Somos Todos Primatas. E o Que a Antropologia Tem a Ver Com Isso?
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Para analisar as possíveis respostas a essa pergunta, o texto segue uma lógica que apresenta e explora diversas facetas dessa questão em cinco capítulos. O Capítulo 1, "Por uma antropologia das relações entre humanos e outros animais", analisa as possibilidades, limites e armadilhas decorrentes ou inerentes aos estudos sobre as relações entre humanos e outros animais, considerando eventuais contribuições vindas da adoção de um ponto de vista antropológico.
O Capítulo 2, "Sobre semelhanças e alteridades: a cultura é realmente relevante?" trata de alguns dos problemas centrais relacionados à atribuição de cultura a humanos e outros animais. Para isso, apresenta o cenário das pesquisas sobre comportamento de animais, particularmente os chimpanzés, construído nos últimos 50 anos, assim como analisa algumas das razões pelas quais o conhecimento sobre outros animais torna-se cada vez mais relevante para a antropologia sociocultural. Ao fazer isso, assenta-se em uma reflexão histórica sobre como o conhecimento acerca de seres complexos e desconhecidos, humanos ou não, foi sendo elaborado tanto na antropologia quanto na primatologia entre os séculos XX e XXI.
O Capítulo 3, que recebeu o enigmático título "Nós, quem?", oferece uma análise de certos momentos críticos da história evolutiva recente da linhagem primata. A intenção é discutir alguns fatores relacionados à história evolutiva que promoveram o surgimento dos chamados humanos comportamentalmente modernos e dos chimpanzés contemporâneos. A intenção é partir de modelos comparativos e teorias disponíveis para pensar sobre uma questão central: o fato de humanos e chimpanzés serem seres profundamente sociais nos torna um único grupo, um coletivo que pode ser chamado de Nós?
O Capítulo 4, intitulado "Ética interespécies", explora contextos e consequências das descobertas recentes sobre os não humanos, bem como das relações interespécies e, principalmente, da modificação dos parâmetros que definem nossos lugares no mundo. Por fim, o Capítulo 5 nem é bem um capítulo. São reflexões, à guisa de Considerações Finais, que pretendem abrir possibilidades para convidar os leitores a continuar pensando sobre o assunto.
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Somos Todos Primatas. E o Que a Antropologia Tem a Ver Com Isso? - Eliane Sebeika Rapchan
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Este livro é para a Sofia e para o Alexandre porque sabemos que seguiremos vivos,
de algum modo, por meio de boas histórias, da arte e do amor.
AGRADECIMENTOS
A acolhida que recebi de Walter Alves Neves no LEEEH-USP, entre 2010 e 2012, durante meu estágio pós-doutoral, ofereceu as condições necessárias para tornar concretos os projetos nos quais tenho me envolvido desde 2000. Este livro também nasceu ali. Desde então, conto com ele para concretizar uma parceria rica, para ouvir perguntas inteligentes e para reconhecer e recusar obviedades. Sua generosidade intelectual e sua lucidez me orientam e me acompanham sempre.
Rui Sérgio Sereni Murrieta nunca deixa de oferecer abordagens plurais e pontos de vista sofisticados advindos de seu interesse inesgotável tanto pelas ciências biológicas quanto pelas ciências sociais. Sua erudição firmemente articulada à sua sensibilidade e amizade me ajudam a ter confiança em meus projetos transversais.
Tim Ingold me inspira por sua coragem de admitir fenômenos e fazer perguntas que podem abalar profundamente arranjos estáveis e consagrados do conhecimento através do convite para pensar com ele e não a partir dele.
César Ades (in memoriam) foi uma dessas pessoas que preenchem lugares onde a produção de conhecimento demanda entusiasmo, sabedoria, capacidade para compartilhar e reciprocidade. Sua ausência nos faz muita falta.
Patrícia Izar sempre contribuiu com tudo o que lhe solicitei comentando meus artigos, oferecendo referências que eu desconhecia e generosamente me aceitando como etnógrafa nas áreas de pesquisa onde coordena projetos de primatologia como o EthoCebus e o Parque Estadual Carlos Botelho. William McGrew cuja determinação, interesse e energia intelectual são exemplos tanto para professores preocupados em formar o futuro quanto para pesquisadores genuinamente honestos e curiosos. Devo a ambos muito do que aprendi sobre primatologia.
Lux Böelitz Vidal será sempre minha mestra, aquela que me apresentou a antropologia por meio das belas entranhas das boas etnografias. Margarida Moura me ensinou a fazer etnografia e, portanto, ensinou-me também a estabelecer diálogos pertinentes com a teoria antropológica. Suely Kofes ofereceu-me muitos livros, ideias e caminhos para minha pesquisa de doutorado que calçaram minhas escolhas intelectuais heterodoxas com fundamentos clássicos, em certos tipos de arranjo tão potentes que, entendo, sempre podem ser experimentados.
Márcio D’Olne Campos apresentou-me autores da antropologia da ciência e da tecnologia que me permitiram enxergar novos objetos de pesquisa. Ricardo Waizbord fez indagações ao meu trabalho, pela perspectiva das ideias de Darwin, que nunca deixo de considerar.
Fagner Carniel, meu amigo e colega, é um interlocutor com quem sempre pude contar, tanto nas ousadias mais heterodoxas quanto nas reflexões mais cuidadosas e clássicas sobre as ciências sociais. A leitura rigorosa e entusiasmada que ele fez dos originais deste livro foi fundamental para os resultados a que cheguei.
