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Qualidade de vida e idade madura
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Qualidade de vida e idade madura

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O envelhecimento com boa qualidade de vida é um tema que tem ganhado espaço na literatura mundial em virtude do crescente número de pessoas que passam a usufruir dessa etapa da vida.
Estamos perante uma mudança de perspectiva: assim como o perfil etário da população mundial - e brasileira - está se alterando, urge também transformar nossa visão das questões pertinentes a esse grupo social, com o propósito de ampliar a integração.
Isso só será possível se abandonarmos conceitos ultrapassados que pressupunham a velhice como uma etapa de decadência. É com essa finalidade que os autores dessa coletânea discutem aspectos desse período da vida, buscando ampliar nosso conhecimento e incitar o debate. - Papirus Editora
LanguagePortuguês
Release dateNov 16, 2016
ISBN9788544902080
Qualidade de vida e idade madura

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    Qualidade de vida e idade madura - Anita Liberalesso Neri

    organizadora

    QUALIDADE DE VIDA NO ADULTO MADURO: INTERPRETAÇÕES TEÓRICAS E EVIDÊNCIAS DE PESQUISA

    Anita Liberalesso Neri

    Identificar as virtudes da idade madura é um desafio intelectual com o qual se envolveram vários pensadores ao longo dos tempos. Vivê-la de maneira positiva é questão existencial que se propõe a um número crescente de pessoas em todo o mundo, uma vez que o envelhecimento populacional está se generalizando. Identificar as condições que permitem envelhecer bem, com boa qualidade de vida e senso pessoal de bem-estar, é tarefa de várias disciplinas no âmbito das ciências biológicas, da psicologia e das ciências sociais.

    A promoção da boa qualidade de vida na idade madura excede, entretanto, os limites da responsabilidade pessoal e deve ser vista como um empreendimento de caráter sociocultural. Ou seja, uma velhice satisfatória não é um atributo do indivíduo biológico, psicológico ou social, mas resulta da qualidade da interação entre pessoas em mudança, vivendo numa sociedade em mudanças (Featherman, Smith e Peterson, 1990).

    Essas transformações não se restringem à velhice propriamente dita, mas abrangem todo o curso de vida e são contextualizados por fatores normativos ontogenéticos, por fatores histórico-culturais e por fatores ligados à história de vida individual (Baltes, 1983).

    Avaliar a qualidade de vida na velhice implica na adoção de múltiplos critérios de natureza biológica, psicológica e socioestrutural. Vários elementos são apontados como determinantes ou indicadores de bem-estar na velhice: longevidade; saúde biológica; saúde mental; satisfação; controle cognitivo; competência social; produtividade; atividade; eficácia cognitiva; status social; renda; continuidade de papéis familiares e ocupacionais, e continuidade de relações informais em grupos primários (principalmente rede de amigos).

    A teorização e a pesquisa sobre o tema refletem essa multiplicidade de critérios e de indicadores. Porém, ainda não foi possível estabelecer com clareza o grau de importância de cada um, suas inter-relações e a direção da causalidade entre eles. O que se sabe é que as diferentes variáveis relacionadas à qualidade de vida na velhice podem ter diferentes impactos sobre o bem-estar subjetivo.

    Doenças, perdas de papéis ocupacionais e perdas afetivas, que têm maior probabilidade de ocorrência para idosos do que para adultos jovens, podem ocasionar diferentes graus de ansiedade, dependendo da história pessoal, da disponibilidade de suporte afetivo, do nível social e dos valores de cada um. Portanto, uma velhice satisfatória é largamente mediada pela subjetividade, e referenciada ao sistema de valores que vigora num período histórico determinado, para uma dada unidade sociocultural (Baltes e Baltes, 1990).

    A investigação sobre as condições que permitem uma boa qualidade de vida na velhice, bem como sobre as variações que esse estado comporta, reveste-se de grande importância científica e social. Ao tentar resolver a aparente contradição que existe entre velhice e bem-estar, a pesquisa pode não só contribuir para a compreensão do envelhecimento e dos limites para o desenvolvimento humano, como também para a geração de alternativas válidas de intervenção visando ao bem-estar de pessoas maduras.

