A Criança terceirizada: Os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo
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Nesse livro, o autor avalia a história da criança na sociedade desde a época dos gregos e dos romanos, contextualizando a situação infantil nos últimos séculos, além de analisar a evolução do relacionamento familiar, principalmente entre mães e pais com seus filhos.
No mundo contemporâneo, pautado pelo consumismo, imediatismo e individualismo, pouco tempo das gerações mais velhas tem sido destinado aos cuidados e à educação dos pequenos. Valeria perguntar: todos os adultos têm condições de se tornar pais? Quais seriam os pré-requisitos da função? Estamos preparando os jovens para dedicar boa parte de suas vidas ao cuidado dos filhos? Questões como essas são discutidas nessa obra atual e necessária.
Indicado ao PRÊMIO JABUTI 2008 - Educação, Psicologia e Psicanálise - Papirus Editora
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Reviews for A Criança terceirizada
3 ratings1 review
- Rating: 5 out of 5 stars5/5Livro muito bom para abrir nossa mente em relação ao cuidado com a criança e a família, que vem sendo deixado de lado.
Book preview
A Criança terceirizada - José Martins Filho
crianças.
1. A evolução da situação da criança na história da humanidade
O mundo mudou muito!
Cada vez mais as crianças ficam sozinhas enquanto seus pais correm atrás de trabalho, de dinheiro, do pão de cada dia, tudo sempre muito difícil de conseguir. Geralmente é assim: as coisas ficam difíceis e tentamos obter recursos de onde for possível, a fim de manter nosso modo de vida, o que, atualmente, significa menos tempo em casa com as crianças, com a família.
Mas isso não é novidade. Ao analisar a história da humanidade, observa-se que a criança sempre foi tratada como descartável
. Assustado com a afirmação? Mais adiante, quando apresentar algumas pinceladas sobre a história social da criança, ficará claro que já na Antiguidade isso era um fato. Os próprios mitos gregos contam histórias de crianças abandonadas (Édipo, por exemplo). Há ainda os relatos de Moisés (abandonado numa cesta de vime), de Rômulo e Remo (os lendários fundadores de Roma, que mamaram na loba). São todas histórias de crianças abandonadas. É interessante atentarmos para este fato incrível: na história da humanidade existem dezenas de casos de personagens célebres que foram rejeitadas pelos pais.
Gregos e romanos tinham pouca preocupação com o infanticídio, pois era dado ao pai o direito de vida e morte sobre os filhos. Os gregos não matavam, como frequentemente se diz, apenas os desvalidos, os malformados, os defeituosos
. E, vale ressaltar, matavam-se mais mulheres do que homens, porque os gregos eram guerreiros, além do que o homossexualismo masculino era bem-aceito, pelo menos até o início da vida adulta, sendo usual que nobres mantivessem relações sexuais com adolescentes do sexo masculino.
Já os romanos tinham no abandono, às vezes no infanticídio, uma forma de resolver o problema dos filhos indesejados. Isso era tão frequente naquela época que, todas as manhãs, das janelas do palácio papal, Inocêncio III podia ver, angustiado e estarrecido, os pescadores recolherem suas redes do rio Tibre e, entre os peixes, encontrarem cadáveres de crianças pequenas ou mesmo de bebês que as mães afogavam durante a noite. Terrível, não é mesmo? Muito impressionado com aquele costume, o papa pediu a seus auxiliares que, a partir daquela data, corressem logo cedo até a beira do rio e verificassem se algumas daquelas crianças ainda respiravam para que ele, então, pudesse benzê-las. Tal preocupação originava-se da crença de que, sem a bênção do batismo, elas não poderiam entrar no reino dos céus. Dizem que foi por isso que, numa bula papal, Inocêncio III criou o limbo
, lugar definido como uma caverna escura entre o purgatório e o céu, onde ficavam os pequeninos não batizados mas inocentes, a fim de poupá-los do purgatório e, sobretudo, do inferno. Vale relembrar aqui que o papa Bento XVI aboliu o conceito de limbo.
Todos esses relatos, e outros ainda mais interessantes, constam de vários livros de história publicados nos últimos anos, como o da professora Maria Luiza Marcílio, da USP, que escreveu um interessante tomo sobre a história social da criança. Parece que a ideia de que a criança sempre foi protegida tem de ser revista. Na verdade, desde tempos imemoriais, sobrevivia apenas uma minoria dos bebês que nasciam e, queiramos ou não, no mais das vezes os que restavam eram os mais fortes e, sem dúvida, os que tinham melhor sorte, já que os adultos pareciam não se incomodar de forma alguma com as crianças. No que diz respeito a essa questão da sobrevivência de crianças, note-se que dispomos de mais dados referentes às civilizações ocidentais, pois das civilizações orientais nos chegaram pouquíssimas informações. Na Idade Média, as coisas não eram melhores. A mortalidade infantil (número de crianças que morrem no primeiro ano de vida em cada mil nascidas vivas) era realmente muito alta. Há relatos que indicam que, em toda a Europa, o índice de mortalidade girava em torno de 80% no período do Renascimento, por exemplo. Pela análise dos dados de que dispomos, fica evidente que não havia uma grande preocupação com esse fato e, claro, também não existiam métodos nem conhecimentos que pudessem amenizar tal situação e a condição de sofrimento e abandono de crianças.
No transcorrer deste livro, apresento alguns exemplos clássicos das formas socialmente aceitas de menosprezo às crianças, como o da conhecida roda dos expostos, solução proposta inicialmente pela Igreja para que as mulheres pudessem abandonar os filhos, quando não os quisessem ou não pudessem cuidar deles. Outro exemplo histórico foi a instituição da oblata, maneira pela qual pobres e ricos doavam seus filhos para conventos, igrejas ou mosteiros, com o juramento de que eles se tornariam religiosos e não abandonariam a vida