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Filosofia e arte
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Filosofia e arte

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Na coleção de ensaios Filosofia e arte, o leitor irá encontrar muitos novos sabores em meio a várias misturas bastante originais: Aristóteles com MPB, Moby Dick com Gauguin, literatura com cinema, música com artes plásticas...
Rosana Suarez é daquelas pensadoras criativas, que não se furta a trazer a coloquialidade para a filosofia, traçando novas tramas e costuras entre as obras de diversos filósofos, escritores e compositores, abrindo caminhos para o entendimento (e a fruição) da poesia, da linguagem e de tudo que há por trás e em torno da criação artística.
Partindo de um recorte que privilegia especialmente as décadas de 1960 a 1980, com toda a riqueza de referências culturais nelas contidas – e que reverberam até hoje intensamente –, a autora nos leva a uma espécie de viagem em direção ao outro, e a todas as descobertas ali presentes, ou ali ocultas (pela via mais poética, do que vai além do pensamento ou da linguagem): nossa mais (im)perfeita tradução.
LanguagePortuguês
Publisher7Letras
Release dateFeb 4, 2019
ISBN9788542107333
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    Filosofia e arte - Rosana Suarez

    poesia

    Agradecimentos

    Este livro é um agradecimento aos meus alunos, alguns tão jovens a ponto de sequer sonhar ter nascido nas décadas em que se passa a maior parte das referências culturais aqui abordadas.

    Sou grata a meus colegas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que me têm ensinado a prestar atenção ao aqui – Rio de Janeiro, Brasil – e agora, à contemporaneidade recente; assim como a pensar a filosofia de maneira mais coloquial.

    Agradeço, em memória, a Francisco Suarez, físico teórico por vocação, alma e nome de filósofo, meu tio querido. Com ele, pude conviver até a década de 1970; em especial nos anos 1960, quando morávamos na interessante São Paulo, capital. Ele tinha amigos em todas as áreas, e com eles a família toda debatia – na casa de minha jovial avó Aninha, no bairro de Perdizes – política, artes, ciências, cultura, em geral. Eu era menina, antes mesmo dos dez anos, mas – ao lado de Arlene, minha irmã – registrava muita .coisa. Obrigada, Chico!

    Agradeço sempre a Roberto Machado pela tão generosa atenção a meu trabalho.

    Sou muito grata à colaboração imprescindível de Fátima Saadi, Gloria Leal e Carla Paes Leme; Carla Guagliardi, José Veras e Marcelo Marques.

    Finalmente, mas não menos importante, agradeço a Luiz Eduardo Bicca, que, recentemente, incentivou-me a trabalhar sobre filosofia e poesia.

    Apresentação

    Estes ensaios contêm algumas diretrizes fundamentais.

    As diretrizes relacionam-se a meu trabalho em pensamento contemporâneo, sobretudo à fatia da contemporaneidade compreendida entre as décadas de 1960 a 1980. Pareceu-me justo privilegiar esse recorte por tê-lo vivido intensamente, e por ele ser muito rico em referências culturais que repercutem até hoje.

    Além disso, há algum tempo investigo um determinado conceito de cultura que, proveniente do pensamento romântico, valoriza a descoberta do Outro – o estranho, o estrangeiro, o diferente –, esteja ele próximo ou distante. Descoberta que envolve as viagens, o esforço das traduções e o sentimento de incompletude, resumido na epígrafe deste livro.

    A arte – e, em especial, a poesia – é um bom médium para captar essas dimensões da experiência humana; portanto, ela encontra sem esforço um lugar nestes ensaios.

    Quis escrever da maneira mais leve (e mesmo breve) possível; embora sem comprometer a parcela de invenção existente, porventura, nos ensaios.

    Em suma, espero que a leitura lhes seja prazerosa e útil!

