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Erotismo Sob Censura?: Censura e Televisão na Revista Veja
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Erotismo Sob Censura?: Censura e Televisão na Revista Veja

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Erotismo sob Censura? É uma obra oportuna e uma contribuição importante para a discussão dos ideais de liberdade e de democracia no Brasil pós-ditadura militar da segunda metade dos anos 1980. As novas experiências de liberdade conviviam com pressões de censura horizontal demandadas pela sociedade civil e, frente às novas expectativas de mudança, o erotismo veio a ser tomado por alguns setores como representação negativa da liberdade. Uma onda de censura propunha atualizar traços de um passado idealizado, pretensamente marcado pela heterossexualidade normativa, pelo "recato" das mulheres com relação ao sexo e pelo reforço de fronteiras de gênero expressas nos corpos. Essa atualização corroborou a defesa de uma redemocratização cautelosa por muitos setores da imprensa, o que fica visível nas páginas da principal revista do país à época, a Veja. Este livro é uma leitura obrigatória para quem procura compreender melhor o Brasil da redemocratização, por meio de uma dimensão que envolve a cultura da mídia numa perspectiva de gênero.
LanguagePortuguês
Release dateJan 29, 2019
ISBN9788546213153
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    Erotismo Sob Censura? - Luciana Rosar Fornazari Klanovicz

    Copyright © 2019 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Revisão: Taíne Barriviera

    Capa: Wendel de Almeida

    Diagramação: Matheus de Alexandro

    Edição em Versão Impressa: 2018

    Edição em Versão Digital: 2019

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Bloch, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Salas 11, 12 e 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    Dedico este livro às mulheres brasileiras, anônimas, famosas, donas de casa, estudantes, empresárias, médicas, professoras, filhas, mães, avós, amantes, celibatárias. Que este trabalho permita ampliar uma reflexão sobre nossos corpos para que eles não se tornem a única forma de constituir nossa identidade.

    Agradecimentos

    Este livro é fruto de uma pesquisa histórica na forma de tese e que, agora, toma outro formato para, quem sabe, ampliar seus próprios domínios.

    É fruto, também, de minha formação acadêmica de graduação e de pós-graduação, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Agradeço ao aprendizado constante com o corpo docente, desde a graduação ao pós-doutorado, especialmente ao Departamento de História e ao Programa de Pós-graduação em História daquela instituição. Sou uma historiadora de formação profissional, mas também afetiva.

    A pesquisa no formato de tese foi financiada parcialmente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, por meio de concessão de bolsa de doutorado por dois anos. Sem tal bolsa, o doutorado teria um percurso mais difícil para a conclusão. É salutar lembrar a importância dos recursos destinados à ciência no Brasil.

    Agradeço imensamente a minha orientadora de doutorado, Joana Maria Pedro, pela companhia e exemplo a ser seguido como professora e pesquisadora. Credito à Joana Maria Pedro muito do que sou hoje. Agradeço a gentileza em fazer o prefácio do livro; um texto maravilhoso e sagaz como a autora. Estarei eternamente em débito pelos ganhos adquiridos em nossa longa e profícua amizade.

    O historiador Jó Klanovicz, meu marido, tem grande destaque neste agradecimento. Ele soube me apoiar de diversas maneiras durante o processo da pesquisa e de escrita. Escrevemos juntos, cada qual sua tese, e sobrevivemos juntos a elas. É um feito e tanto. Obrigada pelo amor incondicional que me fortalece a cada dia. Agradeço por estar ao meu lado nas horas boas e nos momentos mais difíceis que já passamos. Que nossa carreira possa refletir o empenho que damos a ela – com responsabilidade científica na contribuição da História como área de atuação e, principalmente, como profissão que juntos acolhemos com a felicidade que nos é característica.

    A meu filho, Luka, que participou deste livro de maneira inesquecível. Vivi uma gravidez e a sua chegada em meio à escrita da tese. Luka, você é minha alegria renovada e minha vontade ser uma historiadora melhor. Olhar para você é ter a certeza de que o futuro é um porvir instigante e provocador, como todo futuro cientista deve buscar.

