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Sabino Gentili: A poesia é de quem a lê
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Sabino Gentili: A poesia é de quem a lê

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O presente livro é a compilação dos artigos escritos pelo padre Sabino Gentili, no jornal "Fala, Mãe Luiza", até o ano de 2006, quando faleceu, então, com 61 anos incompletos. Os textos, recuperados do seu computador pessoal, não estão datados, nem no texto original e nem no próprio computador, tendo sido provavelmente salvos por ele, em conjunto, a partir de outra fonte. Esta "limitação" temporal agrega algo que fala por si mesmo: os textos de Sabino não precisam de tempo cronológico para serem compreendidos e fazem parte desse acervo imortal que tem o que dizer independentemente da época e do lugar. Em vez de trazer limitações reais, o fato de não poderem ser datados tornou ainda mais clara a sua relevância. Padre Sabino Gentili foi o homem que veio da Itália para o Brasil para ser o diretor de uma escola tradicional de Natal e que terminou os seus dias como vigário paroquial de um bairro dos mais pobres da cidade. Possuidor de cultura universal, o padre Sabino, que falava sete idiomas com excelência, era um leitor incansável de teologia de todas as religiões, sendo, por isso, comumente procurado por religiosos católicos e não católicos para a discussão de problemas difíceis com os quais estavam confrontados na relação com os seus fiéise comunidades. Padre Sabino Gentili era tido por essa comunidade de amigos religiosos não apenas como um padre católico, mas como um homem de Deus, no qual todos confiavam e com quem se sentiam em casa.
LanguagePortuguês
Release dateFeb 18, 2019
ISBN9788579175466
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    Sabino Gentili - Sabino Gentili

    316.74:2

    Apresentação

    O presente livro é a compilação dos artigos escritos pelo padre Sabino Gentili, no jornal Fala, Mãe Luiza, até o ano de 2006, quando faleceu, então, com 61 anos incompletos.

    Os textos, recuperados do seu computador pessoal, não estão datados, nem no texto original e nem no próprio computador, tendo sido provavelmente salvos por ele, em conjunto, a partir de outra fonte.

    Esta limitação temporal agrega algo que fala por si mesmo: os textos de Sabino não precisam de tempo cronológico para serem compreendidos e fazem parte desse acervo imortal que tem o que dizer independentemente da época e do lugar. Em vez de trazer limitações reais, o fato de não poderem ser datados tornou ainda mais clara a sua relevância.

    Classificamos os artigos, por isso, por grandes temas, embora haja diversos artigos que poderiam estar classificados de forma diversa, por tratar ao mesmo tempo de temas que abrangem mais de uma categoria. Fica, portanto, o leitor livre para ler o livro na ordem que achar melhor.

    O jornal Fala, Mãe Luiza, fundado pelo próprio padre Sabino Gentili, nasceu para ser o meio pelo qual a comunidade de Mãe Luiza, uma das mais pobres de Natal, poderia ter voz, exprimir-se e conhecer-se. Era (e é) também o veículo do Centro Sócio Pastoral Nossa Senhora da Conceição, instituição igualmente fundada por ele, cujo propósito, segundo suas próprias palavras, era o de emprestar a autoridade e a credibilidade da Igreja a uma base institucional que pudesse representar a comunidade em suas lutas por mais vida.

    Finalmente, o padre Sabino Gentili foi o homem que veio da Itália para o Brasil para ser o diretor de uma escola tradicional de Natal, o Colégio Salesiano São José, e que terminou os seus dias como vigário paroquial de um bairro dos mais pobres da cidade. Possuidor de cultura universal, o padre Sabino falava além do italiano – sua língua materna –, o português, o alemão, o francês, o espanhol, o inglês e o latim, todas em nível de excelência. Leitor incansável de teologia de todas as religiões, do judaísmo ao budismo, passando pelas de matriz africana, era comumente procurado por religiosos católicos e não católicos para a discussão de problemas difíceis aos quais estavam confrontados na relação com os seus fiéis e comunidades. Por isso, era tido por essa comunidade de amigos religiosos, não apenas como um padre católico, mas como um homem de Deus, no qual todos confiavam e com quem se sentiam em casa.

