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Intertextualidade: A Nomeada nas Personagens de Machado de Assis
Intertextualidade: A Nomeada nas Personagens de Machado de Assis
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Intertextualidade: A Nomeada nas Personagens de Machado de Assis

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Em Intertextualidade: a nomeada nas personagens de Machado de Assis, a autora apresenta uma galeria de personagens amantes de si mesmas, movidas pelo desejo exagerado de "nomeada ou amor da glória", tema identificado na vasta produção literária de Machado de Assis, porque acompanha o autor por mais de quatro décadas. Para realização da proposta, a autora apresenta a trajetória artística do escritor, os temas mais trabalhados por ele, a presença da nomeada em obras de outros escritores, bem como na Filosofia. A estudiosa seleciona o romance Memórias póstumas de Brás Cubas como texto central e insere vários contos para melhor discussão do tema em questão – "O alienista", "O segredo do Bonzo", "A sereníssima República", "Conto alexandrino", "Cantigas de esponsais", "Um homem célebre" e "Teoria do medalhão". Tendo em vista as assimilações e os empréstimos operados por Machado de Assis em suas narrativas, o último capítulo deste livro realiza o estudo dos textos que podem ser vinculados à intertextualidade alógrafa, a saber: "O homem da areia" (Hoffman) e "O capitão Mendonça", "O coração denunciador" (Poe) e "O enfermeiro" (Machado de Assis). O aparato teórico que sustenta as análises abrange as teorias referentes à intertextualidade, à crítica temática e aos elementos da narrativa: personagem e narrador. Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 e faleceu em 29 de setembro de 1908, portanto o livro que você, leitor, está a contemplar vem à luz 110 anos após a morte do brilhante autor. Sua obra continua despertando interesse do público porque seus temas envolvem o ser humano em qualquer espaço e em qualquer tempo, e, movido pelo sentimento íntimo que tanto defendeu, criou uma obra sem limites temporais e geográficos.
LanguagePortuguês
Release dateNov 14, 2018
ISBN9788547313890
Intertextualidade: A Nomeada nas Personagens de Machado de Assis

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    Intertextualidade - Valdira Meira Cardoso de Souza

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 do autor

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso próprio ser: queremos viver na idéia [sic] dos outros uma vida imaginária e nos esforçamos para aparecer. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário, e descuramos do verdadeiro.

    (Pascal)

    A Deus, autor da minha fé. A Ele, a honra, a glória e o louvor.

    A José, Edna e Edvaldo.

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, primeiramente, autor da vida. Aos meus pais, José Cardoso e Edna Meira, pelo amor, compreensão e dedicação. A Edvaldo de Souza, meu esposo, pelo incentivo e por acreditar sempre nas minhas propostas. Aos meus irmãos, Joás, Magda, Iêda e Cristiane, por compartilharem com alegria das minhas vitórias. A Marcelo (in memoriam), meu inesquecível e saudoso irmão. Jamais conceberia sua ausência, ainda mais neste momento tão importante da minha vida, mas tenho a convicção que você se alegraria muito comigo. Aos queridos cunhados, pelo carinho. Aos sobrinhos, Joyce, Lucas, Tito, Tiago, Gabriel, Felipe e Henrique, meus filhos do coração, por compartilharem comigo de muitas vitórias, proporcionarem tantas alegrias, e por tornarem a vida mais leve e feliz. Aos tios, Maria Celeste e Osvaldo, pelo suporte durante parte da minha formação. Ao professor Dr. Audemaro Taranto Goulart, pela disponibilidade e profissionalismo. Aos meus amigos, especialmente a Nerynei Bellini, uma amiga singular que, apesar da distância, nunca se esqueceu da colega de profissão. Aos professores, orientadores e funcionários da Unesp, câmpus de Assis. À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, minha alma mater, por viabilizar meu aperfeiçoamento profissional no campo das letras. Aos colegas e funcionários do DCHL e DELL, pelo suporte, aos alunos e ex-alunos pelas discussões literárias, especialmente a respeito da obra de Machado de Assis. Finalmente, agradeço à equipe editorial da Appris, pelo apoio e profissionalismo.

