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O diário íntimo de Altino Arantes (1916-1918)
O diário íntimo de Altino Arantes (1916-1918)
O diário íntimo de Altino Arantes (1916-1918)
Ebook580 pages8 hours

O diário íntimo de Altino Arantes (1916-1918)

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O livro traz uma análise dos primeiros seis volumes, de um total de quinze, dos registros pessoais de Altino Arantes, que foi presidente do estado de São Paulo de 1916 a 1920. Nesses volumes, transcritos na segunda parte do livro, o leitor é apresentado a um panorama do cenário político paulista do início do século XX, entremeado a aspectos da vida íntima de Arantes, o que torna o diário uma valiosa fonte para a historiografia política paulista.
LanguagePortuguês
Release dateJul 20, 2015
ISBN9788546200221
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    O diário íntimo de Altino Arantes (1916-1918) - Robson Mendonça Pereira

    Copyright © 2015 by Paco Editorial

    Direitos desta edição reservados à Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

    Coordenação Editorial: Kátia Ayache

    Revisão: Renata Morena

    Assistência Editorial: Augusto Pacheco Romano

    Capa:Matheus De Alexandro

    Diagramação: Matheus de Alexandro

    Assistência Gráfico: Bruno Balota

    Assistência Digital: Wendel de Almeida

    Edição em Versão Impressa: 2015

    Edição em Versão Digital: 2015

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Conselho Editorial

    Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)

    Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)

    Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)

    Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)

    Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)

    Paco Editorial

    Av. Carlos Salles Block, 658

    Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21

    Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100

    Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516

    atendimento@editorialpaco.com.br

    www.pacoeditorial.com.br

    Ao Rafael e Tiago, nossos meninos

    Sumário

    Folha de Rosto

    Página de créditos

    Dedicatória

    Agradecimentos

    Apresentação

    1. Escrita Autorreferencial E Estratégias Autobiográficas

    2. Diários Íntimos E Diários Políticos

    3. Do Interior Paulista Para Belle Époque Paulistana: A Trajetória Anterior Ao Diário

    4. Registros Privados De Uma Vida Pública: As Faces De Altino Arantes

    4.1 Construindo uma imagem de (para) si: desejos e dificuldades

    4.2 O círculo palaciano: conflitos no interior da oligarquia paulista

    4.3 Presidente de Estado de um país, outro país

    5. A Cena Cultural Paulistana e a Fantasia Cosmopolita De Uma Elite Provinciana

    6. Progresso E Tensões Sociais: a Greve Geral Anarquista

    Referências

    Bibliografia

    VOLUME 1: 11º de maio de 1916 a 31 de julho de 1916

    Meu diário: Registro íntimo de Fatos e de impressões.

    Preliminar

    Meu diário

    VOLUME 2: 1º De Agosto De 1916 A 21 De Outubro De 1916

    Meu diário

    VOLUME 3: 15 De Janeiro De 1917 A 29 De Março De 1917

    Meu diário

    VOLUME 4: 30 De Março De 1917 A 15 De Agosto De 1917

    Meu diário

    VOLUME 5:16 De Agosto De 1917 a 31 De Outubro De 1917

    Meu diário

    VOLUME 6: 1º De Novembro De 1917 a 7 De Fevereiro De 1918

    Meu diário

    Agradecimentos

    Uma agradável surpresa nos reservaram os historiadores e professores Robson Mendonça Pereira e a Sônia Maria de Magalhães, que realizaram uma profunda pesquisa e estudo para apresentarem impresso ao público o Diário Íntimo de nosso avô Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo no período de 1916 a 1920.

    Um trabalho exaustivo, sem dúvida, não só pela pesquisa histórica, como também pela dificuldade da digitalização de um texto manuscrito difícil de ser lido até pelos familiares.

    Importante, para nós da família de Altino Arantes, falar de três aspectos:

    1. De sua personalidade:

    Um homem de fé: fé que lhe deu uma direção – a de ser disponível para servir a Deus e ao próximo.

    Sua rotina, conhecida pela família, incluía dois momentos de oração e de reflexão: todas as manhãs era visto depositando uma rosa de seu jardim aos pés da imagem de Nossa Senhora que ornava o terraço de sua casa; à noite, recolhia-se em oração por pelo menos meia hora, antes de dormir.

    Estas práticas de sua religião católica nos revelam uma pessoa voltada para o que é ético e moral. Um homem de bem e de muita reflexão, antes de sua ação firme, quando necessária, conciliadora quando preciso.

    Era meigo e carinhoso, atento às necessidades de quem o procurava, buscando antes de tudo a justiça.

    Na política era conhecido por sua firmeza – a ponto de ser considerado inflexível, pois não abria mão das posições oriundas de muito estudo, experiência de vida e reflexão. O difícil vai ser convencer o Altino, diziam seus amigos, quando havia alguma outra ideia.

    Mas, ao mesmo tempo, sabia ouvir e se compadecer de alguém que vinha lhe pedir um auxílio, como se lê em seu diário. Há sempre uma justificativa para este auxílio, que não era uma distribuição inconsequente, inúmera e escandalosa de favores.

    Meigo com seus filhos e netos, não deixava porém de ser rigoroso com nossa educação.

    Nota-se, no diário, sua preocupação em não privilegiar seus familiares.

    Quando um padrinho de batismo de seu filho Paulo quis ofertar-lhe um vultuoso presente de formatura, vovô Altino proibiu-o de recebê-lo para que não surgisse a dúvida da conta ter vindo dos cofres públicos.

    O bem público e o particular não se misturavam: conta nossa prima Maria Theodora, que despesas de manutenção da família no Palácio dos Campos Elísios, tais como empório e empregados particulares, corriam por conta de meu avô. Apenas os banquetes oficiais eram despesas públicas.

