém, como abertura para possibilidades de outras formas de vir a ser-no-mundo, quais sejam: próprias e impróprias. A pre-sença constitui-se num ente aberto às possibilidades, logo, livre em seu modo de ser. Assim, a expressão ser-no-mundo aponta primeiramente para um fenômeno de unidade, e é desse modo que devemos compreendê-la. Ser-no-mundo deve ser entendido como uma estrutura de realização do Ser.

    Sua proposição consiste na substituição do sujeito como generalização – o homem como natureza humana, o ôntico - e sua reflexão aponta para o ser-aí, o Dasein, que na concepção deste pensador, é o ser lançado no mundo a todas as possibilidades da existência – o ontológico, aquele que atribui sentidos e significados às situações cotidianas. Heidegger afirma que, para chegar ao sentido do ser, o caminho é a reflexão, tendo em vista que a essência da pre-sença está fundada em sua existência. Para que possa ser uma constituição essencial da pre-sença, o ‘eu’ deve ser interpretado existencialmente.

    Aprofundando um pouco mais, poderíamos ressaltar que, na teoria heideggeriana, o homem é compreendido como Dasein ser-no-aí –, ente que habita o aí, na abertura (Da), onde se compreende o ser das coisas (sein) e estabelece condições de possibilidade para o homem ser propriamente o que é. Denominações como Self, sujeito, indivíduo, alma, são engendradas a partir da perspectiva ôntica, forjadas na interpretação metafísica da essência do homem, essência essa apreendida como simples presença, como ente simplesmente dado, como ressalta Heidegger nos Seminários de Zollikon⁶.

    O filósofo faz um apanhado acerca do que foi estudado sobre o ser desde a Grécia Antiga – Platão e Aristóteles – chegando a Hegel, elencando o que aponta como preconceitos, tais como: Ser é o conceito mais universal. Heidegger considera que este conceito hegeliano necessita de discussão, tendo em vista que, ao mesmo tempo em que é um conceito universal, é também o conceito mais obscuro. Considera, ainda, que o conceito de ser é indefinível, em decorrência de sua universalidade. Contudo, chama a atenção para o fato de que a impossibilidade de se definir o ser não dispensa a questão de seu sentido, ao contrário, justamente por isso a exige ⁷. Heidegger também aponta que Hegel toma o ser como um conceito evidente por si mesmo, enquanto ele – Heidegger –considera tal conceito como envolto em obscuridades, o que, para ele, demonstra a necessidade de princípio de se repetir a questão sobre o sentido do ser⁸. Assim, Heidegger coloca em questão o princípio da metafísica antiga, cuja base tem uma concepção de ser totalmente determinada e que, em seu entendimento, esteve abalado desde o seu fundamento.

    Em Ser e Tempo, Heidegger faz uma abordagem sobre a questão do Ser a partir do método fenomenológico, de onde toma ponto de partida. O filósofo aponta que o Ser se dá a conhecer por meio do próprio homem, de modo que a solidão do homem propicia o interrogar-se a si mesmo. Ao colocar-se como centro da questão, o indivíduo reflete sobre si mesmo. É então que o Ser se mostra, se des-vela. Assim, o objetivo da reflexão filosófica heideggeriana é justamente desvendar o ser em si mesmo, partindo da existência humana (Dasein – ser-aí).

    Para Heidegger, o Ser do homem não pode ser identificado por meio da objetividade, sofrendo o reducionismo da filosofia ocidental. O Dasein não pode ser considerado como algo ou alguma coisa, uma vez que ele é o ente que possui o ser-das-coisas, para o qual as coisas estão presentes. O Ser-aí é um ser de possibilidades, é sempre aquilo que pode ser. Heidegger realizou uma filosofia hermenêutica na qual interpreta o Dasein, debruçando-se sobre a construção existencial da compreensão possível a partir da existência ativa.

