Liberdade a Dois: Democracia nos Relacionamentos Contemporâneos
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Se por um lado a cultura contemporânea é tida como um período confuso, de liquidez e de fragilidade, por outro vem tentando desenvolver novos sentidos e uma forma de ser e de estar com o outro de maneira mais sincera.
É o período das múltiplas vozes! O contexto atual não inventou a diversidade, mas está tendo a coragem de revelá-la. Enquanto dialoga com movimentos históricos do patriarcado e do conservadorismo, os casais tentam construir de maneira genuína sua história a dois.
O livro parte de duas perguntas elementares: o que mudou no casamento ao longo do tempo? Quais as particularidades do casal contemporâneo? Ao longo da obra, o autor busca analisar as transformações sociais e culturais que afetaram a forma de se relacionar e a intimidade dos casais. Assim como procura compreender as especificidades de uma cultura plural, rica e paradoxal que afeta a intimidade da experiência de ser casal.
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Book preview
Liberdade a Dois - Vinícius Farani López
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. João Carlos Petrini, pelo seu conhecimento e suporte que foram fundamentais no desenvolvimento das ideias que chegaram a este livro. O enriquecimento que me foi adquirido em sociologia e pesquisa passa por sua expertise e dedicação com que devota aos estudos e às pessoas.
Agradeço àqueles que confiaram no meu trabalho como psicólogo e pesquisador e dispuseram-se a contar suas histórias, seus dilemas e seus esforços em suas relações de intimidade.
E, por fim, mas com grande relevância, agradeço à minha esposa, que acompanhou e ajudou de maneira direta ao longo de diversos anos a produção desta obra e à minha família, que me acompanha ao longo de toda minha trajetória de vida.
PREFÁCIO
Esta publicação de Vinícius Farani é de palpitante atualidade ao abordar a questão das novas conjugalidades em tempos de pós-modernidade. A questão dos laços conjugais não é vista aqui de uma forma isolada. Ao contrário, um dos pontos fortes do texto de Farani é procurar manter sempre a perspectiva da complexidade, da qual relações pessoais emergem em uma densa teia de entrecruzamentos na qual o pessoal, familiar, social, cultural e histórico influenciam-se mutuamente.
O autor é especialmente feliz em buscar a articulação entre dois movimentos essenciais da cultura contemporânea: a globalização planetária e o mergulho na história nacional brasileira, uma busca de raízes – outra dinâmica igualmente importante. Nesse desafio de manter uma perspectiva coerente desses múltiplos fatores da conjugalidade contemporânea, o autor lança mão de uma bibliografia bem variada e sofisticada, incluindo aí diversos autores da escola da Psicologia Analítica de C. G. Jung.
Pode-se explicar as referências à escola junguiana: em finais do século passado ganhou em importância na escola de Jung a valorização dos fenômenos sociais, isso embora Jung nunca tenha deixado de lado a importância do coletivo. Sua própria noção de processo de individuação, eixo de seu pensamento, é bem diferente de individualismo, pois implica as interações criativas e de transformação que o indivíduo possa vir a ter no social. Entretanto, com os fenômenos de globalização na sociedade pós-moderna, os teóricos junguianos passaram a trabalhar com uma série de conceitos sociais e históricos, segundo os quais os dinamismos coletivos trouxeram novas perspectivas para o entendimento do processo de individuação. Assim, noções como as de inconsciente cultural e complexo cultural passaram a ser usados de forma frequente. O inconsciente cultural seria aquele recorte do inconsciente coletivo pertencente a um povo ou nação, assim como complexo cultural estaria inserido em traumas e conflitos significativos de uma nação ou grupo social.
Usando dessas e outras referências teóricas, Farani faz um mergulho na história brasileira, desde a descoberta, passando pelo período colonial, com ênfase na família colonial brasileira. Acertadamente, seu texto propõe que o entendimento das questões da conjugalidade no Brasil deve incluir uma perspectiva da identidade nacional, que é única.
Farani aborda o que considero, seguindo Leonardo Boff, os três grandes complexos culturais da identidade brasileira: o colonialismo, o holocausto indígena e a escravidão. O autor investiga a ação desses complexos culturais na formação da família colonial brasileira e como a figura do pai passa a ser fundamental na estruturação da família colonial.
