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Infância e Seus Lugares: Um Olhar Multidisciplinar
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Infância e Seus Lugares: Um Olhar Multidisciplinar

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A cada dia os/as pesquisadores/as descobrem novas fontes para estudar a infância, tais como processos crimes, jornais, discursos proferidos por parlamentares na Câmara e no Senado, livros e teses de doutoramento de médicos e advogados, livros produzidos para crianças, projetos governamentais, relatórios de Ministros e de Chefes de Polícia e várias outras fontes possíveis de encontrar a infância representada por adultos. Muitas vezes nos debruçamos sobre essas fontes e escrevemos capítulos de história da infância, esquecendo mais uma vez da personagem central, a própria criança e suas produções, suas histórias, seus modos de vida e contamos uma versão a partir do olhar do adulto. Buscamos na presente obra elucidar uma outra história, a contada a partir dos múltiplos olhares sobre a infância, não a do olhar do adulto para infância, ou da regulamentação dos modos de viver nas cidades e sim como a infância foi e ainda é vivenciada nos mais diversos espaços, suas lutas por sobrevivência e suas expectativas de vida, não deixando de lado uma análise minuciosa das fontes, porém, sem esquecer mais uma vez do protagonista principal: a criança/infância.
LanguagePortuguês
Release dateNov 8, 2018
ISBN9788546211913
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    Infância e Seus Lugares - Hélvio Alexandre Mariano

    Organizador

    1.

    ESCOLA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO: INCLUSÃO OU EXCLUSÃO SOCIAL?

    Roseli Trevisan Marques de Souza

    Introdução

    O presente capítulo tem por objetivo refletir sobre o acesso e a permanência dos alunos na educação pública oferecida no estado de São Paulo. Para tanto, será traçado um breve histórico sobre como foi pensado o acesso das crianças e jovens das classes populares à escola em São Paulo desde o início do século XX aos dias atuais. Serão também apresentados alguns determinantes sociais, impostos pelo sistema político econômico à educação popular.

    Comenius na Pampedia descreveu que nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educados plenamente, em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo, não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens [...] (1992, p. 41-42). Sob a perspectiva de Severino, a "educação é um processo de formação humana e o verbo formar¹ tenta expressar: constituir, compor, ordenar, fundar, criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser" (2006, p. 621).

    Complementando, Brandão diz que a educação acontece da família à comunidade, de forma difusa em todas as camadas sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender e ensinar (1984, p. 10). Diz também, que a educação se vincula aos interesses da sociedade e dos cidadãos (1984, p. 17). Englobando, por isso, a ideia de educação popular como parte do Sistema Nacional de Educação.

    Para ele, há quatro diferentes sentidos da educação popular (2007, p. 6). Nesse capítulo, enfim, trataremos sobre a educação pública e, ao mesmo tempo, da educação das classes populares, tendo em vista que uma está ligada à outra.

    Independentemente dos tipos de educação, o Plano Nacional de Educação (PNE) apresenta metas e elas visam à formação integral das crianças e jovens da sociedade como um todo. O Inciso VI, da LDB 9394/96, diz que cabe aos Estados assegurar o Ensino Fundamental e oferecer, com prioridade, o Ensino Médio. Desta forma, a reflexão ficará em torno da ideia de educação pública sob qual perspectiva: includente ou excludente?

    Um breve histórico da trajetória da educação na humanidade

    Ao longo da história, a educação desempenhou papel relevante para o desenvolvimento das sociedades das diversas culturas. Dos babilônicos aos gregos, bem como na sociedade moderna, a educação contribuiu para a formação social.

    O rei da Babilônia, Nabucodonosor, por exemplo, no intuito de registrar a história e de organizar o reino, pediu que fossem trazidos, dentre os cativos de Israel, jovens [...] instruídos em toda sabedoria, e sábios em ciência, e entendidos em conhecimento [...].²

    A trajetória da educação na humanidade, ela nem sempre foi um direito para todos, como destacado por Comenius, e, quando se demonstrou menos excludente, em épocas específicas, como, por exemplo, durante o capitalismo tardio, se caracterizou como instrumento de apoio às classes com poder político e econômico.

