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A comunicação que não vemos
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A comunicação que não vemos

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Este livro busca discriminar as dimensões da comunicação que interferem na constituição política das transformações sociais, com suas consequências. Destaca também a relação entre os procedimentos metodológicos de observação. A obra se divide em dois blocos de ensaios "à maneira de espelho", pois se retomam ou se remetem uns aos outros, apresentando dez ensaios, voltando-se, por um lado, ao estudo da dimensão epistemológica que a política revela para a comunicação enquanto área científica e, por outro, para a análise do exercício político que encontra, na cidade contemporânea, seu cenário mais adequado e sua interlocução mais própria e convergente. Esse trabalho poderá atrair a atenção e alimentar a reflexão de todos aqueles que se interessam pela dimensão cognitiva do exercício político e se manifesta na atividade profissional de comunicólogos, filósofos, sociólogos, historiadores, geógrafos, urbanistas/arquitetos e artistas.
LanguagePortuguês
Release dateJul 13, 2018
ISBN9788534948012
A comunicação que não vemos

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    A comunicação que não vemos - Lucrécia D'Alessio Ferrara

    Apresentação

    Acomunicação que não vemos é consequência de pesquisa desenvolvida com apoio do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (CNPq) , a quem agradecemos. Este trabalho dá continuidade ao estudo da cidade como laboratório de exercícios comunicativos e como cenário de manifestações políticas, que nela encontram ambiente adequado ao debate e ao desafio da procura dos interesses coletivos.

    Observando essa continuidade, a pesquisa denominada Por uma Epistemologia Política da Comunicação retoma e desenvolve alguns conceitos estudados em Comunicação, Mediações, Interações (2015) e os entende como elementos vitais para a investigação do debate político que se desenvolve na cidade. Observando, mas indo além do conflito que se observa entre mediação e interação, aparentemente considerados e aceitos como conceitos sinônimos, estuda-se, agora, a natureza política da comunicação como área científica, a fim de saber até que ponto a comunicação pode superar a dimensão linear da simples transmissão ou os dispositivos midiáticos que a transformam em dispositivo de poder, para ser sensível às transformações sociais que dão origem a distintos ambientes políticos e suas decorrências conceituais. Desse modo, a pesquisa tem como objeto delinear as dimensões epistemológicas que se voltam para as matrizes políticas da própria comunicação e a redefinem enquanto essência e consequência, inserindo, na sua epistemologia, outras esferas de estudo e investigação.

    Ao discriminar as dimensões da comunicação que interferem na própria constituição política das transformações sociais, a pesquisa procurou apreender suas consequências a fim de verificar as relações que se estabelecem entre a epistemologia e o objeto científico da comunicação, na definição da sua prática empírica; estudar limites e fronteiras ambivalentes da comunicação como território científico que se dispersa entre políticas midiáticas, e aquelas que constroem alternativas de valores e comportamentos; avaliar, naquela ambivalência, a possibilidade de rever a definição da comunicação como área científica.

    Da relação entre esses procedimentos metodológicos de observação, destaca-se a relevância da pesquisa voltada para a possibilidade de construção de uma epistemologia que supera a comunicação midiática, para atingir a complexidade e as consequências do comunicar.

    A matriz política da comunicação transforma a própria natureza da cidade ao possibilitar a criação de outros atores sociais, prontos a transformarem-se em personagens da própria dimensão histórica da cidade. Nessa história, redesenham-se não só o papel social da cidade, mas a atenção da comunicação para aquele papel que a afasta do espetacular poder de sedução dos dispositivos midiáticos e lhe permite atingir o comunicar, que, em princípio, disperso, efêmero e invisível, se redefine na rede de processos interativos metacontextuais presentes na descoberta da ação política que possibilita superar as instâncias do sujeito, para que o indivíduo da modernidade se redescubra nos domínios do coletivo.

    Como consequência, constata-se que a comunicação não faz uso da política nem está a serviço das suas estratégias e dispositivos, mas pode propor-se à construção política, quando se permite rever seu objeto científico e exercício pragmático, elementos constitutivos da epistemologia, que define a comunicação como ciência. Ou seja, a cidade é protagonista da ação, que, por meio do comunicar, permite que se reconheça como a política se revela em valores e comportamentos sociais, ao mesmo tempo que propõe o reconhecimento de apelos sensíveis, que, muito mais do que simplesmente visuais, ocorrem através de impactos mais próximos e íntimos ao volume dos corpos coletivos, na clivagem de escolhas e ações.

    A cidade nos faz políticos e nos ensina outro modo de produzir conhecimento que, mediante escolhas conceituais, metodológicas e empíricas, revela como pensamos e produzimos conhecimento. Somos políticos ao viver na cidade e, por ela inspirados, produzimos inferências políticas que revelam nosso modo de conhecer. A cidade contemporânea é autora da sua política e das evidências que impõe à consideração cognitiva. Desse modo, o foco pesquisado não pretendeu desenvolver explicações daquela dimensão política, ao contrário, procurou comparar as dimensões políticas que podem estar presentes no ambiente da cidade e permitem entender o modo como estudamos a comunicação, ou como nos adaptamos às suas limitações vinculadas a efeitos espetaculares e midiáticos.