    Apesar de detentor de muito sólida cultura universal, o padre Sabino Gentili era também um apaixonado pela cultura popular e pela literatura. Sabia das novelas e dos livros mais lidos e, de forma impressionante, emitia opiniões de conhecedor. Ninguém sabia como podia encontrar tempo para tanto, pois, além da sua vida religiosa, cuidava pessoalmente de tudo o que tocava ao Centro Sócio Pastoral N. S. da Conceição, então, dotado de duas escolas e de uma casa de longa permanência de idosos.

    Morreu em julho de 2006, vítima de uma insuficiência cardíaca que já o acompanhava há alguns anos. A doença, como sabemos, decorre de algo que não foi surpresa para ninguém: tinha o coração grande demais.

    Os artigos que seguem são a obra deste homem raro e simples, grande e humilde, universal e popular, forte e doce, religioso e laico, europeu e brasileiro, e devem, por isso, ser lidos com a atenção que merecem as coisas que podem ser interpretadas em vários níveis e que não pertencem ao tempo cronológico.

    O nome do livro é o do primeiro artigo: A poesia é de quem a lê. Poderia ser o nome de qualquer outro artigo, mas este, particularmente, revela uma verdade à qual o padre Sabino Gentili sempre foi fiel: a centralidade da pessoa. É também uma chave de leitura para o próprio livro, pois, de fato, ele pertencerá a quem o ler.

    Boa leitura,

    Ion de Andrade

    Prefácio

    Uma das lembranças marcantes que tenho de Pe. Sabino Gentili é que um dos meus primeiros contatos com ele configu-rou-se em um ato de desobediência. Minha. Incentivado por ele.

    Recém-chegado à Mãe Luiza, ele participou de uma romaria organizada por minha madrinha ao Monte do Galo, em Carnaúba dos Dantas-RN. Era o ano de 1981. Chegando lá, minha irmã, já adulta, deixou-me tomando conta das bagagens – eu, com oito anos de idade! – e foi dar um giro pelas redonde-zas. Sabino ia passando e viu-me sozinha. Tomou-me pela mão e convidou-me a um passeio. Disse-lhe que não podia, pois minha irmã pedira para eu ficar ali, olhando as coisas. E ele retrucou: Não, ninguém vai mexer nas coisas... Além do mais, você não iria poder fazer nada... E eu, sentindo-me segura, respaldada por um padre, segurei sua mão e saímos a passear. Ele sentou-se comigo nos degraus da capela, no alto do monte e mostrou-me a paisagem, como era bela. Perguntou sobre minha vida – estudo, leitura, pai, mãe, irmãos – numa conversa mediada vez ou outra para me chamar a atenção para um pássaro que voava, para uma serra vistosa ou para a forma de uma nuvem. Retornamos quando o grupo se reorganizava para uma atividade e recebi da minha irmã uma bronca por ter saído. Nem liguei. Feliz da vida por ter passeado com o padre, visto a paisagem e ter me sentido gente, porque alguém – e importante – tinha dado tanta atenção à conversa de uma criança.

    Começou, daí, minha crescente admiração pela figura de Sabino. E uma relação de cumplicidade que se foi forjando como filha e pai e vice-versa. Sempre envolvida desde criança com as diversas atividades da Igreja, especialmente as culturais, até adolescer e ficar adulta nas pastorais populares e movimentos sociais, Sabino fez-se presente, orientando-me, discutindo questões da escola, da universidade, ouvindo minhas angústias várias, ajudando-me a refletir sobre minhas inquietações relativas ao meu contexto pessoal, social, político, profissional, cultural, intelectual.

    Sabino era assim. Disponível sempre a ouvir o outro – da criança ao idoso, do bem resolvido ao que estava à margem. Tendo este sempre sua atenção especial. Não foi à toa que uma revista católica italiana, a Frontiera, em reportagem sobre ele quando do seu falecimento, em 2006, caracterizou-o como o padre de dois mundos. E essa imagem diz muito.

    Nascido em 13 de julho de 1945, filho de Gustavo e Anita Gentili, em Castel di Tora, um pequeno burgo medieval situado em uma montanha e rodeado por um lago, na província de Rieti, próximo a Roma, na Itália, Sabino, aos 11 anos, foi levado para longe de sua família para continuar seus estudos com os Salesianos, em Roma, custeados pela própria congregação. O padre, seu professor em Castel di Tora, viu naquele menino uma inteligência rara e pediu a seus pais que o deixassem continuar os estudos. Sabe-se que Dona Anita, mesmo o permitindo, sempre reclamava não poder estar cuidando do seu filho pela distância que os separava.