    O mesmo cuidado que o moveu pela causa pública me leva agora a escrever estas linhas pelo cuidado devido à sua intimidade, escancarada publicamente neste diário: medos, tristezas, emoções diversas e sentimentos abertos ao leitor.

    O lado humano deve ser entendido com amor, colocando-nos em seu lugar de jovem de 40 anos, triste pela recente viuvez, alçado a um alto posto por seus méritos, pelos votos e por conveniências políticas alheias à sua vontade. Um joguete nas mãos da História, aberto, como foi, a problemas gravíssimos, como a Guerra que se desenrolava na Europa, afetando o nosso principal produto de exportação – o café, que sustentava o país.

    A este respeito falam os historiadores.

    Em todas as circunstâncias difíceis por que passou, manteve-se firme e calmo.

    Vovô lia, lia muito, desde criança. Deixou uma biblioteca imensa. Recitava trechos de vários autores de cor. Refletia a partir deste conteúdo e das discussões e a partir de sua longa experiência de vida. Assim soube sempre manter a calma e agir com sabedoria.

    2. Do Reconhecimento público:

    Sua trajetória política ilibada rendeu-lhe uma estima geral. Não pelas inúmeras condecorações – que as obteve todas (vide Wikipédia) – mas, por fatos concretos ao longo de sua vida.

    Exerceu vários cargos de confiança como presidente de bancos, de associações, membro de diversas academias culturais.

    Saliento apenas dois fatos: foi escolhido pelo governo de Getúlio Vargas – que o havia exilado após a Revolução de 1932 – para representar o Brasil na 1ª Conferência Pan-americana de Lima. O segundo fato: em 1945, após este longo período de 15 anos em que o Partido Republicano foi alijado do poder, foi o único representante do PR eleito para a Câmara Federal.

    Em 1951, foi convidado para candidato a Vice-Presidente para integrar a chapa de Cristiano Machado.

    Encarnando a árvore símbolo do partido, viveu tal como o Jequitibá, altaneiro frente às intempéries, sem se vergar, reconhecido pela sua retidão de caráter até ao fim de sua longa vida. Depois de morto continuou lembrado em muitas comemorações, emblematicamente dando seu nome ao prédio que é um símbolo de São Paulo, a antiga sede do Banespa.

    3. Do valor para a História:

    Como bem salientam os historiadores, há um valor histórico na publicação do diário. Não só pela elucidação de alguns fatos como o posicionamento do Brasil frente à Guerra, a política do café, as encampações de ferrovias, o enfrentamento das greves. Cada pesquisador, junto com outras informações terá uma análise diferenciada destes fatos.

    Como os professores Robson e Sônia nos falam em seu prefácio, a História se volta também para os costumes, hábitos e características gerais que retratam este período.

    Por este fato, nossos sinceros agradecimentos e congratulações, em nome dos descendentes de Altino Arantes,

    Maria Sylvia Arantes Junqueira Ribeiro Campos

    Apresentação

    A primeira menção da existência de um Diário Íntimo de autoria de Altino Arantes surgiu a partir da leitura do famoso artigo de Edgar Carone e Maria Silvia Arantes Junqueira sobre as atas do Partido Republicano Paulista (Carone; Junqueira, 1972, p. 135-230)¹. Nele, havia uma clara indicação de que Altino teria mantido um registro cotidiano e pormenorizado dos bastidores da política estadual durante sua conturbada passagem pela presidência do Estado (1916-1920). Embora Carone e Junqueira ressaltassem a importância da fonte para revisão da historiografia política paulista, não havia qualquer indicação que permitisse a localização dos originais.

    Em 2002 tive a oportunidade de manusear, pela primeira vez, algumas páginas fotocopiadas do diário de Altino, repassadas pelo professor José Evaldo de Mello Doin, orientador do projeto de doutorado que desenvolvia a época na UNESP, campus de Franca (Pereira, 2005). O material encontrado por um de seus alunos no Museu Histórico e Pedagógico Dr. Washington Luís da cidade de Batatais, constituiu-se numa importante pista ao evidenciar a existência de um manuscrito original. No entanto, mantinha-se o mistério, as páginas pareciam se referir apenas ao preâmbulo do diário, inexistindo qualquer indicação a respeito do período que abarcava, nem quanto à sua guarda. Podia estar em posse de particulares ou na melhor das possibilidades, depositado em algum arquivo público.

    Apostando nesta última hipótese, consultei o Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e o acervo de algumas bibliotecas. Infelizmente, a empreitada mostrou-se infrutífera. Naquele contexto, o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP) apresentava-se como a última possibilidade de localizá-lo, considerando-se que essa instituição mantêm diversos fundos privados de alguns ex-presidentes paulistas, inclusive do próprio Altino Arantes. Neste fundo encontrei finalmente a íntegra do diário. Frustrei-me, não posso negar, quando me deparei não com o documento original, mas com as fotocópias encadernadas dos quinze cadernos originais. ²

    Em parceria com a professora Sônia Maria de Magalhães, iniciamos o primeiro exame desse material que resultou em um artigo contendo alguns apontamentos sobre as possibilidades de pesquisa apresentadas pelo diário para historiografia política paulista (Pereira; Magalhães, 2004, p. 23-29). Nos seus registros cotidianos, Altino tecia diversos comentários a respeito do círculo de poder palaciano – comissão executiva do Partido Republicano Paulista (PRP) e o secretariado –, suas relações com chefes nacionais envolvendo acordos eleitorais e favores inúmeros. Atentamos também para as manobras da elite paulista em relação aos conflitos sociais e as tensões modernizantes do meio urbano em expansão, no alvorecer da República, com destaque para dois episódios significativos: a greve anarquista de 1917 e a pandemia de gripe espanhola de 1918.