    Agradeço às expectativas de meus pais, Eliana Maria Rosar e Nilton José Fornazari, os quais, amorosamente, mostraram que minha vida era voltada aos livros. Assim, estar numa universidade, ser pesquisadora e professora, é uma consequência da certeza que um dia me deram: que o mundo seria minha construção; fruto de minhas escolhas, de minhas leituras, de minhas recusas, de minhas certezas. Tanto erros quanto acertos. Obrigada por estarem por mim, hoje e sempre. À minha irmã, minha tradutora de inglês favorita, Meggie Rosar Fornazari, todo meu afeto e gratidão.

    Faço aqui uma importante referência para minha casa desde 2011. Agradeço à Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), em Guarapuava, Paraná, pela acolhida de parte considerável e importante de seu corpo docente. Agradeço ao apoio do Departamento de História e, também, ao Programa de Pós-Graduação em História e ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário. Agradeço, especialmente, à parceria e amizade de Silvia Gomes Bento de Mello, Rosemeri Moreira, Beatriz Olinto, Márcia Tembil e Vanderlei Sebastião de Souza.

    E agradeço a discentes de Pesquisa Histórica, de Iniciação Científica ligados ao LHAG, agora Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero, petianos e petianas do PET-HISTÓRIA, e estudantes de Mestrado que têm participado ativamente de minha trajetória. É certo dizer que estamos todos e todas juntos nessa empreitada que é ser historiador e historiadora, assim como ser professor e professora. Agradeço, portanto, às horas partilhadas e à energia renovada por vocês a cada dia.

    Gratidão por estar aqui. Gracias a la vida!

    Luciana Rosar Fornazari Klanovicz

    Berlim, Inverno de 2017.

    Sumário

    Folha de rosto

    Dedicatória

    Agradecimentos

    Prefácio

    Introdução

    Primeira Parte

    DE ONDE SE FALA

    Capítulo 1

    Imprensa no Olho do Furacão

    Atuação da censura e sua relação com a imprensa no Brasil

    Veja: revista semanal de informação

    Revistas nos anos 1980: entre a suspeição e a liberação

    Capítulo 2

    O espelho refletor: televsão e consumo de novos costumes

    Novos tempos de homens e mulheres, ou psicologização dos costumes

    Moda na saia justa

    Televisão, audiência, publicidade e produção de desejos

    Segunda Parte

    O QUE SE QUER DIZER

    Capítulo 3

    Imagens eróticas femininas na televisão brasileira e a erotização dos costumes

    Mulheres erotizadas em personagens: Gabriela (Sônia Braga)

    Marquesa de Santos e Dona Beija (Maitê Proença)

    Roque Santeiro, viúva Porcina (Regina Duarte) e as meninas da boate

    Carmem (Lucélia Santos)

    Bebê a bordo (Isabela Garcia e Maria Zilda Bethlem)

    Tieta (Betty Faria e Isadora Ribeiro)

    Pantanal (Cristiana Oliveira)

    Capítulo 4

    Vozes em debate na revista Veja: o erotismo e a censura

    A censura vertical e a redemocratização: práticas e tensões

    Censura horizontal na televisão e no cinema sob o foco da imprensa

    Considerações Finais

    Para além dos corpos que valem mais do que outros...

    Referências

    Página final

    PREFÁCIO

    Este belo livro coloca-nos em contato com duas grandes tensões, entre as muitas que permearam os anos oitenta do século XX, no Brasil: a euforia do final da ditadura militar, com as novas experiências de liberdade, e a pressão da censura horizontal reivindicada pela sociedade civil.

    O que Luciana Rosar Fornazari Klanovicz apresenta-nos, na forma de livro, é o resultado de sua pesquisa para a tese de doutorado, defendida na UFSC, em 2008, com o título Erotismo na cultura dos anos 1980: censura e televisão na Revista Veja.