    APRESENTAÇÃO

    As produções literárias do escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908) são, com certeza, um dos acontecimentos humanísticos mais exponenciais dos séculos XIX, XX e XXI. O seu projeto de literatura – contemplando temas fulcrais para estudos sobre as experiências humanas (o indivíduo, as relações indivíduo/sociedade, a estética, a filosofia, dentre outros) – constitui um cataclismo artístico de singular valor, cujos contornos e resultados ainda não foram de todo desvelados, a despeito dos inúmeros trabalhos voltados à composição machadiana.

    A origem humilde do escritor poderia ter empanado seu talento para as letras, nascido em uma chácara no Morro do Livramento no Rio de Janeiro, foi filho de pai pintor de paredes (Francisco José de Assis) e de mãe lavadeira (Maria Leopoldina Machado de Assis), ainda menino trabalhou vendendo doces para ajudar nas despesas da casa e pouco frequentou uma escola pública. Todavia, logo cedo revelou seus pendores intelectuais, na juventude aprendeu francês com uma amiga. Trabalhou como aprendiz de tipógrafo e foi revisor na livraria de Francisco de Paula Brito. Colaborou para vários jornais e revistas, dentre eles, Revista Ilustrada, Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio. No âmbito da literatura, Machado foi um escritor completo, pois escreveu poemas, romances, contos, crônicas, peças teatrais, crítica e correspondências.

    Aficionada pelas obras machadianas, a professora e pesquisadora Valdira Meira Cardoso de Souza há, pelo menos, quinze anos se debruça sobre a escritura do autor fluminense e tem contribuído para as reflexões a respeito de sua tessitura com importantes trabalhos e apresentações em eventos científicos, orientações acadêmicas e demais atividades afins. Agora, a professora vem presentear os leitores e estudiosos com um trabalho ímpar, seu livro Intertextualidade: a nomeada nas personagens de Machado de Assis. Os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos sobre o escritor podem ser demonstrados já no primeiro capítulo da obra de Valdira, Trajetória artística de Machado de Assis, onde traça seu percurso artístico, do ponto de vista da maturidade intelectual do autor.

    Cabe ressaltar que, como o próprio título prenuncia, a pesquisadora aborda o tema a sede de nomeada ou o amor da glória, recorrente em Machado, conforme perceptível no segundo capítulo, Iteração temática: sede de nomeada na produção literária de Machado de Assis, que trata da articulação formal das narrativas do escritor fluminense quanto ao anseio desmedido do homem de ser exaltado. Essa temática foi assimilada do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, em uma das confissões do seu protagonista por ocasião da idealização da invenção do emplasto: Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo. [...]. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória. A busca da fama não é um tema exclusivo do século XIX, muito menos da literatura; aparece também na filosofia. A fim de embasar suas considerações, no terceiro capítulo, Proposições teóricas, a autora discute proposições teóricas sobre a temática em pauta, a intertextualidade, as categorias narrativas de Gérard Genette e a personagem de ficção.

    No âmbito dos entrecruzamentos intrínsecos à feitura literária de Machado, nos capítulos quatro (Pseudoexperiências: Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Alienista, O Segredo do bonzo, A Sereníssima República, Conto Alexandrino), cinco (Uma produção original – escritura e música: Memórias Póstumas de Brás Cubas: Cantigas de Esponsais e Um Homem Célebre) e seis (Um legado paterno: Memórias Póstumas de Brás /Cubas e Teoria do Medalhão- aproximações), a autora apresenta uma seleção de narrativas que traz uma galeria de personagens maníacas pela fama e são capazes de fazer qualquer coisa para alcançá-la. A obra Memórias póstumas de Brás Cubas é o texto central da seleção e ao lado dele, consoante o título do capítulo, são agrupados os contos O alienista, O segredo do bonzo, A sereníssima República, Conto alexandrino, Cantigas de esponsais, Um homem célebre e Teoria do medalhão. Ademais, estabelece uma relação interessante entre escritura e música entre o romance em tela e os dois contos citados, penúltimo e antipenúltimo.