    Tendências da investigação sobre qualidade de vida na velhice

    A investigação sistemática sobre o ajustamento pessoal e social na velhice foi iniciada por pesquisadores da Escola de Chicago (Cavan, Burguess, Havighurst e Goldhammer, 1949; Pollack, 1948, apud Passuth e Bengston, 1988).

    Segundo os conceitos que resultaram desses primeiros investimentos, envelhecer bem significaria estar satisfeito com a vida atual e ter expectativas positivas em relação ao futuro. A satisfação na velhice dependeria da capacidade de manter ou restaurar o bem-estar subjetivo justamente numa época da vida em que a pessoa está mais exposta a riscos e crises de natureza biológica, psicológica e social.

    A seguir os estudos desenvolvidos pelo grupo de Kansas – Kansas City Studies of Adult Life –, liderado por Havighurst (1953 e 1963), Neugarten (1961, 1963, 1965, 1968, 1969, 1973) e Guttman (1964, 1979 e 1987), propuseram que envelhecer bem depende de quatro condições: 1ª ) atividade; 2ª ) capacidade de afastamento; 3ª ) satisfação com a vida; e 4ª ) maturidade ou integração da personalidade.

    Williams e Wirths derivaram ainda mais dois condicionantes da boa qualidade de vida ao envelhecer: 1º) o equilíbrio de energia entre o indivíduo e o sistema social e 2º ) um sistema social estável (apud Baltes e Baltes, 1990).

    Dentre essas formulações, a satisfação tornou-se a dimensão mais frequentemente investigada em relação ao bem-estar na velhice (Ryff, 1982), até que a variável atividade atingisse grande importância para a pesquisa e a intervenção. Isso aconteceu no decorrer dos anos 1960, muito provavelmente em virtude de fatores ideológicos, mas tendo como fator desencadeante o envelhecimento populacional que nessa época ocorreu na Europa e nos Estados Unidos.

    À ênfase na satisfação e na atividade seguiu-se a tendência em acreditar que os efeitos dessas variáveis sobre o bem-estar percebido são mediados por outras, de caráter interno. Dentre elas, a mais investigada, durante os anos 1970, foi o senso de controle pessoal. Segundo o ponto de vista que se desenvolveu a partir dessa época, a atividade pode ser um determinante da satisfação, em virtude de permitir às pessoas experimentar um domínio sobre o ambiente e sobre eventos de sua vida. Paralelamente, as perdas típicas da velhice ofereceriam um risco crescente à experimentação de controle pessoal, de modo que lidar com o desamparo decorrente seria uma das tarefas primordiais da velhice.

    A investigação sobre senso de controle no desenvolvimento e particularmente na velhice avançou rumo à elaboração de um construto mais complexo, de natureza cognitiva, cujos componentes são identificados como mecanismos de autorregulação (Bandura, 1986). Além do senso de controle, são exemplos de mecanismos de autorregulação: a autoestima, o autoconceito e o senso de eficácia pessoal.

    Dentro da perspectiva humanista em psicologia, o interesse por variáveis mediadoras cognitivas concentrou-se na pesquisa a respeito do senso de significado pessoal e seu impacto sobre o bem-estar dos mais velhos.

    Atualmente, qualidade de vida na velhice, bem-estar psicológico, bem-estar percebido, bem-estar subjetivo e, mais recentemente, envelhecimento satisfatório ou bem-sucedido (successful aging) são expressões tidas como equivalentes. Formam um construto global, referenciado a diversos pontos de vista sobre o envelhecimento como fato individual e social.

    Predomina o ponto de vista de que envelhecer satisfatoriamente depende do delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo o qual lhe possibilitará lidar, em diferentes graus de eficácia, com as perdas inevitáveis do envelhecimento.

