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Na Terra das Palmeiras: Gênero, Trabalho e Identidades no Universo das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão
Na Terra das Palmeiras: Gênero, Trabalho e Identidades no Universo das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão
Na Terra das Palmeiras: Gênero, Trabalho e Identidades no Universo das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão
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Na Terra das Palmeiras: Gênero, Trabalho e Identidades no Universo das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão

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About this ebook

Uma obra sobre os acirrados conflitos do campo travados entre grupos de fazendeiros, posseiros e grileiros daquelas noticiadas e sangrentas lutas pela posse de terras e defesa de diferentes projetos de reforma agrária, tão característicos das principais questões e conflitos sociais que assolaram regiões do Norte e Nordeste Brasileiros, principamente no Maranhão.
LanguagePortuguês
Release dateMar 2, 2018
ISBN9788546211920
Na Terra das Palmeiras: Gênero, Trabalho e Identidades no Universo das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão

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    Book preview

    Na Terra das Palmeiras - Viviane De Oliveira Barbosa

    final

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Homem quebrando coco

    Figura 2: Meninas quebrando coco

    Figura 3: Mulher quebrando coco

    Figura 4: Modelo de máquina para quebrar coco babaçu

    Figura 5: Tipo de máquina utilizada para quebrar o coco babaçu

    Figura 6: Babaçu

    Figura 7: Vista de um palmeiral à margem do rio Mearim

    Figura 8: Reunião de quebradeiras organizadas

    Figura 9: Área de babaçuais em Monte Alegre

    Figura 10: Formato de moradia

    LISTA DE SIGLAS

    ACR: Animação dos Cristãos no Meio Rural

    AMTR: Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais

    AMQCB: Articulação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu

    ASSEMA: Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão

    CEBS: Comunidades Eclesiais de Base

    CENTRU: Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural

    COSIPAR: Companhia Siderúrgica do Pará

    CPT: Comissão Pastoral da Terra

    EIQCB: Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

    FASE: Federação de Assistência Social e Educacional

    GT: Grupo de Trabalho

    IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

    INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

    INEB: Instituto Estadual do Babaçu

    ITERMA: Instituto de Terras do Maranhão

    MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário

    MIQCB: Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

    MIRAD: Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário

    MMA: Ministério do Meio Ambiente

    MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    PÓS-AFRO: Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos

    PRONERA: Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária

    PT: Partido dos Trabalhadores

    RESEX: Reserva Extrativista

    SMDH: Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

    STR: Sindicato dos Trabalhadores Rurais

    SUDAM: Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

    SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

    TOBASA: Tocantins Babaçu S/A

    UFBA: Universidade Federal da Bahia

    UFMA: Universidade Federal do Maranhão

    INTRODUÇÃO

    Os babaçuais somam aproximadamente 10,3 milhões de hectares no estado do Maranhão, mais da metade do que é encontrado em todo o país, cerca de 19 milhões de hectares. Essa floresta secundária também é predominante em estados brasileiros como Goiás, Minas Gerais, Pará, Piauí e Tocantins, bem como em outras partes da América Latina como Bolívia, Colômbia e México.

    Atualmente, no Maranhão, aproximadamente 400 mil famílias vivem da economia do babaçu. Em sistema de economia familiar, esses sujeitos praticam, em geral, o extrativismo do babaçu e a agricultura (principalmente a produção de arroz, mandioca e milho), atividades muito recorrentes no estado. Combinadas com o extrativismo do babaçu, conforme as particularidades de cada região, outras atividades são realizadas pelos trabalhadores rurais, como a pesca, o artesanato, e também a saída de pessoas do sexo masculino em idade adulta para áreas de extração aurífera (garimpos). Historicamente, o extrativismo do babaçu é praticado principalmente por mulheres, mas também há homens que quebram e comercializam o coco, como pode ser observado na figura 1.