    A pesquisadora analisa as absorções e transformações que Machado de Assis realiza das suas próprias narrativas, mas não escapam ao seu olhar os diálogos que o escritor fluminense estabelece com a filosofia, com a Bíblia Sagrada, com a ciência, com a música e, especialmente, com escritores da literatura universal, a exemplo de Shakespeare, Sterne, Hoffmann, Poe e o cronista e viajante Fernão Mendes Pinto. Durante sua exposição, a professora demonstra que a busca da glória não é um tema exclusivo das personagens machadianas, mas está presente na obra Dom Quixote (Miguel de Cervantes), nas reflexões dos filósofos Pascal, Schopenhauer, La Rochefoucauld e Matias Aires. Os estudos a respeito da crítica temática, da intertextualidade e dos elementos da narrativa (personagem e narrador) deram sustentação às abordagens empreendidas neste livro.

    Conforme se pode perceber no sétimo capítulo do livro, Intertextualidade alógrafa: reescritas machadianas, a professora amplia sua leitura das muitas produções do escritor com o estudo da intertextualidade alógrafa, processo desenvolvido por Machado, a exemplo dos textos O homem da areia (Hoffman) e O capitão Mendonça, O coração denunciador (Poe) e O enfermeiro (Machado de Assis). Espera-se que as leituras literárias empreendidas pela autora, contribuam para os estudos machadianos.

    A partir da leitura de Intertextualidade: a nomeada nas personagens de Machado de Assis pode-se depreender que o livro é fruto de anos de dedicação da professora Valdira Meira Cardoso de Souza ao estudo da composição literária de Machado de Assis e ao universo temático da sede de nomeada ou amor da glória, cujas reflexões foram fomentadas por ela em inúmeros congressos e aulas e por meio da publicação de vários artigos científicos e capítulos de livros. O resultado é um trabalho produtivo e consistente de imprescindível saber para estudiosos do escritor e do tema.

    Prof.ª Dr.ª Nerynei Meira Carneiro Bellini

    Professora e pesquisadora da Universidade Estadual do Norte do Paraná

    PREFÁCIO

    Quando alguém diz que vai escrever um trabalho crítico sobre Machado de Assis, costuma-se ouvir de aficionados de literatura a objeção: Existe ainda alguma coisa a ser dita sobre a obra de Machado? Sim, pode-se responder, existe e sempre existirá, ainda que a obra do escritor esteja soterrada numa montanha bibliográfica.

    Nenhuma mágica existe nesse quadro. Ou, melhor, existe, sem dúvida: a mágica da língua. Explique-se isto com uma conceituação operacional de língua, que pode ser sumariada sob três ângulos: 1) A língua é constituída por um número finito de elementos: fonemas e morfemas. 2) Tais elementos combinam-se num número finito de possibilidades. 3) O desempenho da língua é, entretanto, infinito.

    É algo mágico, ou misterioso, que um número finito de elementos, articulando-se segundo possibilidades finitas, apresentem um desempenho infinito. Esta a mágica: a língua projeta-se no tempo em constante evolução, sem qualquer sinal de esgotamento.

    É neste aspecto, pode-se dizer, que qualquer obra jamais alcançará um termo, um lugar onde ela não suscite novas leituras, novas descobertas, novos dizeres. E a língua, como matéria prima da literatura, transfere para as obras que abriga essa dimensão mágica. Por esse motivo, sempre existirá muito que dizer de qualquer obra literária.

    No caso específico deste livro, Valdira Meira propõe-se tomar sete contos de Machado de Assis para analisá-los sob a perspectiva da sede de nomeada, da busca da glória, da cata ao louvor que toma as personagens machadianas, tendo o romance Memórias póstumas de Brás Cubas como texto de referência.