    Nos últimos anos a pesquisa de ponta sobre envelhecimento vem se aplicando à investigação dos mecanismos compensatórios e adaptativos que podem permitir envelhecer bem. Os avanços nas ciências biológicas e na área cognitiva em psicologia têm estabelecido novos limites à plasticidade do organismo humano (Baltes e Baltes, 1990).

    Felizmente, aumenta a consciência de que ter uma boa velhice, seja lá o que for que isso signifique, não é atributo ou responsabilidade pessoal. Depende sim, da interação entre o indivíduo e o seu contexto, ambos em constante transformação. Os limites desse envelhecer bem significam então um referencial, horizonte ou ideal, sujeitos a condições e valores histórico-culturais (Ryff, 1982).

    Segue-se uma apresentação de cada uma das tendências mencionadas, desde as suas origens até o estado em que se encontram atualmente, a partir da crítica teórico-metodológica e da inevitável passagem pelo crivo da realidade que se deu ao longo dos últimos 40 anos.

    1. Bem-estar psicológico e satisfação na velhice

    Havighurst (1963) caracterizou satisfação na velhice como o aspecto interno e subjetivo da boa qualidade de vida nesse período. A elaboração de uma escala para avaliar satisfação (Life Satisfaction Index) e a sua consequente aplicação a diferentes amostras de idosos permitiram derivar uma explicação fatorial contendo cinco componentes: envolvimento e apatia, resolução e fortaleza, senso de equilíbrio entre metas desejadas e alcançadas, autoconceito positivo e humor (Neugarten, Havighurst e Tobin, 1961).

    Um volume considerável de pesquisa gerontológica emergiu dessa formulação inicial, permitindo que fosse mais elaborada e incluísse outras dimensões tais como felicidade, ajustamento, moral, saúde, longevidade, bem-estar subjetivo e equilíbrio entre aspirações e realizações.

    A questão chave na integração desses conceitos e de evidências de pesquisa é saber qual ou quais variáveis são mais preditivas dos estados descritos. Saúde, status socioeconômico, idade, raça, emprego, status conjugal, disponibilidade de transporte, residência, atividade e integração social parecem ser os preditores mais importantes, mas não os únicos. Nesse sentido, Cutler (1979) advertiu que se trata de um construto multidimensional. A complexidade das dimensões particulares que o compõem é considerável. Além disso variam de grupo para grupo (apud Ryff, 1982).

    Entre os anos de 1965 e 1984, Rudinger e Thomae empreenderam um estudo longitudinal com 222 pessoas de classe média baixa, nascidas na Alemanha Ocidental entre 1890 e 1895 e entre 1900 e 1905. Assim como os estudos de Berkeley (Shock, 1984) e Duke (Busse e Maddox, 1985), essa pesquisa, denominada The Bonn longitudinal study of aging, ofereceu informações valiosas sobre o ajustamento e a satisfação na velhice.

    As principais conclusões do trabalho de Rudinger e Thomae (1990) que sintetizam os dados gerados por essa tendência de pesquisa foram:

    1. A saúde biológica é um dos mais poderosos preditores do bem-estar na velhice.

    2. A saúde percebida e as maneiras como as pessoas lidam com problemas de saúde são ainda mais preditivas do que as condições objetivas de saúde, avaliadas segundo parâmetros médicos.

    3. A satisfação com a família é uma importante condição do bem-estar na velhice.

    4. Há efeitos da interação entre status social, variáveis de personalidade, interações dentro da família, atividades desempenhadas fora da família e satisfação na vida.

    5. A situação econômica e psicológica oferece suporte material para o bem-estar subjetivo. Este por sua vez influencia os modos de lidar com os diferentes graus de qualidade da habitação, com a vizinhança, com a independência econômica e com as expectativas relativas à estabilidade financeira.

    6. A capacidade de iniciar e manter contatos sociais, mediada por fatores motivacionais e cognitivos, influencia a percepção sobre a qualidade da vida diária. A uniformidade e a variação na vida diária podem ser percebidas como prazerosas ou desagradáveis por diferentes pessoas, ou até pela mesma pessoa, em diferentes momentos de sua vida. De qualquer forma, esse é um importante preditor de satisfação na velhice.