    Figura 1. Homem quebrando coco

    Fonte: Abreu (1929, s/p)

    As mulheres envolvidas com a atividade são denominadas quebradeiras de coco babaçu. A construção da identidade de quebradeiras de coco foi algo lento e processual. Inicialmente, muitas mulheres espalhadas pelo estado tinham como principal atividade a quebra do coco e eram vistas pela sociedade local como quebradeiras de coco, entretanto, esta não era uma identidade coletivamente pensada e manipulada por elas. A partir da década de 1990, a identidade de quebradeira de coco é definida e construída em mobilizações pela garantia da posse da terra, e pelo acesso e preservação de palmeiras de babaçu.

    Existe uma divisão sexual nas comunidades rurais do Maranhão que, de certo modo, define e separa o trabalho realizado pelas mulheres daquele realizado pelos homens. É comum mulheres e crianças (meninas e meninos) quebrarem o coco babaçu.

    Os homens em fase adulta costumam trabalhar na roça (arroz, milho, feijão, mandioca), o que não significa dizer que eles nunca realizem a quebra do coco. Em algumas localidades, adultos e crianças do sexo masculino fazem a coleta do coco, mas não se envolvem na quebra. Quase não há indícios de homens envolvidos com a quebra sistemática do babaçu. De fato, há, sobretudo nos discursos, uma divisão sexual e mesmo etária que envolve as relações de trabalho. Esta divisão sugere que crianças (meninos e meninas) e mulheres quebram o coco, ao passo que os homens, jovens e adultos, não o fariam.

    Figura 2. Meninas quebrando coco

    Fonte: Maranhão (1942, p. 9)

    As mulheres, cerca de 90% dos envolvidos com a quebra do coco, geralmente se inserem na atividade por volta dos sete anos de idade e a exercem até a velhice, adquirindo com a prática grande destreza e, muitas vezes, submetendo-se a sequelas físicas desse árduo trabalho. Faz parte de seu cotidiano a caminhada, às vezes em grupo, até os babaçuais para a coleta do coco, que cai das palmeiras e pode ser quebrado na própria área de extração, principalmente quando se trata de áreas próprias ou assentadas.

    O babaçu também pode ser quebrado em casa. Neste caso, ele é coletado e transportado em jacás (cestos grandes de palha de babaçu) levados por animais (geralmente jumentos) ou carregados em cofos (cestos pequenos) na própria cabeça.

    O objetivo deste estudo é analisar relações de gênero e construções de identidades no universo de trabalhadores rurais do estado do Maranhão. Parte-se, inicialmente, da experiência de mulheres trabalhadoras rurais que, ao enfrentar conflitos pela preservação de babaçuais e pelo acesso a terra, assumiram a identidade de quebradeiras de coco, organizando-se no Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). O MIQCB é formado por agroextrativistas dos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. Neste estudo, examinam-se especialmente discursos e experiências de lideranças do MIQCB no Maranhão.

    A identidade de quebradeiras de coco foi construída em meio a experiências de mulheres extrativistas e outros trabalhadores rurais que não chegaram a se inserir em movimentos sociais. Desse modo, além do exame de práticas e representações daquelas mulheres, analisam-se vivências de quebradeiras de coco (a maioria das quais não se inseriu no MIQCB, mas estabelece contatos com quebradeiras organizadas nesse movimento) e agricultores, sobretudo maridos/companheiros de quebradeiras, do povoado de Monte Alegre, localizado no município de São Luís Gonzaga do Maranhão. Abordam-se olhares em torno do masculino e do feminino, e processos de construções identitárias, buscando-se perceber como memórias, representações e vivências cotidianas desses sujeitos se distanciam e/ou se aproximam.

    A produção existente sobre o tema tem considerado sobretudo a dimensão político-econômica em que estão inseridas as quebradeiras de coco. Obviamente, este enfoque não pode ser deixado de lado. Entretanto, esta pesquisa se realiza entendendo que o sentido do babaçu na vida de trabalhadores rurais e agroextrativistas, embora se reporte às esferas econômica e política, as ultrapassa, e se relaciona a um leque considerável de possibilidades de vivências, como as relações e dinâmicas sociais tecidas em torno do gênero e as construções identitárias que permeiam a vida coletiva.

