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Profissão: poeta: Perfil, poemas, entrevistas
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Ebook151 pages3 hours

Profissão: poeta: Perfil, poemas, entrevistas

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About this ebook

Oito longas entrevistas com o poeta Armando Freitas Filho cobrindo um período de 15 anos estão no centro deste livro. Nas margens: uma seleção de poemas organizada pelo próprio Armando e um perfil biográfico do poeta escrito por Francesca Angiolillo.

Porta de entrada para o universo poético e íntimo de um dos nomes centrais da poesia moderna brasileira. Labirinto da mente e do coração do artista.

Prevendo a tentação de oferecermos este livro como uma espécie de "Armando por ele mesmo", o poeta avisa: "Não se fie muito em quem introduz o seu próprio conteúdo nesses tempos contaminados e perigosos."

Fica o convite para que o leitor se arrisque nessas páginas de registros e tempos múltiplos.
LanguagePortuguês
PublisherHB
Release dateSep 16, 2016
ISBN9788584741205
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    Book preview

    Profissão - Armando Freitas Filho

    Sumário

    Capa

    Rosto

    Introdução e aviso

    Poemas

    Entrevistas

    Perfil

    O dever do poeta

    Sobre o autor

    Copyright

    INTRODUÇÃO E AVISO

    Nas dezenas de entrevistas que concedi, que Cristina Barros Barreto coligiu e selecionou, nesta longa vida, mas não tão longa o bastante, ela acertou no alvo pretendido. Evitou o que pôde as repetições inevitáveis de um poeta que não tem heterônimos; que não tem, porque não acreditaria na autonomia deles. Sou filho único, incrédulo, incapaz dessas fantasias. Outros mais habilidosos e ou manhosos conseguiram e conseguirão tenho certeza, seduzir ou enganar os leitores nesse quesito.

    Portanto, relevem as revelações, que sem farsa ou magia, acabam aqui e ali se repetindo, apesar de todo o cuidado de quem as escolheu. Pulem a parte que já leram é o que posso aconselhar. E para dizer a verdade, talvez por ser gago, gosto de repetir-me a fim de ver se conserto o que saiu titubeante ou incompleto.

    As entrevistas ocupam um arco de tempo que começa em 1998 e chega a 2013. Ufa! Se me canso ao reler-me por tanto tempo, imagine os outros tão apressados e digitais como agora, com suas tecnologias de ponta, de poucas palavras e nenhuma digressão.

    Os poemas escolhidos são do livro inédito, Numeral / Nominal que abriu, em 2003, a reunião da minha poesia até então, em Máquina de escrever. Ele não passou em branco, mas, a meu ver, talvez por causa dos doze outros que compunham o volume, paradoxalmente, não foi devidamente notado, embora novo em folha, sendo um dos meus melhores livros até hoje.

    Finalizando, acrescento: é uma sensação nova não estar impresso em papel que, segundo dizem, aceita tudo, assim como o espaço virtual. Além do mais não posso negar que há uma concordância, existencial digamos, em quem daqui a pouco vai ser inconsútil e etéreo, como um e-book.

    Por último, aí vai o aviso: não se fie muito em quem introduz o seu próprio conteúdo nesses tempos contaminados e perigosos. E assim me encerro, ainda sem pedir socorro.

    Armando Freitas Filho

    Poemas

    Seleção: Armando Freitas Filho

    LIVRO

    ler

    A partir de um desenho de Seurat

    entrecerrado, entre o preto

    e o branco, a claridade que vaza

    é a de que quando amanhece.

    É a do halo mais do que da lâmpada.

    É a da primeira página aberta

    pelos olhos à luz de quem mergulhou

    na leitura e na espécie de água

    que o pensamento para e agita.

    escrever

    Sofrer o livro. Entrever o trançado

    de caneta e dicionário, e o desvio

    que o sentido impôs à linha

    em cada folha nova e úmida

    que passa, vira, no vento do sol

    do dia aberto, seca, e se volta

    para sempre, para trás – para

    contra a cal viva, o papel vazio

    contra a noite dos olhos fechados.