    Fragmentos de viagem:

    a diferença e a colcha de retalhos

    A colcha era de retalhos, um conjunto de pequenos quadrados e triângulos originais e multicoloridos e o braço tatuado, com o desenho representando um interminável labirinto de Creta – o braço, pois, como ia dizendo, podia ser tomado por uma nesga da mesma colcha de retalhos.

    HERMANN MELVILLE, Moby Dick

    Chamai-me Ismael. Assim se apresenta o narrador de Moby Dick ou A Baleia (Moby Dick or The Whale), obra publicada pelo escritor Hermann Melville em 1851. É através de Ismael que tomamos conhecimento da caçada à gigante-branca por Ahab, comandante do navio Pequod e dono de perna artificial moldada em osso de baleia. Ferido o comandante, ferida a baleia. Mil vezes perseguida e arpoada, ela extravasa sofrimento e tende a investir contra o seu principal malfeitor, o amputado e humilhado Ahab – porque Moby escapa mil e uma vezes, e a caçada continua.¹

    O som aflitivo dos passos de Ahab no convés do Pequod – revestido de furos especiais para o encaixe da perna rígida – só se ouve, porém, com a história bem desenvolvida. Até lá o comandante permanece recluso no camarote. Somente a sua ausente presença e a de Moby assombram o início do romance, seção dedicada a Ismael e às andanças que antecipam o seu embarque no baleeiro. Privilegiarei essa dimensão da obra – densa e plural em sua forma de conteúdo e de exposição – na construção do tema que interessa ao presente ensaio: a descoberta do Outro, do estrangeiro, da diferença. Nessa linha temática, introduzirei um relato de viagem autobiográfico num sentido mais estrito do termo: Noa Noa, sobre a estadia do artista francês Paul Gauguin nas ilhas do Pacífico, no arquipélago do Taiti.

    Assinalo que, embora a luta entre o capitão e a baleia seja sem tréguas, o gênio de Melville projetou, em Moby Dick, outro plano, um contraplano, em que a diferença engendra amizade e humor, até mesmo amor – em vez de horror. Acontece entre personagens que não exibem a grandeza simbólica de um Ahab, muito menos a da baleia-branca; embora um deles ganhe destaque como o próprio narrador da história: Ismael, o marinheiro.

    Viajantes tornam-se homens comuns. Abandonam as suas posições para encontrar a vida em condições diferentes, às vezes muito diversas daquelas que conheciam. Moby Dick e Noa Noa são clássicos no tema da convivência possível com a diferença, no que pese o caráter extremado dos abismos culturais e existenciais que descrevem e apesar dos diferentes estilos dos seus autores. Não obstante, as obras mantêm vivo o confronto – aparentemente sem solução – entre Ahab e a baleia, como se fosse o ponto zero das suas narrativas.

    ISMAEL

    O humor de Ismael transparece desde a apresentação, nada cerimoniosa. Ele é – como já foi dito pelo compositor brasileiro Caetano Veloso – um homem comum, qualquer um; sem lenço e sem documento, sem sobrenome. Ismael revela apenas ter sido professor de escola rural, inspirando respeito aos meninos mais crescidos.² O que o destaca da maioria é a sua receita para a pobreza e o mal-estar: embarcar, não como um passageiro de cruzeiro de luxo. A cura de Ismael é viajar como simples marinheiro. Consciente disso, ele tece elogios à parte aquosa do mundo:

    Aí tendes a vossa cidade insular de Manhattan, rodeada de cais. Observai a multidão que contempla ali a água. Que vedes? Plantados como sentinelas silenciosas por toda a cidade, milhares e milhares de mortais permanecem imóveis, perdidos em meditações sobre o mar. São todos homens de terra; durante a semana, encerrados entre sarrafos e argamassa; amarrados a balcões, presos em bancos, enganchados em escritórios. Como se explica isso? O que faz aqui essa gente? Ilhéus todos! Deixai que o homem mais distraído do mundo mergulhe no mais profundo sonho. Ponde-o de pé, dai-lhe um impulso nas pernas e estas o conduzirão infalivelmente

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