    O livro compõe-se de cinco capítulos. O primeiro destaca a trajetória de construção do objeto de pesquisa, apontando para a inserção no campo de investigação e suas implicações para os desdobramentos do estudo, bem como para os principais referenciais teóricos que dão suporte à análise dos dados. No segundo, busca-se discutir a posição que o babaçu ocupou e ocupa na perspectiva dos governantes, investidores e comerciantes, e dos próprios extrativistas. O terceiro capítulo apresenta um panorama sócio-histórico sobre experiências de trabalhadores rurais em meio a conflitos de terra e na luta pelo extrativismo do babaçu no Maranhão. O quarto capítulo analisa a constituição do MIQCB em nível interestadual e, de modo particular, no Maranhão. Nele são enfocadas as características desse movimento e suas principais demandas. No quinto, destacam-se a constituição do povoado de Monte Alegre como remanescente de quilombo, conflitos, mobilizações e a atuação do MIQCB nessa localidade, as identidades construídas e as relações de gênero que permeiam a vida de seus moradores.

    Assim, partindo do universo de quebradeiras de coco, analisam-se questões como trabalho rural, relação entre trabalhador e recursos naturais, conflitos sociais no campo, mobilização e organização social, relações de gênero e construções de identidades acionadas a partir de critérios étnico-raciais, de gênero e classe/grupo.

    Capítulo 1

    DOMÍNIOS DA PESQUISA

    Neste capítulo são apresentadas as etapas de investigação, particularmente a inserção no universo de quebradeiras de coco e trabalhadores agrícolas do Maranhão e uma breve discussão sobre as categorias analíticas e hipóteses que norteiam o estudo.

    1. No campo de pesquisa

    De certo modo, esta abordagem é resultado de uma pesquisa iniciada em 2003, durante a graduação em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), quando do aparecimento de uma série de indagações sobre a vida de trabalhadoras rurais e agroextrativistas do estado do Maranhão que, no final dos anos 1980, assumiram a identidade de quebradeiras de coco fundando uma organização, inicialmente denominada de Articulação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (AMQCB).

    Num primeiro momento, fez-se um levantamento da bibliografia existente sobre o tema, que era, sobretudo, das áreas de Antropologia, Sociologia, Economia, Geografia e Direito. Constatou-se que a temática ainda havia sido pouco explorada desde uma perspectiva historiográfica e que a maior parte das abordagens era dedicada à organização das quebradeiras de coco, aos problemas econômicos por elas enfrentados e ao processo de luta pela terra e pelo acesso aos babaçuais.

    Nessa perspectiva, diante da importância da contribuição historiográfica para o tema e da existência de muitos trabalhos de natureza político-econômica, propôs-se enfocar quebradeiras de coco sob uma perspectiva de gênero e identidade, através de uma abordagem sócio-histórica e antropológica. As agroextrativistas do Médio Mearim maranhense foram os sujeitos dessa abordagem, uma vez que o movimento de quebradeiras de coco se gestou nessa microrregião, que continua sendo uma das áreas mais importantes de atuação do MIQCB.

    Elaborei um projeto de pesquisa que objetivava analisar vivências de quebradeiras de coco a partir daqueles dois enfoques, buscando compreender trajetórias dessas mulheres através do exame de suas memórias. Em 2004, esse projeto foi aprovado pelo Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/UFMA, e teve aplicabilidade com uma bolsa de pesquisa entre os meses de agosto de 2004 e julho de 2005.

    Desde então, comecei a participar de encontros/reuniões de quebradeiras de coco. Eram eventos onde foi possível observar as demandas do MIQCB, os discursos dessas mulheres e suas principais estratégias. Foram realizadas várias entrevistas semiestruturadas com lideranças do MIQCB no Maranhão e, aos poucos, começou-se a desenhar e a delimitar mais sistematicamente o campo e o objeto de estudo.