    1.3 Ser e tempo: a obra

    Esta obra expõe brilhantemente a relatividade do conhecimento, de modo que poderia ser considerada como indispensável para o enriquecimento do pensamento humano. Publicada originalmente em 1927, Ser e Tempo é uma obra relevante para a filosofia ocidental e que buscou a desconstrução do modo de pensar metafísico, tendo em vista que, ao compreender o homem como Ser-aí, desconstrói-se a compreensão objetivada de homem da metafísica aristotélica.

    Heidegger, nesta obra, aborda o método fenomenológico de investigação. Contudo, o fenômeno não é tão simples de se dar. E, como nos mostra o autor,

    o ser pode-se encobrir tão profundamente que chega a ser esquecido, e a questão do ser e de seu sentido se ausentam. O que, portanto, num sentido privilegiado e em seu conteúdo mais próprio, exige-se tornar-se fenômeno é o que a Fenomenologia tematicamente tomou em suas garras como objeto.

    Em Ser e Tempo, é possível observar o retorno da filosofia para o Ser (ontologia), que, então, estaria aberto, livre, pronto para eleger o que frente a ele se apresentasse. Ser-no-mundo é morar no mundo, e não estar tenuamente ligado a ele. Ser, para Heidegger, é ser as próprias possibilidades: é fazer-se ser. Alguns aceitam as coisas assim como são, sobrevivem apenas, vivem o seu cotidiano sem grandes inquietações, sem voltar-se sobre si mesmos. Outros, ao contrário, existem, testam os limites da vida, lançam perguntas, indagam, enriquecem o ser, angustiam-se, querem fugir do tédio e da ansiedade, sensibilizam-se.

    Na primeira parte de Ser e Tempo, Heidegger descreve a vida cotidiana do homem, considerada por ele como uma forma de existência inautêntica constituída por três aspectos: facticidade, existencialidade e ruína. O distanciamento de sua condição real é chamado pelo autor de inautenticidade, e relaciona-se a se ocupar com o externo e com a consequente distração de ser mortal. Por outro lado, a autenticidade configura-se quando a pessoa passa a conviver com sua condição de ser-para-a-morte. O homem é um ser de possibilidades infinitas, as quais ele vai escolhendo realizar enquanto vive. Porém, a possibilidade da morte é a única que lhe é dada como certa.

    A angústia é o conceito trazido por Heidegger na segunda parte de sua obra. Para ele, a angústia se instaura no momento em que o homem se assume na projeção futura da morte. Assim, a angústia possibilitará que o homem vá além do viver cotidiano, do seu dia a dia, e caminhe em direção à sua totalidade. Desse modo, a angústia se faz presente em dois momentos: no distanciar-se e no aproximar-se do eu, do seu ser-si-mesmo, chamando a atenção para o fato de que o medo da morte pode caracterizar um processo de distanciamento, do não ousar pensar que existe um limite, a finitude do humano.

    O filósofo também define o que denomina como existencial. Primeiramente, existencial diz respeito ao ser-no-mundo, à estrutura de realização que possibilita a visão penetrante da espacialidade da pre-sença¹⁰. Outra acepção do termo existencial é o Ser-em que transcende à noção ôntica da inclusão no espaço. Ela diz respeito a um estar junto, lançado em um mundo onde habita, sem que se pudesse ter tido a possibilidade da escolha. A esse estar-lançado da pre-sença (estar no mundo, vivenciando as situações cotidianas) em um mundo que não foi escolhido e que, por sua vez, pode revelar-se inóspito ou não, Heidegger denomina facticidade.

    Heidegger caracteriza a facticidade como sendo o ser lançado em um mundo sem que lhe seja propiciada a possibilidade de escolher país, cidade, família e classe social. Dessa forma, cada um de nós estará submetido a contingências políticas, econômicas e sociais, culturais e históricas, as quais não foram escolhidas por nós. Ou seja, facticidade são as situações surpresa que podem ocorrer em nosso cotidiano.

    O autor ressalta ainda a nossa condição de ser-no-mundo. Mas, a que mundo se refere? Como compreende este conceito?