    Na modernidade, os ideários racionalista e empirista, amparando o fazer pedagógico, trouxeram ganhos significativos à construção das sociedades avançadas e tecnologicamente desenvolvidas, mas produziram exclusão global. Para Bourdieu, a educação é parte de um sistema que tem como fatores eficazes a conservação e a legitimação da divisão social (1966, p. 41). Mas, a esse processo de exclusão, houve resistência. Ao final do século XIX e início do século XX, ocorreram movimentos de renovação pedagógica de cunho libertário embasados nas ideias de Proudhon (1809-1865), Bakunin (1814-1921) e Reclus (1830-1905), Kropotkin (1842-1921) e Malatesta (1853-1932). Houve também diversas experiências pedagógicas concretas de educação libertária que se tornaram referências internacionais – fundação e manutenção de escolas, centros de estudos e universidades populares. Dentre tais instituições, se destacaram a Escola de Iasnaia Poliana; a Escola Moderna de Barcelona, a La Ruche; o Orfanato de Prévost; e a Escola Oficina nº 1.

    Destacando a concepção pedagógica libertária, o fortalecimento dessa ideia na Europa traria, por fim, uma perspectiva de educação integral e de acesso às classes populares. O movimento anarquista focalizava, enfim, a reversão de uma formação dicotômica, para tanto o acesso à educação pela classe trabalhadora era imprescindível.

    [...] as organizações operárias de vertente anarquista, mesmo durante períodos de grande conflito social, político e econômico, investiram tempo na criação de escolas elementares para a educação dos trabalhadores e de seus filhos. (Moraes; Calsavara; Martins, 2012, p. 999)³

    A educação formal no Brasil

    No Brasil, a educação formal surge para atendimento da elite, mas a universalização se apresenta como pano de fundo em épocas distintas. Saviani (2011) assinala oito períodos de ideias pedagógicas no Brasil, entre 1549 e 1996, destacando marcos em cada período, que denotam o quanto a formação escolar manteve sua característica elitista, privilegiando membros proeminentes, mas também o quanto intelectuais lutaram pela universalização da educação brasileira.

    O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, deixou registrado o objetivo da universalização, sendo materializado em 1972. Cabe perguntar, na atualidade, a educação, apesar do acesso, deixou de ser elitista? A quem tem servido a educação popular no Brasil, especificamente no estado de São Paulo?

    No âmbito do movimento operário, ocorrem, no Brasil, as primeiras renovações pedagógicas, amparadas no ideário trazido, principalmente, por imigrantes europeus associados aos militantes brasileiros, dentre eles, João Penteado, cuja vida e obra se configuraram relevantes ao pensamento de uma escola para o povo.

    Finalmente, em São Paulo, em 1912, foi inaugurada a Escola Moderna nº 1, dirigida por João Penteado, e contava com um currículo que desconstruía o ideário positivista e permitia um fazer educativo com vertente dialógica. A Escola Moderna em São Paulo seguindo esses pressupostos, repudiou a aprendizagem parcial voltada ao trabalho e com o objetivo de formar mão de obra para a indústria (Moraes; Calsavara; Martins, 2012, p. 1002).

    Nesse modelo de escola, havia valorização da relação escola, alunos, famílias, comunidade, enfim, a valorização cultural. Cabe ressaltar, no que se refere aos professores, houve uma preocupação com a formação pedagógica adequada ao atendimento desse público.

    Os impasses para a continuidade da ação surgiram, houve alegação de que esta escola era um ninho do anarquismo, desqualificando socialmente o modelo que despontava, por isso, [...] em 1919, a Escola Moderna nº 1 foi fechada pela Diretoria da Instrução Pública, ressurgindo com o nome de Escola Nova e com registro de fundação em 1912 (Moraes; Calsavara; Martins, 2012, p. 1005).

    Além disso, desemprego e intensas manifestações operárias e sindicais colocaram a escola popular em segundo plano. O ideal capitalista pressupunha uma escola reprodutora (Bourdieu) do sistema, e que se configurasse em um aparelho ideológico do Estado (Althusser).

    Por fim, as intervenções estatais e as imposições legais vieram e fizeram com que a trajetória inicial da escola anarquista fosse alterada e que os seus administradores seguissem a linha liberal, fortalecendo, assim, os ideais capitalistas.

    A instrução tinha peso nessa sociedade que se desenhava no estado de São Paulo, mas qual instrução? Catani diz que no sistema capitalista a força de trabalho humano é uma mercadoria (1986, p. 29), e o quanto a educação poderia auxiliar o desenvolvimento desse sistema, seria a questão dos detentores do poder.