O complexo cultural opera de maneira análoga ao complexo afetivo individual nos pacientes em psicoterapia. Embora ativado no passado, muitas vezes na infância, o complexo individual continua interferindo na vida adulta do indivíduo; também o complexo cultural, embora inicialmente constelado na história da nação, passa a agir em toda a coletividade durante toda a história da cultura até os tempos contemporâneos – até serem de certa forma elaborados pela consciência coletiva.
Nesse contexto, o problema da morte de Deus, ou da morte do pai na cultura contemporânea, em termos do inconsciente cultural brasileiro, manifesta-se com um sério problema identitário, pois desde o Brasil Colônia somos o país dos coronéis, a cultura dominada pelo patriarcado da casa-grande como ensina Gilberto Freyre. O Brasil contemporâneo está sofrendo as transformações dessa crise do arquétipo do pai, de seu esgotamento.
Mas não devemos perder o pé das particularidades únicas da identidade nacional. Como nosso país é desprovido de memória, o brasileiro tem o vício grave de contemplar sempre as referências da Europa e América do Norte, esquecendo-se de nossas identidades particulares. Nesse ponto, considero o texto de Farani importante contribuição para esse resgate de símbolos e referências brasileiras.
Do ponto de vista dos complexos culturais, por exemplo, é importante ter em mente que o holocausto indígena, com extinção de muitas etnias e linguagens, continua hoje, quando linguagens e mitos perdem-se em povoações remotas do Norte do Brasil e o problema da demarcação de terras indígenas, uma questão de preservação de identidade e da alma brasileira, está fortemente presente na mídia como uma batalha contínua. A influência indígena na linguagem foi bem forte e o nosso português bem diferente da matriz portuguesa. O nheengatu, o dialeto derivado do tupi, predominou no Brasil até o final do século XIX e só foi eliminado à força pelo governo e substituído pelo ensino obrigatório do português!
Farani ocupa-se de outras particularidades históricas de nossa identidade, como a influência negra na linguagem brasileira. Também na alimentação e nos símbolos e rituais religiosos a influência afro-ameríndia dá tonalidades únicas à psique coletiva brasileira. A miscigenação das raças, que tem início desde o descobrimento, oferece também uma característica única à nossa constituição psicológica. A miscigenação que levou Gilberto Freyre ao deslize de proclamar a democracia racial brasileira, em contraste com o racismo de países anglo-saxões. Posteriormente, o grande sociólogo reviu sua posição, pois é sabido que a cultura brasileira é bastante racista desde os tempos do Brasil Colônia. Defini em outras publicações o que denominei de racismo cordial, esse importante complexo cultural brasileiro que, na sociedade atual, manifesta-se como exploração de trabalho escravo, menores salários para pessoas negras e uma das maiores concentrações de renda do mundo. O adjetivo cordial advém das considerações de Sérgio Buarque de Holanda sobre o homem brasileiro, que, como lembra Farani, não se refere a boas maneiras e suavidade no trato. A cordialidade é antes uma mistura do público com o privado, com uma ênfase exagerada nos sentimentos e afetos nas relações sociais e na organização social. Como bem lembrou Meira Penna, a sociedade brasileira é muito mais uma sociedade erótica do que uma sociedade lógica, pautada pela racionalidade.
Na verdade, a constituição da identidade brasileira não é algo acabado, mas é permeada por um movimento dinâmico que continua até hoje pela contínua imigração das mais diversas etnias. Dando continuidade à entrada inicial dos portugueses, nos primeiros séculos após a descoberta, e de africanos pelo período da escravidão, em meados do século XIX começou uma maciça vinda de europeus. Essa migração facilitada pela coroa portuguesa normalmente é explicada em termos econômicos e de crise de fome na Europa. Entretanto pouca ênfase é dada a uma questão racial importante: o povo brasileiro era constituído na época por uma maioria maciça de negros e mestiços. Houve o movimento racista chamado de branqueamento da raça pelo brazilianist Thomas Skidmore e outros. Haveria uma preocupação entre os governantes com a ampla maioria de negros e mestiços na população brasileira. Somente a imigração europeia poderia compensar essa negritude dominante. Portanto, a sociedade brasileira foi racista desde seus inícios, quando somente uma minoria branca tinha acesso a estudos em universidades em Coimbra, continuou racista nesse período e até os dias de hoje.
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