    O período de 1985-1989, focalizado pela autora, é bastante conturbado, trata-se do final do governo do Marechal João Figueiredo, da doença de Tancredo Neves, da posse de José Sarney, da Constituição de 1988, da criação do Plano Cruzado I, do Plano Cruzado II, dos altos níveis de inflação, da grave crise internacional que afetou o Brasil, trazendo altos níveis de desemprego, entre outras perturbações.

    No plano internacional, é o período da queda do muro de Berlim, do processo do final da União Soviética, que se concluiu em 1991; da grave queda da bolsa de valores de Nova York em 1987; do governo de Ronald Regan; do surgimento da AIDS e da perseguição aos gays, considerados como responsáveis pela epidemia. Com todo este pano de fundo, Luciana dirige sua pesquisa para a emergência do erotismo e a reinvenção da censura no Brasil, questões pouco debatidas.

    Embora um dos focos desta pesquisa sejam as novelas das redes de televisão Globo e Manchete, as fontes não são os próprios folhetins televisivos; trata-se de acompanhar, nas cartas de leitores, nos abaixo-assinados, nos artigos que saíram na revista Veja que descreviam o que se passava nas novelas, também se empenhava em controlar o que estas novelas mostravam em termos de erotismo, exigindo formas de censura.

    Nesta obra, apresenta-se a diferença entre censura vertical e horizontal: a primeira é aquela realizada pelas instituições, como a que se viu e que foi muito criticada, durante o período da ditadura militar, entre 1964-1985; a segunda é a feita pelas pessoas comuns, pelos telespectadores, no caso das novelas; pelos leitores, no caso das revistas e jornais. Luciana focaliza, então, a segunda: a censura horizontal.

    Trata-se de uma censura de viés moral, exercida, no caso desta pesquisa, pelos telespectadores das redes Manchete e Globo, sobre as novelas e outros programas de televisão que expressavam seu descontentamento através da revista Veja: em cartas de leitores, em abaixo-assinados, em artigos que eram publicados por esta revista.

    Neste caso, as tintas para pintar este quadro foram buscadas nos mais variados lugares onde a palavra erotismo, questões de gênero e sexualidade se encontrassem; fossem para descrever novelas, filmes, reportagens de moda, anúncios etc., fossem para debater, reivindicar alguma forma de censura. E é desta forma que as questões emergem: a erotização dos corpos e as reivindicações de censura. Luciana, então, verifica como os corpos foram se tornando erotizados através das roupas, partes do corpo, posições, olhares e cenas. Tudo isso foi ganhando apelo sexual e, as pessoas foram afetadas, não porque o corpo das mulheres estava se tornando mercadoria, mas porque consideravam que corpos seminus das mulheres ofendiam a moral e destruíam as famílias.

    A obra mostra como a censura não é apenas obra de governantes autoritários; ela é reivindicada, no cotidiano, por muitas pessoas. Para estas, o sexo é muito importante e define a vida de uma pessoa. Claro que convém, sempre, perguntar: por que o sexo e o uso que se faz dele pode querer dizer da pessoa o que ela é?

    Este livro não pretende discutir se as mulheres brasileiras são ou não mais sensuais que as demais – pergunta que era costumeira para os estrangeiros famosos que visitavam o país: esta é uma falsa questão. O que focaliza são as forças que convergiram em imagens cristalizadas, não simplesmente de corpos, mas de corpos sexualizados, ou seja, que foram potencializados como tal.

    O fim da ditadura, e da chamada redemocratização, focalizado pelo livro, foi um período de euforia política. Pode-se dizer que se tratava de uma espécie de destape¹, como se uma panela de pressão estivesse fervendo e, então, fosse aberta. Um dos entrevistados de Luciana expressou isso: houve até um período em que uma atitude mais ousada era vista como positiva, depois de tantos anos de chumbo².