    A dimensão política da comunicação como área de conhecimento leva à superação da polaridade de conceitos em oposição, que constroem um conhecimento conceitual e metodologicamente ordenado, para permitir a revisão dos limites do conhecimento como polaridades e redescoberta da dinâmica das diferenças, que, ao aproximarem diversas áreas de conhecimento, ressoam entre seus paradigmas teóricos e conceituais. Nessa dinâmica, a comunicação não se descobre como área interdisciplinar, mas se manifesta como antidisciplinar e, assim, se coloca no horizonte mais otimista da ciência contemporânea.

    Dividido em dois blocos de ensaios especulares, porque se retomam ou se remetem uns aos outros, o livro apresenta dez ensaios que se voltam, de um lado, para o estudo da dimensão epistemológica que a política revela para a comunicação como área científica e, de outro, para a análise do exercício político que encontra, na cidade contemporânea, seu cenário mais adequado e sua interlocução mais própria e convergente. Entre a política e a cidade, a comunicação constrói outras bases cognitivas e abre outros cenários para a ciência da atualidade.

    Ao primeiro bloco, pertencem os ensaios denominados: Comunicação: ser ou não ser; Os nomes na arqueologia da comunicação; Dos lugares situados às lugaridades midiatizadas; Os simulacros da simulação. No segundo bloco, registram-se: Comunicação – retórica – epistemologia; A epistemologia política da comunicação; A midiatização da esfera pública; A cidade da multidão; A voz obscura das ruas.

    Este trabalho poderá atrair a atenção e alimentar a reflexão de todos aqueles que se interessam pela dimensão cognitiva do exercício político, que se manifesta na atividade profissional de comunicólogos, filósofos, sociólogos, historiadores, geógrafos, urbanistas/arquitetos e artistas.

    Capítulo 1

    Comunicação: ser ou não ser

    "O que comunica a língua? Ela comunica a essência espiritual que lhe corresponde. É fundamental saber que essa essência espiritual se comunica na língua e não através da língua" (Benjamin, 2011: 52).

    1. A ideia de comunicação

    Oque é comunicável na comunicação? A resposta a essa pergunta, exageradamente simples, tem sido motivo de muitos debates nas últimas décadas do século XX até os dias atuais com o advento, sobretudo, das novas tecnologias da informação. Se a questão é quase óbvia de tão simples, por que dá origem a debates frequentes que não encontram uma base aceitável de resposta? A dificuldade estaria na pergunta ou no modo como podemos entendê-la? A raiz da questão poderá estar naquilo que Benjamin chamou de essência espiritual ao se referir ao verbal? Como comunica a comunicação? Poderíamos responder que ela comunica um modo de vida que, na atualidade, se confunde com aquilo que tem sido chamado bios midiático e, nesse sentido, a comunicação seria simples transporte de um modo de vida. Confundimos a experiência de vida propiciada pela comunicação com sua própria essência e, nesse sentido, bios midiático seria outro nome para a comunicação contemporânea? Os homens estariam sujeitos a um jeito de ser que se confunde com o modo como se comunicam?

    As possíveis respostas exigem, conforme Benjamin, procurar a essência espiritual da comunicação. Entretanto, o conceito de comunicação é confuso e ambíguo ou talvez nos tenhamos acostumado com o sentido de uma prática que, cotidiana e invasiva de todos os espaços, se tornou habitual e sem definição que a conceitue. A atual tecnologia da informação transformou ou confundiu a comunicação com os dispositivos tecnológicos que invadiram os lares e instituições através de consequências que, sem percebermos, tomaram conta de valores, comportamentos e práticas habituais, midiatizando-nos. Enquanto hábito, a comunicação supõe um modo de ser refratário a qualquer possibilidade conceitual. Já não sabemos o que é comunicação ou o que a define como área de estudo. Temos uma ideia de comunicação, mas não conhecemos sua definição.

    Se no início das tecnologias que sustentaram a imprensa como meio comunicativo, era possível entender, como sua consequência fundamental, a possibilidade de, diretamente, democratizar a informação e, indiretamente, patrocinar o acesso de todos àquele saber que, até então, era privilégio de poucos; depois da Primeira e, sobretudo, durante a Segunda Grande Guerra, a comunicação se transformou em instrumento adequado à divulgação de valores e ações que mal encobriam interesses políticos hegemônicos. A comunicação era um instrumento a serviço de interesses de poder, e seus meios técnicos se ampliaram e se diversificaram.

    Com o final da Segunda Guerra, compreender a comunicação como uma consequência natural dos meios técnicos levou à impossibilidade de pensar sobre suas causas e ela surgia natural porque, através dos meios, tudo era passível de comunicação, até mesmo a ausência imediata de um agente emissor. Com as tecnologias digitais, a informação está ao alcance de todos e a comunicação perdeu, parece, definitivamente sua possibilidade de ser independente dos dispositivos técnicos que a sustentam. Engolida pela tecnologia, a comunicação se confunde com ela e já não sabemos em que consiste comunicar. Estamos ante uma realidade que surge definitiva na concepção radical que supera o homem, porque a comunicação se dá, espontaneamente, através da máquina, que já não necessita saber quem a inventa ou a instrumentaliza. A comunicação é maquínica e inteligente por si mesma, e o homem atingiu o ápice da sua possibilidade de ser humano; agora, é pós-humano. Essa percepção surge como asserção, ameaça ou desafio?

