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Renato russo - temos nosso próprio tempo
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Renato russo - temos nosso próprio tempo

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A década de 1980, no Brasil, constituiu-se num cenário que envolveu uma abertura açambarcadora de uma realidade que não se limitou tão somente ao âmbito político, mas proporcionou um conjunto de realidades capazes de redinamizar, inclusive, a produção historiográfica. Nesse sentido, um novo campo de possibilidades emergiu, redimensionando a produção historiográfica ao revelar uma gama de objetos, com novas abordagens, até então negligenciados pela pesquisa acadêmica. A obra de Renato Russo se insere nesse contexto.
A revisão pela qual os paradigmas passaram, a partir, sobretudo da segunda metade do século XX, estampada no Brasil com a convergência da abertura política a qual o Brasil experimentava com a derrocada do regime militar, possibilitou a emergência de uma década explosiva no âmbito musical, sendo Renato Russo um dos seus expoentes.
Trabalhar com letras de música, como uma abertura para elucidar os caminhos para a construção da identidade cultural, é reforçar a emergência dessa redefinição metodológica e perceber objetos competentes em ressaltar novas perspectivas perante a pesquisa a qual se destina. Partindo dessa premissa, o estudo acerca do conceito identidade alcança a dimensão de perceber nas composições de Renato Russo indícios de uma constituição identitária ainda não experimentada, multilateralizando sujeitos pela fragmentação dos mesmos.
LanguagePortuguês
Release dateJan 1, 2014
ISBN9788581923734
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    Renato russo - temos nosso próprio tempo - Cristiano Vinicius de Oliveira Gomes

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2014 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO

    CIÊNCIAS SOCIAIS

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço, sinceramente, a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização desse livro. Humildemente, venho enaltecê-los, pois suas observações possibilitaram, direta ou indiretamente, a elaboração deste trabalho. Antes de enumerar as pessoas indispensáveis para a realização dessa obra, peço desculpas pela não citação de nomes que neste momento me escaparam, pois, para mim, enumerar é, por si só, excludente e, portanto, injusto. Diante disso, venho, nesse breve agradecimento, destacar a participação de alguns sem os quais esse trabalho talvez não tivesse sido realizado, pelo menos não da maneira como o foi.

    Primeiramente, gostaria de agradecer a orientação da Profª Libertad Borges Bittencourt. O carinho, a dedicação, a paciência e a atenção ao me orientar foi de um brilhantismo indescritível.

    Ainda a título de gratidão, gostaria de prestar meus méritos aos meus familiares, dentre os quais destaco Leonor Barbosa Gomes e a Almerinda Dias Fonseca, minhas avós e alicerces sempre vivos na minha vida; Iran Barbosa Gomes e a Almerinda Rosa de Oliveira, meus pais, aos quais sou eternamente grato pela minha formação pessoal e educacional; Carmem Lúcia de Oliveira Gomes, minha madrinha-mãe, zelosa em todos os momentos da minha vida; Fernanda Rodrigues Alves de Oliveira Gomes, esposa e companheira de todas as horas; Caius Vinicius de Oliveira Gomes, irmão, amigo e conselheiro inseparável; Luciano de Oliveira Gomes e Daniela Manrique de Oliveira, sempre presentes e muito queridos.

    Ainda a guisa de gratidão, gostaria de mencionar os nomes de Murillo Sérgio Vieira da Silva e Daiany Sousa Macelai de Oliveira Gomes

    Socorro, não estou sentindo nada Nem medo, nem calor, nem fogo, Não vai dar mais pra chorar

    Nem pra rir Socorro, alguma alma, mesmo que penada,

    Me empreste suas penas Já não sinto amor nem dor,

    Já não sinto nada Socorro, alguém me de um coração, Que esse já não bate nem apanha Por favor, uma emoção pequena,

    Qualquer coisa Qualquer coisa que se sinta,

    Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva Socorro, alguma rua que me dê sentido,

    Em qualquer cruzamento,

    Acostamento, Encruzilhada.

