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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS



CURSO DE PÓS-GRADUAÇÄO EM FILOSOFIA










A CONTRADIÇÄO DA
LINGUAGEM

EM WALTER BEN1AMIN



ALUNO: PAULO RUDI SCHNEIDER

ORIENTADOR: DR. ERNILDO 1ACOB STEIN














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Agradecimentos

Agradeço a minha FAMILIA pela paciência e compreensão nos tempos de minha
ausência em recolhimento, meditação e trabalho de escrita da tese.

Agradeço ao PROFESSOR DR. ERNILDO 1AKOB STEIN pela grande amizade
e por toda a segurança no apoio nas horas de Iato decisivas.

Agradeço a UNI1UI e, especialmente, aos COLEGAS do Departamento de
FilosoIia e Psicologia pela oportunidade dos periodos de meu aIastamento temporario para
os estudos de mestrado e doutorado.

Agradeço a CAPES pela concessão da bolsa para a realização do doutorado
sanduiche junto a EBERHARDT-KARLS-UNIVERSITÄT TÜBINGEN sob a
orientação do PROF. DR. OTFRIED HÖFFE de agosto de 2004 a janeiro de 2005.







Porto Alegre, outubro de 2005











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RESUMO


A presente tese tem o intuito de indiciar a contradiçào da linguagem em suas duas
dimensões a medida que a expõe como o Iio condutor e criterio para a compreensão da
obra de Walter Benjamin, a Iim de poder mostrar que ele por intermedio da mesma avalia
grande parte das maniIestações da cultura humana. A primeira delas e a concepção que
dimensiona a linguagem como instrumento de sinalização de objetos Iora da sua
circunscrição e que o Ialante então aponta como se Iosse separado de si mesmo,
inaugurando, em intenção implicita, a subjetividade como Iundante da totalidade do saber.
A segunda caracteriza a linguagem enquanto intermitente expressão da propria totalidade
que implicita e inevitavelmente sempre deve supor, sem poder nomina-la jamais. Qualquer
intenção de Iundamentação sera simultaneamente acompanhada pela linguagem, que lhe
antecede como âmbito de atividade e em que participa, mas o que esta a esquecer na
objetivação absoluta a base de pretensão de subjetividade enquanto principio Iundante.
A contradição da linguagem e o paradoxo da ambivalência em que o ser humano se
encontra e que lhe possibilita a compreensão esquecida de si enquanto conhecimento
objetivado, por um lado, e, por outro, tambem a compreensão enquanto recordação do
encontro que ja sempre e numa unidade total, que, porem, nunca podera deIinir por
explicações de causa e eIeito, pois tambem elas mesmas ja se dão na expressão de si
mesmo na linguagem em ocorrência.

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Zusammenfassung

Die vorliegende Tese beabsichtigt den Widerspruch der Sprache in seinen zwei
Dimensionen anzuzeigen, indem sie ihn als roter Faden und Kriterium Iür das Verständnis
des Werkes von Walter Benjamin darlegt, um zeigen zu können, dass er mit demselben
einen grossenTeil der Erscheinungen der menschlichen Kultur bewertet. Die erste von
ihnen ist das Ansehen, dass die Sprache ein Werkzeug zur Kennzeichnung der
Gegenstände ausser ihres Bereiches sei und welche der Sprecher dann anzeigt, als ob sie
von ihm getrennt seien, und so in impliziter Absicht die Subjektivität als das Begründende
der Totalität des Wissens inauguriert. Die zweite charakterisiert die Sprache als
beständiger Ausdruck der Totalität selbst, welche sie implizit und unausweichlich immer
vorraussetzt muss, ohne sie jemals bennenen zu können. Jegliche Absicht der Begründung
wird simultan von der Sprache, die ihr vorausgeht als Bereich der Aktivität und in dem sie
mitteilt, begleitet, was sie aber in der absoluten Objektivation, in der Absicht der
Subjektivierung als begründendes Prinzip, vergisst.
Der Widerspruch der Sprache ist das Paradox der Ambivalenz, in dem der Mensch
sich beIindet und das ihm, erstens, das vergessene Verstehen über sich selbst als
objektiviertes Wissen ermöglicht, und dann auch das Verständnis als Erinnerung der
Begegnung in einer totaler Einheit, die er immer schon ist, die er aber nie durch
Kausalerklärungen umschreiben kann, weil auch sie selbst sich im Ausdruck seiner selbt
als Ereignis in der Sprache ergibt.