    2. A comunicação além do homem

    A epígrafe de Benjamin nos leva a refletir que, para proteger o homem e sua capacidade de pensar, fez-se a linguagem e, além dela, a comunicação, a quem caberia resguardar aquela capacidade e patrocinar a multiplicação do homem como capacidade pensante. Desse modo, a comunicação pensa a linguagem e protege o homem, mas não parece elucidar em que consiste essa proteção. Entretanto, ela se apoia em, pelo menos, três distintas premissas que constituem obstáculos à construção de uma epistemologia da comunicação, que seja capaz de definir o que é comunicação. Analisemos essas premissas.

    A.

    Em inúmeras conferências e artigos, Benjamin se ocupa da questão da linguagem e se debate entre o caráter expressivo e aquele comunicativo, que parecem garantir a possibilidade de definir a linguagem. Entretanto, o texto de juventude, produzido em 1916 e do qual se extraiu a epígrafe a este trabalho, parece evidenciar uma tensão permanente para as tentativas, sempre parciais, de definir a linguagem. Essa dificuldade parece dar origem a uma indecidibilidade da linguagem que a faz se confundir, de um lado, com aquilo para que ela serve e, de outro, com sua essência espiritual, que também conserva paralela indefinição.

    Entretanto, no texto em questão, Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem, o autor procura um caminho metafísico para definir aquela essência que estaria definitivamente relacionada com a capacidade de nomear ou atribuir nomes às coisas que distinguiria o ser humano, entre todas as demais espécies vivas, orgânicas ou inorgânicas. O espiritual do homem não é outro senão sua capacidade de usar a linguagem, cuja essência estaria na capacidade e direito de nomear. Mas, enquanto linguagem, o que é um nome? Seria a capacidade de, distinguindo por meio do nome, ser capaz de produzir conhecimento? Portanto, o nome se confundiria com a própria condição epistemológica do homem de produzir conhecimento. O nome é uma inferência em comunicação?

    Dessa forma, a anterior indecidibilidade pode tornar-se ainda mais radical, salvo se entendermos que a linguagem é a comunicação que distingue o homem. É, antes de tudo, um meio. Porém, no mesmo texto, encontra-se uma nota que chama a atenção para dois sentidos subjacentes ao meio: de um lado, o meio (do alemão mittel) estaria a serviço de uma função e desempenharia um papel, no mínimo, instrumental, o segundo designaria o próprio meio material da comunicação ou o modo como ela atua:

    O homem é aquele que nomeia, nisso reconhecemos que por sua boca fala a pura língua. Toda natureza, desde que se comunica, se comunica na língua, portanto, em última instância, no homem. Por isso, ele é o senhor da natureza e pode nomear as coisas. É somente através da essência linguística das coisas que ele, a partir de si mesmo, alcança o conhecimento delas – no nome. A criação divina completa-se no momento em que as coisas recebem seu nome do homem, a partir de quem, no nome, somente a língua fala. Pode-se designar o nome como a língua da língua, a linguagem da linguagem desde que o genitivo não designe uma relação de meio (Mittel), mas de meio (Medium) e, nesse sentido com certeza, porque ele fala no nome, o homem é o falante da linguagem –, e por isso mesmo, seu único falante (Benjamin, 2013: 56).

    Reencontramo-nos com o litígio inicial: a comunicação ou o nome das coisas que retém o espaço da linguagem teriam uma essência própria, ou seriam instrumentos voltados para a consecução de um fim? O homem se comunica porque a ele cabe nomear as coisas ou se torna um instrumento comunicante que desloca sua capacidade de nomear, para ser um instrumento transmissivo que nada nomeia, mas tudo determina?

    De um lado, a comunicação como instrumento seria utilitária e a serviço de interesses exógenos à sua essência, de outro, seria nomeação do mundo, mas indecidível enquanto definição imediata, pois só seria apreensível através do modo de nomear que se comunica de modo indeterminado, mas essencial.

    B.

    Em outro texto antológico, Benjamin dá, de certa forma, continuidade à reflexão anterior, refiro-me ao texto A doutrina das semelhanças, que, divulgado em 1933, constitui base teórica fundamental para uma epistemologia da comunicação. A primeira frase do artigo é esclarecedora:

    Um olhar lançado à esfera do semelhante é de importância fundamental para a compreensão de grandes setores do saber oculto. Porém esse olhar deve consistir menos no registro de semelhanças encontradas que na reprodução dos processos que engendram tais semelhanças (Benjamin, 1985: 108).

    A citação é clara: registram-se semelhanças ou produzem-se construções de semelhanças. No primeiro caso – e diretamente relacionado à capacidade desenvolvida pelo advento da fotografia como registro básico da reprodutibilidade técnica –, a semelhança seria uma constatação com absoluta fidelidade à realidade que lhe é referência. O registro do

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