    7. A avaliação que o idoso faz de sua situação atual é outro mediador importante de sua satisfação na vida. O senso de bem-estar pode variar em função do número de eventos importantes e de pressões percebidos durante o ano anterior; do ponto de vista individual sobre a redução de oportunidades e contatos sociais; da forma como o idoso lida com a morte; da extensão de sua perspectiva de tempo futuro; de como valoriza seu passado, e de como faz uso de suas possibilidades atuais.

    2. Bem-estar psicológico e atividade na velhice

    A pesquisa sobre bem-estar na velhice foi profundamente afetada pela polêmica gerada pela proposição de duas concepções antagônicas sobre velhice: a teoria da atividade e a teoria do desengajamento.

    A noção básica da teoria da atividade é de que quanto mais ativo o idoso, maior sua satisfação na vida. A intensificação das interações sociais e o desempenho de novos papéis esperados para seu grupo etário (por exemplo, papéis pós-parentais) tendem a gerar aprovação social. Esta se reflete no autoconceito que, em sendo positivo, gera satisfação na vida (Havighurst e Albrecht, 1953; Cavan, 1962; Lemon, Bengston e Peterson, 1972, apud Passuth e Bengston, 1988).

    A teoria do desengajamento explica a velhice em termos do imperativo de afastamento, considerado como universal e inevitável, entre os idosos e a sociedade; examina as perdas de papéis e status típicos da velhice e seu impacto sobre a depressão, os sentimentos de inferioridade, a dependência e o desajustamento pessoal e social de idosos; assume a existência de uma espécie de acordo tácito entre essa categoria etária e a sociedade quanto à obrigatoriedade dos seus membros mais maduros cederem lugar às categorias mais jovens (Cummings e Henry, 1961, apud Passuth e Bengston, 1988).

    A despeito de suas fragilidades, a teoria do desengajamento influiu bastante na gerontologia e provavelmente instigou a intensificação da pesquisa e da intervenção a partir da teoria da atividade.

    Até meados dos anos 1970, acreditava-se na existência de uma relação causal entre atividade e satisfação na velhice, ambas dependentes de condições objetivas, de natureza socioestrutural, tais como: posição socioeconômica, natureza das interações com a estrutura social e densidade etária da área em que reside o idoso. Desde então, vêm se intensificando as críticas conceituais e metodológicas em relação à noção de que atividade na velhice causa satisfação. Passou-se a sugerir ou que a relação é inversa, isto é, que satisfação na velhice causa aumento de atividade, ou então que ambas são funções de variáveis socioestruturais. Outra hipótese aventada foi a de que as relações eventualmente encontradas seriam espúrias, pois atividade e satisfação são independentes entre si (Larson, 1978; George, 1990).

    Com base em estudos longitudinais, Stones e Kosma (1989) consideram que atividade e bem-estar subjetivo são predisposições diferentes e relativamente estáveis e que a direção da causação é a seguinte: o senso de bem-estar pessoal afeta a percepção de qualidade de vida por meio de um largo espectro de domínios, tais como satisfação financeira, satisfação com as condições de habitação e satisfação com a saúde, justamente porque pessoas felizes tendem a construir suas situações de vida de forma mais positiva e são mais capazes de obter bons resultados em suas relações interpessoais do que pessoas propensas à infelicidade. Consequentemente, a felicidade tem implicações de longo prazo para a satisfação, mas o inverso não é verdadeiro, como postula o modelo de reatividade. Atividade seria uma tendência independente e relativamente estável, que atuaria sobre a competência funcional e a longevidade do idoso.