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SUMÁRIO


I. INTRODUÇÄO................................................................................................................... 6
II. O MOVIMENTO CULTURAL DA 1UVENTUDE...................................................... 36
1. INDICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: CONVERSAÇÄO........... 51
2. ENSAIO APLICATIVO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DUAS
POESIAS DE HOELDERLIN...................................................................................... 154
3. APRESENTAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: SOBRE A
LINGUAGEM EM GERAL E A LINGUAGEM DOS HOMENS........................... 172
4. POSICIONAMENTO FILOSÓFICO: SOBRE A FILOSOFIA
VINDOURA................................................................................................................... 221
5. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA TAREFA DO TRADUTOR.............. 240
6. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA FILOSOFIA E NA ARTE................. 252
7. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM ENTRE A DILUIÇÄO TOTAL E A
OB1ETIVAÇÄO DELIRANTE: AO SOL ................................................................. 286
8. COMPLEMENTAÇÄO À CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DOUTRINA
DO SEMELHANTE ..................................................................................................... 315
8.1 SOBRE A FACULDADE MIMÉTICA............................................................... 320
9. A APLICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO NA LINGUAGEM: FRANZ
KAFKA.......................................................................................................................... 327
10. ENTRE O DIZER E O DITO....................................................................................... 365
CONCLUSÄO....................................................................................................................... 372

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 384
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I. INTRODUÇÄO