    Buscando discutir como a identidade de quebradeiras de coco foi construída e como relações de gênero perpassavam o cotidiano daquelas mulheres, percebeu-se que era preciso examinar também discursos e práticas de outros sujeitos em contato com elas. A partir daí, homens trabalhadores rurais, principalmente maridos/companheiros de quebradeiras, passaram a fazer parte do quadro de entrevistados. A escolha de companheiros de quebradeiras para a realização da pesquisa tinha por objetivo investigar tensões de gênero, principalmente no espaço doméstico. Diante disso, iniciei o trabalho de campo em Monte Alegre, povoado do município de São Luis Gonzaga do Maranhão, pois pretendia contrapor experiências de quebradeiras de coco sem participação ativa no MIQCB, como o são a maioria das que vive naquele povoado, com experiências de mulheres mais diretamente envolvidas com essa organização.

    Nos eventos de quebradeiras de coco foram feitos contatos e um destes com uma das lideranças do MIQCB no Maranhão e moradora do povoado de Monte Alegre, dona Maria de Jesus Ferreira Bringelo, conhecida como Dijé, através de quem iniciei as visitas ao povoado. No ano de 2005 fiz a primeira visita à Monte Alegre e o primeiro contato com moradores do local. No início, esse contato foi facilitado por aquela liderança e, com o passar do tempo, as visitas às casas de trabalhadores rurais foram se tornando comuns.

    É bem verdade que a inserção nos espaços de diálogo e sociabilidade de quebradeiras de coco não foi uma tarefa fácil. Acredito, contudo, que a influência da antropologia contribuiu para uma maior familiaridade com o trabalho de campo e para uma análise mais clara das práticas dos sujeitos de Monte Alegre. De fato, a escuta da voz viva¹ e a observação em campo foram fundamentais devido à escassez de material documental escrito sobre esses sujeitos.

    A intenção era a de fazer uma história do tempo presente, priorizando uma interface entre História e Antropologia. Como lembra Edward Thompson (2001), a relação entre estas duas áreas, ou entre outros campos do saber, necessita testar, refinar e redefinir categorias; teorias incompatíveis no campo antropológico não necessariamente o serão quando redimensionadas para a pesquisa histórica; e o estímulo antropológico para os historiadores sociais se verifica não diretamente na construção de modelos, mas na visualização de novos e velhos problemas em novas formas.

    Nas primeiras visitas feitas a moradores de Monte Alegre explicava-se o objetivo da pesquisa e se estabeleciam conversas mais informais sobre o cotidiano, o trabalho e a família, anotando-se as observações em caderno de campo. A observação participante foi fundamental para a realização da pesquisa. No entendimento de James Clifford (1998, p. 33-34), esse método serve como uma fórmula para o contínuo vaivém entre o ‘interior’ e o ‘exterior’ dos acontecimentos. Ela, ao mesmo tempo em que funciona captando o sentido de ocorrências e gestos específicos, através da empatia, também dá um passo atrás, para situar esses significados em contextos mais amplos.

    Posteriormente, deu-se início à fase de entrevistas semiestruturadas, que geralmente seguiam um roteiro, mas que, não necessariamente, estavam presas a ele. As entrevistas buscaram considerar o lugar que o entrevistado ocupava na comunidade. Inicialmente as conversas não foram gravadas, mas ao passar do tempo foram feitas uma série de entrevistas registradas em gravador, e os trabalhadores entrevistados passaram a ser fotografados. O caderno de campo foi primordial em todas as fases da pesquisa, pois possibilitou uma análise mais aprofundada dos dados coletados.