Tanto os membros do LEEEH-USP (Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo) e do LAAAE-USP (Laboratório de Arqueologia e Antropologia Ambiental e Evolutiva da Universidade de São Paulo), em especial, André Strauss, Max Ernani, Pedro Da Glória e Rodrigo Oliveira quanto o pessoal do LAPA (Laboratório de Pesquisas em Antropologia) e do LEEH-UEM (Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade Estadual de Maringá), particularmente, Angela Mari Labatut, Elisa Munhoz Cazorla, Zuleika Bueno, Eliane Godoy, Eduardo Almeida, Rosemery Medeiros de Mello, Samuel Costa, Thomas Burneiko, Mateus Oka de Faria e Kauê Nogarotto partilharam comigo a curiosidade intelectual e o franco entusiasmo por ensinar e aprender sobre os temas que tanto nos afetam. Todas as pessoas que foram minhas alunas na UEM e, em particular, os alunos da disciplina Teorias Contemporâneas do Social
de 2017 do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PGC-UEM) foram interlocutores em leituras que subsidiaram várias passagens deste livro.
Os debatedores dos GTs da RAM (Reunião de Antropologia do Mercosul) e do REACT (Rede de Antropologia da Ciência e da Tecnologia) em especial Andréa Osório, Bernardo Lewgoy, Caetano Sordi, Celeste Medrano, Ciméa Bevilacqua, Felipe Vander Velden, Guilherme Sá, Luzimar Paulo Pereira e Martha Ramírez-Gálvez fizeram leituras agudas e interessadas dos meus papers e, em cada ocasião, ofereceram as dúvidas e as leituras que eu precisava perseguir naqueles momentos.
Minha mãe me estimulou a ter coragem, orgulho e determinação como mulher, como ser humano e como pessoa. Alexandre me ensinou que o amor é ideia e sentimento, apego e liberdade, independência e compromisso, sintonia e diferença. Esse amor está sempre comigo de todas as maneiras possíveis. Sofia, que me transformou de forma única, me faz entender a cada dia que a vida é uma história que tem corpo, se realiza em um certo grupo e em um lugar particular proporcionando aprendizado, consciência, sensações e reações.
Em conjunto, sou profundamente grata a cada uma dessas pessoas cujo convívio contribuiu de muitas maneiras com os resultados apresentados neste livro. Assumo, contudo, a responsabilidade sobre todos os deslizes, equívocos e incompletudes que o texto tem.
Prefácio
O encontro das sociedades ocidentais modernas com os grandes símios revolucionou a nossa maneira de pensar o humano. As qualidades que antes julgávamos exclusivas da nossa espécie, garantindo-nos um lugar privilegiado na ordem do mundo, têm caído por terra nos últimos 60 anos. O desconforto produzido pela grande proximidade filogenética e comportamental de chimpanzés, orangotangos, gorilas e bonobos aos humanos tem nos obrigado a repensar alguns dos nossos mais caros conceitos como, por exemplo, a cultura. É sobre esse grande tema que Eliane Rapchan debruça-se, nesta obra, com esmero e densidade. Antropóloga de formação, Eliane começou sua carreira estudando movimentos sociais de trabalhadores rurais com uma típica perspectiva sociológica. Porém sua natureza inquisitiva e obstinada levou-a, ao longo de sua carreira de pesquisadora e discente, a mergulhar em campos científicos bem distintos daqueles para os quais foi treinada. Com o aval da instituição à qual esteve afiliada por tantos anos, a Universidade Estadual de Maringá, ela iniciou uma riquíssima colaboração com o Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia e com o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências, ambos vinculados à Universidade de São Paulo (USP). Foi nesses primeiros anos exploratórios de Eliane que tive o prazer de conhecê-la e compartilhar com ela algumas experiências marcantes. Destacam-se os anos em que trabalhamos juntos no Conselho Científico do GAP-Brasil (Great Ape Project). Pude observar fascinado seu engajamento crescente com a primatologia e vários tópicos da Evolução Humana. Nos anos que se seguiram, uma vasta produção de artigos e capítulos de livros afirmou o lugar de Eliane como uma das grandes especialistas dos temas referentes às relações entre humanos e grandes primatas. Neste livro, ela compartilha com seus leitores mais de uma década de profunda reflexão teórica sobre a constituição do nosso pensar – e, por definição, nosso agir – sobre os nossos parentes mais próximos. Seu olhar sagaz guia-nos através de uma leitura prazerosa, que evita, no entanto, a sedução dos subterfúgios retóricos ou a fácil superficialidade estilística das obras de divulgação científica. Neste livro, somos levados a questionar o nosso próprio lugar na natureza e o discurso moral que alimentamos confortavelmente nos últimos séculos e que tem justificado o uso e abuso dos animais não humanos, especialmente primatas, em laboratórios, circos e zoológicos. Num diálogo criativo e articulado com alguns dos proeminentes pensadores do nosso século, a autora produz uma crítica arguta que não se acomoda na visão de fora
, como diria Thomas Nagel, tão comum entre cientistas sociais envoltos em análises discursivas e históricas do arcabouço conceitual das ciências da vida. A inclusão e o confrontamento de paradigmas distintos no trabalho de Rapchan é um dos seus aspectos mais produtivos e fascinantes. Muitos leitores serão apresentados pela primeira vez a um debate verdadeiramente transdisciplinar, no qual visões de mundo muitas vezes antagônicas serão colocadas lado a lado, num dialogo tenso, porém, como nos mostra a autora, possível. Este livro certamente será uma obra obrigatória para todos aqueles que quiserem enveredar-se por essa que tem sido uma das mais interessantes discussões do início do século.
Rui Sérgio Sereni Murrieta
APRESENTAÇÃO
Há uma continuidade biográfica entre minhas memórias de menina e a antropóloga que sou hoje em relação à minha curiosidade sobre os humanos e sobre os outros animais. Nas tardes, em que, depois da escola, eu alternava