A.
Para a manutenção da sua ideia Iundamental a Universidade ainda hoje necessita
conviver com a imposição historica de uma coordenação geral de um nucleo basico de
estudos de carater humanistico e de Iormação geral, os quais Iazem parte da maioria dos
cursos obrigatoriamente. Desse nucleo basico de estudos, a IilosoIia em grande parte era e
ainda e responsavel pela contribuição na Iormação de todos os alunos da Universidade com
disciplinas como Etica, Epistemologia, Teoria do Conhecimento e Introdução a FilosoIia
em geral. Isso signiIica que todos os proIessores de IilosoIia da Universidade, alem do
contato, das obrigações e das relações tipicas com tudo o que concerne a um curso
especiIico de IilosoIia, tem a oportunidade e a obrigação de articular com eIiciente
capacidade pedagogica o seu saber em areas que, a primeira vista, parecem distantes das
preocupações teoricas do IilosoIo, como, por exemplo, as variações das engenharias, a
saude, a administração, a economia, o direito, todo o âmbito de estudos da area empirico-
analitica, bem como em areas consideradas mais proximas da IilosoIia, denominadas
costumeiramente por ciências humanas. SigniIica tambem que uma grande parte da
totalidade dos estudantes da universidade ainda hoje tem contato com assuntos IilosoIicos,
mesmo que precariamente, oportunizando as mais diversas reações, discussões e tentativas
de solução a esse respeito.
Qual o conteudo a ser elaborado conjuntamente em todos os cursos por proIessores
e alunos e que satisIaça as exigências da universalidade evidentemente presente como
suposto no todo da universidade e em cada uma das suas areas de pesquisa, ensino e
extensão? Por que exatamente estas e não outras disciplinas são consideradas como
capazes de Iormação humanistica, universal e visão relacional? O que e IilosoIia? Para que
IilosoIia? Por que ha que estudar IilosoIia se não e imediatamente transIormavel em valor
de sobrevivência econômica? Qual a capacidade de aproveitamento positivo da IilosoIia na
construção da utopia social? O estudo e o exercicio da IilosoIia rende indicações utilizaveis
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para a construção de um sistema produtivo justo e democratico para a sociedade em geral?
Qual, enIim, a utilidade da IilosoIia em cada um dos cursos? Deve a IilosoIia Iazer a
tentativa de adaptar-se a promoção da Iundamentação do que as mais diversas areas
elaboraram como especiIicidade? Deve a IilosoIia oIerecer uma rede de conceitos a todas
as areas, a qual Iosse capaz de Iormar um pano de Iundo teorico cultural comum a todas
elas para que nele pudessem reconhecer-se? Qual a Iunção do curso de IilosoIia na
universidade de hoje e a sua relação com todos os outros? Essas perguntas, entre outras,
surgem na relação pratica e eIetiva de cada proIessor de IilosoIia na universidade: se não
Ior capaz de pelo menos aceita-las entrando no jogo da argumentação e não vislumbrando
solução alguma, a sua atuação perde imediatamente o sentido de solidiIicação relacional
atribuido desde sempre a IilosoIia e o seu signiIicado descamba para o irracionalismo, ou
para o cinismo utilitarista sem maiores reIlexões e preocupações. Tais perguntas, entre
outras, por isso tambem levam necessariamente a busca constante do conhecimento de
IilosoIos, cujo pensamento aborda desde questões de Iundamentação na e da IilosoIia ate
preocupações e discussões sobre Iormas especiIicas de relação com areas especiIicas da
cultura.
Na Pos-modernidade, epoca em que temos um acumulo de inIormações e uma
divisão cada vez maior nas mais diversas areas do conhecimento notoriamente ja causam
enormes diIiculdades de arregimentação contra o relativismo desistente de qualquer
reIlexão na busca de uma suposição Iundamental comum, algumas perguntas
anteriormente descritas ate ja se desenvolvem como acusação, dando a entender que para a
perIeita preservação da unidade da Universidade bastam os aspectos administrativos,
econômicos e juridicos. A IilosoIia como rainha das ciências, ou ate mesmo como somente
guardiã da racionalidade a muitas areas da cultura universitaria, voltadas a
proIissionalização e atentas aos apelos do mercado, ja não mais convence e, para alguns
IilosoIos, ate ja começa a parecer duvidoso todo o esIorço empenhado em discursos de
convencimento a respeito dos acertos e das receitas da IilosoIia para a salvação e Ielicidade
gerais da sociedade humana.
No transcurso das discussões sobre a relação da IilosoIia com todas as areas do
saber ao longo dos anos, estudos e ensaios Ioram escritos, textos Ioram lidos e traduzidos,
entre os quais especiIicamente as Teses sobre o conceito de historia de Walter Benjamin.
Percebemos que este texto, traduzido pela primeira vez para o português em 1984 no
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âmbito da Unijui e ai internamente ativado como motivo de interlocução com as diversas
areas do conhecimento, trouxe novas luzes para a questão da IilosoIia e da universidade e
instigou ao estudo continuado da obra do autor. O conceito de IilosoIia de Walter
Benjamin conIunde-se com a sua Iorma de apresenta-la em seus textos, os quais ao longo
dos anos da sua vida abordam questões de varias areas do saber, o que possibilitou ao
IilosoIo um proIicuo dialogo com elas. E notorio o Iato de que Benjamin e estudado e
consultado não apenas por autores que se interessam especiIicamente por IilosoIia, mas
tambem por estudiosos da area da estetica, da literatura, da sociologia, da comunicação, do
direito, da ciência e da tecnologia. Diz-se ate que Benjamin e impossivel de ser
sistematizado, ja que a sua obra diversiIica-se tanto que e impossivel vislumbrar alguma
rede conceitual que pudesse unir uma tal proliIeração de interesses de estudos diIerentes.
A essa caracteristica de complexidade na abordagem de assuntos agrega-se a
Iacilidade e a diversidade com que Benjamin os apresenta em seus textos. O IilosoIo
escritor expressa-se mostrando o dominio de um amplo repertorio de Iormas literarias: O
tratado monograIico, o ensaio, o comentario, o aIorismo, o Iragmento, a critica, a resenha,
a montagem, a peça radioIônica, a narrativa e o ensaio radioIônicos, o relato de sonhos e
dos eIeitos de drogas, o conto, a novela, o relato de viagem e a descrição de cidades, a
imagem de pensamentos, o poema, o dialogo, a entrevista, o relatorio, a crônica, a anotação
autobiograIica, a tradução, a carta, a poesia.
Outra caracteristica de Benjamin que chama a atenção era a sua capacidade de viver
convivendo com o contraditorio: cultivava a amizade com Brecht, Adorno, Buber,
Scholem, Bloch, e lia Heidegger, quando cada um desses autores entre si nutria a antipatia
mutua, a discordância explicita nas questões teoricas e praticas, ou ate ma-vontade e
inimizade mais grosseiras. Para ilustrar este aspecto do jeito de ser de Benjamin, Juergen
Habermas sugere uma cena inusitada, apenas possivel para uma imaginação surrealista, ou
seja, em que se sentassem para um banquete paciIico Scholem, Adorno e Brecht em torno