    Diga-se que a abordagem do tema proposto não é nova, visto que a crítica já se ocupou bastante da questão da ânsia do poder e do reconhecimento que percorre um grande número de personagens machadianas. Essa chama que queima o interior de muitas dessas personagens, na verdade, é um dos mecanismos que mais arde no interior do ser humano, motivo pelo qual o irredutível vezo crítico de Machado fez dele um vetor privilegiado em sua obra.

    Um rápido movimento da memória traz à luz o quanto a sede do poder e da glória fez-se matéria a ser denunciada como dos mais perversos impulsos do ser humano. É o que coloca Nietzsche quando revela que temas aparentemente desvestidos de qualquer inclinação ardilosa são notórios emblemas do desejo do homem de ser reconhecido, louvado, e uma das vias para tanto é a determinação de submeter o semelhante. É o que se dá, por exemplo, com a tirania do conhecimento, quando o filósofo, surpreendentemente, afirma que o conhecimento foi inventado, com a nítida intenção de produzir a supremacia de um ser sobre outro. Nessa mesma linha, Nietzsche coloca que a religião e até mesmo a poesia foram inventadas com o mesmo propósito. Assim, não é de estranhar que Machado de Assis tenha recortado o tema com especial predileção. Afinal, embora não haja evidência de que Machado tenha sido leitor de Nietzsche, é de se perceber que corre entre os dois aqueles famoso mecanismo psíquico do Zeitgeist, um espírito do tempo que alcança as pessoas de modo espontâneo, aproximando-as. É por isso que a reconhecida acidez crítica de Machado de Assis faz dele um autor de recorte nietzschiano.

    Na esteira de um raciocínio simples, ouso dizer que o texto de Valdira é original. Afinal de contas, o novo não é, necessariamente, aquilo que ainda não foi inventado. Pode-se, perfeitamente, dizer que falar do conhecido de um modo particular, pessoal, enfim, falar sobre algo já revelado mas numa forma ainda não produzida é trabalhar com a originalidade. E a abordagem de Valdira tem essa dimensão, na medida em que toma os contos que orbitam o romance famoso de Machado, dissecando-os com considerações que iluminam a penumbra que se faz em alguns de seus recantos.

    Nessas observações, é importante dizer que alguns elementos privilegiados no texto têm relevância para a compreensão das análises produzidas, como é o caso da crítica temática, as referências à intertextualidade e ao dialogismo bakhtiniano, aspectos que, dentre outros, são essenciais para a sustentação do olhar crítico da autora.

    Falo de Bakhtin porque ele é um dos nomes de referência nos estudos de literatura, mas é preciso lembrar que Valdira elenca um grande número de teóricos que abordam o fenômeno literário sob os mais variados aportes, tudo dentro do princípio de operar a sustentação de suas análises.

    É também importante fazer referência à importância da presença de Aristóteles como um dos autores evocados para iluminar as considerações. Como se sabe, o filósofo grego tem grande proeminência nos estudos teóricos da literatura ocidental, à vista mesmo de ele colocar-se como um dos fundadores de tais estudos. Para além da importante revivescência de Aristóteles, é preciso dizer que sua presença traz ainda outra significação para o trabalho, uma vez que ele surge como garantia de um patamar crítico marcado pela clareza e profundidade, algo que precisa ser destacado nesses tempos em que os estudos de literatura imergem em teorizações que acabam sobrelevando-se ao texto literário como se quisessem ser mais importantes do que ele.

    Nesse aspecto, veja-se como o estudo sobre as personagens ganha consistência quando Valdira vale-se das considerações de Aristóteles sobre os processos de construção dos sujeitos segundo o objeto da imitação, tal como se vê na Poética.

