Não é o Olho que Vê: A Produção Audiovisual no Primeiro Plano da Aprendizagem Colaborativa
By Max Bittencourt and Isa Trigo
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Book preview
Não é o Olho que Vê - Max Bittencourt
Bahia
SUMÁRIO
capítulo 1
INTRODUÇÃO
capítulo 2
O COMEÇO
capítulo 3
PLANO PANORÂMICO
capítulo 4
UM FILME SOBRE FILMES
capítulo 5
OS LUGARES DE APRENDER
capítulo 6
O PROCESSO E OS PROCESSOS DENTRO DELE.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS CONSULTADAS
APÊNDICES
1
iNTRODUÇÃO
A sala de aula há muito tempo deixou de ser o único espaço destinado à aprendizagem formal. Esse ambiente, no qual se espera que o estudante desenvolva determinados conhecimentos a fim de se tornar um indivíduo capaz de lidar com um mundo que, rapidamente, adquire novos contornos e configurações, parece não atender inteiramente aos seus propósitos. Isso porque, de modo geral e não absoluto, dentro das organizações acadêmicas o estudante depara-se com uma realidade muito distante do modo como as coisas se apresentam para ele na vida, e no ritmo de uma sociedade onde tudo, ou quase tudo, é passageiro e mutante.
Com o mundo passando por aceleradas transformações e milhares de informações por segundo passando pela tela do seu smartphone, notebook ou tablet, o estudante não mais dirige a sua atenção prioritariamente para o professor, que muitas vezes vê os dispositivos e plataformas digitais como inimigos do aprendizado. Acontece que o que passa na tela captura a atenção do estudante com mais eficácia e rapidez. O que passa na tela, de alguma forma, é mais interessante para o estudante do que uma sala de aula conteudista, monótona e previsível.
As matrizes curriculares dos cursos e o modo como o professor transmite o conteúdo refletem o descaso com a origem e com a cultura do estudante, tanto pelo que ele sabe quanto pelo que tem para oferecer no contexto grupal. Ao contrário do que deveria ocorrer, pressupõe-se que em uma sala de aula todos possuem o mesmo tipo de patrimônio cultural, privilegiando, consequentemente, os mais próximos culturalmente do que é a cultura acadêmica, e favorecendo a dispersão dos que se sentem excluídos por não alcançarem o conteúdo ou a didática aplicada pelo professor da forma que ele espera que aconteça.
Esse mesmo sujeito, que ali se sente inadequado e inapto, pode revelar-se bastante criativo e produtivo na execução de tarefas em conjunto, enquanto colaborador; como, por exemplo, na realização de obras audiovisuais, como é o caso da experiência que este livro narra, por se tratar de uma atividade que precisa funcionar colaborativamente em todas as fases da sua realização. Em uma equipe técnica de produção, e, no caso das produções acadêmicas descritas neste livro, as equipes foram compostas pelos próprios estudantes tal qual em uma realização profissional, cada participante exerce uma função, a que melhor desempenha, e todos se ajudam. Nesse contexto de produção de conhecimento por meio da socialização entre os indivíduos, um trabalho em conjunto é proposto democraticamente. E, a partir desse propósito partilhado, a realização do trabalho em regime de colaboração, o indivíduo desenvolve interações de aprendizagem que se revertem não somente em seu próprio benefício, como também no resultado final da ação colaborativa proposta.
As instituições de ensino e suas ementas de disciplinas prometem aguçar a visão crítica do estudante sobre sua própria realidade e a realidade que o cerca; comprometem-se em formar cidadãos, agentes sociais transformadores. Entretanto, muitas práticas pedagógicas aplicadas em sala de aula reproduzem e realçam, consequentemente, a produção de conhecimento comprometida apenas com as demandas do mercado de produção neoliberal vigente, contribuindo, consequentemente, com o estreitamento da visão política e cultural do estudante, em uma ode ao pensamento único e desprovido de reflexão crítica. Uma ideologia fincada nos alicerces culturais de uma sociedade que não privilegia a formação do sujeito, mas tem como meta formar indivíduos cada vez mais produtivos e cada vez menos sensíveis e pensantes. Uma sociedade que tem dificuldade de encarar as diferenças, pois atua por meio de padronizações e formas pré-estabelecidas: o que serve para um, serve para todos.
No formato convencional de educação, de forma geral, o aluno é obrigado a se acomodar em uma estrutura que fornece fórmulas, ao invés de fazê-lo pensar autenticamente. O potencial individual muitas vezes é desprezado em favor de um modelo de educação que se ocupa de transmitir conhecimento e em cobrar resultados
a partir de avaliações pré-formatadas. O estudante tem um papel passivo em seu próprio processo de construção cognitiva.
Por outro lado, em um ambiente de ensino e aprendizagem centralizado no desenvolvimento de projetos criativos e artísticos nos quais a experiência colaborativa ocupa uma função central de catalisadora de conteúdos, formais ou não, o estudante pode e deve se colocar ativamente e contribuir não só tecnicamente e operacionalmente, mas, sobretudo, com sua visão de mundo, seu repertório cultural e seu discurso estético, porque, no caso de experiências como a narrada neste livro, é ele o protagonista das ações.