    ARNALDO ANTUNES

    A Rodrigo Teixeira

    PREFÁCIO

    Foi com muito contentamento que recebi o convite de Cristiano Vinicius para escrever o prefácio deste livro, fruto da tese de doutorado que ele defendeu junto ao Programa de Pós Graduação em História, da Universidade Federal de Goiás, sob a minha orientação. Para uma professora, que orienta trabalhos nos mais distintos níveis acadêmicos, da graduação à pós, esse é um momento significativo, tanto pelo convite, quanto por ver o coroamento de uma trajetória acadêmica exemplar, como é o caso do autor desse livro. Cristiano é um professor de renome e também trilhou com distinção a trajetória discente, desde a graduação, cujo ápice foi o Mestrado e o Doutorado. Todas essas etapas foram cursadas na Faculdade de História da UFG e eu tive a honra de orientar os seus trabalhos de conclusão, em cada uma dessas fases.

    Fruto de reflexões acuradas e de uma pesquisa incessante, este livro é um convite a uma leitura não convencional, sobre uma banda, a Legião Urbana e, mais precisamente, sobre seu compositor, Renato Russo, uma referência na cena roqueira nos anos 80 e 90 no Brasil.

    Este livro propõe hipóteses instigantes, emuma concepção de escrita inovadora, com respaldo em fontes abalizadas. A narrativa cuidadosa reforça argumentos bem elaborados e fundamentados que, certamente, tem muito a contribuir com as reflexões da área de História e Música.

    Importante assinalar algo sobejamente repetido em salas de aula: não basta ter boas fontes. É preciso saber fazer as perguntas adequadas para que se possa extrair aspectos inéditos das fontes arroladas, porque estas não falam por si. Essa perspectiva fundamental se evidencia neste livro, no qual é possível constatar como o autor em sua escrita escapou de uma estrutura acadêmica conservadora, ao evitar a cronologia na sua divisão de capítulos. Em uma concepção singular, Cristiano analisou em cada tópico uma temática que ele destacou das canções, corroborando sua tese central, apontada como sendo a crise da modernidade. O acerto da sua assertiva se evidencia desde a parte introdutória, que é um convite ao leitor para seguir a tecitura de uma narrativa cativante e respaldada.

    O livro destaca a ambiência cultural dos anos oitenta e noventa do século XX no Brasil. O texto ressalta como a sensibilidade do letrista conseguiu captar um sentimento difuso, sobretudo entre a juventude urbana, que se encontrava atônita diante das promessas não cumpridas, após o governo militar. O autor reitera que essa crise de representatividade não afetava apenas o Brasil, mas também outras partes do mundo, sendo derivada do esgotamento do paradigma moderno e suas ambiciosas promessas não cumpridas de um mundo mais inclusivo.

    O próprio título que ele utilizou na tese de doutorado: Temos nosso próprio tempo evoca a concepção atemporal adotada pelo letrista da Legião, cujos referenciais perpassam um amplo leque de temas, que não encontram limite em um espaço-tempo definidos, apesar de se reportar fundamentalmente ao Brasil e aos dilemas das duas décadas em questão, das quais Russo foi testemunha privilegiada.

    Como assinalado, uma categoria chave que sustenta o exame feito por Cristiano neste trabalho é o de Modernidade, sobretudo na segunda metade do século XX. O autor aponta como as transformações globais, especificamente no Brasil, que retomava a trajetória da democracia, convergiram para ampliar a sensação de deslocamento e de ausência de suportes, que propiciassem segurança e conforto nesse período de transição. A memória recente de tempos sombrios, as demandas diversificadas e a expectativa ampliada pelo fim do regime de exceção, que excluíra a possibilidade de livres manifestações culturais e sociais, suscitou um sentimento difuso, que Cristiano compreende como uma nova lógica doméstica. Essa lógica era marcada pela negação dos valores estabelecidos e por crescentes reivindicações, impulsionadas por uma inédita liberdade de expressão. Nesse cenário, ressalta a desilusão quanto à busca de um sentido universal, que veio a reforçar propostas mais centradas na esfera individual, perpassadas também por uma religiosidade de fundo não confessional ou doutrinário.

    O autor do livro assinala como a Legião Urbana, e Renato Russo em particular, foram marcantes em seu tempo, desvelando seu papel e a anuência que alcançou na cena do rock nacional, dadas as complexas e diversificadas abordagens em suas composições. Os números de vendagem mostram o lugar expressivo dessa banda e de seu emblemático letrista. O exame aqui destacado é respaldado em entrevistas do próprio compositor, bem como em depoimentos que Russo concedeu sobre ele próprio, sobre a importância de Brasília na sua trajetória individual e musical e sobre a cena cultural da qual ele foi um representante reconhecido.