    As entrevistas com quebradeiras de coco na sede do MIQCB em São Luís, o trabalho de campo desenvolvido em Monte Alegre, a participação em reuniões/encontros do MIQCB, sobretudo o V Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (EIQCB) em São Luís, no ano de 2004, tornaram possível a coleta de dados de pesquisa, a sistematização dessas informações, o confronto destas com a bibliografia já existente, e a elaboração de algumas conclusões que geraram a monografia de conclusão do curso de graduação em História. Durante a graduação, a abordagem centrava-se em relações de gênero no universo de quebradeiras de coco com o propósito de perceber representações femininas e masculinas que foram moldadas no espaço sócio-cultural daquelas mulheres. Verificou-se que estas relações se evidenciam fortemente nas esferas familiar e do trabalho, e que a identidade de quebradeiras de coco se constrói em íntima relação com a identidade de gênero assumida pelas agroextrativistas.

    Concluída a monografia, importantes aspectos já detectados mereciam ser investigados em um trabalho posterior. Naquela pesquisa, não havia a intenção de discutir os aspectos de natureza étnico-racial que compunham a vida desses sujeitos e nem mesmo o desejo de aprofundar as análises sobre representações das palmeiras de babaçu construídas por esses trabalhadores, embora esses dois elementos se apresentassem de maneira evidente.

    Assim, na proposta ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (PÓS-AFRO), para além da análise das identidades de quebradeira de coco e de gênero assumidas pelas agroextrativistas, visava-se compreender o processo de construção de identidades étnico-raciais em meio a experiências desses sujeitos. Para tanto, considerava-se fundamental o exame de discursos e práticas sobre os universos masculino e feminino, e o estudo de relações de trabalhadores rurais com o recurso natural palmeira de babaçu e as representações criadas em torno desse recurso.

    Dando prosseguimento ao trabalho de graduação e aceitando que os métodos qualitativos de análise têm aumentado crescentemente seu prestígio frente aos cientistas sociais, sobretudo antropólogos, sociólogos e historiadores, este estudo se apoia na história oral e no trabalho de campo. A história oral – espaço de diálogo, confronto, interface (Ferreira, 1997, p. 59), espaço em que a subjetividade [...] produz o testemunho vivo, a rememoração (Augras, 1997, p. 27), apresenta-se como método através do qual se pode apreender uma série de sentidos dos agentes enfocados, que comumente constroem suas identidades tomando como conteúdo memórias do passado ressignificadas em seu presente.²

    Esta pesquisa tem considerado homens e mulheres de diferentes gerações. Entretanto, a maioria das entrevistas foi feita com homens e mulheres acima dos 35 anos. Esse recorte geracional tem como justificativa o fato de que as mulheres organizadas no MIQCB, em geral, apresentam idade acima dos 35 anos e as mulheres envolvidas com a quebra do coco babaçu em Monte Alegre, em sua maioria, não têm idade inferior àquela. Além da análise das identidades construídas por esses sujeitos, buscou-se privilegiar as relações de gênero que são estabelecidas em seu cotidiano ou em seus discursos, dando atenção às relações conjugais. Nesse sentido, os homens entrevistados seguiram a faixa etária de suas esposas/companheiras. As pessoas mais velhas que foram entrevistadas também tiveram extrema importância, pois possibilitaram o contato com informações que ajudaram a compor um quadro sobre a história inicial de Monte Alegre, a sua constituição como povoado remanescente de quilombo, conflitos, organização e a atuação de seus moradores em diversas situações.

    Além de testemunhos e depoimentos, foram utilizados folhetos, panfletos, cânticos, poesias e demais materiais produzidos e divulgados durante os encontros e reuniões do MIQCB. Além disso, utilizei documentos localizados nos arquivos desse movimento, bem como em arquivos da Associação em Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão (ASSEMA) e da Comissão Pastoral da Terra no Maranhão (CPT/MA). Este material é relevante, tendo em vista que ambas as instituições mantiveram e ainda mantêm estreito contato com as quebradeiras de coco e agricultores, registrando, dentre outros aspectos, conflitos de terra e demandas de trabalhadores rurais no estado.

    2. Gênero, raça e classe no cotidiano de quebradeiras de coco

    Para um melhor entendimento do universo das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão é preciso analisar articuladamente relações

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