    O que aconteceu nos anos oitenta foi que aquelas imagens que apareciam em programas de televisão depois das 22 horas, portanto em horários onde crianças e jovens já deveriam – pelo controle familiar – estar dormindo, passaram para o horário das 20 horas. O erotismo passou a fazer parte da trama. Entretanto, este não era qualquer erotismo – era o da chamada mulher brasileira, identificada como brejeira, com ancas largas e cintura fina. Direcionada ao desejo dos homens. Mas também das mulheres que almejavam ter um corpo semelhante. A reação contra o que chamavam de abuso veio na forma de telefonemas às emissoras de TV, nas cartas de leitores, em abaixo-assinados; nestes, formulavam sua indignação. Por outro lado, esta própria reação deu, ainda, mais visibilidade para as produções culturais que estavam sendo erotizadas.

    Os novos tempos que começavam após 1985 prometiam mudanças. As palavras liberdade, autonomia e democracia circulavam intensamente. Em contrapartida, uma onda crescente de demanda por censura emergiu. Esta reclamação por censura era ainda mais intensa quando as produções culturais davam visibilidade a qualquer foram de expressão que não fosse heterossexual. Todo entusiasmo libertário parecia encontrar barreiras, nesta busca por censura, por uma parcela da população.

    As pessoas que clamavam por censura reportavam-se a um passado idealizado. O medo da mudança permeava os textos publicados na revista Veja, oriundos de cidadãos comuns. Claro que tudo isso também nos faz lembrar que, se durante 21 anos tivemos uma ditadura militar, não foi apenas porque um bando de militares impuseram, pela força, sua repressão e censura. A ditadura contou com o apoio de grande parcela da população, seja pelo apoio explícito, seja pelo silêncio ou pelo comodismo. Tratava-se do medo de mudar, mesmo quando está ruim? Como é difícil pensar diferente, deixar de acreditar no que sempre foi ensinado e reforçado. Ameaças não faltam: isso vai acabar com a família, isso vai acabar com a nação. O medo do que é novo, do que nos desiquilibra. Como trabalhadores, rejeitamos as inovações tecnológicas que afetam nosso emprego. Medo de perder o pouco que temos, ou que achamos que temos? Como família, rejeitamos o diferente: a mulher que não quer ter filhos, os gays, as lésbicas, as transexuais, as travestis, os transhomens, os trangêneros. Enfim, toda diferença.

    Mudanças são sempre encaradas como ameaças e, muitas vezes, o são realmente. Para os que se acham estabelecidos, políticas de inclusão, por exemplo, representam o questionamento das hierarquias definidas. E se negros e índios passassem a ser doutores? Durante muito tempo uma das formas de sobrevivência das travestis era a prostituição, e se elas pudessem ser engenheiras, médicas, professoras? Como ficariam as pessoas que sempre acreditaram que eram melhores que as demais por serem brancas, heterossexuais e cis? Como ficaria a autoestima de uma mulher que se manteve virgem até o casamento e vê na televisão moças que se relacionam sexualmente com namorados, ou até mesmo com homens que encontraram numa única ocasião? Se fosse um homem, tudo bem, eles sempre foram assim, mas mulheres... Como aceitar?

    Este é o desenho que Luciana fez: mostrou, de um lado, o fim da ditadura e a vontade de mudança e de liberdade; de outro lado, a vontade de conservar, de não deixar seguir, de querer retornar a um passado idealizado, onde cada um conhece seu lugar e não tenta sair dele, ou avançar onde não é chamado. Medo da mudança.

    O livro de Luciana é muito atual. O que se vê neste momento de final da segunda década do século XXI é a persistência do pensamento conservador, expresso nas tentativas de controlar o que se ensina em sala de aula, interditando a discussão sobre relações de gênero, diversidade sexual e política. O que se vê, a nível internacional, é um grande anti-intelectualismo – que desconsidera anos de pesquisa sobre meio ambiente, diversidade cultural e sexualidade humana. Vemos, hoje, as vozes mais conservadoras saírem dos cantos onde estavam escondidas e quererem de volta um mundo que acreditam que existiu, num passado distante.

    Notas

    1. Gallina, J. F. Instigando o olhar: as identificações Queers nos filmes de Pedro Almodóvar (1999-2004). 2008. 151 f. Dissertação (Mestrado em História). - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.