    A partir do ano de 2005 a pesquisa granjeou fôlego com a digitalização dos primeiros cinco volumes, bem como o início da transcrição do diário graças à participação de alunos bolsistas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Goiás (UEG). À medida que os trabalhos avançavam, percebemos que a fonte extrapolava a peculiaridade de um mero diário de governo ou político, considerando a extensão dos volumes, a variedade de informações e de personalidades citadas. Os diversos assuntos tratados se entrelaçavam compondo uma trama bastante complexa sobre a vida pública e íntima de Altino. No primeiro registro do diário, que se inicia no dia de sua posse como presidente do Estado, o autor comenta o paradoxo que vivenciava: alegria diante do que representava o auge de sua carreira, e de tristeza, pois a sua falecida esposa não estava presente para compartilhar a grandiosidade daquele momento em sua trajetória de estadista. Aliás, a memória de sua primeira esposa Maria Teodora é um tema recorrente em sua escrita.

    Nesta primeira fase, investigamos os elos existentes entre o exercício da administração estadual e os arranjos político-partidários. Altino teria passado por enorme dificuldade para organizar seu governo por causa do cisma partidário de 1915 provocado pelo conturbado processo eleitoral que levou a sua escolha como sucessor do conselheiro Rodrigues Alves, contrariando uma parcela dos cardeais do PRP. Altino procura incansavelmente obter apoio para o seu governo e ao mesmo tempo diferenciar-se da forte influência exercida pelo seu mentor, Rodrigues Alves. Ressente-se dos ataques feitos pela imprensa, especialmente do grande orgam, expressão que usa para referir-se ao poderoso O Estado de S. Paulo de Júlio de Mesquita, o mesmo que estimulou um grupo de jornalistas a editarem a revista O queixoso com o intuito de veicular críticas acerbas ao governo estadual.

    Quando Altino assumiu a presidência a economia cafeeira padecia dos efeitos oriundos da queda do volume de exportações por causa da guerra, afetando a arrecadação estadual, e diminuindo a capacidade de investimentos públicos. As importações se escasseavam, a imigração minguava, a indústria crescia, porém limitada por causa desses fatores conjunturais. O desemprego generalizado e a carestia completavam o panorama desolador. Diante desses obstáculos que ameaçavam a própria sustentação de seu governo, Altino sentia o peso do cargo e dos desafios, reclamava costumeiramente da falta de apoio dentro da bancada e dos conflitos inúteis entre seus partidários.

    O diário, entretanto, reflete o poder político representado pelo presidente de Estado, como chefe de governo e líder do partido, em torno do qual girava todos os aspectos da administração paulista. Nesse quesito é importante frisar a atuação de Altino na recondução do conselheiro Rodrigues Alves a presidente da República nas eleições de 1918, o qual era entendida como retorno dos paulistas ao poder central, projeto malogrado devido ao falecimento do conselheiro no início do ano seguinte (Pereira; Magalhães, 2013, p. 385-87). Esse assunto é dominante durante a segunda fase do governo registrado em cadernos posteriores do diário.

    A proeminência da modernização em São Paulo nos anos 1910 e 1920 começava a exigir cada vez mais uma intensa participação dos políticos em diversos tipos de eventos como inaugurações, raids automobilísticos, desfiles, festividades, excursões ao interior de trem, e um sem-número de situações inéditas nos quais a presença simbólica do líder poderia transfigurar a imagem do mais poderoso Estado da nação. Ocasiões especiais como a abertura da Primeira Exposição Industrial de São Paulo, em 1917, ou do Primeiro Congresso Paulista de Estradas de Rodagem, em 1918, serviam como momento privilegiado para exibição da personalidade. Nessa ocasião, Washington Luís, o organizador destes espetáculos públicos, era o prefeito da capital e amigo de Altino, e desde muito cedo percebeu a força imagética do entretenimento no contexto do processo de metropolização que se anunciava na cidade de São Paulo.

    Os espaços de convívio da elite paulista aparecem em diversos trechos do diário. Os lugares de fruição e convívio da gente elegante e sofisticada da pauliceia passavam pela Villa Kyrial de Freitas Valle, pela Rotisserie Sportsman, pelo Cassino Antarctica e pelo Theatro Municipal. Um circuito mais popularesco incluía frequentar teatros menores ou improvisados espetáculos de vaudeville, operetas e films nos diversos cinematógrafos espalhados pela cidade.

    Enfim, o diário de Altino apresenta um interessante retrato da sociedade paulista, sobretudo da elite paulistana, que vivia a fantasia da modernidade de uma Belle Époque tardia, cuja morte se anunciara nas trincheiras da Primeira Guerra. Neste cenário o gosto romântico refreava as experimentações vanguardistas do modernismo, que acabariam sendo incorporadas pela própria elite a partir de 1922. Altino refletia exatamente estas contradições internas da oligarquia cafeeira paulista, pois como membro de uma geração moderna de políticos do PRP preocupava-se em manter intata a soberania do partido e dos negócios do café.

    Assim, o livro que o leitor tem em mãos compõe-se na sua primeira parte de uma análise contextualizada dos seis volumes iniciais do Diário Íntimo de Altino Arantes, que correspondem aos primeiros anos de sua gestão estadual (maio de 1916 a fevereiro de 1918). Na segunda parte, apresentamos a transcrição dos volumes, adotando normas ortográficas atuais para evitar eventuais dificuldades na leitura e consulta do diário, assim algumas palavras foram alteradas conforme a necessidade explicativa do texto. Termos e expressões estrangeiras foram mantidos conforme o original.

    Se a história do encontro com o diário de Altino precisava ser contada, isto se deve é claro a delicada relação que cada geração mantem com a memória dos atores políticos do passado. O esquecimento pautou as opções de uma historiografia que no passado recente se debruçou sobre processos macro-históricos que privilegiavam as fontes quantitativas. O cenário historiográfico atual tem se voltado para análise de fontes privadas, se desdobrando em estudos específicos de atores políticos, gerando assim uma miríade de possibilidades para os estudos da escrita de si.

