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O corpo próprio como princípio educativo
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O corpo próprio como princípio educativo

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Adotando a perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty para fundamentar as evidências de inter-relação entre a corporeidade, a cultura e o sujeito da percepção, esta obra aponta para os indícios de um fundamento educativo destinado a por o corpo em sintonia com a noção de subjetividade. Na perspectiva filosófica de Merleau-Ponty, o corpo não é uma coisa, nem uma ideia abstrata, mas presença sensível e intencional, que faz do sujeito perceptivo uma consciência encarnada no mundo, capaz de reaprendê-lo constantemente. Esse processo, no entanto, não é espontâneo; ele necessita de aprendizagem e de treino, já que as disposições não brotam de um fundamento metafísico. Esse corpo vivido, que se manifesta por meio da sua motricidade, apresenta códigos e crenças que foram apropriados em virtude de um determinado padrão cultural produzido e herdado pelo contexto percebido. O corpo que Merleau-Ponty nos apresenta é aquele vivenciado por nós enquanto realização de nossas intenções, desejos e projetos. Assim, percebemos o Corpo Próprio como um princípio que nos possibilita reaprender o mundo. Por isso, a prática pedagógica precisa ser orientada por um fundamento educativo, que nos incentive a meditar e a refletir sobre as consequências dos fatos, das próprias ações e do sentir.
LanguagePortuguês
Release dateJan 1, 2016
ISBN9788547300111
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    O corpo próprio como princípio educativo - LUIZ ANSELMO MENEZES SANTOS

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE

    À minha querida esposa, Rosana Hermida e Silva.

    Aos meus pais, Walter Santos e Esmeralda Menezes Santos,

    que desde cedo me ajudaram a descobrir

    as vantagens do caminho das virtudes.

    A toda Família Menezes Santos,

    em especial aos meus irmãos,

    Eneide, Edilma, José Walter, Evanilde, Sérgio, Marcos,

    Lauro, Eliana, Edmilson e Eufrázia,

    companheiros imprescindíveis na minha formação.

    APRESENTAÇÃO

    Nesta obra, podemos perceber o diálogo entre a fenomenologia de Merleau-Ponty e a educação, que de modo original toma o Corpo Próprio como princípio educativo. Diante de tal perspectiva, ao olharmos para o ser humano como um ser situado no mundo, de forma objetiva e subjetiva, que se constitui a partir das interações consigo mesmo e com os outros, em uma dada sociedade e em uma cultura específica, somos convidados por Luiz Anselmo Menezes Santos a refletir sobre nossas práticas e propostas educativas.

    O autor procura, de forma densa e bem articulada, apontar como a noção de Corpo Próprio, aliada à intencionalidade, à percepção, à motricidade, permite aos educadores e aos leitores em geral uma aproximação fértil à fenomenologia proposta por Merleau-Ponty.

    A leitura desta obra conduz ao questionamento de muitos aspectos naturalizados da nossa relação com o corpo no campo da educação. Na maioria das vezes, o corpo educado é visto como aquele disciplinado, que atende aos padrões fisiológicos e físicos ideais, que alcança índices de eficiência e rendimento.

    No entanto, o autor nos propõe novos caminhos. Desafia o lugar comum, indica a necessidade de ampliarmos os horizontes e percebermos as ações educativas que podem ser desenvolvidas, de modo a avançarmos no caminho da flexibilidade e da reflexão em torno dos sentidos e significados que, como educadores, ajudamos a construir, reproduzir e a divulgar em relação ao corpo.

    A contribuição de Luiz Anselmo Menezes Santos incentiva o aprofundamento teórico e o conhecimento das proposições de Merleau-Ponty acerca do Corpo Próprio, como uma possibilidade de elaboração de novas práticas educativas. Com criatividade, sensibilidade, interação e autopercepção, entre outros aspectos, os educadores e leitores são estimulados a ultrapassar os limites impostos.

    Agradeço a oportunidade de apresentar este livro, bem como quero deixar registrada a minha gratidão por ter sido escolhida como orientadora pelo autor e pela oportunidade de dividir esta tarefa de grande aprendizado com o Prof. Dr. Iraquitan Caminha. Desejo a todos uma boa leitura!