    1.4 Mundo

    O conceito de mundo é outro elemento que vem se juntar aos anteriores. Em relação a isso, Heidegger vai fazer uma distinção entre a concepção de mundo visto de modo ôntico (o que está à nossa frente, ao nosso redor) e ontológico (o modo como compreendemos o que está ao nosso redor). Assim, enquanto no conceito ôntico, o mundo é o elenco das coisas que nele estão configuradas e descritas; no conceito ontológico, o mundo é o conjunto das relações significativas que construímos no decorrer de nossas vidas. Dito de outro modo, compreender o ser humano sob esse aspecto é entender que não existimos por causa do mundo, mas nos encontramos no mundo, visto como parte essencial de nossa existência. Consequentemente, ser-no-mundo (a pre-sença para este autor) é o modo muito particular e individual de compreender e interpretar a vida e as situações que nela ocorrem, caracterizando o indivíduo como o ser que é.

    O fenômeno mundo está caracterizado por estar carregado de sentido para o homem, integrante de um cosmos¹¹. Isto é, há um universo pleno de coisas a perceber, de caminhos a serem percorridos, um sem número de atividades a serem cumpridas, de obras a serem realizadas.

    Três esferas fundamentais e simultâneas constituem a espacialidade existencial da pre-sença (do ser humano): o mundo circundante, o mundo das relações e o mundo pessoal, sendo o primeiro (mundo circundante) o relacionamento que o homem estabelece com o meio e com o ambiente, e envolve toda a concretude presente nas situações vivenciadas pela pessoa. Dessa forma, depreende-se que não existe um mundo enquanto o indivíduo está aqui como homem: o indivíduo está mergulhado no mundo, atribuindo sentido às situações variadas que vivencia. Há, dessa forma, um movimento dialético entre o ser humano e o mundo.

    O autor considera ainda que, tendo em vista a existência se revelar como a essência da pre-sença (do ser humano), esta somente poderá ser analisada em sua relação com os outros, ou seja, a partir de seu mundo de relações. Tal relação com os outros é compreendida por ele como a mais fundamental característica do existir humano. Existir é originariamente ser-com-o-outro, é uma relação de reciprocidade, uma vez que, somente na relação cotidiana com as pessoas é que as potencialidades do indivíduo são atualizadas. Afinal, é na convivência com o outro que o sujeito pode saber quem é como ser humano. Ou seja, o indivíduo se percebe enquanto humano nas relações que estabelece, reconhecendo-se a partir dos seus semelhantes.

    O mundo pessoal, por sua vez, diz respeito à relação que o indivíduo estabelece consigo mesmo, é o ser-si-mesmo, na consciência de si e no autoconhecimento. São as situações que a pessoa vai vivenciando, sua relação com o mundo circundante e com os outros, as quais vão possibilitar a atualização de suas potencialidades, outorgando-lhe as condições necessárias para ir se descobrindo e reconhecendo como é.

    1.5 Outros conceitos fundamentais

    Heidegger apresenta ainda outro termo: preocupação. A preocupação remete ao ser como copresença dos outros (junto aos outros com os quais se relaciona) no encontro que se realiza no mundo das relações. Também designado como solicitude, a preocupação pode apresentar-se de forma autêntica ou inautêntica. Desta, quando domina e faz do outro dependente, realizando as escolhas por ele, numa espécie de saltar sobre o outro que impede que o outro cresça e siga diante como alguém autônomo. Daquela, quando possibilita o processo de crescimento do Ser, sem o substituir, caracterizando um saltar diante do outro e possibilitando ao outro ser ele mesmo.