    BORRÃO

    Escrever em cima do que

    já estava escrito copiando

    não tanto a letra mas a sensação

    que bate perto do coração selvagem

    de Clarice, da nudez de Drummond

    das vidas secas de Graciliano

    do tema e voltas de Bandeira

    no cão de João, nas bananas podres

    de Gullar, no delírio de Brás Cubas

    no tiro ao alvo ao sol de Michel

    aliás, Laszlo Kovacs, na grossa fuga

    de Humbert Humbert, América adentro

    através do grande vidro de Mutt, R.

    aka Rrose Sélavie, ou pela via expressa

    das séries de desastres de carro

    de Andy, até o engarrafamento

    de week-end, com Lautréamont

    berrando ao fundo contra a barra

    do acompanhamento furioso da bateria

    até o assalto à fronteira, de K.

    ao som de agon, de Igor Stravinski.

    TRÊS SERTÕES

    Ler Os sertões é tão árduo e áspero

    quanto atravessá-lo, por isso paro

    na seca de cada parágrafo farpado:

    os olhos ardem, morto de sede e fé

    sem ar, no árido, onde o sol anda

    de ceca em meca, e cai na chapada

    enrugando a lixa do texto cerrado

    encarando a guerra de preencher

    cabralmente, a nova página branca

    da mesma paisagem idem, dura, letra

    por letra, passo a passo, e o preto

    vai ficando mais fechado. Graciliânico

    esforço manuscrito de léguas e laudas

    e se aproveita todo espaço, de margem

    a margem, escrevendo por camadas

    com lógica empedernida, geológica

    respirando a custo, no Grande sertão:

    veredas, onde se delibera o rosa

    em meio à rocha e à ruína, da flor

    que pega fôlego na terra do sol, vinga

    onde Deus e o diabo olham pelo mesmo

    olho parado de caveira do boi morto:

    só – entre cactos de palavras – fracasso.

    MÓVEL

    Mesa seca, no osso, sem o viço de origem.

    Com os quatro pés de esqueleto, já sem raízes

    pisando na terra, prestes a se quebrarem.

    A madeira é quase lenha que não lembra mais

    quando ousou folha flor fruto, vergou sua copa

    o tronco, com os ramos estalando sob o vento.

    Quando deu sombra e intervalo ao sol.

    Quando foi árvore de onde a ave deriva.

    10 ANOS

    para Carlos

    Flor masculina do meu bosque

    seu cheiro começa a ser íngreme

    árduo – de cabelo e músculo –

    de dias ardidos de escalada.

    Subsiste o primeiro suor da noite

    inodoro porque em repouso

    a pele lisa que a barba e a acne

    ainda não contrariam, o ar de entrega

    que se mantém embalsamado

    pelo sono ou por algum sonho

    de maldade, com mulher de celofane.

    Mas a infância já se feriu, inevitável

    ao entrar na casa de dois dígitos para sempre.

    A dor de alterar-se, de altear-se

    estala, e a inocência também é de sangue.

    Uma e outra se quebram e reanimam-se:

    têm o mesmo comportamento, prazo

    bravio e breve, das ondas no mar.

    URCA

    para Cri

    em casa

    No quintal, abrupta, primária

    a rocha aflora – é o pé no chão

    do Pão de Açúcar, pronto, sentido!

    Sentinela batendo no céu, em continência.

    Parado, atrás da casa, equilibrado

    para não dar um passo a mais, para não pisar

    na vida do pequeno jardim, no bosque de ráfias.

    na rua

    Cheiro de chão de cerâmica molhada

    e de grama recém cortada rente.

    O mar sempre beirando as pedras, mas

    às vezes, raro, em ressaca, no paredão.