    Anamaria G. B. de Freitas

    Universidade Federal de Sergipe

    PREFÁCIO

    É com muita alegria que prefacio o livro de Luiz Anselmo Menezes Santos, fruto de uma pesquisa desenvolvida sobre o Corpo Próprio como princípio educativo a partir da perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty. Não identificamos em nenhum momento, na obra de Merleau-Ponty, qualquer referência explícita ao conceito de Corpo Próprio como um princípio educativo. Esse conceito foi usado pelo filósofo para contestar o modo mecanicista e objetivista com que o corpo foi definido pelas ciências positivas, desconsiderando a experiência que cada ser humano tem de seu próprio corpo. Merleau-Ponty mostra que o corpo humano não é apenas um objeto de explicação científica, mas um modo de existir sujeito a uma variedade de interpretações.

    Destacamos que Anselmo Menezes faz um exercício complexo, difícil e arriscado. Seu trabalho não foi o de explicitar o conceito de Corpo Próprio na filosofia de Merleau-Ponty – que já foi bastante realizado por muitos estudiosos. Seu percurso é extremamente original. Ele procurou, por meio do conceito de Corpo Próprio, pensar uma perspectiva de prática educativa. O educador Anselmo Menezes decidiu não se limitar à sua larga experiência como professor de Educação Física, lançando-se para novas caminhadas destinadas à reflexão sobre essa experiência.

    Seu ponto de partida foi identificar, na cultura iluminista, os elementos estruturadores de uma concepção de Educação, que articulava corpo, intelecto e moralidade. O novo ser humano do século das luzes era formado por meio de um modelo educacional que visava à construção de sujeitos livres e autônomos. Locke, Rousseau e Kant foram discutidos com maestria para mostrar uma certa valorização do corpo no cenário da educação moderna.

    Os processos educativos modernos não deveriam se restringir a uma educação intelectualizada sem a devida educação corporal. A vida, nos grandes centros urbanos, exigia cuidados com a saúde do corpo. Nesse sentido, para que a educação fosse completa, era preciso adquirir comportamentos de cuidar do corpo. A educação aponta para uma nova perspectiva pedagógica que considera, além da formação intelectual, a prática da ginástica, hábitos higiênicos e dietéticos. Todavia, essa suposta valorização do sensível era fundada numa concepção em que o corpo era visto como mero instrumento das vontades e desejos da consciência. O discurso fisiologista do saber médico moderno transformou o corpo humano num conjunto de ossos, músculos e órgãos. Do ponto de vista de Merleau-Ponty, não há um sujeito que sustenta e guia o corpo, mas é o próprio corpo que se constitui sujeito por meio de seus movimentos intencionais.

    Desconstruindo a visão do corpo humano concebido como mero organismo regido por leis físico-químicas, Anselmo Menezes mostra, com base em Merleau-Ponty, que o corpo humano pode ser considerado como experiência singular de nos situarmos intencionalmente no mundo. O corpo humano é, desse modo, um veículo de comunicação e expressão. Fundado no conceito do corpo humano como presença sensível e intencional, que faz do sujeito perceptivo uma consciência encarnada no mundo, o livro de Anselmo Menezes propõe pensar com seus leitores uma perspectiva educativa em que se valorizam as práticas corporais como experiências que expressam a nossa condição existencial de doadores de sentido ao mundo. Nosso corpo não tem apenas uma vida biológica, mas, fundamentalmente, uma vida simbólica.

    O processo de se instaurar uma perspectiva educativa, que conceba o corpo como sujeito de ações intencionais, não é visto por Anselmo Menezes como espontâneo. Esse processo exige uma prática pedagógica que valorize os atos criativos de toda comunidade de aprendentes. Está lançado o desafio de se fazer uma prática pedagógica em que se valorize a liberdade dos gestos criativos do corpo.