de uma mesa, embaixo da qual estariam acocorados Breton ou Aragon, enquanto Wyneken
estaria a porta, todos reunidos para uma discussão sobre o Espirito da utopia ou ate sobre
O espirito como o adversario da alma (Habermas, J., 1981, 338). Poderiamos acrescentar a
esta lista certamente Franz Rosenzweig com 'A estrela da redenção¨ que inicia com as
palavras: 'E da morte, do medo da morte, que todo o conhecer da totalidade se inicia¨.
(Rosenzweig, F., 3).
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Estudioso do Romantismo e do Idealismo da IilosoIia alemã, tradutor das obras de
Baudelaire e Proust do Irancês para o alemão, ligado de maneira tênue a Escola de
FrankIurt, atento a todas as maniIestações culturais, politicas, cientiIicas e IilosoIicas da
primeira metade do seculo XX, ciente das suas determinações religiosas pela ortodoxia da
teologia judaica e pela cabala com sua ligação com a IilosoIia pre-socratica e neoplatônica,
conhecedor das questões teologicas centrais do cristianismo, elaborador de teorias sobre a
questão da arte e da estetica em geral ligada ao mundo tecnico cada vez mais imperante,
interessado em praticas provisoriamente recalcadas no cotidiano publico com possibilidade
de virem a se constituir em pesquisa e ciência normal (quiromancia, astrologia, teorias
espiritas, etc), Benjamin da a impressão de conIigurar a propria dispersão pos-moderna no
mau sentido, incapaz de qualquer relação conjugada em condições de sustentar uma
Iragmentação de interesses, que parece deIinitiva. A analogia com o desenvolvimento da
universidade sob os auspicios não suIicientemente explicitos dos mitos administrativos,
econômicos e juridicos parece evidente.
Na aposta de que uma posição IilosoIica enquanto ponto Iocal determinante e
subjacente esteja a determinar todo o percurso teorico do autor aparentemente em
dispersão acelerada, a presente tese almeja indiciar, elucidar, apresentar e tematizar, num
percurso meditativo e critico imanente aos textos, a sua concepção de IilosoIia como a
contradiçào da linguagem. Tal posição IilosoIica vai bem mais alem do que a mera
assunção, discussão ou deIesa de grupos de conceitos epistemologicos dando a estes
mesmos, exatamente por isso, as condições de um dialogo que não esteja pautado pelo
desejo Iundamental de competição e de eliminação mutua. Mais do que apenas um verniz
epistemologico soIisticado em Iavor de uma retorica de manutenção da IilosoIia no apice
da cultura, ela permanece na retaguarda e em meio ao exercicio da escuta, da noticia mutua
em admiração e da organização concreta de inter-relações. Independentemente das
aproximações com a arte, a teologia, a historia e a politica, a IilosoIia para Benjamin e um
determinado âmbito de abstração reIlexiva que se expressa numa postura de avaliação de
auto-compreensão como jeito de ser a medida que constantemente se da conta e descobre a
contradiçào da linguagem.
O resultado das mais variadas abordagens da IilosoIia de Walter Benjamin Ieitas ate
agora não esgotou as possibilidades que acenam desde o enIoque proposto pela presente
tese. A mera aIirmação corrente de que não ha como sistematizar a produção intelectual do
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autor por certo não devera desencorajar estudos de compreensão e apresentação IilosoIicas
de sua obra, sob pena de se estar entendendo a atividade IilosoIica deIinitivamente como
simples elaboração e apresentação de sistemas Iechados. Como ja se observou, o proprio
conceito de IilosoIia e merecedor de atenção acurada na trama de conceitos do autor,
apresentados mais a superIicie, e a maior parte da escrita de Walter Benjamin pretende ser
entendida como IilosoIica. A sua apresentação Iragmentada e multiIacetada possibilita
entrever uma constelação de elementos capaz de dinamizar as relações da IilosoIia com as
mais diversas areas do saber ja constituidas e da cultura em seus aspectos emergentes.
Geralmente se toma por evidente que o carater de uma dispersão dialogica, segura de si em
seu movimento, Iorma-se na suposição de esteios Iundamentais e assumidos que o
suportam.
O obfetivo especifico constitui-se, portanto, no indiciamento, apresentação e
aplicação da contradiçào da linguagem nos textos do autor, a qual intermitentemente
suscita a curiosidade a respeito das relações que se dão no dialogo entre a tradição Iactual e
agente sempre presente e o individuo em decisão constante, bem como a mesma tradição
identiIicavel no outro e o mesmo individuo em atitude de silêncio e atenção ao signiIicado
para si, uma atitude que, por sua vez, constituiria a possibilidade de ampliação da
experiência sobre si mesmo. O percurso de vida na linguagem como condição de
possibilidade Iundamental sedimenta ou destroi caminhos de signiIicação relacionados a
conceitos, tais como: jogo, maquina-automação, transparência, Iundamentação,
objetivação, reiIicação, esquecimento, construção em correspondência inIinita, interno e
externo, materialismo, historia, politica e teologia.
Pelo exposto, o metodo empregado do presente trabalho sera o constante dialogo
critico com os textos em questão, visando uma interpretação interna e seqüente
apresentação do sentido do texto e nele enIocando insistentemente a tese de que o
pensamento IilosoIico de Walter Benjamin se pauta pela descoberta, apresentação e
aplicação da contradiçào da linguagem. Pelo Iato do comprometimento intransIerivel que
a propria contradição da linguagem aponta, a interpretação e a apresentação exigem cunho
meditativo e reIlexivo.
Desde ja, porem, e possivel e, quem sabe, necessario visualizar alguns parâmetros
em relação ao pensamento de Benjamin, quais sejam:
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A concepção de IilosoIia de Benjamin caracteriza-se primeiramente como um
exercicio em que se apresenta constantemente a possibilidade de relação com todas as
areas de saber, mesmo em meio a proliIeração das ideias de descentramento desesperado
da pos-modernidade. A sua aposta e descoberta Iundamental e a de que, pela contradiçào
da linguagem, ja ha uma relação entre todas as areas e que exatamente lhes da condições,
mesmo que estejam sendo negadas em exercicio empirico. Tudo provem como que de um
Iundo não identiIicavel, mas so suposto inevitavelmente, e esse todo Iundamental, quando
exposto, e nessa maniIestação sempre parte precaria e parcial de si mesmo, pois no proprio
dizer, descrever, deIinir e nomear constantes chama a atenção para o Iato de que sua
exposição descritiva e apenas atividade participativa nele, mas de evidente importância.
Todos os temas abordados nas diversas regiões do saber indiciam esse Iundo ambivalente
que se mostra na ocorrência do empirico em evolução operatoria construtiva. E
transcendental? E theos a Iorçar a tematização do aspecto teologico como constante
reIerência do logos a si mesmo? Ou, e no maximo a possibilidade de apenas se poder