    O rumor arranhado das folhas secas na rua

    a nota só, aguda, repetida, retomada

    do rap ardente da trilha das cigarras

    e a percussão breve das amêndoas

    quando caem na calçada, e meio abaulada

    quando batem no teto e no capô dos carros.

    CDA NO CORAÇÃO

    Drummond é Deus. Pai inalcançável.

    Não reconhece os filhos. A mão ossuda

    e dura, de unhas rachadas, não abençoa:

    escreve, sem querer, contudo, a vida

    de cada um, misturada com a sua.

    Sangue da mesma família, carne

    igual – de milagre e tigre – continua

    a se emendar, ferida após ferida.

    Mas não cessa. Não para, ainda que a dor

    ameace interromper a veia, do que só sob

    pressão se articula inteligível, do que só

    funciona sozinho, pessoal, mas transparente

    contra a vontade do coração medido.

    Óculos, binóculos, luneta metafísica

    aproximam o que já é próximo:

    o que respira colado à pele sem que

    o pensamento passe a limpo o calor

    do que quase inaudível é inaudito

    e íntimo, do que é subterrâneo

    mas não quer outra existência

    ou apogeu: do que sem luz natural

    ilumina para dentro, para baixo

    e cresce – raiz sem flor no fim.

    Sem o desperdício do suor da cor.

    Sem ser surpreendida, sem flagrante

    sequer de sua fragrância imaginada.

    Boca de traço reto. Face litográfica

    riscada em poucas linhas, a carvão.

    O corpo está em jogo desentranhando-se

    das paredes urbanas que atravessa

    a passo automático, com sua fala seca

    datilografada depressa, que transforma tudo

    em linguagem; o sub-reptício, o explícito –

    o vulto e o vulcão – acontecendo em dois tempos:

    calculado e sem contagem, dentro da mesma voz

    que imprime, minuciosa, no verso

    o revérbero, e no rosto da folha

    da natureza, as suas variações

    sob o olhar azul-céu de longo alcance.

    SOBRE UMA FOTO DE EDWARD WESTON

    Nua, anônima, 1923. Vinte anos presumíveis

    branca, em decúbito dorsal, com o tronco

    arqueado (talvez pela respiração presa

    no instante único da foto, ou melhor:

    foi a foto que a sustou, a suspendeu

    para sempre), e mais o cheiro, parado

    do grosso cabelo preto do púbis

    do pouco que aparece nas axilas não raspadas

    que saboreio, degusto, engulo em seco

    sinto o gosto, agora, porque a pele

    do corpo é de hoje, setenta e oito anos depois

    e brilha, lisa, morena de sol, sem nenhum sinal

    de vida, porém. Teus olhos fechados te encerram.

    MONROE

    Marilyn, de memória, 1949

    clicada pela mão de Tom Kelley

    em local desconhecido, sem nada

    exceto o rádio ligado, sem nem

    o futuro véu de chanel nº 5, nua

    absoluta, sobre veludo vermelho molhado:

    mancha de leite elástica, corpo veloz

    em ascensão, muito antes de depois

    da queda, boca aberta, chama

    despenteada, extática no vento da música

    com os cabelos, entre o louro e o cobre.

    SOBRE UMA FOTO DE ANA C.

    para Helô

    O verbo colear cabe aqui, justo

    em todas as suas flexões, e cola

    exato, no músculo puro e nu

    que se movimenta assim, escaldante

    na velocidade de cobra ou de mercúrio:

    de zero a cem, cobre o espaço do corpo

    sem sentir a força da aceleração

    nem a volta, serpentina, à inércia

    do anel inicial. Nos dois estágios

    cai como uma luva, veste-se somente

    de si, com sua pele mais fina e final.

    CALOR

    Cheiro de carro novo, de mulher.

    Couro, verniz, visgo, esmalte.

    É depressa. Coração de cabeça:

    bate, pensa, acelerado e aberto.

    Praia de deus, desmesurado.

    Dias

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