    Não há dúvidas de que o corpo humano é submetido às leis mecânicas da natureza. Como qualquer outro corpo, se for empurrado, ele se deslocará no espaço. Todavia, é preciso considerar que o corpo humano não pode ser visto apenas como um corpo qualquer, pois ele é também o corpo que experimento a mim mesmo, o outro e o mundo. Ele é aquele que afirmo ser o meu próprio corpo. Nosso corpo não é apenas localizado no espaço, mas habita o espaço, construindo uma espacialidade própria. Ele não se desloca, exclusivamente, no espaço à mercê das leis mecânicas. Ele busca situar-se intencionalmente na espacialidade em que habita.

    O corpo, considerado do ponto de vista biológico, é apenas um apoio para o ser humano fazer-se a si mesmo. Ele se apoia no corpo vivo, natural, para construir um Corpo Próprio, que expressa um modo de ser e que revela o sentido de se produzir culturas corporais. O corpo humano pode ser visto, desse modo, como sendo da ordem do autopoiesis, ou seja, capaz de produzir um modo próprio de ser.

    A cultura intervém transformando a dimensão biológica em vida humana. Um exemplo para mostrar tal transformação é a educação corporal, que é instituída por determinados valores socialmente definidos e assumidos. O corpo tem uma carga simbólica e poética e não apenas um mecanismo funcional. Não devemos apenas conhecer como o corpo de nossos alunos funciona, mas como cada um deles percebe seus corpos.

    Proponho a leitura do livro de Luiz Anselmo como uma maneira de se repensar os processos educativos, valorizando a criatividade vivida pelo corpo como sujeito originário do conhecimento. Desse modo, pela educação, seria possível não somente ampliarmos nossa capacidade de representar o mundo em que vivemos sob a forma de conhecimentos sistematizados, mas, sobretudo, criarmos novas formas de se fazer presente no mundo por meio de nossa Corporeidade. Aqui nasce a perspectiva de se conceber a educação como um processo que nos conduz a um movimento de existência, que visa criar um sentido para a vida humana. Para colaborar com esse movimento, a escola precisa ser o lugar de ricas experiências perceptivas e de permanente situação dialógica, que nos faz reaprender a ver o mundo. Nesse contexto, filosofia e educação se encontram para fazer da experiência humana um constante reaprender a ver o mundo.

    Iraquitan de Oliveira Caminha

    Universidade Federal da Paraíba

    João Pessoa, novembro de 2015.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    1

    O LUGAR DO CORPO NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO MODERNA

    1.1 Considerações sobre a educação moderna

    1.2 John Locke e a educação do gentleman

    1.3 Rousseau e a formação do homem natural

    1.4 Kant e a formação do homem esclarecido

    1.5 A educação física e a valorização do corpo

    2

    O CORPO OBJETO E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

    2.1 Considerações sobre a educação contemporânea

    2.2 A constituição dos métodos ginásticos

    2.3 A ginástica e o esporte como práticas educativas

    2.4 A biologização da educação física

    3

    O CORPO PRÓPRIO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

    3.1 A crítica ao dualismo cartesiano

    3.2 O conceito de corpo próprio em Merleau-Ponty

    3.3 A noção de intencionalidade

    3.4 A noção de motricidade

    3.5 A concepção fenomenológica da educação

    4

    O CORPO PRÓPRIO E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

    4.1 Os indícios do corpo próprio na psicocinética de Jean Le Boulch

    4.2 Os sinais do corpo próprio como princípio educativo

    4.3 Linguagem, expressão e sensibilidade

    4.4 Manifestações culturais de movimento

    4.5 O corpo próprio no contexto das práticas educativas

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    A educação pode ser compreendida e analisada a partir de diferentes enfoques e, apesar da sua diversidade de aspectos, é imprescindível destacá-la como um dos setores da vida humana constantemente relacionada às condições sociais e aos valores vigentes na sociedade. O ato educativo está direcionado a uma determinada sistematização que o ser humano produz, com o objetivo de desenvolver suas aptidões físicas e intelectuais, assim como seus sentimentos sociais, estéticos, éticos e morais (CAMBI, 1999, p. 30).