    Nas letras das músicas arroladas neste livro, Renato Russo fez uma leitura acurada e peculiar da perplexidade que assomava o seu tempo e lugar. As relações cada vez mais fluidas, disseminadas no interior de uma explosão demográfica sem precedentes e agravadas pela ampliação do êxodo rural, que se iniciou nas décadas anteriores, eram solapadas pela impessoalidade instaurada pelo avanço da tecnologia em todos os setores, por um ritmo cada vez mais acelerado do cotidiano, causando a sensação de um turbilhão de emoções e de anomia. Um poder cada vez mais descolado do cidadão, movimentos sociais se estruturando, para canalizar demandas específicas, denotavam a sensação de desconforto pelo recorrente vir a ser, característico da modernidade, particularmente no Brasil.

    O autor do livro aponta como expressões usadas por Russo em suas composições dão uma mostra desse estado de perplexidade e de luta contra a alienação. A ênfase no aspecto individual veio questionar o até então prioritário âmbito coletivo, o que ensejou profundas transformações no cotidiano. Nessa nova ambiência, os valores tradicionais, sobretudo os familiares, foram postos em xeque. A denominada crise dos paradigmas foi fruto dessa nova acepção, com o questionamento das verdades absolutas, que até então orientavam e sustentavam a cultura ocidental.

    A inquietude característica da juventude, que de certa forma foi sendo canalizada pelos grandes movimentos estudantis do final da década de 60, desembocaram na crítica corrosiva às instituições basilares da sociedade. A própria estrutura familiar, afetada pelas novas concepções, possibilitou e ampliou os limites antes estabelecidos aos filhos. Os tradicionais liames foram vistos como grilhões que tolhiam os novos desejos e possibilidades alvissareiras, ampliando a desilusão com os modelos globais, que antes demarcavam espaços bem definidos.

    Em face desse contexto, o livro enfatiza como nas décadas de 1980 e 1990 essa juventude, sentindo-se à deriva, foi se descolando cada vez mais dos modelos de heróis que antes buscavam mudar o mundo por meio de revoluções, perspectiva cara aos anos 60. Dada à conjuntura do período, o particular foi adquirindo ênfase, os dramas individuais e familiares assomaram um lugar privilegiado e Renato Russo soube captar essas mudanças, no interior dos seus próprios dilemas existenciais.

    Cristiano reitera como ocorreu nas décadas anteriores ao período que ele enfoca uma espécie de catarse coletiva e como os movimentos dos anos sessenta prepararam o terreno para emergirem novas subjetividades, cada vez mais desvinculadas das grandes utopias. A ampliação das possibilidades de participação política e social, a negação do colonialismo e do imperialismo, capitaneadas, sobretudo, a partir do meio estudantil em nível mundial, dentre outros acontecimentos fundamentais, que o autor assinala no livro, levaram a um nível de desobediência civil que foi testando os limites das agências sociais e governamentais.

    Nesse sentido, o livro que ora vem a lume mostra como essas mudanças comportamentais, a sobreposição dos interesses imediatos das pessoas, o pacifismo, a ecologia, o reforçamento dos chamados movimentos de minorias foram aos poucos minando a conformação tradicional e os valores da sociedade civil. Esse caminho sem volta possibilitou uma onda de renovação ao redor do mundo e no Brasil emergiu definitivamente após o período ditatorial. É nesse cenário que se destaca a Legião Urbana e seu séquito obsequioso. No interior dessas demandas absolutamente renovadas e renovadoras os paradoxos da modernidade foram questionados.

    O autor ressalta aqui que em razão das grandes crises do período, desde aquelas dos modelos macro, como comunismo e capitalismo, ampliou-se o foco nas questões mais pessoais, nas chamadas crises existencialistas, e a busca de respostas levou a diferentes caminhos. A chamada crise da razão hegemônica deu espaço a inúmeras possibilidades e reivindicações. No século XX ocorreu uma profunda inversão nos parâmetros da modernidade e do sujeito moderno porque a promessa de universalidade tão cara ao discurso moderno não se efetivou. Deixados à deriva, muitos buscaram caminhos alternativos e encontraram ressonância cada vez mais ampliada. O trajeto sinalizado por Renato Russo no interior dessa crise identitária encontrou anuência em um amplo espectro da sociedade brasileira.