    Reich et al. (1987) propõem que a atividade seja definida como comportamentos emitidos como resposta a eventos. A questão maior não é a quantidade de atividade, mas quais, como e quanto os pequenos eventos da vida diária estruturam a vida das pessoas idosas. Os pequenos, e não os grandes eventos, têm maior poder de afetar o bem-estar dos idosos, em virtude da redução da sua capacidade de se manterem ativos e de lidar com as pressões que acompanham o envelhecimento. Além disso, os pequenos eventos (por exemplo: quebra de um eletrodoméstico, perda de uma chave, chegada de um hóspede sem avisar) tendem a ser mais maleáveis e controláveis do que os grandes (por exemplo: morte do cônjuge, doenças prolongadas, divórcio de filhos, aposentadoria).

    Ou seja, na questão da magnitude dos eventos e sua relação com a atividade, a dimensão crítica é a percepção que o idoso tem sobre a causalidade dos eventos. Há os que são vistos como provenientes de fontes externas e que permanecem não resolvidos, a menos que as pessoas reajam a eles. São os eventos de exigência. Por outro lado há os que são percebidos como decorrentes dos esforços e da iniciativa e que estão sob controle da pessoa. São os eventos de desejo (Reich et al., 1987).

    Ainda nos anos 1970, sob a influência das teorias de atribuição de causalidade, locus de controle e outras variáveis cognitivas definidas genericamente como noção de controle, na Psicologia Social Experimental, a investigação e a prática sobre o bem-estar investiram fortemente em variáveis mediadoras (ou internas, não observáveis) para explicar a velhice bem-sucedida.

    Segundo tal ponto de vista, complexos mecanismos de controle cognitivo interferem na avaliação que o idoso faz sobre a origem dos eventos e sobre as suas possibilidades quanto a controlar seu aparecimento e suas consequências, não só sobre o ambiente externo como sobre os próprios, e sentimentos (Rotter, 1966; Seligman, 1975; Langer e Rodin, 1976).

    3. Bem-estar psicológico e senso de controle na velhice

    A teoria original sobre o desamparo aprendido, formulada por Seligman (1975), focalizava a sincronia entre o desempenho e a consequência como determinante do senso de controle. Ou seja, as pessoas podem sentir-se desamparadas se suas ações não são suficientes para alterar o que lhes acontece.

    Em 1978, Abramson, Seligman e Teasdall reformularam essa noção e propuseram que o desamparo é causado por crenças na própria incapacidade de comportar-se para alterar o ambiente. Três outras dimensões de julgamento podem explicar o desamparo:

    1. Internalidade x externalidade (o fracasso é causado por elementos pessoais, como a capacidade, ou ambientais, como a incompreensão dos outros?)

    2. Estabilidade x transitoriedade (as causas do malogro são duradouras ou passageiras?)

    3. Generalidade x especificidade (as causas do fracasso fazem sentir seus efeitos em muitas ou em poucas situações?)

    A atribuição de fracasso a deficiências pessoais, generalizadas e duradouras, podem produzir em qualquer pessoa de qualquer idade, e não só sobre as mais velhas, um profundo senso de ineficácia (Peterson e Seligman, 1984).

    Os problemas de autoeficácia de idosos estão centrados tanto em estimativas reais quanto em perspectivas distorcidas sobre suas possibilidades, as quais ocorrem num mundo em que, de um modo geral, as pessoas só enxergam as perdas e o declínio da velhice. Embora em parte essa percepção seja condizente com a realidade de uma grande quantidade de idosos, também é verdade que eles dispõem de reservas fisiológicas suficientes para manter o seu funcionamento psicossocial em um nível adequado. Além disso, o desenvolvimento de capacidades, como, por exemplo, a especialização e a memória, podem compensar outras perdas. O grande problema é a interferência do senso de ineficácia, que pode ser intensificado por preconceitos do próprio idoso e das pessoas que o cercam. O declínio contínuo do senso de autoeficácia pode ocasionar declínio cognitivo e perdas no funcionamento do comportamento (Bandura, 1986).