    A educação, no sentido mais amplo do termo, é definida como o processo de aquisição e transmissão das técnicas culturais. Estas compreendem tanto as técnicas de uso, como também de produção e de comportamento – e são reforçadas de uma geração à outra para satisfazer suas necessidades e garantir a sobrevivência de uma determinada ordem cultural (ABBAGNANO, 1982). Por outro lado, a educação costuma também ser conceituada como o procedimento que visa dar o impulso para o desenvolvimento do indivíduo mediante o desencadeamento de todas as suas potencialidades (LALANDE, 1993). Entende-se, então, que a educação, seja qual for a sua definição, está ligada a uma representação daquilo que se pode constituir como princípio orientador, no qual o ser humano procura direcionar seu pensamento e sua ação, como forma de estruturar sua identidade e encontrar sentido para sua existência.

    Nessa perspectiva, pode-se definir o termo princípio como sendo uma regra ou norma de ação claramente representada ao espírito, enunciada por uma norma (LALANDE, 1993, p. 287). Os princípios, portanto, sob esse aspecto, são opções valorativas implicadas como fundamento no enunciado de regras, que servem como referência ou base reguladora das ações. Assim, o pensamento educacional, indiscutivelmente, está alicerçado numa concepção de homem e de mundo, materializada a partir de princípios educativos, os quais fornecem a base para o entendimento mais amplo, definindo-lhe o sentido e estabelecendo a sua finalidade.

    Por trás de toda sentença que afirma sobre a necessidade de o corpo ser educado, está subjacente uma concepção de corpo e o cumprimento de uma proposta educativa, que estabelece princípios ou regras de conduta, que, por sua vez, estão fundadas em algum tipo de lógica orientadora da ação a ser pensada e, em seguida, vivenciada. Assim sendo, as instâncias educativas tais como: escolas, família, religião, e os grupos sociais em geral, são responsáveis em estabelecer os modelos e promover as reflexões sobre temas que supostamente contribuirão para o desenvolvimento de ações e valores importantes para o cuidado com o corpo. Entende-se, então, que a educação, seja qual for a sua definição, está ligada a uma representação daquilo que se pode constituir como base da vida humana.

    Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se observar o crescimento de estudos e pesquisas educacionais relacionados à Corporeidade, que apontam a necessidade de observação e de divulgação de uma outra maneira de compreensão do corpo. Esta abordagem requer amplitude de conhecimento, que serve para entendermos a complexidade humana e o significado da palavra corpo num sentido mais amplo. Somos corpos fazedores e transformadores do mundo, corpos vivos, num tempo e num espaço, experimentando todas as possibilidades emergentes e que nos são de direito. É imprescindível uma concepção de educação que considere o corpo como uma ligação homem-mundo, que esteja presente na cultura, no trabalho, nas relações. Uma educação que considere importante que nossos corpos se movimentem, transformem-se, para podermos transformar as coisas do mundo e, ao mesmo tempo, desorganizar e reorganizar a nossa própria percepção.

    Ao considerar a educação um fenômeno próprio dos seres humanos, devemos reconhecer que não há como procurar o seu sentido sem refletir acerca da condição humana, isto é, faz-se necessário compreender a educação a partir das relações humanas vivenciadas no mundo, sobretudo porque a educação é, sem dúvida, experiência universal essencialmente constitutiva do homem engajado efetivamente no mundo. A aprendizagem humana não ocorre somente na esfera da dimensão intelectual. Aprendemos com a totalidade de nosso corpo, com nossa sensação, percepção, imaginação e intuições estimuladas pela intersubjetividade.

    O corpo é sempre um testemunho vivo da permanente existência de um mundo sensível, constantemente percebido, mesmo que este seja posto em dúvida. Só é possível conceber o corpo numa perspectiva fenomenológica, libertando-o das amarras do pensamento puramente objetivo ou subjetivo. Apontamos para a necessidade de trazer para o âmbito de nossas reflexões sobre educação, o conceito de Corpo Próprio proposto por Merleau-Ponty, que, de um modo geral, situa o ser humano como um ser-no-mundo. Dentro dessa lógica, o ser humano deixa de ser entendido como a soma de partes e passa a ser um sistema de interação que se relaciona.