apontar de que ha condição de possibilidade, sem a capacidade e o direito de nomear algo
como se Iosse um ente constantemente suposto em Iorma de Iigura deIinivel e possivel de
ser circunscrita por conceitos de modo cabal, pois que quando nomeado e apenas
descoberto retraindo-se cada vez mais, como se Iosse a destruição da apodicidade com que
no empirico se justiIicam os julgamentos? Toda a tematização de Benjamin, por exemplo,
sobre a conservação da aura ou a sua destruição na arte contemporânea tem a haver com
esse quadro; pois ha motivos de se poder entender a discussão sobre a aura como se Iosse
um constante indicio ao modo de um dar-se conta e de uma recordação involuntaria do
acontecer alem da mera mecanicidade normal do empirico ja em operação geral.
Na tematização das mais diversas areas do saber Benjamin preocupa-se com a
postura e o papel da IilosoIia. A pergunta central que transparece e a de como se pode ou
deve entender a atividade IilosoIica em meio aos Ienômenos mais diversos da pos-
modernidade em seus deslocamentos radicais em termos de teorização no âmbito das
ciências humanas, das ciências exatas, das artes e da teologia. Sem poder substituir a
vitalidade emergente da atividade nos campos mencionados ela acontece como procura de
relação pelo proprio processo de sua auto-limitação tendo a contradição da linguagem por
pano de Iundo como que avaliador do que acontece a Irente.
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Por isso, caso a IilosoIia arvorar-se a ser como as ciências, erra; pois estaria
abandonando o seu proprio aspecto enquanto âmbito descritivo a procura das condições de
possibilidade do que se apresenta como eIetiva realidade exatamente atraves das mesmas
ciências. O aspecto construtivo da IilosoIia, que Benjamin por vezes menciona, deve ser
entendido pelo vies da destruição do carater ingênuo da sua positividade cientiIica
caracterizada pelo esquecimento de que seus proprios supostos epistemologicos e
Iundamentações teoricas são possibilitados por condições que a suportam e que
desconhece. Esse carater destrutivo e especiIicamente mencionado no texto intitulado O
carater destrutivo. Por isso, explica-se o construtivo não como mera positividade
esquecida na auto-sedução da sua promoção estrategica, mas como atividade de encontros
e oIerta de cenario pelo pano de Iundo relacional ja aventado, pela procura e descoberta de
principios, quando não ate como alargamento de horizontes alem de totalizações
provisorias com Ialso aspecto de deIinição ultima.
Caso a IilosoIia arvorar-se a promover a suspensão das ciências, erra; pois a
atividade IilosoIica mesma depende delas, esta em seu meio Iazendo uso das conquistas
dos seus resultados historico-sociais em sua propria elaboração e considera-as como, no
minimo, uma das condições reais da sua atividade de descrição e de surgimento da sua
tematica propria. Exemplos, metaIoras e conceitos Iundamentais que sustentam as
argumentações cientiIicas são constantemente usados, analisados e dinamizados na
evolução tematica do dialogo da IilosoIia com as ciências, bem como nas conversações
entre direções IilosoIicas gerais no intuito de visualizar possibilidades de justiIicação do
estatuto da sua existência.
Caso a IilosoIia arvorar-se a querer Iundamentar as ciências no sentido de justiIica-
las, erra; pois estaria na situação de mera construção estrategica e desistindo da sua
atividade como elucidação descritiva dos pressupostos que as constituem. As ciências, em
sua positividade em constante elaboração operatoria e experimentação e em sua constante
auto-construção por dedução de principios e axiomas aceitos em carater deIinitivo,
realimentando-se sem cessar da sua propria evolução sem necessidade do suporte
estrangeiro e sacerdotal das especulações IilosoIicas, ressente-se da Ialta de interlocutores
para o dialogo possibilitador da emergência do sentido do seu Iazer, bem como da
visualização de horizontes indicadores da sua localização no todo da cultura humana.
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Caso a IilosoIia entender-se como sistema capaz de englobar o todo em tudo
sempre, erra; ja que a descrição, mesmo que inclua em si inevitavelmente algum aspecto
ordenador, so pode existir na suposição de emergência em nova compreensão e
experiência.
A IilosoIia so pode, a partir das ciências, elaborar-se especulativamente e de Iorma
relacional com elas tendo-as como suposto; pois seria ingenuidade querer prescindir da sua
existência ja pelo simples Iato de Iazerem parte do todo da compreensão ocorrente
enquanto desenvolvimentos, deslocamentos e constelações de ideias arcaicas primeiras
sempre presentes na linguagem do uso cotidiano, pleno de senso comum cientiIico, quando
não em Iorma das mais diversas metaIoras, analogias e comparações.
A IilosoIia a partir da contradição da linguagem sempre relacionada com a historia,
com a pesquisa e com o aspecto criativo da arte descobre deslocamentos, novas Iormações,
transIormações a partir de elementos comuns e aponta a transIiguração dos mesmos em
novas constelações ativadas como travejamento para a compreensão normalizada de
epocas inteiras. A essa tematica agregam-se os conceitos de tradição, origem, aura e tempo
para serem relacionados a compreensão do que seja a aventada normalidade da conexão
entre sujeito e objeto.
A IilosoIia e como que o âmbito de atenção ao que se apresenta como realidade
natural Ienomênica em todas as areas para a constante descoberta das suas condições de
possibilidade em termos relacionais. Ela se reveste de especial importância pelo Iato de ser
a participação privilegiada na totalidade inevitavelmente suposta como a tareIa do
pensamento, assim como Ioi elaborada pelos pensadores pre-socraticos. O aporte que
promove das mais diversas tradições pela relação que com elas tem e o seu aproveitamento
em exempliIicação reIlexiva para a compreensão da contemporaneidade da-lhe a
caracteristica de concretude, complexidade e veracidade.
Exatamente pelo Iato de que a obra de Benjamin se apresente minada de alusões e
sugestões e, por isso, ja usada para os Iins mais contraditorios, e necessario um esIorço no
trabalho de garimpo do Iio condutor dos seus textos. Ainda em abril de 1940 Benjamin em
carta menciona a permanência de ideias Iundamentais que povoavam o seu espirito e que
aproveitava no texto das teses Sobre o conceito de Historia, o qual seria o seu derradeiro,
apenas seguido do seu Curriculum Jitae em Iins de julho de 1940:
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A guerra e a constelaçào que a trouxe consigo levou-me a
por no papel alguns pensamentos, dos quais posso di:er que por
volta de vinte anos guardei comigo, sim, ate de mim mesmo...Em
todo o caso, quero chamar a tua atençào especialmente para a
reflexào XJII, e ela que devera fa:er reconhecer o nexo velado,
mas concludente, dessas consideraçòes com os meus trabalhos
anteriores, na medida em que ela se manifesta sem rodeios sobre o
metodo das ultimas |das teses|.(GS 1226)

