Cenas do Cotidiano
By Chico Neto
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Book preview
Cenas do Cotidiano - Chico Neto
Ao velho Chico, meu avô,
por ter me ensinado os primeiros passos.
Alheia aos conflitos existenciais humanos
A vida segue sua sequência cronológica
Deixando como vestígios
Apenas fragmentos de momentos que já foram presentes
E que jazem perdidos para sempre
Na imensidão infinita do passado.
Sumário
Cotidiano I
Cotidiano II
Cotidiano III
Cotidiano IV
Cotidiano V
Cotidiano VI
Cotidiano VII
Cotidiano VIII
Cotidiano IX
Cotidiano X
Cotidiano XI
Cotidiano XII
Cotidiano XIII
Cotidiano XIV
Cotidiano XV
Cotidiano XVI
COTIDIANO I
Uma pequena praia em forma de Lua minguante. A tarde de segunda-feira seguindo em frente. A brisa marinha arrefecendo os efeitos do calor escaldante. A reduzida faixa de areia competindo com a vegetação. As ondas arrebentando próximas da linha d’água. O som imponente ecoando no ar. O entorno formado pelas encostas verdejantes dos morros. Os blocos de nuvens brancas desfilando no céu azul de anil. Um homem solitário caminhando vagarosamente. O formato dos pés ficando desenhado na areia macia. O vazio interior. A fisionomia apática e o olhar perdido na imensidão do mar.
Seu nome: Dionísio
O que faz ali sozinho? Tenta esquecer uma decepção amorosa.
Dionísio em completo alheamento. As recordações desfilando na mente. O olhar acompanhando o vaivém das ondas. A espuma branca deixando frágeis marcas na areia. A exuberância da natureza displicentemente observada. A nostalgia inundando o coração. O sorrateiro suspiro. O movimento com a cabeça ao notar a aproximação de um pescador. A singular presença espantando as lembranças desagradáveis. A atenta observação. Um par de olhos experientes vasculhando o mar. A tarrafa sendo jogada com maestria. A pacienciosa retirada e os frutos da ação sendo colocado em uma sacola.
Os minutos se sucedendo. O pescador seguindo em frente. A mão erguida em resposta ao mudo cumprimento. A solidão outra vez marcando presença. Um albatroz pairando no ar. O olhar acompanhando o mergulho perfeito. A abstração durando uns poucos segundos. As atividades cerebrais outra vez em ação, e a paixão não correspondida invadindo novamente os pensamentos.
O lento caminhar tendo prosseguimento. O tempo seguindo em frente. Mais uma figura humana entrando em cena. O vulto provocando o desvio da atenção. Dionísio observando discretamente. O perfil curvilíneo vindo em sua direção. As rochas arredondadas como pano de fundo. Um lenço colorido dançando ao vento. A malha destacando as curvas do corpo feminino. O caminhar elegante. O espaço reduzido propiciando a aproximação. O voo rasante de uma gaivota. O susto provocando a interrupção da marcha. O movimento gracioso ao se defender. O pássaro pousando à beira d’água. O sorriso e a exclamação: Ufa! Quase fui atropelada...
O sorriso sendo prontamente retribuído. A observação sobre a audácia do pássaro. A resposta de que a praia também é dele. A plena concordância. Os dois observando a ave correr em busca do alimento. O sol espiando atrás do morro. A lufada de vento soprando com mais força. A mão ajeitando a extensa cabeleira. A discreta observação de ambas as partes. Dionísio comentando sobre o pouco movimento na praia. A resposta de ser início de temporada. Os olhares se encontrando. O súbito silêncio. Os sorrisos outra vez brotando nos lábios. A falta de assunto. O pedido de licença e o prosseguimento da caminhada.
Os olhos acompanhando o caminhar sensual. As curvas sedutoras prendendo a atenção. O giro com a cabeça ao olhar para trás. O flagrante provocando o despiste. A majestosa representante do sexo feminino se distanciando. O piado estridente de uma gaivota interrompendo a contemplação. O voo rasante da ave desviando a atenção. O retorno da observação já não encontrando a bela da praia. O olhar atento tentando identificar para onde ela foi. A súbita inquietação e a decisão de recolher-se ao chalé onde está hospedado.
Dionísio preparando o improvisado jantar. A mesa ajeitada caprichosamente. Os alimentos sendo calmamente consumidos. O copo de vinho degustado. A aragem balançando a cortina da janela. O deslumbrante cenário marinho como pano de fundo. A refeição concluída. O deslocamento até a sacada. A rede sendo pendurada no suporte. O corpo se acomodando. Os efeitos do álcool provocando o relaxamento. As mãos cruzadas à nuca. O olhar preguiçoso observando o mar. Um pequeno barco de pesca vai galgando as ondas encrespadas. Os minutos se sucedendo. A noite se insinuando, e as primeiras estrelas despontando no céu.