Consequentemente é notório o engajamento, envolvimento e motivação do estudante que participa dessa vivência de aprendizagem em grupo, e que se revela para seus colegas, para o professor e para ele mesmo como alguém capaz de construir algo coletivamente. De influenciar e de ser influenciado pela opinião do outro. Colaborar para construir. A possibilidade de realizar uma tarefa possível e significativa para ele é a motivação que abre caminho para a aprendizagem e para a própria aprendizagem sobre si mesmo.
A palavra experiência
, etimologicamente, exprime uma ideia de deslocamento espacial, de uma travessia de um ponto específico até outro. E o sentido da educação não está nada distante disso, já que educar implica em guiar um indivíduo de um ponto a outro em um processo de construção mútua de conhecimento. Há uma programação, um roteiro, uma intenção. Há um percurso a ser seguido, tanto para o professor quanto para o estudante.
Desse modo, no contexto acadêmico, a experiência da produção de conteúdos audiovisuais, e seu percurso, parece poder funcionar como ambiente vivo de mediação na aquisição de conhecimentos, pois, por intermédio de seus processos internos e dos diversos tipos de interação que ela produz, acaba por provocar situações que potencializam construções cognitivas ligadas aos processos perceptivos, estéticos e sensíveis do estudante, em um contexto colaborativo, durante seu decorrer. É a travessia que leva o indivíduo de um ponto a outro a se materializar.
Essa espécie de espelho, que é o trabalho coletivo, força o indivíduo a encarar o outro, com suas peculiaridades, mas o força também a olhar para si próprio. E como cada processo é único, e como cada indivíduo é diferente do Outro, a experiência coletiva e colaborativa representa também uma oportunidade de autorreflexão em movimento para seus participantes; de desenvolvimento de uma sensibilidade em relação a esse outro e ao conteúdo criado/produzido, sempre atravessado por mais de um sujeito; e do decorrente exercício de uma maior compreensão das diversidades, a partir da vivência prática, do embate cotidiano com o Outro e sua perspectiva sobre as coisas; pois o que se manifesta nesse contexto multicultural é a pluralidade das realidades e existências, no jogo de construir um processo/produto.
O sociólogo contemporâneo e especialista em comunicação Muniz Sodré exalta a importância da experiência coletivizada nos dias atuais, pois seu mecanismo dialoga com a essência da sociedade da tecnologia e da informação, que se constitui de diferentes e incessantes fluxos de pessoas e conhecimentos, científicos e culturais. Toda a intensidade e dinamicidade com que se estabelecem esses fluxos, por sua vez, requerem do indivíduo o desenvolvimento, ou treino, de habilidades que podem prepará-lo para o estabelecimento de novas e complexas, e muitas vezes obrigatórias, interações, para que assim consigam produzir, sentir, pensar, realizar e agir em uma sociedade tecnológica e fortemente marcada pela diversidade de formas de expressão cultural, na qual processos e relações são, cada vez mais, transitórios.
A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade de expressões culturais, mas também a partir dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. (SODRÉ, 2012, p. 182).
Essa capacidade de dialogar com os diferentes recursos e discursos que emergem na contemporaneidade aproxima e pode sensibilizar o indivíduo para o Outro, com O
maiúsculo mesmo, pois assim prefere o teórico brasileiro ao propor uma reinvenção da educação. Quando fala de diversidade cultural, Muniz Sodré refere-se a uma aproximação das diferenças que decorre de um [...] ajustamento afetivo, somático, entre partes diferentes num processo [...]
(SODRÉ, 2012, p.186). É necessário admitir outros pontos de vista, compartilhar saberes, desconstruir para construir. Ou seja, o sujeito em contato com a diversidade volta-se ao mesmo tempo para si, refletindo e reelaborando conceitos.
Na cultura hipertextual, com novas formas de conexões híbridas entre os campos da comunicação e educação, é necessário que haja uma redefinição do papel da escola na formação humana. É urgente e necessário pensar em uma educação sensibilizadora a partir de um novo paradigma cognitivo: o paradigma do sensível, uma vez que
[...] a força motriz da diversidade cultural está na sensibilização das consciências frente à emergência do Outro, isto é, em autossensibilizar-se de maneira a tomar contato com a gênese contingente de suas crenças, valores e atitudes [...] (SODRÉ, 2012, p. 185).
A produção audiovisual não é uma atividade solitária. Nunca é. Mesmo depois da digitalização dos processos, que também permitiu um acesso maior da população a equipamentos e softwares, originando um cenário social no qual quase todo mundo conhece e exercita o audiovisual de forma independente, ainda assim o realizador precisará de alguém em alguma etapa do processo, seja colaborando diretamente ou prestando consultorias específicas. O pensamento audiovisual demanda um diálogo com o outro, com o olhar do outro. E com o seu próprio, em regime de estranhamento, no mínimo.
Por se tratar de uma atividade essencialmente coletiva e cooperativa, com forte interação social e propícia ao reconhecimento e à valorização das diferenças, operador de