    No livro, há uma ênfase em Russo como um artista arguto e sensível, que levou para o centro do palco os temas que o afetavam e à juventude para a qual se dirigia e que apenas eram tangenciados por outros grupos musicais. Seguido como uma espécie de porta-voz da juventude urbana, um arauto de uma modernidade almejada, o compositor soube canalizar esses anseios, fazendo das suas letras um acorde uníssono, uma espécie de válvula de escape, em um congraçamento cada vez mais ampliado entre o público do rock nacional, que tornava mais suportável a espera por um vir a ser, que tardava a se consolidar no Brasil.

    O autor conseguiu escapar do lugar comum e foi arrojado em sua proposta de refletir, nas composições de Renato Russo, também sobre temas caros à academia, como a questão da modernidade e das identidades, sem fazer do seu texto uma leitura pesada e dirigida apenas aos iniciados. Os aficionados por música e pela Legião Urbana encontrarão aqui um diferencial para aprofundar seus conhecimentos sobre o compositor. O enfoque desse livro não é a biografia de Russo; os dados biográficos do letrista são utilizados aqui apenas para embasar as reflexões. A ênfase é, efetivamente, a novidade discursiva das composições de Renato Russo.

    Embasando-se em leituras referenciais, Cristiano aponta como nessa hierarquia global emergente destacaram-se pessoas que questionaram suas próprias identidades, conquistando aqueles que estiveram subjugados sob as identidades impostas por outros e das quais se ressentiam, pois os estigmatizam. Renato Russo adéqua-se a esse figurino e assumiu a metáfora da tribo, que é inclusiva e permite extrapolar os liames que enquadram as pessoas contra suas próprias vontades. A concepção tribal disseminada nesse período e adotada por Russo possibilita um pertencimento difuso e propostas individuais, bem como afiliações temporárias, o que conquistou e segue conquistando ampla adesão a essa novidade existencial.

    Importante ressaltar como o autor deste livro captou com maestria uma novidade das composições de Renato Russo. Para Cristiano, as letras desse compositor reiteram como a sociedade não é tão somente um sistema de relações econômicas e políticas, mas é permeada pela subjetividade de cada um de seus componentes. As interações sociais adquirem destaque, as relações interpessoais, os afetos e emoções conquistam espaço privilegiado nas composições desse letrista inspirado e inspirador. O compositor capta e valoriza o desejo de estar junto, que é um motor poderoso de mudanças de concepções de mundo. Ele soube compreender e traduzir a novidade do seu tempo em uma linguagem que encontrou eco.

    Nesse contexto renovado, em um exame inovador, Cristiano destaca como as identidades que até então eram compreendidas como fixas e imutáveis ganharam cursos insuspeitos e caberia a cada um capturá-las, a partir de seus próprios recursos e possibilidades. A configuração de um novo indivíduo, que não se vê representado apenas pelo ethos político ou econômico, amplia o âmbito de uma lógica doméstica e individual. É nesse terreno fluido que despontou Renato Russo, um compositor singular porque soube expressar sua própria perplexidade como característica ampliada da juventude, em um cenário difuso de novas demandas e possibilidades.

    Muito mais poderia ser dito sobre este livro. Entre as muitas virtudes, o texto propicia uma leitura envolvente, em uma escrita atraente, abalizada e extensa investigação e conhecimento do escritor. Talvez pelo fato de lidar com jovens, enquanto professor há muitos anos, o autor desvele uma rara sensibilidade nessa aproximação ímpar às composições de Renato Russo. O livro é um convite a uma viagem singular, guiada pelo autor ao universo inspirador desse jovem compositor, que deixou sua marca definitiva no universo do rock nacional.

    O texto bem escrito e fluente de Cristiano amplia as perspectivas sobre esse tipo de reflexão, indicando novas possibilidades nesse campo ainda relativamente pouco trilhado na área de História. Recuperar a trajetória de Renato Russo, que ocupava o centro da ribalta há poucas décadas e cujas músicas seguem sendo executadas e vendidas, exige denodo e conhecimento.