    Mas, no fundo, D. Anita devia saber que perdia a presença física de seu filho para muitas Anitas e muitos Gustavos por aí espalhados o ganharem como presente e graça em suas vidas. E assim se fez. Sabino construiu a ponte com o ainda existente Terceiro Mundo, encravando-se em um bairro periférico da cidade de Natal, até bem parecido (geograficamente) com seu lugar de origem: uma comunidade situada em cima de um morro, rodeada por mar e mata. Mas ostentando índices altos de analfabetismo, mortalidade infantil e vulnerabilidades de toda ordem.

    Embora formado sacerdote na Europa, veio para o Brasil já nos anos 60, ainda como estudante. Para aprender a língua, instalou-se em Jaboatão-PE, em 1964, e para cursar Filosofia, foi para São João Del-Rei-MG, entre 1965 e 1968. Ordenado sacerdote em 1973, veio para Natal no ano seguinte, para o Colégio Salesiano, como Coordenador de Pastoral. Assumiu, depois, a direção do colégio, que atendia às classes média e alta de Natal. Entretanto, também atuando na organização da juventude e dos trabalhadores para além dos muros do Salesiano, tornou-se o ícone da Teologia da Libertação no Rio Grande do Norte. Suas inquietações – pessoais, ideológicas, intelectuais –, entretanto, levaram-no a desligar-se da Congregação Salesiana, em 1978. Como o próprio Pe. Sabino registrou: Lá dentro algo me dizia que talvez minha atuação devesse acontecer não somente num espaço religioso. Acre-dito que a verdadeira fé leva as pessoas a tomar conta um do outro. Imaginei que a proposta pastoral devesse levar a uma ação e reflexão sobre as questões concretas do cotidiano do bairro: crianças, famílias, idosos, lixo, saúde, educação.

    E foi assim que, nos anos 80, agora como padre diocesano, escolheu morar em Mãe Luiza, onde foi protagonista de uma ação pastoral, social e educativa mediada pelas ideias de liberdade, autonomia e emancipação das pessoas, com vistas a fazê-las sair de seus contextos de opressão, exclusão, sofrimento: Escola Espaço Livre, Casa Crescer, Projeto Amigos da Comunidade, Centro de Convivência de Idosos Espaço Solidário, cursos de profissionalização, de idiomas, biblioteca, cursinho pré-vestibular, mutirões, processos organizativos de lutas comunitárias para efetivação de seus direitos... Também estabeleceu a ponte de volta ao Velho Mundo ao concretizar as parcerias que provocaram as pessoas de países mais resolvidos financeiramente, como Alemanha, Suíça e Itália, a apostarem na solidariedade e na organização para ajudar os menos favorecidos.

    O Pe. Sabino Gentili permaneceu em Mãe Luiza até 2006, quando fez a viagem que definitivamente devolveu-o ao seu chão de origem, à sua mãe Anita e ao seu pai Gustavo. Perma-nece junto deles, no cemitério de sua cidade natal.

    Mas sua memória impõe-se com força, como aquele que se fez Homem no chão das favelas e no contato com gente sofrida. Como aquele que, conforme registrei numa crônica em homenagem aos seus 60 anos, seguiu único, cabeça a prumo, liberto das vaidades, dos carreirismos, das ordenações convenientes. Porque seus pais, Castel di Tora e Mãe Luiza, ensinaram-lhe o que é ser grande num mundo de futilidades e ignorância.

    Aparecida Fernandes

    Professora de Língua Portuguesa e Literatura do IFRN

    I COMUNIDADE, FÉ E POLÍTICA

    A poesia é de quem a lê

    A poesia é de quem a lê e não de quem a escreve

    As comemorações e seus sentidos

    Desde quando vim desenvolver minha atividade pastoral em Mãe Luiza, venho observando como as pessoas vivenciam os acontecimentos e até as festividades.

    Na Semana Santa, por exemplo, há comemoração do sábado santo – dia oficial em que os cristãos meditam sobre a morte de Jesus de Nazaré. O sábado santo termina à noite, com o aleluia da proclamação da ressurreição de Cristo. Outros, porém, se apropriam da festividade – que é feriado – e transformam o sábado santo em sábado de aleluia – passam a comemorá-lo regado à birita e afins.

    Não estou escandalizado porque alguém toma cachaça na Semana Santa. Estou simplesmente realçando o processo de transformação e de re-significação da comemoração, que passa a ter, no caso, para

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