    2. Léo Jaime. Entrevista concedida a Luciana Rosar Fornazari Klanovicz. Florianópolis/SC, 31 jan. 2008.

    INTRODUÇÃO

    Este livro discute a atualização e a manutenção da censura em meio ao processo de redemocratização no Brasil, entre 1985 e 1989. Muitas fontes sugerem que a proibição dos instrumentos formais de censura estatal, anunciada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não a excluiu do cenário nacional como vontade de poder. Em outros termos, sobre as cinzas da ditadura, outras formas de censura repousaram e se sobrepuseram no Brasil.

    Frente às expectativas de mudança advindas da redemocratização na vida privada, nos termos de uma liberdade total e irrestrita, uma onda de censura propunha atualizar traços de um passado idealizado, caracterizado pela heterossexualidade normativa, pelo comportamento recatado das mulheres com relação ao sexo, pela manutenção de um erotismo à brasileira e pelo reforço das fronteiras de gênero expressas pelo corpo.

    A vontade de censura que estava sendo atualizada tornou-se um dispositivo encontrado por alguns setores que não queriam deixar de exercer o controle no âmbito do discurso sobre os corpos de homens e mulheres; controle, principalmente, em relação ao erotismo. Esssa atualização corroborou para a defesa de uma redemocratização cautelosa, reforçada na esfera pública e privada especialmente por mecanismos de imprensa, como as páginas da revista Veja.

    Na cultura midiática brasileira dos anos 1980, as formas de uma censura desarticulada oficialmente mostraram-se presentes no discurso jornalístico televisivo e impresso, quando o tema estava ligado a uma espécie de moralidade dos brasileiros, homens e mulheres. Por essa razão, o erotismo, quando debatido na revista Veja, sempre esteve revestido pelo filtro dos mecanismos de censura, oficiais ou não.

    Por meio da análise da Veja (principal revista de circulação nacional na década de 1980, e que veiculava leituras sobre filmes, telenovelas brasileiras e demais produções culturais nacionais), busco a forma como ela focalizou a opinião pública sobre o fim da censura e, principalmente, a relação que os mecanismos de censura teceram com o erotismo produzido na comunicação de massa. Assim, analiso de que maneira o público que lia, recebia, divulgava, comentava e opinava na Veja exigiu/demandou a censura ao longo da década de 1980.

    Em pesquisa anterior, observei de que maneira os corpos masculinos e femininos do segundo pós-guerra foram sendo objeto de notícias e formadores do ideal modernizador da sociedade brasileira, baseada em novos hábitos de consumo, tidos como modernos. Hábitos ou costumes que constituíam determinadas tarefas às mulheres modernas, que poderiam trabalhar (de preferência até antes de se casar), mas acima de tudo, futuras mães vigilantes no cuidado com os filhos e com o lar. Sereias que ganharam visibilidade atrelada a características como sedução e malícia. Ser sereia ou pequena são características que não emanaram naturalmente das mulheres, mas que são constituídas nas falas dos jornalistas, assim como, possivelmente, tenham sido apropriadas por algumas mulheres. Até mesmo o trabalho sugerido era aquele que se lançava discursivamente sobre a mulher moderna, mas feminina. Por conta disto, a aeromoça, a datilógrafa, a modelo, privilegiavam por meio de anúncios e reportagens, características normatizadoras de graça, delicadeza, servidão, amabilidade, entre outros.³

    Mulheres que continuavam consumidoras ou desejosas de sonhos que, muitas vezes, não poderiam comprar. Ao que tudo indica, apesar de certo debate de articulistas da época, a visualização de traços que extrapolassem determinadas regras relativas ao comportamento sensual ou picante não se transformaram em comportamentos populares durante a década de 1950. De maneira geral, as pessoas comuns não aderiram aos modismos do biquíni, lançado em 1946, mas ignorado, seja por costureiros, seja pelas moças que frequentavam as praias cariocas. Para Abreu Pena, articulista da revista O Cruzeiro, a mudança da moda de praia em Paris é vista de maneira positiva, principalmente porque valoriza o uso de outros modelos:

    a derrota do maiô bikini frente aos novos maiôs que acaba de lançar. Não há dúvida de que não são somente razões de estética e bom-gosto que estabeleceram o recuo para novas linhas ultrapassadas de muito pelo bikini. [...] Segundo os técnicos, o baixo ventre não deve ser mostrado e o busto deve ser um pouco mais coberto. Isto é, em resumo, a situação no front da praia neste verão que agora nos abrasa, o Paralelo 38 é agora na altura da cintura.