O texto da tese em questão junta de Iorma sucinta IilosoIico-criticamente
preocupações quanto a linguagem sobre narrativas historiograIicas, ou seja, de um lado, o
historicismo em seu vies objetal a Iundamentar-se numa base teorica ingênua, que não
subsiste a critica pelo Iato de se esquecer da sua auto-inclusão no que diz e, de outro, a
historiograIia materialista proposta, que sabe do seu comprometimento construtivo quando
promove a ruptura com o Iluxo explicativo normalizado imobilizando o pensamento em
nova conIiguração de presente e passado, capaz de Iazer emergir o não pensado, o
recalcado ou o esquecido em seu valor de compreensão atual. Na linguagem ocorrente da
narrativa historica que se vê em tensão com todo o passado presente esquecido, o proprio
tempo se gera possibilitando nova objetivação: o tempo e carente do gosto da objetivação e
da sedimentação de novas conIigurações de sentido que se estruturam para normalizar-se
de epoca em epoca.
O historicismo culmina na Historia Universal. Pelo seu
metodo, a historiografia materialista se distingue dessa historia
mais nitidamente, talve:, do que todas as outras historiografias.
Falta ao historicismo arcabouço teorico. Ele procede por adiçào,
convoca a massa dos fatos a fim de preencher o tempo homogêneo
e va:io. A historiografia materialista, ao contrario, repousa sobre
um principio construtivo. Nào e so movimentar o pensamento que
e proprio ao pensar, mas, igualmente, imobili:a-lo. Ali onde o
pensamento se imobili:a em uma constelaçào saturada de tensòes,
ai ele comunica a essa um choque que fa: com que ele proprio se
cristali:e em monada. O materialista historico so se aproxima de
um obfeto historico quando vai ao encontro desse obfeto como
uma monada. Ele reconhece nessa estrutura o sinal de uma
imobili:açào messianica do acontecer, em outras palavras, uma
oportunidade revolucionaria no combate pela libertaçào de um
passado de opressào. Ele percebe essa oportunidade de fa:er com
que uma determinada epoca irrompa do transcurso homogêneo da
Historia, assim, ele fa: explodir, de dentro de uma epoca, uma
determinada vida, de dentro de uma obra de vida, uma
determinada obra. O resultado de seu procedimento e que, na
obra, e conservada e subsumida a obra de sua vida, na obra, todo
o transcurso da Historia. O fruto nutritivo daquilo que e
historicamente conceptuali:ado contem em si o tempo qual
semente preciosa, mas carente de gosto (GS I-2, 691).
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Numa abordagem preliminar da questão da linguagem e possivel aIirmar que os
textos Metafisica da fuventude, Dois poemas de Friedrich Hòlderlin (1915) e Drama e
tragedia (1916), bem como Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana
(1916) e Sobre o programa da filosofia vindoura (1918) determinam em grande parte as
escolhas conceituais de Walter Benjamin neste campo, dando como que a direção dos seus
interesses e da sua posição IilosoIica. Muitos autores mencionam uma IilosoIia da
linguagem, o que se constitui em ma interpretação do proprio conceito de IilosoIia assim
como Benjamin o entende. Não se trata de construção sistematica e de explicitação de uma
teoria, mas de uma tentativa de exposição previa e reIlexiva da tareIa do pensador por meio
de materiais literarios da tradição em Iorma de mito, sempre na circunscrição da linguagem
que em seu exercicio perIaz uma contradição Iundamental, ou seja, aponta para algo
externo a si na suposição de Iundamento absoluto tambem externo, mas tendo que se
recolher a si mesma a cada instante na compreensão de que as suas suposições igualmente
Iazem parte do seu repertorio. Desde logo ha um interesse pela elaboração signiIicativa e
atual das experiências da humanidade em Iorma de textos das mais diversas tradições ao
dispor de todos.
A linguagem não e uma particularidade do homem. Na criação tudo e linguagem e,
por isso, entre a linguagem em geral encontra-se a do homem.
O que a linguagem comunica? Comunica a essência
espiritual correspondente. E fundamental saber que essa essência
espiritual comunica-se na linguagem e nào pela linguagem. Nào
existe, pois, nenhum locutor de linguagens quando se designa
deste modo aquele que se comunica por estas linguagens (GS II-1,
143).