    Recomendo ao leitor deixar-se conduzir pelo autor deste livro, que lança luzes sobre um período emblemático não apenas no Brasil e que contribuiu para a mudança de percepções aparentemente arraigadas e insuspeitas. Temas tabus, como o uso de drogas e questões atinentes à sexualidade, dentre muitos outros, passaram a ser cantados e entraram na ordem do dia. Assim como as composições de Renato Russo, esperamos que esse livro seja debatido e que a interlocução entre História e Música, mesmo quando o foco for apenas as letras, como é o caso deste livro, atraia cada vez mais leitores. Que a troca de ideias consolide esse campo profícuo, que o autor desse livro trilhou com propriedade.

    Libertad Borges Bittencourt

    Profa. Associado da UFG

    Sumário

    Introdução

    PARTE 1 - A EXPERIÊNCIA URBANA E A NEGAÇÃO DA RAZÃO INSTITUIDA

    Capítulo 1 - Urbana legião - a cidade e suas interfaces

    1.1 Brasíliasíntese da modernidade e palco de contestações

    1.2 A sistematização da violência – Estéticas possíveis e a experiência urbana

    1.3 Brasília: sonhos, impactos, impressões e contradições

    Capítulo 2 - O dilema da razão

    2.1 Uma revisão inevitável: do indivíduo universal ao fragmentado

    2.2 Todos índios ao menos uma vez

    2.3 A razão dos batalhões e as batalhas democráticas

    2.4 A revolução (o golpe) gestou seus filhos

    Capítulo 3 - Outras razões

    3.1 Novas alternativas e outros problemas

    3.2 Razões do coração

    3.3 A indignação como reação

    PARTE 2 - UM CAMPO DE POSSIBILIDADES EM UM CONTEXTO DISPERSO

    Capítulo 4 - Novos sentidos

    4.1 Da escola para casa e da casa para a escolaA valorização da lógica doméstica

    4.2 A alternativa tribalista

    Capítulo 5 - A busca de um sentido ou mais: da descrença e do desespero ao amor universal

    5.1 A rebeldia e a descrença: o desespero das drogas e da solidão

    5.2 Da solidão a outras possibilidades: o universalismo espiritual e o deslocamento para um tempo futuro.

    Considerações Finais

    Referências Bibliográficas

    Sites

    Discografia

    INTRODUÇÃO

    As letras de Renato Russo foram manifestações musicais experimentadas na década de oitenta e noventa do século XX, abarcando demandas e problemas que afetavam o mundo como um todo e o Brasil em particular. Na perspectiva desse trabalho, a questão que envolve a modernidade, no seu processo constante de construção e desconstrução, norteou os dilemas estabelecidos a partir do último quartel do século XX. Nessa esfera de análise, percebemos que as letras do autor oportunizaram um diálogo com as variações oriundas do contexto referido, conferindo ao objeto capacidade de veracidade objetiva dentro dos limites colocados pelos pressupostos teórico-metodológicos próprios à História. Entre a empatia por determinado objeto e a elaboração de uma pesquisa existe uma distância desafiadora. Ser tocado pela sensibilidade poética de um determinado artista, que manifesta suas opiniões inseridas num determinado contexto, está longe de garantir possibilidades de analises que não eivem de subjetivismos problemáticos no trato do objeto.

    Sob esses pressupostos, esse livro tem por objetivo situar as composições de Renato Russo no contexto atravessado pela modernidade, particularmente na segunda década do século XX. Inseri-lo nessa diversidade de significados constitui um norte que passa pela negativa da modernidade hegemonizada. Essa negação se funda na crítica à ausência de diálogo, na busca de alternativas, pela via do estabelecimento de uma lógica doméstica nas relações interpessoais e pela intersecção entre o público e o privado nas projeções alavancadas no corpo das letras. Tomando por referência a experiência urbana centrada nas composições pautar-se-á esse trabalho em priorizar os possíveis elos entre a desilusão e a busca de um sentido universal muito centrado na perspectiva religiosa.

    A opção de trabalhar apenas com as letras das músicas, que ocuparam espaço substancial na cena roqueira do período, centra-se no fato de Renato Russo ter sido, sobretudo, letrista cantor, ainda que tenha iniciado com a Legião Urbana tocando baixo. A entrada de Renato Rocha no grupo foi oportuna para que Russo tivesse maior liberdade no palco e se dedicasse mais intensamente às composições das letras. A escolha de trabalhar com as letras, perspectiva essa na qual não nos encontramos sozinhos¹, fundamenta-se na proposta de buscar os referenciais das identidades emblematizadas nos versos do autor.