    Por outro lado, nas fotografias da revista O Cruzeiro,⁵ a vida moderna apontada e festejada pelos anúncios e notícias mostrava outras possibilidades para as moças e moços de então. Novos espaços de sociabilidade que garantiam o cortejo não apenas de troca de olhares, mas de olhares sobre os corpos expostos nas praias, clubes e cidades. Ou seja, ao mesmo tempo em que se procurou divulgar novos produtos e novas alternativas de sociabilidade ligadas ao entretenimento, ondas moralistas se acirraram ao longo da década de 1950. Tal moralismo foi também marcado por interdições governamentais: como por exemplo, a proibição dos cassinos em 1946 e a tentativa de proibição da circulação de determinadas revistas sexuais que foi publicada em janeiro de 1954.⁶ Nessa ocasião, o curador de menores do Rio de Janeiro, Eudoro Magalhães, manifestou-se pela proibição de certa circulação de revistas como veículos capazes de corromper a moral dos menores.⁷

    A legalização da produção da literatura erótica somente foi possível a partir do processo de abertura decretado pelo presidente João Figueiredo que governou o país entre 1979 e 1985. Dessa forma, somente a partir do final da década de 1970 as revistas eróticas voltaram a ser produzidas no Brasil e a circular em sentido mercadológico. De acordo com o jornal O Estado, novos títulos e em número maior passaram a circular no ano de 1982, apesar da ênfase dada pelo então presidente Figueiredo, o qual, na oportunidade da abertura à iniciativa, havia convocado a sociedade brasileira para uma cruzada contra a escalada da pornografia.

    O período a ser analisado neste livro tem como ponto de partida justamente o início do processo de redemocratização no Brasil, na medida em que a ideia de liberdade, de criação e de expressão, passou a ser discutida com maior ênfase. Nessa perspectiva, o ano de 1985 marca o fim do período militar e, consequentemente, o fim da censura sobre a produção artística e jornalística do país, incluindo-se aqui anúncios, filmes, novelas e artigos de jornais e revistas. Dentro desse universo da mídia televisiva e escrita, a revista Veja foi a escolhida como fonte para se perceber a constituição do erotismo diante das mudanças advindas da transição política.

    Nesse sentido, o encontro com essa fonte ocorreu ao longo da pesquisa. A princípio, a pesquisa rastrearia uma série de revistas de circulação nacional. Porém, à medida que a pesquisa avançava sobre a revista, percebi que o volume de fontes já era suficiente para a escritura desta obra. Não foi uma escolha baseada nas minhas memórias de leitora, mas sim na sua marcante presença na década de 1980. Afirmo ao leitor e leitora que apesar da leitura segmentada de revistas para mulheres trazerem provavelmente discussões mais focadas nas mulheres e seus corpos, quis justamente optar por outro caminho. Pensando, assim, na constituição de discursos sobre o erotismo principalmente em uma revista de informação, e, portanto, formada por um público de homens e mulheres, das mais variadas idades.

    A fonte principal deste livro, reitero, é a imprensa escrita. Nesse sentido é que foi pesquisada de forma intensa a revista Veja, que circulava semanalmente no Brasil entre 1985 e 1989. É importante ressaltar, também, que esse marco temporal da redemocratização foi ultrapassado, algumas vezes sendo recuado ou ampliado de acordo com as necessidades analíticas da própria pesquisa. A escolha dessa revista – e não de outras que eram comercializadas no país naquele momento – baseou-se na sua circulação nacional e na sua tiragem, que era muito superior se comparada às demais revistas que circulavam no Brasil na mesma época. Sendo assim, esta pesquisa é fruto de um rastreamento intensivo nas páginas que semana a semana foram produzindo notícia e, acima de tudo, discursos.