A linguagem comunica-se por si mesma de Iorma absoluta imediatamente
como as coisas e os acontecimentos e não pode ser compreendida como meramente
instrumental veiculando somente conteudos sobre algo como algo.
A opiniào de que a essência espiritual de uma coisa
consista exatamente em sua linguagem essa opiniào entendida
como hipotese e o grande abismo, no qual toda a teoria da
linguagem ameaça decair, enquanto que a tarefa e conservar-se
flutuando acima, exatamente sobre ele. (GS II-1, 141)

16
A linguagem e a expressão em locução ocorrente da essência e nunca a propria
essência em si nela somente objetivada. A ideia e que a linguagem descreve o ser humano
seja qual Ior o conteudo a que se atem, havendo, portanto, uma ambigüidade Iundamental
nela mesma quando sempre exerce a capacidade de apresentação de si e dos conteudos
veiculados em seu querer dizer. Numa nota a Irase citada Benjamin pergunta: 'Ou não e
antes a tentação de pôr a hipotese no inicio que Iaz o abismo de todo o IilosoIar?¨ (GS II-1,
141). A pergunta e pertinente e e a indicação de uma das questões IilosoIicas Iundamentais
de Benjamin, ou seja, a constante objetivação necessaria para que a linguagem possa
existir como atividade de apontar para algo, mesmo que espiritual, em constante
dependência das hipoteses que, desconhecendo-as ou não, possibilitam o seu exercicio
atual. O Ilutuar acima do precipicio parece ser possivel como equilibrio entre a atração do
irracionalismo mistico desinteressado de suas origens e a objetivação seduzida
deIinitivamente por sua propria consistência. As possibilidades entre ambos Benjamin
descreve com a ajuda dos textos conhecidos do AT, atraves dos quais consegue expor as
diIiculdades da situação humana como se Iosse uma teatralização. Todos os textos são
elevados hermeneuticamente como que a uma segunda potência para se tornarem
signiIicativos na cultura atual a qual eles mesmos servem de suporte, por vezes
completamente esquecido nas operações de superIicie.
Juntamente com as questões sobre a linguagem uma determinada concepção de
teologia perpassa toda a obra de Benjamin. Desde os textos da juventude em que diz: 'No
gênio Deus Iala e escuta a contradição da linguagem (...)¨ (GS II-1, 93). 'O gênio Ialante e
mais silencioso do que aquele que escuta como o que reza e mais silencioso do que Deus¨
(GS II-1, 93), ate a primeira tese de 'Sobre o conceito de historia¨ encontramos reIerências
sobre teologia:
E conhecido o caso do automato construido de forma
a ser capa: de responder a todos os lances de seus
adversarios no fogo de xadre:, vencendo assim todas as
partidas. Um boneco vestido a turca, narguile na boca, esta
sentado diante do tabuleiro, que repousa sobre uma larga
mesa. Um fogo de espelhos cria a ilusào de que a mesa e
totalmente transparente ao olhar. Na realidade, esconde-se
nela um anào corcunda, mestre na arte do xadre:, que,
atraves de fios, dirige a mào do boneco.
2
No campo da
filosofia, pode-se imaginar um equivalente desse aparelho. O
boneco chamado 'materialismo historico` devera ganhar