    Com esses objetivos expostos de maneira sintética o trabalho residirá em examinar as composições de Renato Russo com uma leitura acurada, mas não conclusiva, de sua obra, seus dilemas e seus anseios, contrastando as letras às suas opiniões, elucidadas em entrevistas e depoimentos concedidos pelo autor. Nesse sentido, as divisões temáticas foram preferidas à analise cronológica de sua obra, pois a intensidade desta oportuniza que as mudanças oriundas do amadurecimento do autor sejam situadas nas eleições propostas. Contrastar, pois, a obra poética de Russo, a partir dos fragmentos e das conclusões do autor, com a revisão paradigmática pela qual a modernidade passou a partir do recorte temporal feito acima está no bojo da presente obra.

    Isto posto cabe-nos problematizá-la, preliminarmente, a partir da escolha do título. A escolha do título – Temos Nosso Próprio Tempo -constitui uma tentativa de destacar na obra de Russo uma temporalidade que dialogue, a partir de uma experiência prática do presente, com o fluxo temporal do momento histórico no qual o autor se inseriu em um universalismo característico da modernidade. Assim, faz-se mister reconhecer a necessidade de situar o sujeito, que, ao flexionar o verbo em primeira pessoa do plural, alavanca a expectativa de futuro e o diálogo com o passado, dentro de um quadro de possibilidades por ele aventadas. A afirmação do título, inserido na composição Tempo Perdido (1986), que será objeto de analise no momento oportuno, atualiza a situação do sujeito, que manifesta sua intenção ante a urgência de se colocar como representante de uma coletividade sequiosa pelo estabelecimento de um novo parâmetro de convivência entre os indivíduos e destes para com as instituições que sustentam a modernidade. O tempo, como elemento indispensável nas análises das categorias históricas, assume a modernidade como palco. Problematizá-lo, tomando por suporte os sinais decalcados nas letras de Russo na modernidade, define os parâmetros do trabalho e justifica a escolha do título.

    Um ponto de discussão na historiografia atual é a redefinição no sistema de referência na produção da pesquisa, ensejando uma série de transformações que suscitaram novas concepções históricas. Num quadro de abordagens até então colocadas em segundo plano, quando não descartadas pela pesquisa acadêmica, houve quem argumentasse no sentido de uma bipartição no sistema referencial, calcada numa perspectiva moderna e pós-moderna. (CARDOSO, 1997)

    Nesse prisma, cabe pensar a modernidade no âmbito das revisões nas instituições ideológicas, políticas e culturais, inseridas num campo representacional, que captaram uma gama de mudanças, sobretudo, na segunda metade do século XX. Tanto para os que consideram nos situarmos na modernidade quanto para os que defendem uma transposição da mesma, uma série de alterações deu nova configuração ao sentido referido como moderno. A modernidade, como assevera Marshall Berman (1995), é o envolvimento de adventos que a inserem num turbilhão no qual as fontes foram alimentadas por:

    [...] grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica, que penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muitas vezes catastrófico crescimento urbano, sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em seu desenvolvimento que embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais variados indivíduos e sociedades; Estados nacionais cada vez mais poderosos, burocraticamente estruturados e geridos, que lutam com obstinação para expandir seu poder; movimentos sociais de massa e de nações, desafiando seus governantes políticos ou econômicos, lutando por obter algum controle sobre suas vidas [...] No século XX, os processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num perpétuo estado de vir-a-ser, vêm a chamar-se ‘modernização’ (BERMAN, 1995, p. 16)

    Uma primeira concepção de modernidade centra-se na negativa da concepção do homem coletivo diante do individualismo sobrelevado pela noção antropocêntrica humanista aflorada no Renascimento. Esse movimento cultural de dimensões políticas, sociais e econômicas foi a mola propulsora para fundamentar transformações, as quais ensejaram uma nova relação do homem com a natureza.

    Um processo ainda em definição implicou na fragmentação de um conjunto de valores, determinantes na formação de um novo tipo de acepção no mundo ocidental. A descaracterização do sentido da verdade, revelada pela emergência de uma noção racionalista, visando obtê-la pela demonstração, inserida, numa perspectiva cientificista, trouxe na concepção do indivíduo uma abertura para um conhecimento, até então jamais experimentado.

    Assim, no século XVIII, o Iluminismo, como prefere Falcon (1986), ou a Ilustração, como prefere Rouanet (1999), foi o ápice de um

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