    Em meio à vasta documentação produzida por muitos destes personagens, podemos destacar por sua particularidade, os diários íntimos. Nestes fica evidente uma das principais características aparentes da escrita autorreferente, a veracidade dos fatos relatados, expectativa que obscurece por vezes as intenções do autor. Assim, a feitura de um diário, longe de parecer um exercício de pura reflexão sem maiores propósitos, funcionaria como suporte para reconstrução da própria trajetória de vida, fornecendo meios para que o indivíduo organizasse suas lembranças articulando-as em um plano coerente, isto é, atribuindo sentido ao caos de suas reminiscências pessoais.

    1. Escrita Autorreferencial E Estratégias Autobiográficas

    A noite já avançava quando Altino Arantes sentou-se à frente de sua escrivaninha, ajeitou-se na cadeira, abriu um caderno, colocou a pena no tinteiro, e em seguida escreveu de maneira solene na primeira página: Meu diário – Registro íntimo de fatos e de impressões. ³ Após um pequeno introito, passa a descrever longamente os eventos e todas as sensações que o tomaram de assalto naquele longo e exaustivo dia que parecia nunca terminar:

    1º de maio de 1916, segunda-feira: minha posse na presidência do Estado.

    No tumultuar das impressões desencontradas, que este acontecimento levanta em meu atribulado espírito, duas se destacam e dominam todas as outras: uma grande surpresa e uma imensa, acabrunhada saudade... Surpresa da qual me não refiz ainda, ao ver-me, antes dos quarenta anos de idade, elevado a suprema magistratura de meu Estado natal, sem que eu descubra em mim méritos para tanto, sem que tenha visado jamais, nas minhas atitudes e conduta públicas, tão alta investidura. Não consigo explicar humanamente o estranho caso; e, por isso, à minha alma de crente prefere, singelamente, atribuir a proteção superior de Deus, que nunca me faltou, mas essa dádiva – generosa é certo, compreensiva talvez...

    A intenção subjacente de Altino na feitura do diário aparece neste primeiro instante quando destaca o fato motivador do discurso autobiográfico. Evidentemente, não se trata de uma nota qualquer, mas de um momento significativo na trajetória de qualquer político com algum tipo de aspiração.

    Altino se põe a registrar fatos cotidianos relacionados a sua atuação como homem público, revelando os bastidores da política paulista e consignando opiniões sobre seus pares. Estas anotações, relativas a momentos pessoais, estão marcadas por situações de hesitação e sentimentos contraditórios diante de situações adversas. Percebe-se no diário de Altino um projeto narrativo autorreferente no qual pretende mais do que consignar seus atos, apresentar uma leitura legitimadora de suas ações e de seu papel como homem político frente à história.

    A trajetória político-administrativa de Altino foi vertiginosa e se vinculou à de grandes líderes políticos paulistas da época, como o conselheiro Rodrigues Alves e Washington Luís. Por meio de uma análise pormenorizada de seu diário é possível perceber o universo de valores desta elite política em uma fase no qual começava a se defrontar com as tensões sociais provocadas pelos movimentos sociais e de modernização urbana do período. A agitação provocada pela Primeira Guerra Mundial que desencadeia a crise da economia cafeeira; a turbulenta Greve Geral anarquista de 1917 e a pandemia de gripe espanhola de 1918 constituem alguns dos acontecimentos que se embaralham na narrativa de Altino de maneira a sustentar o seu discurso e suas ações como gestor.

    A análise de diários envolve-se de peculiar especificidade e nível de complexidade. Esse tipo de fonte contém um discurso subjetivo que deve ser analisado minuciosamente. Nesse sentido, a produção de escrita de si por parte de políticos constitui um denso manancial para o estudo das representações sobre política na Primeira República. A escrita de si ou o registro autobiográfico vem assumindo importância cada vez maior no contexto historiográfico recente, especialmente no campo de análise das representações construídas por indivíduos na sua subjetividade, isto é, na forma como percebem e se atribuem sentido à realidade vivida.

    Para Ângela de Castro Gomes o historiador ao lidar com estes materiais deveria se municiar dos nada novos procedimentos de críticas às fontes, guarnecidos com escolhas teóricas e metodológicas capazes de filtrar o calor, de maneira a não ter a boca queimada (1998, p. 125). Neste sentido, alerta para o perigo da mera substituição das fontes oficiais pelo registro privado que poderia atestar com uma maior carga de subjetividade e veracidade as motivações não expressas da ação do ator político.

    A produção de escrita autorreferencial é algo igualmente recente que aparece no mundo moderno como uma prática de indivíduos comuns que passam a produzir uma memória de si. A autobiografia e a biografia, vinculados a esse tipo de prática discursiva, surgiram um pouco antes em países de língua inglesa. Como gênero literário, ambos, se difundem ao longo do século XIX, tendo a Europa como epicentro de difusão. Na América do Norte, nascida sob o signo da modernidade ocidental, destaca-se a extrema importância dada ao registro pessoal e a reminiscência como elemento de afirmação da individualidade.

    O romance e a autobiografia podem ser considerados gêmeos quase siameses (Calligaris,, 1998, p. 22-4), pois a biografia pega emprestado do romance a narrativa adequada e os modelos de vida que procuram dar certa coerência aos eventos de toda uma vida. Assim insere-se uma preocupação com a questão da veracidade dos fatos ao qual o registro autobiográfico parece corresponder. A noção de uma relação intrínseca entre subjetividade e verdade parece provir da concepção de que a autobiografia consistiria em um tipo de representação do sujeito, relação que Calligaris (1998, p. 48-9) considera ingênua. Ele afasta a ideia de que o sujeito possua um conteúdo a ser representado, uma vez que se encontra numa condição de esvaziamento construída por ele mesmo ao recusar o próprio destino e/ou essência decididos pela tradição.