    Assim, todas as menções sobre o erotismo, questões de gênero, de sexualidade, de audiência televisiva, anúncios, reportagens sobre a moda, cartas de leitores, críticas de novelas e filmes, e discussões sobre a censura, foram reproduzidos sob a forma de fotocópias ou fotografias digitais, visando à manutenção da sua qualidade técnica para análise. Tudo no sentido de montar um painel não apenas da discussão sobre o erotismo, mas também da época. Ou seja, quais questões entrecruzavam-se no debate entre o erotismo e a censura vertical e horizontal. A censura vertical é a promovida pelos órgãos governamentais, com vistas à normatização. Já a censura horizontal é aquela promovida por cidadãos que não representam instituições estatais, mas que estão ligados a setores da sociedade como agremiações religiosas, imprensa, meio artístico, entre outros.

    A análise encontrada aqui neste livro está baseada mais nas reportagens e nas entrevistas do que nos anúncios, embora eles tenham um papel importante na constituição de subjetividades, e, por conta disso, figurem ao longo do livro. Não analiso apenas a escrita, mas acima de tudo a forma como ela foi mostrada. Dentro da estrutura da revista, em boa parte das matérias escritas, alguma imagem ali pode ser encontrada. Assim, os discursos produzidos não são encontrados só na palavra escrita, mas no discurso imagético. São imagens não isentas de interesses, que marcam determinadas atitudes e não outras. A repetição de imagens eróticas que fulguraram nas novelas e minisséries e que foram discutidas pela Veja, de forma positiva ou não, tem um valor histórico que poderia passar despercebido, mas a que esta obra busca dar ênfase.

    Peter Burke ajuda-me a pensar o uso de imagens como evidência para a História. Para ele, o testemunho das imagens tem sido ignorado com frequência e até negado. O autor mostra que os testemunhos sobre o passado que são oferecidos pelas imagens são de valor real, suplementando, bem como apoiando, as evidências dos documentos escritos. Mesmo que elas digam em geral o que os historiadores já sabiam, as imagens têm algo a acrescentar. Daí a justificativa de que elas oferecem acesso a aspectos do passado que outras fontes não alcançam. A utilização de imagens como evidência histórica, ainda de acordo com Peter Burke, deve considerar que

    a maioria delas não foi produzida com este propósito. [...] A maioria foi feita para cumprir uma variedade de funções, religiosas, estéticas, políticas e assim por diante. Elas, frequentemente, tiveram seu papel na construção cultural da sociedade.

    Tendo em conta essas razões, este historiador acredita que as imagens são testemunhas dos arranjos sociais passados e acima de tudo das maneiras de ver e pensar do passado.¹⁰

    Ainda no sentido do uso de imagens para a pesquisa histórica, Nara Wildholzer focaliza as marcas de gênero presentes em anúncios publicitários direcionados ao público feminino como imbuídas de sentido pedagógico. Para a autora, o texto publicitário deve ser entendido dentro de um debate hegemônico que está sendo travado entre os discursos de liberação da mulher e os da sociedade

    patriarcal, sendo seu próprio discurso ambíguo, pois os produtos deverão permanecer no mercado seja qual for a ideologia triunfante. [...] Independente do momento histórico, a publicidade contribui para o adestramento dos corpos, operando como uma tecnologia de gênero.¹¹

    Destaco que embora as novelas e as obras artísticas veiculadas pela televisão sejam o motivo, em grande parte, do debate sobre erotismo e a censura, estas não são utilizadas como fonte principal desta obra, por entender que tal fato acarretaria em uma escolha particular do que é erótico ou não. E, principalmente, porque o problema não é a novela em si, mas os dispositivos que ela dispara na constituição do debate. As objeções da censura estariam invisíveis, para nós historiadoras e historiadores, sem a interlocução da imprensa.

    Assim como ocorre com a imprensa, é relevante considerar o local de onde a televisão fala,

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