    Brandtstädter e Baltes-Götz (1990) realizaram uma pesquisa longitudinal com 1.228 adultos de 35 a 59 anos, com o objetivo de verificar se ocorrem mudanças no senso de controle pessoal ao longo do desenvolvimento. (Os aspectos do desenvolvimento avaliados pelos sujeitos foram saúde e bem-estar físico, estabilidade emocional, sabedoria e compreensão madura da vida, autoestima, reconhecimento social, eficiência ocupacional, assertividade, companheirismo, empatia, independência pessoal, segurança da família, prosperidade e estabilidade, eficiência intelectual, autodesenvolvimento, preparo físico, amizades e alcance de ideais.) Observaram que essas mudanças estão sujeitas a variações culturais, muito embora se saiba que na maioria das culturas ocorram sentimentos de depressão e desamparo em situações de morte, doença e perdas de um modo geral. Afirmam que, com a idade, tende a aumentar a noção de vulnerabilidade a influências externas e provenientes do envelhecimento biológico, muitas das quais são vistas como incontroláveis. Verificaram também que, quanto maior o senso de controle pessoal, mais intensos são os sentimentos de satisfação e que, quanto menor, maiores as possibilidades de depressão, preocupação e desamparo.

    4. Bem-estar psicológico e mecanismos de autorregulação na velhice

    O senso de controle pessoal ou de autoeficácia faz parte de um construto mais amplo que inclui também senso de valor, crenças realísticas, espontaneidade e responsividade emocional, estimulação intelectual, solução de problemas, criatividade, senso de humor, prontidão física e hábitos de saúde (Witmer e Sweeney, 1992).

    Segundo Bandura (1986), os mecanismos de autorregulação são responsáveis pela mobilização de comportamentos auto-orientados a metas, de acordo com as normas prescritas pela sociedade. Dependem de subprocessos aprendidos de auto-observação, julgamento e autorreação. Por meio dos primeiros, a pessoa olha para a qualidade, a frequência, a quantidade e a originalidade de seus comportamentos; para a sua sociabilidade e moralidade, e também para a regularidade e a precisão de seus desempenhos. Julgá-los depende da referência a critérios pessoais e sociais, da causa dos eventos e do valor de suas atividades. As autorreações podem se traduzir em autoavaliações positivas ou negativas, em autorrecompensa e autopunição.

    Influenciados pelas ideias de Frankl (1963 e 1966), segundo as quais a aspiração ao senso de significado na vida é um motivo universal e altamente relevante ao ajustamento humano, vários pesquisadores europeus debruçaram-se sobre a questão do senso de significado pessoal como mediador do bem-estar percebido por idosos.

    Segundo o ponto de vista humanista, descobrir significados para a existência é crucial para os idosos, uma vez que, com a idade, aumenta a probabilidade de experimentação de perdas e eventos incontroláveis.

    Vários autores têm se ocupado em investigar condições e fontes de senso de significado pessoal e seu impacto sobre o bem-estar físico e mental. Assim, Birren e Renner (1980) demostraram o papel importante desempenhado pela avaliação dos eventos da vida diária, pela resolução de conflitos e por sua integração num contexto significativo. Para Erikson, Erikson e Kivinick (1986), reminiscências integrativas e instrumentais são associadas à boa qualidade de vida na velhice, enquanto reminiscências obsessivas tendem a relacionar-se com menor bem-estar subjetivo.

    Outra variável investigada é o grau de compromisso do idoso com relações, valores, ideais ou tradições significativas, o qual pode se traduzir em busca de atividades prazerosas, causas sociais e relações de ajuda (Wong, 1989).

    A religiosidade também tem sido considerada como fonte potencial de significado pessoal e bem-estar espiritual, de aceitação da morte, do encontro de um sentido de transcendência para a vida, e de satisfação com a vida (Koenig et al., 1988; Blazer e Palmore, 1976).

    Ryff (1989) realizou uma revisão de literatura sobre a relação entre qualidade de vida e continuidade no desenvolvimento pessoal na velhice e propôs um modelo integrativo baseado em seis pontos: 1º ) autoaceitação; 2º ) relações positivas com os outros; 3º ) autonomia;

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