    O sujeito estaria convencido de ser o autor de seu discurso, e não um mero espectador. Essa consciência do sujeito capaz de produzir a si próprio, da capacidade de conduzir seu próprio destino, transfere toda sua força ao texto autobiográfico. Calligaris adota aqui a concepção formulada por Georges Gusdorf de ato autobiográfico, definido como algo historicamente dado, uma vez que a autobiografia representaria ao mesmo tempo a saída de uma sociedade tradicional e o sentimento de história como aventura autônoma, individual (1998, p. 20-1).

    Os motivos pelos quais os indivíduos são levados, a partir da época moderna, a arquivar as próprias vidas, isto é, os processos de guarda de materiais ligados diretamente à escrita de si propriamente dita (autobiografias, diários, correspondência passiva) ou à constituição de uma memória de si (fotografias, cartões-postais, etc.) têm uma relação direta com certas pressões sociais no sentido de mantermos nossas vidas organizadas (Artières, 1998). Nesse processo manipulamos a existência, rasuramos, riscamos, sublinhamos ou damos destaque a certas passagens de nossas vidas.

    A tentativa do indivíduo de construir uma identidade para si por intermédio de seus documentos constitui então uma emergência histórica em contraste com as sociedades tradicionais que tendiam a se sobrepor aos interesses individuais, reprimindo sua manifestação (Gomes, 2004, p. 12). Porém, no contexto da sociedade moderna, o indivíduo desempenha uma série de papéis sociais sobrepostos e geralmente desarmônicos, que dificultam enfim a construção de uma identidade coesa. Pode-se afirmar assim que a produção de si constitui uma forma de se proteger da fragmentação do eu, própria da vida moderna.

    Tomando como pressuposto essas considerações, analisamos especificamente o diário íntimo de Altino Arantes, político paulista que no auge de sua carreira tomou a iniciativa de registrar de forma indelével a sua experiência como governador de São Paulo. O diário encerra, de alguma maneira, certas pretensões intelectuais e literárias do autor, além é claro da preocupação expressa no introito do primeiro volume de resguardar sua imagem para posteridade.

    2. Diários Íntimos E Diários Políticos

    No contexto brasileiro o diário pessoal e a escrita íntima praticamente inexistiram como gênero literário por longo período. Para Gilberto Freyre faltaria motivação aos povos dos trópicos para o chamado exame de consciência, feito em geral no confessionário do padre. Tal argumento de cunho religioso é rebatido por Cabral de Mello que aponta para dois possíveis fatores explicativos: o baixo nível educacional que prevalece até as primeiras décadas do século XX, dificultando o exercício da escrita pessoal, e a ausência de uma cultura da vida privada nos países de colonização ibérica, ao contrário daqueles de cultura protestante que a desenvolvem precocemente (1998, p. 386-8).

    Maria Helena Machado aponta para aspectos análogos aos apontados por Cabral de Mello ao afirmar que a raridade desse tipo de fonte histórica se daria em uma sociedade pouco afeita às letras em geral, e menos ainda à valorização do registro pessoal e da reflexão íntima vindo apenas tardiamente, em tempos mais modernos, via psicanálise [...], vulgarizar-se a escrita do diário (Magalhães, 1998, p. 21).

    A análise dessa autora recaiu justamente sobre o diário íntimo do general José Vieira Couto de Magalhães, personagem do Segundo Império com participação ativa na vida pública brasileira. Machado procura empreender um estudo das mentalidades das elites da época que vivia a experiência da modernidade do capitalismo na segunda metade do século XIX. Ao esmiuçar os registros de Couto de Magalhães, a autora se defrontou com citações e referências a selvas, a rios caudalosos e a sertões infindáveis. Para Couto a possibilidade de viver no Rio de Janeiro ou em outro centro urbano em expansão (sintomático que escreva seu diário em Londres) lhe provocava melancolia ao contrariar o desejo de aproximar-se do mundo natural com o qual entrara em contato durante sua passagem pelas províncias de Goiás, Pará e Mato Grosso. Desenvolve assim uma crônica do cotidiano com o qual procura repassar sua vida para melhor compreendê-la e controlá-la.

    Deduz-se disso a importância assumida pelos diários íntimos, algo que se torna mais contundente no caso de personalidades públicas, seja por envolver apreciações privadas pouco comuns, ausente mesmo na documentação epistolar do personagem, revelando circunstâncias especiais, momentos de hesitação e incertezas que tingem de veracidade os eventos vividos. Desenvolve-se assim uma imagem da vida interior, produto da meditação constante com o qual o indivíduo refaz sua própria biografia, para si mesmo e para os outros (Calligaris, 1998, p. 46).

    Na verdade, poucos políticos brasileiros legaram a posteridade o registro na forma de diários. E muito pouco do que existe mereceu publicação integral e análise acadêmica. O diário de Getúlio Vargas, é um desses exemplos raros, investigação que envolveu um extenso trabalho de transcrição dos manuscritos originais por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas. Em sua apresentação Celina do Amaral Peixoto (1995, p. VII-XIII) classifica o diário de Vargas como estritamente pessoal por se tratar de um guia para a própria vida, diferenciando-se do diário íntimo, separando vida pública e vida pessoal.

    O diário íntimo do político paulista Altino Arantes Marques, se aproxima do estilo adotado por Vargas, por se caracterizar pela mistura ou entrelaçamento de situações públicas com reminiscências íntimas e pessoais, sendo mais que um diário político. Seu autor não se limita a registrar os aspectos burocráticos de sua atividade cotidiana, mas se põe a formular opiniões a respeito de seus subordinados e pares, expõe sentimento de perplexidade e dúvida a respeito de suas próprias atitudes, como o faz Vargas. A dimensão mais propriamente recôndita e íntima de sua vida pessoal é esmiuçada quando se refere à esposa recém-falecida, as dificuldades ao lidar com filhos adolescentes, nos preparativos de mudança para o Palácio presidencial, nas viagens para o balneário do Guarujá, idas ao teatro ou ao cinematógrafo, enfim, situações nas quais afloram sentimentos absortos, devaneios e sonhos.