    Um novo momento em favor da educação popular

    Em 1929, em meio à efervescência do movimento anarquista, nascia aquele que se constituiria como mais um dos expoentes da Educação Libertária e do revigoramento desse movimento, Maurício Tragtenberg.⁴ Ele teve como marca o engajamento político em favor da educação popular.

    Apesar de conhecido como anarquista, não aceitava essa denominação, preferia ser conhecido como socialista libertário. Disse que o problema do anarquismo, enquanto conjunto de textos, não pode desenvolver uma crítica sistemática do capitalismo, do Estado, da burocracia e do autoritarismo (Tragtenberg, 1983, p. 17).

    A teoria dele propunha a autogestão com formação para a autonomia do indivíduo, a qual compreendia: a construção coletiva do saber, a valorização da dignidade humana; e da solidariedade – repudiando competição, relações verticais e o autoritarismo.

    Além desses aspectos, também apoiava a educação gratuita a todos, repudiava a divisão de professores em categorias e apregoava a liberdade de organização para os que trabalham com educação. Esse expoente anunciou aos brasileiros que um projeto de sociedade igualitária dependeria de um engajamento amplo e consciente dos membros de toda sociedade em favor da educação.

    O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

    Na década de 1930, no Brasil, ficou evidenciado o desejo dos acadêmicos e da população pela universalização do ensino no Brasil. Em 1932, pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, materializou-se o ideário.

    Nesse período, se destacou Anísio Teixeira em favor da escola pública. Ele atuou apoiando o movimento renovador para que a universalização do ensino em todo o Brasil se tornasse um fato. Saviani diz que Anísio Teixeira criou, em 1955, o CBPE, instituído pelo Decreto Federal nº 3.8460, de 28 de dezembro de 1955 (2011, p. 286), viabilizando prática pedagógica por meio do desenvolvimento científico e, políticas educacionais que amparassem esse desenvolvimento.

    Regulamentação da escola pública e includente

    A regulamentação da escola pública e includente (Kuenzer, 2000) era necessária e, em 1946, foi promulgada a Constituição Federal, em 1947 foi elaborado o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas, somente em 1961, foi promulgada a primeira LDB brasileira, que, apesar de trazer em seu bojo a doutrina tradicional, pressupunha a implantação de experiências educativas inovadoras com foco na formação de uma sociedade menos desigual.

    Saviani relata que, a partir de 1950, pela direção e liderança de Anísio Teixeira, foram criados os órgãos estratégicos de pesquisa, formação e disseminação educacional, como o Inep, a Capes e o CBPE/CRPEs e que, em 1956, Anísio Teixeira participou do Primeiro Congresso Estadual de Educação Primária realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, proferindo a conferência ‘A escola pública, universal e gratuita’ (2011, p. 286).

    De qualquer forma, entre a década de 1950 e 1970 do século XX, houve possibilidade dos alunos das classes populares frequentarem a escola. Catani, no artigo A Sociologia de Pierre Bourdieu (ou como um autor se torna indispensável ao nosso regime de leituras), disse sobre sua própria jornada de estudos:

    Nascido no interior do estado de São Paulo no início dos anos 50, aos 6 anos ingressei no grupo escolar (1960). Cabe acrescentar: grupo escolar público, classes de 40 alunos, carteiras duplas, com buraco para se colocar o tinteiro no meio, fileiras com cinco carteiras e um professor por classe ministrando aulas de segunda a sábado, das 8 às 11 horas. A clientela era eclética, com quase todos os segmentos sociais representados [...]. (Catani, 2002, p. 59)

    Mas a continuidade de estudos, após término da 4ª série, dependia de uma seleção, que à época impedia a continuidade dos estudos de grande parcela dos filhos das classes populares. Catani completa:

    Terminei o primário em 1963 e, no ano seguinte, após ser aprovado no antigo exame de admissão, ingressei no curso ginasial. Acredito que mais de 30 de meus antigos colegas de classe não seguiram em seus estudos [...]. Quando completei o ginásio e me preparava para ingressar no científico, através de outra seleção, era possível encontrar Jurandir e seu irmão Anésio cuidando da faxina de um cinema modesto no centro da cidade (em algumas noites, encarregava-se da bonbonnière). (Catani, 2002, p. 60)

    A seleção finaliza, em São Paulo, no ano de 1972. Após a construção de muitas escolas públicas, o acesso foi ampliado. Esse fato que possibilitou a retirada do conhecido exame de admissão ao final da 4ª série.