    Ao consultar a literatura especializada na área de Educação¹, é possível encontrar várias obras que fazem referência ao nome de Merleau-Ponty como um pensador que contribui com suas ideias no campo da Corporeidade. O presente trabalho assume a tarefa de demonstrar as evidências de uma inter-relação entre a Corporeidade, a cultura e o sujeito da percepção, apontando, assim, os indícios de uma ação educativa destinada a pôr o corpo como núcleo de significações. Assim, a Corporeidade e educação parecem estabelecer um nexo fértil em termos de princípio formativo. Por isso, Merleau-Ponty revela-se uma contribuição fecunda para explicitação do Corpo Próprio, como princípio educativo relacionado ao pensamento fenomenológico contemporâneo. O objetivo é estabelecer as bases de um princípio educacional apoiado na perspectiva do Corpo Próprio, apontando a necessidade de um debate sobre educação, não abordado por Merleau-Ponty. Assim, a concepção fenomenológica de Merleau-Ponty pede uma ideia de educação.

    Na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, a consciência adquire um novo significado; ela é definida como percepção, de modo que não há separação e oposição entre os dados sensível e racional no ato de apreensão das coisas. Nossas experiências constituem a fonte de todo o conhecimento, sendo este adquirido no próprio mundo, o mundo que existe ao nosso redor e que só passa a existir efetivamente para nós, quando lhe atribuímos um sentido. Portanto, o mundo está aí mesmo, ele é inesgotável, pois o conhecimento que podemos ter dele é baseado em perspectiva, ou seja, a partir de várias possibilidades ou ângulos para apreendê-lo, dependendo das nossas vivências. Sendo assim, a consciência está, ininterruptamente, voltando-se para o mundo e buscando, através da essência, um contato mais direto e profundo com a existência ou, em outros termos, com o próprio mundo. Essa intencionalidade, ou qualidade da consciência de dirigir-se ao mundo a fim de apreendê-lo, manifesta-se em nossas escolhas. Ela engloba tanto a significação intelectual (simbólica), como a significação motora, de modo que não há separação entre o dado sensível e o entendimento na apreensão que se tem do mundo.

    A célebre frase: Mas eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu corpo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 207-208), representa a compreensão do Corpo Próprio. É o corpo que nos faz ser essencialmente seres de relação com o mundo e com os outros. Nessa perspectiva, o corpo não é uma coisa nem uma ideia abstrata, ele é presença sensível e intencional, que faz do sujeito perceptivo uma consciência encarnada no mundo, capaz de reaprendê-lo constantemente. É por essa razão que, para Merleau-Ponty, a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo que realizamos permanentemente. Tal assertiva significa que a subjetividade coincide com os processos corporais; em contrapartida, é preciso considerar que: ser corpo é estar atado a um certo mundo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 205). O entendimento do ser-no-mundo é condição necessária para o ser humano voltar-se para si mesmo e organizar seu modo de existir; afinal, somos seres sociais e possuímos uma consciência.

    Segundo Dartigues (1973), a fenomenologia pretende descrever os fenômenos, e não explicá-los ou buscar relações causais, investiga as coisas mesmas como elas se manifestam. Voltar às coisas mesmas significa voltar ao mundo da experiência considerando que, antes da realidade objetiva, há um sujeito que a vivencia e, antes de todo conhecimento, há uma vida que o fundamentou. Significa que o conhecimento está na origem da experiência que é pré-reflexiva. A visão da essência do fenômeno torna-se possível por uma noção fundamental, o princípio da intencionalidade.

    A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se pode compreender o homem o mundo de outra maneira senão a partir de sua facticidade (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 1).

    A fenomenologia descreve a experiência do homem tal como ela é, e não segundo as proposições pré-estabelecidas pelas ciências naturais. Trata-se de uma forma particular de fazer ciência: a pesquisa qualitativa, que substitui as correlações estatísticas pelas descrições individuais, e as conexões causais, por interpretações oriundas das experiências vividas, cujos atos, gestos e hábitos, refletem um significado. A consciência, mediante a intencionalidade, é compreendida como atribuidora do significado para os objetos. Sem estes significados, não se poderia falar nem de objeto nem de essência do objeto.