    O manuscrito do diário se compõe de quinze cadernos. Cada caderno apresenta na contracapa o ex-líbris do autor, na primeira página a numeração do volume demonstrando um esforço de organização, na seguinte o título inicial Meu Diário que abre a entrada cronológica inicial. ⁵ Recobrindo exatamente o período do mandato de Altino como presidente do Estado de São Paulo (1916-1920), o conjunto desses registros cotidianos ininterruptos não ensejou, por parte do autor, a organização de uma memória biográfica. Algum esforço autobiográfico aparece no livro Passos do meu caminho, publicado quase ao fim de sua vida, no qual reuniu parte de sua produção intelectual (Marques, 1958, 2v).

    Ao contrário das reminiscências deixadas por Couto de Magalhães quase ao final de sua vida, as anotações de Altino se davam no calor dos eventos, das crises sucessivas que marcaram seu governo, dos acertos e acordos firmados com o círculo de poder, que incluía além do seu secretariado, os membros da Comissão Central do Partido Republicano Paulista (PRP), do dia-a-dia despachando com coronéis locais e chefes regionais a resolver impasses político-eleitorais.

    Em determinada passagem significativa de seu diário, Altino reexamina seus atos como gestor público e procura se escusar diante das críticas que pareciam atormentar-lhe:

    1º de Maio [1917] – Transcorre hoje o primeiro aniversário de meu governo. Devo ter errado muito, e certo; mas o que se me não poderá contestar jamais é que tenha trabalhado com dedicação e honradez por São Paulo, por seu bem estar e por seu progresso. Tenho sofrido também muitas e clamorosas injustiças, na apreciação de meus atos e até, de meus propósitos. Isto, porém, pouco importa, quando se tem a consciência tranquila e olhos postos em Deus, em Deus que jamais me abandonou, nos transes mais angustiosos de minha vida e cuja indefectível proteção me conduzirá ao termo feliz de meu quatriênio.

    Apesar de reconhecer dificuldades na sua administração, ao reclamar dos ataques sofridos, Altino expressa sua convicção de que estaria no caminho correto. Isto não o livra do ressentimento despertado em relação a seus detratores, especialmente a Júlio de Mesquita, líder dos dissidentes e chefe de O Estado de S. Paulo, de onde partiam os artigos mais virulentos contra o seu governo.

    Na leitura de diversos outros trechos do diário seu autor procura fazer justiça consigo mesmo, característica muito comum nas narrativas autobiográficas, reforçando a honradez e a fé católica, valores que acredita incorporar como homem público e que eram compartilhados pelos demais membros do grupo político do qual fazia parte.

    O esboço do perfil biográfico de uma personalidade política deve se revestir de certas precauções no sentido de se evitar recair nos estereótipos construídos em torno do personagem. Sua rápida ascensão como político, uma vez que alcançou a presidência do Estado antes dos quarenta anos de idade, seguiu de alguma maneira o cumprimento dos estágios requeridos para ingresso no restrito círculo da elite política confinada na Comissão Central do Partido Republicano Paulista (PRP), porta de entrada para os cargos administrativos do alto escalão da máquina burocrático-estatal paulista.

    3. Do Interior Paulista Para Belle Époque Paulistana: A Trajetória Anterior Ao Diário

    Altino Arantes Marques nasceu em 29 de setembro de 1876⁷, em Batatais, na época um próspero município cafeeiro da Alta Mogiana⁸ (atual nordeste paulista). Filho do coronel Francisco de Arantes Marques, importante negociante de fazendas, secos e molhados na localidade. Cursou o ensino secundário no Colégio São Luís, na cidade de Itu, entre 1888 e 1891, estabelecimento confessional dirigido por padres jesuítas⁹. Esta influência religiosa colaborou certamente para reforçar valores e convicções morais, manifestos em diversos trechos de seu diário. Este traço particular de seu comportamento, no entanto, não o distinguia do perfil médio dos membros mais intelectualizados da elite política paulista que possuíam uma visão mais cosmopolita moldadas nas viagens constantes pela Europa e na leitura de obras filosóficas que expressavam uma visão menos tradicional do mundo (Sevcenko, 1985, p. 21).

    Já instalado na capital, Altino frequentou a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, obtendo o grau de bacharel em 1895. Ali, certamente, entrou em contato com o ideário positivista professado num âmbito extra-oficial na academia que sustentara convicções políticas na primeira fase republicana. O PRP da fase da propaganda nas décadas de 1880 e 1890 incorporou lemas positivistas de viés modernizador, em especial a crença na possibilidade de organizar racionalmente a sociedade com base em princípios científicos expressos em teorias conexas com essa corrente, – como o darwinismo social, o monismo alemão e o spencerianismo, que colaboraram para moldar as instituições e a forma do Estado pensadas após a Proclamação da República (Santos, 1978, p. 89).

    É provável que ideias poderosas como estas tenham inspirado jovens bacharéis como Altino, pois ao retornar à sua terra natal iniciou-se na carreira jurídica, associando-se a uma figura de expressão na localidade, o forasteiro Washington Luís. Este se mudara para Batatais dois anos antes, a convite de um colega do tempo das arcadas, Joaquim Celidônio Gomes dos Reis Júnior (Marques, 1957, p. 11; Love, 1982, p. 406, 408). Advogado competente e carismático, Washington rapidamente ascendeu na carreira vindo a ser eleito vereador, levando consigo seu novo amigo Altino. Ambos fundaram e dirigiram ao lado de Celidônio Jr., o jornal A Lei em 1897, um periódico em defesa da causa do municipalismo, além de colaborarem com artigos em outros como O Direito, A Penna e A Justiça (Marques, 1957 p. 16-8).