    Outro aspecto a ser ressaltado é de que, apesar do acesso ampliado para que houvesse inclusão das classes populares na escola, o ingresso/acesso não pôde garantir a qualidade do atendimento ao público diverso que adentrava os muros escolares. Ou seja, as classes populares continuariam vivenciando a exclusão social por falta de educação de qualidade, comprometida, entre outros aspectos, pela pedagogia tecnicista, que atuou descaracterizando a ideia de educação integral do estudante.

    À época, objetivava-se formar trabalhadores para as indústrias que despontavam, principalmente na região do ABC Paulista. A sociedade burguesa requeria apoio da educação escolar na ampliação do sistema capitalista, que os representava, consolidando, desta forma, a existência de dois modelos de escola, uma para o povo e outra para a elite. A educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilitava pessoas para a competição pelos empregos disponíveis (Saviani, 2011, p. 430). Esse pensamento se expandiu e, na década de 1990, tomou novas proporções, ainda mais propícias à exclusão social.

    Ocorre que as formas de produção foram sendo alteradas e, após 1990, novos contornos político-sociais foram delineados, e nesse novo avanço do sistema político e econômico, o aluno da escola pública não atuaria mais como supridor das demandas do referido sistema, por isso, a escola pública foi ainda mais relegada à própria sorte, culminando na proposta, não concretizada, de fechamento de 94 unidades escolares no ano de 2015 no estado de São Paulo. Souza diz:

    A escola pública estadual das regiões periféricas de São Paulo como instituição inserida na sociedade brasileira tem vivido um período de desestabilização. A globalização da economia, sobretudo do setor financeiro, o desemprego estrutural gerado pelo domínio das novas tecnologias e a imposição do modelo neoliberal como única via político-social levaram as escolas e os jovens a assimilarem uma existência de incertezas. (2015, p. 13)

    Além disso, se a ideia era a escola pública como sinônimo de empregabilidade, hoje, com empresas seguindo o modelo político e econômico neoliberal, não existe mais garantia de vínculo empregatício, nem de trabalho formal. Então, qual o objetivo para frequentar uma escola pública? Nessa perspectiva de sociedade que valoriza o utilitarismo e o imediatismo, qual o significado da escola para a população?

    No estado de São Paulo, a matrícula se efetiva em salas de número exagerado de alunos, mas um número reduzido finaliza o ensino médio, deflagrando alta evasão escolar.

    A crise da educação pública em São Paulo na atualidade

    São Paulo, um estado do Brasil, marcado pela ideia de trabalho, acolheu ciclicamente migrantes em busca de empregos, bem como imigrantes de localidades diversas do globo. Na atualidade não tem sido diferente, com a crise planetária do capital, muitos imigrantes da América Latina, do Haiti, dos vários países do continente africano e sírios convivem nesse território. Souza diz que a escola pública da periferia do estado de São Paulo atende à demanda dos historicamente excluídos. Paradoxalmente, é percebida, como instituição promotora da exclusão [...] (Souza, 2015, p. 13).

    O foco da vida dessas populações nem sempre é a educação, é a sobrevivência, é a busca pelo trabalho. A reversão dessa realidade exigiria políticas públicas embasadas em estudos muito próximos às necessidades da população dos territórios em que as escolas estão situadas, identificando problemas, reconhecendo teorias que conversem com as realidades observadas e aplicando-as com vistas na inclusão social. Muitas pesquisas são feitas, mas como têm sido consideradas pelo poder público, no sentido de promover políticas públicas adequadas ao cenário social posto?

    Observa-se, no presente capítulo, embasado em pesquisas, que as matrículas são em bom número, mas ao final do ano letivo a evasão também é alta, principalmente no ensino médio. Vários aspectos podem contribuir para que os estudantes evadam nessa época de suas vidas. Destaca-se a necessidade de auxílio financeiro às famílias e poucas vagas para estudar no período noturno, mas quando encontram vaga para continuidade de estudos, o horário do trabalho consome muito tempo de suas vidas, impedindo a ida às aulas. Esses fenômenos, desta forma, se configuram em mecanismos políticos de exclusão escolar e consequente exclusão social.

    A evasão escolar tem ocorrido em níveis alarmantes, onde estão os alunos? Pergunta Bernadete Gatti⁵, no documentário Nunca me Sonharam.