    Quero ainda destacar uma pequena observação feita no trabalho, mas que é bem uma amostra do olhar analítico da autora. Trata-se da referência às críticas que Machado de Assis faz sobre a questão temática desenvolvida, chamando a atenção para o fato de que há, no Memórias póstumas, um universo ficcional ilusório, o que está configurado no fato de que o narrador é ninguém menos que um morto, um morto que fala, narra, dá recados ao leitor e faz críticas demolidoras. Essas artimanhas são bem uma marca de Machado de Assis, como se pode ver também nos famosos jogos verbais produzidos por ele. Em tais jogos, têm-se o conhecido palavra-puxa-palavra ou um equivalente típico como o deslizamento de significantes. Exemplo típico, que Valdira lembra para falar da ânsia de glória em Brás Cubas é o desejo de criar o famoso emplasto que seria colado ao corpo para atenuar dores musculares. É evidente o tom irônico-cômico que se vislumbra no vocábulo, sobretudo quando se verifica que nele está intrometida e sugerida a palavra plasta, massa maleável que se molda com facilidade, mas também sujeito lerdo, sonso, sem habilidade ou talento.

    Tais recursos abundam na obra machadiana, sendo desnecessário lembrar outros exemplos, à vista de que basta abrir qualquer uma de suas narrativas para se deparar imediatamente com eles.

    Ao fim e ao cabo, pode-se dizer que o livro de Valdira Meira inscreve-se como mais um proveitoso trabalho para a apreciação da inesgotável obra de Machado de Assis.

    Audemaro Taranto Goulart

    Professor dos cursos de graduação e de pós-graduação da PUC Minas

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    1

    A TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE MACHADO DE ASSIS

    2

    ITERAÇÃO TEMÁTICA: SEDE DE NOMEADA NA PRODUÇÃO

    LITERÁRIA DE MACHADO DE ASSIS

    3

    PROPOSIÇÕES TEÓRICAS

    3.1 Temática: algumas considerações 

    3.2 Intertextualidade: noções básicas 

    3.3 Categorias narrativas: modo e voz 

    3.3.1 Modo narrativo 

    3.3.2 Enunciação narrativa: voz 

    3.4 A personagem na narrativa ficcional 

    4

    PSEUDOEXPERIÊNCIAS: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, O ALIENISTA, O SEGREDO DO BONZO, A SERENÍSSIMA REPÚBLICA E CONTO ALEXANDRINO

    5

    UMA PRODUÇÃO ORIGINAL − ESCRITURA E MÚSICA: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, CANTIGAS DE ESPONSAIS E

    UM HOMEM CÉLEBRE 

    6

    LEGADO PATERNO: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

    TEORIA DO MEDALHÃO − APROXIMAÇÕES

    7

    INTERTEXTUALIDADE ALÓGRAFA: REESCRITAS MACHADIANAS 

    7.1 O fantástico: elemento dialógico entre O Capitão Mendonça, de Machado de Assis e O Homem da Areia, de E.T.A. Hoffmann 

    7.2 Inquietações e confissões: O enfermeiro de Machado de Assis e O coração denunciador de E. A. Poe 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    [...] Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou por outras palavras enérgicas, não há espetáculo sem espectador.

    (Machado de Assis)

    Oriundo de minha tese de doutorado¹, este livro é o resultado de longos anos de dedicação aos estudos machadianos, nos quais procurei mergulhar no universo ficcional do escritor fluminense, uma paixão antiga e duradoura, que renasce a cada releitura que faço da sua obra. Posso definir a publicação deste livro com a palavra recompensa – após muitos estudos, pesquisas nas madrugadas, simplesmente pelo prazer de ler, reler e analisar a obra de Machado de Assis. Cada descoberta que fazia, eu experimentava uma emoção que me lançava na multiplicidade de leituras que seus textos apontavam, porque quando leio uma obra de Machado, não é só Machado que leio, mas pelas marcas e pistas deixadas no tecido narrativo, identifico uma infinidade de obras, de autores da literatura universal, da filosofia, das ciências, da mitologia, da Bíblia por meio das alusões e dos diálogos que o escritor estabelece com outros autores, muitas vezes de forma irônica e galhofeira, mas que subjaz nas narrativas sua compreensão do fazer literário, sua atitude de renovação das técnicas narrativas e suas concepções a respeito da literatura, da sociedade brasileira do século XIX, nas diversas esferas que a compõem.