    Altino tentou ser eleito vereador em 1898, quando se envolveu em uma disputa eleitoral pelo comando da edilidade, encontrando-se em lado oposto ao de seu colega Washington que tentava se reeleger (Marques, 1957, p. 9-31). Altino começava a desfrutar do prestígio de sua família, pois uma das principais lideranças políticas na cidade era de seu tio, o coronel Eduardo Garcia de Oliveira, então deputado estadual. Ao organizar o diretório local do PRP, Oliveira colocou seu sobrinho como secretário. A derrota no pleito atribulado levou Altino a encaminhar recurso junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que decidiu favoravelmente ao requerente. No entanto, um dos mais votados na chapa ficou impedido de assumir dando a maioria aos governistas liderados por Washington que vislumbrava voos mais altos no cenário regional (Debes, 1994, p. 45).

    Este episódio parece não ter deixado mágoas em Altino, pois seus comentários sob os tempos de advogado na roça demonstram que se tratava de um momento de sua juventude, de preparação para um neófito em assuntos políticos (Marques, 1957). Sem nunca ter ocupado cargo relevante na esfera local, acabaria anos mais tarde sendo indicado para disputar o cargo de deputado federal na chapa oficial do PRP na eleição de 1906. Tal feito se devia a significativa influência de sua tradicional parentela reforçada pelos laços mantidos com a família Junqueira.

    Esse vínculo com os Junqueira se iniciara desde seu primeiro casamento, ocorrido em 1899 na cidade de Franca, com Maria Teodora de Andrade Junqueira. ¹⁰ Sua primeira esposa faleceu em São Paulo, em 12 de março de 1915, deixando-lhe órfãos seus dois primeiros filhos Maria Stella e Paulo Francisco, perda intensamente lamentada ao longo do diário. No último ano de seu quatriênio presidencial, contrairia núpcias com Gabriela da Cunha Diniz Junqueira, filha do coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, o Quinzinho¹¹, em casamento realizado na capital em 24 de maio de 1919. Dessa união nasceram dois filhos: Maria Bernadete e Joaquim Victor Junqueira Arantes. Confirmava-se assim, a extensão dos interesses políticos ao campo das relações familiares.

    Em sua estreia no Congresso Nacional, Altino começaria se destacando na defesa do famoso Acordo de Taubaté firmado entre os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Sua colaboração se daria mais especificamente na implementação da Caixa de Conversão, criada para estabilizar o câmbio e impedir sua valorização. O governo federal acabaria apoiando tal instrumento por sua eficácia em manter a taxa cambial superior a do mercado livre, e assim atrair moeda estrangeira (Mello, 1982, p. 138-9). O êxito da Política de Valorização do Café se prolongaria até as vésperas da Primeira Guerra Mundial, cessando as crises frequentes no setor.

    Na esteira do sucesso, Altino seria reconduzido em 1909 para mais um triênio. No entanto, em novembro de 1911 renunciou ao mandato para assumir a Secretaria de Negócios do Interior a convite do então presidente paulista Albuquerque Lins (1908-1912). A razão de sua decisão é que a pasta detinha a maior fatia do orçamento, conferindo ao ocupante um enorme poder de barganha e controle dos processos eleitorais pelo contato frequente com chefes regionais do partido e coronéis. Altino certamente avaliou que tal posição o colocava em condição de vantagem política, ao adquirir um tipo de experiência que ainda não possuía, e que certamente faria a diferença se estivesse interessado em alçar voos mais ambiciosos.

    Interessante notar que Altino tinha como colega de gabinete seu amigo dos tempos de Batatais, Washington Luís. Este comandava a Secretária da Justiça e Segurança Pública desde o governo de Jorge Tibiriçá, e vinha se destacando no processo de reforma da polícia e do judiciário estadual, ocupando-se da modernização da Força Pública treinada por uma missão de oficiais do exército francês. Washington ocupou por curto período uma vaga no legislativo estadual, e era agora um administrador experimentado, elogiado por seus pares no PRP.

    Ao contrário de seu colega, Altino parecia se encontrar em situação mais favorável. Ao montar seu secretariado, o recém-eleito conselheiro Rodrigues Alves (1912-1916) manteve Altino na mesma pasta. Com o tempo ele se tornaria um dos mais fiéis defensores do político de Guaratinguetá (Egas, 1927, v. 2, p. 481), fato que se revelaria auspicioso para sua ascensão política (Franco, 1973, v. 2, p. 607).

    A eleição do conselheiro fortaleceu as posições grupo no plano estadual e serviu para superar a crise institucional, afastando qualquer possibilidade de intervenção federal, devido ao apoio paulista a Rui Barbosa nas eleições presidenciais de 1910 e as ambições do senador gaúcho Pinheiro Machado, que desejava controlar a situação política em São Paulo e Minas Gerais. ¹² Machado colocou a testa do diretório paulista do Partido Republicano Conservador (PRC), Rodolfo Miranda o mesmo que comandara a pró-hermista Junta Republicana, juntamente com Campos Sales e Francisco Glicério (Debes, 1994, p. 109-11).

    A escolha de Rodrigues Alves resultou, portanto de um acordo firmado entre as facções internas do PRP para unificar a política paulista e evitar a intervenção. O PRC paulista que lançou Miranda como candidato oficial à presidência do Estado desistiu desse intento obtendo em troca representatividade na legislatura federal e depois assento na Comissão Central do PRP (Casalecchi, 1987, p. 139-140). O conselheiro teve o apoio de centros hermistas como o de Ribeirão Preto comandado pelo coronel Quinzinho Junqueira, que viria a ser depois sogro de Altino Arantes.