    Outro fenômeno tem comprometido a permanência dos alunos na escola pública. Problemas como pouca admissão de docentes; formação contínua descontextualizada desses profissionais; salários baixos dos docentes, salas de aula cheias, no início de cada ano letivo; e alunos de várias nacionalidades, falando línguas diferentes, se configuram em razões para as ausências dos professores na ministração das aulas.

    Análise sobre: faltas docentes; evasão escolar; e pouca oferta de ensino médio noturno

    Refletindo sobre os três aspectos descritos: ausência docente (faltas diárias); acesso e permanência do aluno e pouca oferta de escolas do ensino médio no período noturno tem-se o que segue:

    No que se refere ao primeiro descritor, os próprios professores, em formação, cursos de ingressantes da SEE/SP, relataram que alguns colegas, diante da realidade vivenciada na escola, resolveram simplesmente colocar vendas sobre os olhos e se ausentarem o máximo possível do contexto escolar. Nessa postura, alguns fecham o círculo do desinteresse da população pela escola.

    Souza (2015) apresenta dados que foram retirados de um estudo na Escola Estadual Dona Amélia de Araújo (EEDAA) referente ao ano letivo de 2014. Os dados apontam a quantidade de ausências dos docentes no ano de 2014 e tipo de ausência⁷, e uma média similar foi apontada para o ano de 2013.⁸

    Gráfico 1. Absenteísmo docente

    Fonte: Souza, 2015.

    Gráfico 2. Faltas diárias de professores ao longo do ano letivo de 2014

    Fonte: Souza, 2015.

    Observa-se, pelo referido instrumento de análise, que um dos mais recorrentes motivos do absenteísmo docente da E.E. Dona Amélia de Araújo são as consultas médicas e os afastamentos médicos. Ao se tratar, porém, desse tipo de ausência, identificada como de maior incidência no cenário escolar, cabe pensar o fenômeno sob o olhar de Esteve (1999).

    Esteve fala sobre o mal-estar docente e como esse mal-estar foi inserido no universo do profissional da educação. O sentimento adverso no professor advém do desencanto por serem ampliadas as competências sociais da profissão (1999, p. 28), podendo ser relacionado o desencanto com a desmotivação. O desencanto pode levar ainda a quadros patológicos reativos, ou de depressão.

    Ao docente é requerida uma competência pedagógica ainda mais vinculada à competência social, alinhando seu papel à demanda histórica da atualidade (1999, p. 29), acarretando, por isso, o desconforto e o sentimento de que não tem condições de cumprir seu papel.

    Em outros períodos da história da humanidade, segundo Tedesco (1995), a escola era responsável apenas pela socialização secundária. E, segundo Esteve (1999, p. 28), houve uma ampliação do papel do professor e tal ampliação promoveu crise de identidade do professor.

    Esteve considera que o professor, na atualidade, precisa desempenhar vários papéis contraditórios que lhe exigem manter o equilíbrio em vários terrenos. Exige-se do professor companheirismo, amizade, apoio, ajuda para o desenvolvimento pessoal; mas ao mesmo tempo, exige-se que ele faça uma seleção ao final do curso, na qual abandona seu papel de ajuda e adota um papel de julgamento, totalmente contraditório ao anterior. Aumentando o conflito, exige-se do professor que prepare os homens para uma sociedade que não existe (1999, p. 31 e 32).

    As exigências para que a atuação do professor seja ampla vem de todos os segmentos sociais, inclusive da própria família (Esteve apud Amiel, 1970). Esteve diz que se o filho é mal-educado a culpa é do professor que não soube educá-lo (1999, p. 33). Trata-se de uma pressão que se coaduna aos baixos salários, ao excesso de jornada de trabalho e da formação inicial deficitária.

    O autor completa que a transição da formação ao primeiro trabalho costuma ser traumática e o professor entra em choque consigo mesmo e com a realidade áspera e dura do cotidiano de sala de aula (1999, p. 43). A aspereza inclui a violência que permeia esse espaço educacional, culminando em ameaças e agressões verbais e físicas consumadas e tratadas em muitos momentos como culpa do próprio professor que não soube conduzir os conflitos do contexto (1999, p. 50).