    O pensamento heideggeriano se aprofunda ainda mais distinguindo outros termos que caracterizam o ser-no-mundo e a eles atribui a denominação de existenciálias, a saber: disposição, compreensão e discurso. A disposição ou humor é o existencial a partir do qual a pre-sença se depara com sua abertura, com sua possibilidade. Já a compreensão revela a pre-sença a si própria, tornando-a capaz de ser, conduzindo-a às suas possibilidades, uma vez que possui a estrutura existencial de projeto, que se refere à abertura do ser-no-mundo e. Desse modo, o indivíduo compreende seu existir nesse movimento, percebe a si mesmo e o mundo sob outro olhar, outra dimensão. O discurso, por sua vez, é onde o fenômeno se mostra a si mesmo, uma vez que é a partir da fala que o indivíduo expressa sua forma particular de ver o mundo, as pessoas e a si próprio.

    Heidegger ressalta que a compreensão é um modo de Ser-em (de estar ocupado com algo ou alguém) tão originário quanto a disposição. O autor entende o compreender como um ato de tornar visíveis e familiares as entidades e seres nas suas utilidades e serventias. No pensamento heideggeriano, isso equivale à permissão de uma atribuição de significados tanto na relação com as coisas como na relação das coisas. Nessa atribuição de significados, inclui-se a compreensão que, por sua vez, já traz implícita a interpretação. Compreender e interpretar são um estado existencial básico do ser-no-mundo, isto é, são modos do homem ser e existir no mundo. Para Heidegger, não há compreensão sem interpretação. E, nesse momento, é atribuído sentido à situação.

    A ocupação, o Ser-em, é o que Heidegger¹² ressalta como sendo um conceito que pode designar o ser de um possível ser-no-mundo [...] o ser da pre-sença se deve tornar visível em si mesmo como cura (cuidado). O que significa dizer que somos, enquanto viventes, pessoas cujo fundamento maior é cuidar de si mesmo e do outro.

    1.6 Cuidado (Sorge)

    Um dos aspectos presentes na análise de Heidegger sobre o ser-no-mundo é o cuidado, definido por ele como o modo como procedemos em relação aos entes que nos envolvem no mundo. O cuidado é compreendido sob dois aspectos, a preocupação e a solicitude. A preocupação designa a relação com os utensílios, objetos, coisas. Esse conceito pode ser utilizado quando, por exemplo, utilizamos nosso conhecimento para manipular o outro, usá-lo a partir de meu interesse. Já a solicitude no relacionar-se com as pessoas é uma existenciália relacionada por Heidegger com a afetividade.

    A solicitude pode acontecer de duas maneiras, conforme explicitado no primeiro parágrafo deste tópico: aquela que consiste em saltar sobre o outro, movimento que lança o outro fora de seu lugar, dominando-o e realizando as escolhas por ele; e a outra, em que esse outro tem possibilidades-para ser, é livre para fazer suas escolhas e ser-si-mesmo.

    A primeira diz respeito ao modo de preocupação em substituir o outro, assumindo suas ocupações de forma a liberá-lo delas ou devolvê-las a posteriori como algo já pronto. Isto diz respeito ao fato que, em nossa vivência cotidiana e imediata, sufocamos o outro, com quem nos relacionamos, com cuidado excessivo, não permitindo que façam esforços e os tratando-os como se fossem peças prestes a serem quebradas. É, no dizer de Heidegger¹³, nessa preocupação, o outro pode tornar-se dependente e dominado mesmo que esse domínio seja silencioso e permaneça encoberto para o dominado

    O segundo modo da preocupação consiste naquele em que um não substitui o outro, mas se antepõe, com o objetivo de colocá-lo diante de suas próprias possibilidades existenciais de ser. O autor nos diz que essa preocupação, em sua essência, diz respeito à cura (cuidado) propriamente dita, ou seja, à existência do outro, e não a uma coisa de que se ocupa, ajuda o outro a tornar-se, em sua cura (cuidado), transparente a si mesmo e livre para ela. Esse outro é percebido em sua possibilidade e autonomia.

    Considerando o já dito anteriormente, fica mais claro o pensamento emitido por Heidegger de que o Cuidado deve ser compreendido como o habitar o mundo e construí-lo, preservar a vida biológica e atender às suas necessidades, tratar de si mesmo e dos outros. Afinal, é o cuidado que torna significativa a vida e a existência humana. Ser-no-mundo, portanto, é cuidar.