    Eleito o conselheiro, passa a se dedicar a questão da sucessão federal que se tornara problemática com a possibilidade da candidatura de Pinheiro Machado. Rodrigues Alves aceita o convite de Bias Fortes do Partido Republicano Mineiro (PRM), para constituição de um pacto interestadual contra o PRC firmado em março de 1913, do qual resulta a formação no Congresso do agrupamento denominado Coligação que irá impugnar a candidatura de Machado. O PRM aventa a candidatura de um de seus líderes, o vice-presidente da República Wenceslau Braz, que acabaria sendo aceita por todos os partidos situacionistas. Aproveitando a oportunidade Pinheiro Machado lidera uma convenção do PRC e coligados que lança oficialmente a chapa Wenceslau e Urbano dos Santos. Essa manobra que mantêm Machado como importante protagonista na política nacional por curto período, pois o novo presidente rejeita a submissão aos ditames do PRC, o que na prática levara a sua decomposição (Souza, 1975, p. 209-12).

    Superada essa crise em nível federal, o conselheiro Rodrigues Alves teria pouco a comemorar quando tem de tratar do processo sucessório estadual. As manobras pré-eleitorais custariam toda unidade partidária construída anteriormente, provocando uma grave crise no PRP, tendo Altino Arantes no epicentro do debate em fins de 1915.

    Todo este imbróglio teve início com a indicação da chapa oficial à sucessão do conselheiro, encabeçada por João Álvares Rubião Jr., presidente do Senado Estadual, tendo como vice Altino Arantes. A oposição liderada por Jorge Tibiriçá e Bernardino de Campos tentou lançar, sem êxito, a candidatura de Fernando Prestes.

    Inesperadamente Rubião Jr. veio a falecer provocando a realização de uma Convenção partidária a sete de novembro para escolher outra chapa. Os dissidentes rapidamente indicaram o nome de José Cardoso de Almeida, secretário da Fazenda (Cincinato Braga também fora cogitado), algo que provocou profundo desagrado ao conselheiro. Este resolveu bancar a candidatura de Altino Arantes, enviando uma carta pública ao chefe da presidente da Comissão Executiva do PRP Jorge Tibiriçá.¹³ Ao que parece Altino alçara a condição de discípulo fiel e confiável, como deixa entrever o comentário de Casalecchi:

    [...] conhecido como o mais palaciano dos secretários, amigo pessoal dos filhos do presidente do Estado, em especial de Oscar Rodrigues Alves, cogitando-se mesmo na ação deles para aquela indicação, Altino Arantes tem a candidatura combatida com fervor pelos dissidentes. (1987, p. 147-8)

    A perspectiva de chegar antes dos quarenta anos à presidência do Estado não poderia deixar de acender invejas e suscitar restrições conforme assinala Melo Franco mereceu glosa desagradável: Até mesmo do prestígio que lhe conferia a presidência, seu nome, não chegou a se impor nacionalmente, como vemos pelos sarcasmos de Rui, quando se refere ao futuro presidente paulista como sendo a menina do piano" (Franco, 1973, v. 2, p. 774).¹⁴

    A dissidência atacou intensamente a candidatura veiculando críticas por meio do jornal O Estado de S. Paulo. Júlio de Mesquita, chefe deste periódico, assume a representação dos dissidentes às vésperas da Convenção que foi presidida por Francisco Glicério, que teve início com o requerimento de Adolfo Gordo pedindo adiamento da decisão por quinze dias a fim de ganhar tempo para escolha de nome que reunisse os sufrágios gerais. A maioria se opôs a essa medida, e após longo discurso de Carlos de Campos em nome da conciliação, buscando isentar o governo e referendar Altino, o requerimento de Adolfo foi rejeitado. Retiraram-se dezessete convencionais, sendo que aqueles que ocupavam cargos no governo abandonaram suas posições (João Sampaio, Paulo de Moraes Barros, Rafael Sampaio Vidal, Guimarães Júnior, Antônio Mercado, Antônio de Moraes Barros, Adolfo Gordo e Cesário Bastos). Abria-se, assim, uma nova cisão na política paulista.

    Eleito Altino Arantes sofreria durante seu mandato com o antagonismo dos dissidentes, destacando-se a campanha contra a candidatura do cônego Valois de Castro para senador, o ataque à direção do PRP por negar apoio a Rui Barbosa, ficando com Epitácio Pessoa na campanha sucessória de 1919 e o apoio aos movimentos paredistas de operários de 1917 e 1919, episódio que seria explorado pelo governo para enfraquecer a dissidência (Casalecchi, 1987, p. 149-50).

    Os cronistas de época apontaram para os flagelos que se abateram sobre os paulistas durante o curso do governo de Altino: a Gripe, a Geada, os Gafanhotos, a Guerra e, por fim, as Greves, criando a expressão cinco Gês para designar uma conjuntura particularmente catastrófica (Sevcenko, 1992, p. 24). Sua administração teve de enfrentar muito mais que a oposição de parte de seu partido e a desconfiança dos chefes, pois certamente, a crise no setor cafeeiro e a gravidade da questão social cobrariam um preço alto (Doin, 2001, v. 1).

    4. Registros Privados De Uma Vida Pública: As Faces De Altino Arantes

    A administração de Altino teve início em meio a inúmeras dificuldades de ordem política. Sua legitimidade como candidato e inclusive sua capacidade para ocupar uma posição de destaque vinha sendo questionada através da imprensa, colocando em risco a governabilidade.

    Tornou-se objetivo fundamental, no primeiro momento, a busca de apoio para garantir um mínimo de estabilidade política. Estas condições surgiram no vácuo criado pela debandada das lideranças dissidentes, pois uma série de cargos encontrava-se a disposição para livre negociação com possíveis aliados. No seu conjunto favores e concessões para serviços rendosos seriam distribuídos conforme a lógica prevalente do compromisso eleitoral, da

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