    Esteve completa que a violência em relação aos professores nem sempre provém dos alunos. Em muitas notícias de jornais, os pais aparecem como agressores, normalmente na saída do colégio (1999, p. 54). Ainda que a violência não seja com todos os professores, um ambiente hostil promove animosidade e angústia no grupo, que teme pelo próximo que será agredido. O esgotamento físico e mental para Esteve surge como consequência desses fatores (1999, p. 57 e 58), gerando baixa motivação ao trabalho, absenteísmo e excesso de licenças médicas (1999, p. 62 e 65).

    Evasão, retenção, transferência e oferta de ensino médio noturno

    No que se refere aos níveis de evasão¹⁰ escolar e pouca oferta de ensino médio noturno, foi feito um levantamento da quantidade de alunos que adentraram os muros escolares de sete escolas de uma mesma região de São Paulo.¹¹

    Foi analisada uma região denominada leste (São Paulo) sobre a oferta do ensino médio noturno. Essa Diretoria de Ensino atende em média 75 escolas.¹² O processo de pesquisa iniciou pela dúvida sobre quantas escolas, dentre as 75, atendem ao ensino médio no período diurno e quantas atendem ao ensino médio noturno, favorecendo assim o aluno trabalhador. Os dados encontrados foram: 2/5 dessas escolas não têm ensino médio noturno, atendem apenas ensino médio diurno; 1/5 dessas escolas tem ensino médio noturno e, em média, 05 delas são EJA de ensino médio; 1/5 atende aos alunos dos anos iniciais; e, finalmente, 1/5 atende aos alunos anos finais do ensino fundamental.

    Ou seja, das possíveis 75 escolas, a maioria tem apenas ensino médio diurno no ano de 2017.

    Além disso, foi analisado o fluxo (evasão/transferência/abandono) entre os anos de 2015 e 2017 das escolas que atendem ao ensino médio. Foram comparadas as matrículas de 2015 na 1ª série do ensino médio com as matrículas em 2017 na 3ª série do ensino médio. Ou seja, foi seguida a trajetória desses alunos matriculados em 2015 no ensino médio. Lembrando que esses alunos passaram pela 2ª série e houve nessa trajetória uma porcentagem de evasão/abandono/retenção, bem como novas matrículas que não foram computadas nesse estudo.

    Tabela 1. Evasão/abandono escolar nos anos de 2015 e 2017 – Dados coletados de escolas da Região Leste paulista

    *2016 – não havia dados de 2015.

    Fonte: Dados coletados da Plataforma da Secretaria Digital da SEE/SP em 10/2017.

    Essa tabela demonstra que permaneceram na escola, ou seja, finalizaram em 2017 o ensino médio, em torno de 40% dos alunos matriculados no ano de 2015 nessa região de São Paulo. Sob uma nova perspectiva de leitura, 60% dos alunos dessa região evadiram, transferiram ou foram retidos.

    Considerações finais

    Segundo o Relatório Dellors, a escola significativa do século XXI será aquela que se apoiar em quatro pilares: aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a ser. Projeto de escola difícil de ser conquistado em um território que perdeu o rumo da educação popular.

    A ideologia difundida sobre o papel da escola pública na sociedade resultou em total descompasso à ideia de formação humana. De 1990 até 2017, a queda livre da escola paulista que atende às classes populares tem afligido professores, pesquisadores e educadores. A demanda por uma educação de qualidade é recorrentemente descrita por acadêmicos em vários artigos, capítulos, ensaios, dissertações e teses. Defende-se que a educação popular não tem cumprido seu papel social junto à grande massa de excluídos da sociedade brasileira que adentram seus muros.

    Esses fenômenos levaram a dados alarmantes de evasão/retenção/transferência, principalmente no ensino médio, bem como a um cenário também de frequência irregular de professores que atuam nesses contextos. Existe a possibilidade de professores eventuais, mas nem todas as escolas contam com esse profissional.

    Atualmente, apesar de a estrutura escolar permitir o acesso à escola pública, de a legislação vigente ter como um dos seus focos a Gestão Democrática, e, apesar da existência das Escolas de Tempo Integral e do Programa de Ensino Integral no Estado de São Paulo; apesar ainda de esses modelos contarem com vários dos pressupostos apresentados por Anísio Teixeira, o projeto de uma sociedade igualitária por meio da formação escolar das classes populares está longe de se efetivar.

    Variáveis decorrentes do descaso estatal com as especificidades territoriais e da propagação da miséria estrutural pelo ideário capitalista inibem a construção de uma sociedade inclusiva.

    Representantes desse sistema político econômico se assenhoraram da educação paulista.

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