    1.7 Ser-para-a-morte

    A partir do fenômeno morte, Heidegger, em Ser e tempo, afasta-se da concepção mecanicista e exterior até então vigente. Seu ponto de partida é a interpretação da morte como um fenômeno da vida, assinalando que a morte, no sentido mais amplo, é um fenômeno da vida. Para quem é obstinado, a vida continua a ser só vida. Para eles, a morte é morte, e somente isso. Mas, o ser da vida é, ao mesmo tempo, o ser da morte. Percebe-se que tudo o que começa a viver, também começa a morrer, ou seja, a morte é, simultaneamente, vida.

    O interesse de Heidegger concernem relação à morte não reside tanto na determinação da morte como um sucesso terminal ou meramente pontual – o ato mesmo de morrer – quanto à presença da morte em um continuum vital. Dessa forma, o que interessa a este autor não é tanto a morte ser um acontecimento terminal, mas o fato de a morte ser uma estrutura da existência humana. Assim, o que interessa, na realidade, não é uma análise ôntica da morte, mas uma análise ontológica ou, como ele denomina, uma análise existenciária. A compreensão ontológico-existencial revela a morte como uma estrutura do ser do homem, um existencial do próprio homem em sua estrutura de ser-para-a-morte.

    A morte, como limitante da existência, limita o cuidado, que subsiste enquanto existe vida, dando a dimensão temporal do homem. Limitado temporalmente, o Ser-no-mundo desponta como ser-para-a-morte. Afinal, como diz o pensador, a morte vem ao encontro como um acontecimento conhecido, que ocorre dentro do mundo¹⁴. O ser humano, diante da possibilidade certa da morte, abre-se para seu poder-ser-mais-próprio.

    O ser-no-mundo é um ser-possível, um ser-de-possibilidades. A determinação da morte como uma possibilidade extrema do homem – uma vez que depois dela não existe mais possibilidades – se funda nesta assertiva de ser-possível. A morte, em certo sentido, pertence ao âmbito do não-ser-todavia. Entretanto, esse termo não expressa somente uma pura possibilidade terminal, reduzida ao mínimo, e sim um poder-ser que determina o quão pronta a pre-sença é, de modo que o ser humano, enquanto é, já é seu ainda-não.

    O que, sobretudo, parece estar presente em Heidegger e sob cujo efeito faz com que ele insista nesta concepção de morte como possibilidade são determinadas formas de representação e modos de conduzir-se alusivos à morte. Isso se dá uma vez que é comum certa preconcepção pública da morte segundo a qual nós a imaginamos, como uma etapa posterior ou terminal da vida. E a morte, geralmente, é figurada como sinônimo de velhice, derivada do diagnóstico de determinadas doenças, como algo que tende a ocorrer apenas nesses casos. Frente a esta representação, Heidegger afirma não só a morte como possibilidade, pertencente à pre-sença (ao ser humano), como inclui essa possibilidade como: [...] não é algo simplesmente ainda-não dado e nem o último pendente reduzido ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo impendente, iminente¹⁵.

    1.8 Temporalidade: a vivência do tempo

    Na concepção heideggeriana, o tempo é considerado como uma questão fundamental. A temporalidade, ou seja, a forma como vivencio presente, passado e futuro, é a dimensão que, no pensamento heideggeriano, é basilar da existência humana, uma vez que é aí que o ser-no-mundo encontra condição de realização em suas possibilidades de vir-a-ser. Na reflexão deste filósofo há sempre uma tensão constante presente, resultando em uma inquietação relativa ao tempo, entre aquilo que o Ser-aí é, o seu devir e seu passado. A vivência da temporalidade pode dar-se tanto na inautenticidade quanto na autenticidade. A vivência da autenticidade da temporalidade dá-se por meio da inquietação, que possibilita que o homem ultrapasse o estágio da angústia e retome o seu destino em suas próprias mãos. A inautenticidade dá-se no distanciamento de si próprio, como se fosse

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