O pesado silêncio marcando presença. O coração apertado. A lembrança da paixão não correspondida outra vez se insinuando. A saudade invadindo o peito. Um casal de idosos na sacada do chalé vizinho. A discreta observação. A solidão machucando. O recolhimento. Um livro de autoajuda sendo apanhado. O título sugestivo estampado na capa. O que se deve fazer para esquecer um grande amor
, e a exclamação mental: Ajude-me... Pelo amor de Deus!
.
O novo dia chegando. Dionísio se espreguiçando na cama. O livro entreaberto sobre o criado-mudo. O relógio indicando o adiantado das horas. O banho demorado. A barba aparada com displicência. O calmo desjejum. A porta de acesso à sacada sendo escancarada. O sol radiante ofuscando a visão. Os olhos fechados ambientando-se. O preguiçoso bocejo. A brisa gostosa acariciando a pele. O suspiro profundo. O mar perdendo-se de vista. As águas esverdeadas e a atenção desviada para um corpo feminino estendido sobre a areia.
A distância dificultando a identificação. A atenta observação. Um lenço tremulando ao vento. A lembrança do encontro da tarde anterior. A curiosidade aguçada. A súbita decisão de tomar um banho de mar. A sunga substituindo a bermuda. O deslocamento até a beira d’água. A dissimulada aproximação pela retaguarda. O pressentimento se confirmando. A bela do entardecer deitada de bruços sobre uma toalha. Um livro na mão. A distração com a leitura. O diminuto biquíni ressaltando as curvas sedutoras. O espetáculo encantador acelerando os batimentos cardíacos. A breve contemplação e o mergulho no mar.
O corpo assimilando o choque com a água fria. O discreto olhar para trás. A constatação de que o livro fora deixado de lado. A percepção de estar sendo alvo das atenções. O ego comandando as ações. A inconsciente tentativa de impressionar. O nado de costas. As braçadas vigorosas. O retorno ao ponto de partida. O espetáculo aquático se encerrando. As gotículas de água brilhando no corpo. A aproximação arquitetada. A deslumbrante expectadora sentada na areia. O sorriso encantador e a humorada exclamação: Nossa! Juro que pensei que eras um golfinho...
A gargalhada ecoando na praia. Dionísio respondendo também ter se deparado com uma sereia. O corpo escultural pondo-se em pé. O gesto gracioso demonstrando estar lisonjeada. Os olhos da cor do mar. A mão estendida. Marina se apresentando. O olhar perturbador. O contato revelando a suavidade da mão. O coração disparando. O nome Dionísio pronunciado de forma vacilante. O esforço para recuperar o controle. A observação de que acertou o prognóstico. As mãos se separando. A expressão interrogativa aguardando a explicação. O significado do nome Marina em latim sendo mencionado. A coincidência com a sereia e o sorriso encantador como resposta.
O momento mágico se prolongando. Dionísio abordando o encontro do dia anterior. O episódio da gaivota sendo relembrado. O riso descontraído. A tentativa de espichar o diálogo. A pergunta se ela mora nas imediações. A resposta evasiva. O complemento de que as sereias moram no mar. As risadas se repetindo. A beleza da praia mencionada. O chalé onde ele está hospedado sendo mostrado. Marina observando a rústica construção na encosta do morro. A escada de madeira sobre a vegetação verdejante. A vista privilegiada e o comentário de que ele está no paraíso.
A mudança do foco da admiração. Dionísio concordando com ela. A menção de estar diante de um anjo. Os olhos novamente se encontrando. O silêncio revelador. A troca de sorrisos. A indagação se ele mudou de ideia. O olhar interrogativo. A menção de ter sido considerada uma sereia. A pergunta de qual seria sua preferência, e a resposta de ser simplesmente Marina.
O diálogo prosseguindo. A indagação se ele está sozinho. A resposta afirmativa. Marina parabenizando-o. O olhar introspectivo discordando. A desilusão amorosa não sendo mencionada. A mútua avaliação. A curiosidade de saber se ela é comprometida. Os dedos sem nenhum ornamento. A pergunta à queima-roupa. O breve silêncio. O olhar enigmático e a resposta interrogativa: Faz diferença?
Dionísio conjecturando. A surpreendente resposta provocando a perturbação dos sentidos. Mil ideias desfilando na mente. O mistério aumentando o fascínio. A passagem apressada de um caminhante desviando a atenção. O cérebro em buscas das palavras apropriadas. O olhar retornando a ela. O veredito sendo aguardado. O sorriso e a enfática exclamação: Nenhuma... as flores pertencem à natureza!
O galanteio proporcionando o efeito desejado. O olho no olho. O mútuo deslumbramento. A química do amor em ação. A vontade louca de convidá-la a ir até o chalé. A significativa diferença de idade