    Este livro traz adaptações necessárias em comparação com o texto original, mas na sua essência, o estudo foi mantido. Houve a inserção de alguns capítulos e a atualização de leituras que realizei após a defesa da tese. Com a publicação deste livro, espero colaborar nos estudos da obra de Machado de Assis, especialmente no que se refere à compreensão das relações intertextuais, estudo das personagens e das temáticas que permeiam suas obras.

    Machado de Assis aborda vários temas em sua criação literária, muitos dos quais são retomados, virados e revirados, na expressão de Pereira.² O tema da sede de nomeada não ocorre de forma gratuita na ficção machadiana. Buscando compreender esse aspecto, algumas indagações se impõem: qual o significado da recorrência desse tema em várias obras do escritor? Ou, ainda, qual a interpretação possível para a busca da nomeada pelas personagens – esses seres ficcionais? Uma das razões para a busca da nomeada pelas personagens machadianas pode ser a construção de uma imagem social vencedora porque, para elas, o que têm valor em suas existências são a fama, a admiração, o louvor, visto que longe do olhar do outro não há glória e, para atingi-la, usam estratégias variadas, mesmo que não sejam éticas, repetindo a máxima maquiavélica: "Na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra a qual não há recurso, os fins justificam os meios".³ Será essa conduta que marcará a atuação de muitas personagens nos contos machadianos.

    A nomeada pode ser definida como o amor que cada personagem dedica a si própria, revelando a preocupação em apresentar ao outro uma imagem vencedora. São elas próprias (as personagens machadianas) responsáveis pela definição do que seja o amor da glória. A confissão de Brás Cubas, do romance homônimo, esclarece o significado da expressão sede de nomeada, aqui tomado de empréstimo para desenvolver este livro:

    Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia [sic] no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. [...].

    Essa idéia [sic] era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto⁴ Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis. Assim, a minha idéia [sic] trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: – amor da glória.⁵

    A busca da nomeada configura-se como principal objetivo de muitas personagens do universo ficcional machadiano porque representa a mola que impulsiona a ação, porque a vida, para elas, é representação, na medida em que estejam em evidência – a vida é um espetáculo no qual não pode faltar o espectador. A necessidade de um palco para a representação das personagens pode ser percebida, por exemplo, nos contos A chinela turca, O segredo do bonzo, entre outros. No primeiro, destaco uma afirmação que encerra o conto e traduz o desejo de aplauso da personagem: o melhor drama está no espectador e não no palco;⁶ no segundo texto, a confissão do bonzo Pomada, personagem/filósofo, também expressa seu desejo de glória:

    Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador.

    As declarações das personagens (Brás Cubas, Duarte e o bonzo Pomada) revelam que a fama e o aplauso representam o que há de mais valioso para elas. Por que Machado de Assis teria se dedicado à criação de personagens tão amantes de si próprias, tão vaidosas? Ao analisar sua produção literária, encontro algumas sugestões de respostas para tal questão: em primeiro lugar, a preocupação do autor sempre esteve voltada para a análise do ser humano, seus conflitos e aspirações; em segundo lugar, Machado de Assis procura desmascarar os sentimentos mais íntimos do ser humano, revelando objetivos, motivações e intenções ocultas, porque o escritor também é um observador da conduta humana, e por isso demonstra que as personagens trazem a sede de nomeada dissimulada em suas atitudes. Segundo uma personagem machadiana, um tio de Brás Cubas [...] o amor da glória é a cousa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.⁸ A sede de nomeada aparece aliada à busca de ascensão social em quase todas as narrativas machadianas aqui analisadas, além de refletir a necessidade que as personagens têm de estar em

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