    A Filosofia, particularmente a fenomenologia de Merleau-Ponty, apresenta-se como uma outra maneira de compreender os fenômenos da qual decorre uma compreensão sobre o corpo. Corpo que é considerado para além das teses da ciência e da própria filosofia na obra de Merleau-Ponty. Consideração sobre o corpo que abre nova compreensão sobre a Corporeidade. Compreensão que desafia a subjetividade à construção de outras compreensões da educação.

    O que interessa na pesquisa fenomenológica do corpo não é a sua dimensão impessoal ou anônima, não é o seu organismo ou suas funções. O corpo é o meu próprio corpo, tal como o percebo, diz Merleau-Ponty. Ele é o ‘movimento do ser no mundo’, possibilidade que nós temos de inerência ao mundo, corpo não-dividido em suas dimensões voluntárias e involuntárias, conscientes e inconscientes, de herança recebida e de projeto que faz vir o ser à existência. O estudo do Corpo Próprio mostra, segundo Merleau-Ponty, que ele é lugar de todas as ambiguidades, que ele é o lugar onde se dá a experiência de facticidade e do sentido emergente, o lugar onde se inscreve a reflexão e ação, o lugar da precedência ontológica do sentir sobre o sensível, do pré-reflexivo sobre o reflexivo (CAPALBO, 2008, p. 139).

    Sendo assim, a Filosofia da Educação faz parte desta investigação, como suporte teórico para estudo dos pressupostos teóricos da perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, no momento em que tais pressupostos nos ajudam a compor a estrutura de uma ideia educativa, inexistente nas obras desse autor.

    Entender a relação estabelecida com o mundo faz parte de uma descoberta de si mesmo, principalmente na compreensão do significado que o movimento (o agir) tem para a nossa existência. O Corpo Próprio, como princípio educativo, pode contribuir para o aprimoramento do ser humano a partir de vivências significativas e para o desenvolvimento das suas potencialidades.

    Os tradicionais modelos de ensino não possibilitam o desenvolvimento espontâneo e integral da sensibilidade. Percebemos, na educação atual, a ênfase em torno das faculdades intelectuais, secundarizando outras dimensões do humano, como a expressão, a ética e a estética. Assim, discutir sobre o conhecimento exige consciência pedagógica no ato de educar, com respeito à singularidade de cada um, na sua forma de ser, de interagir e descobrir o mundo, posto que o educando, há muito tempo, deixou de ser visto como uma figura passiva, e não mais obtém meramente sequências que lhe são impostas por uma ordem exterior. O trabalho de pesquisa sobre o Corpo-Próprio consiste em descrever, explicitar e tornar compreensível esta experiência vivida da originária (CAPALBO, 2008, p.139).

    Entendendo a Filosofia como uma reflexão rigorosa acerca da formação e da condição humana, busca-se, nesta pesquisa, evidenciar o nexo existente entre as áreas da Filosofia e da Educação, quando as mesmas se integram para propor os elementos constituintes do processo formativo. É o que acontece, principalmente, na interpretação de alguns textos históricos e filosóficos, dos quais a ideia que se faz não aparece imediatamente, mas que deve necessariamente assumir seu caráter de compreensibilidade, incentivando-se sempre aquela postura de encará-lo e mantê-lo constantemente sob o prisma da indagação. O estudo filosófico envolve, também, a compreensão das relações que porventura possam existir entre o processo educacional e outros processos que, à primeira vista, parecem ser seus parentes próximos: doutrinação, socialização, aculturação, treinamento, condicionamento, entre outros. Uma análise que objetive desvendar o sentido dessas noções, dos critérios de sua aplicação, das suas implicações e da sua relação entre si e com outros conceitos educacionais é tarefa da Filosofia da Educação e é condição necessária para a elucidação das finalidades e objetivos da educação.

    Para a construção desta obra é preciso entender que o processo de investigação que envolve a pesquisa acadêmica pode ser compreendido como um sistema ordenado de desenvolvimento e aplicação de métodos, cujo objetivo principal é encontrar soluções para problemas frente à utilização de procedimentos científicos. Toda compreensão

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