17
sempre. Ele podera desafiar ousadamente qualquer um, se
puser a seu serviço a Teologia, que hofe, como se sabe, e anà
e feia e, alem disso, fa nào ousa aparecer.(Benjamin W, GS,
Band I-2, pg 504).

E necessario atentar para o Iato de que as questões teologicas não podem ser
entendidas de Iorma alguma como reiteração das simpliIicações religiosas e conIessionais.
O sagrado em Benjamin e muito mais imanente ao proprio acontecer do real entendido
como operação concreta acompanhada da multiplicidade multiIacetada e complexa das
suas justiIicações teoricas e, exatamente por isso, e muito mais distante do que a
compreensão ingênua construida pelos postulados interesseiros da Ie esperançosa em
certeza e segurança num sonho em sono dogmatico. A teologia constitui-se como o
conjunto das proprias condições de possibilidade da compreensão ocorrente em todas as
areas da cultura, mas completamente esquecida enquanto origem de todas as maniIestações
que Ienomenalmente perIazem a sua construção positiva em Iorma de normalidade
naturalizada. A teologia Iala construtivamente determinando as relações, os meandros e as
sistematizações do mundo da vida, englobando ate as tentativas de administração geral do
mundo cientiIico em sua dinâmica em aceleração atordoante e diIicil de visualizar pela
quantidade de suas Iragmentações. O anão esquecido na maquina e a Iarsa da inexistência
da teologia. No interior da maquina la esta a manipular um jogo desde o inicio ja viciado
quando esquecido e transparente ao olhar. A sua descoberta e essencial, e essa e a tareIa da
IilosoIia como âmbito em que se possibilita a abertura de portas para a liquidação de
transparências Ialsas.
Quanto a historia, ja nos textos sobre o sentido autêntico da critica romântica, ou
sobre afinidades eletivas de Goethe, sobre o drama barroco ou sobre a poesia de
Baudelaire, Benjamin deIende a ideia da salvação de uma signiIicação que esta ameaçada e
que Iorma ou pode Iormar uma relação em termos de constelação com uma experiência
critica bem determinada do presente. Os sentidos ocultos, esquecidos ou escamoteados por
interesses da historia construida pelo vies do historicismo com intenções positivistas,
podem tornar-se altamente esclarecedores e vitais para a atualidade, estabelecendo, assim,
uma importância politica a partir da ruptura que promovem com a quebra da narrativa
comum que perIaz a compreensão de todos. Não se trata somente sobre discussões a
respeito de Iatos historicos a disposição na linha do tempo, mas muito mais da descoberta,
relativização ou ate destruição de certos principios das narrativas historicas como, por
18
exemplo, a crença ingênua no progresso, a tese subjacente de uma linha do tempo
homogêneo e vazio, ou a projeção de uma historia universal com intenções de mapeamento
cientiIico e absoluto de dados ate estatisticamente disponiveis. Tambem aqui a historia e
entendida como narrativa em Iorma de linguagem e que deve merecer a analise sob duas
perspectivas, ou seja, uma vez como Iala em sua intenção explicativa de conteudos e Iatos
e, outra, como um conjunto discursivo possivel a partir de criterios e compromissos, os
quais nem sempre são declarados pelo narrador por inconsciência ou por interesse
especiIico.
O passado na historia do presente do historiador narrador e constante citação
conIorme as determinações da sua compreensão, a qual, por sua vez, e de constituição
multiIorme e não so enIeixada pelos principios meramente cientiIicos que apresenta como
suporte. A consciência desse estado de coisas muda a mentalidade do historiador
obrigando-o ao constante re-exame da conveniência da escolha das suas citações e
elaborações interpretativas, re-exame que e remetido ao que subjaz a narração historica
enquanto principios ainda não descobertos ou não justiIicados por argumentação mais
abrangente e convincente.
A historia naturalizada assim entendida pelo conjunto das Iorças compreensivas da
atualidade e a normalização da catastroIe em andamento vislumbrada com olhos de pavor
pelo anjo da historia, do qual Iala a IX tese de Sobre o conceito de historia. A mesma
historia na XIX tese do mesmo texto e considerada como o catastroIico saque durante
seculos de grande parte da humanidade e que, por uma inversão em Iorma de esquecimento
programado, leva, alem de tudo, a honra de ser a herança cultural da humanidade.
Na questão da historia ha que ter cuidados com a questão da verdade apoIântica e a
verdade enquanto acontecimento narrativo comprometido com pressupostos
desconhecidos. Não e possivel imaginar que se trata de justiIicar a mera pregação a Iavor
de um sistema doutrinario e com isso capaz de permanecer em permanente ortodoxia com
ares de juventude, mas exatamente do seu contrario: a narrativa historica consciente do seu
estatuto de narrativa pode despender cada vez maiores esIorços para aproIundar a sua
verdade em termos de verdade entendida como adequação sem, porem, esquecer da sua
condição de verdade perpetuamente no âmbito de uma apresentação inevitavelmente
pragmatica.
19
A arte e tambem uma linguagem e e tal que com mais autenticidade representa a
verdade, pelo Iato de preservar a capacidade humana de nomear. Benjamin em sua analise
da linguagem considera que a Iaculdade de nomear soIreu uma cisão em que permanecem
separadas a imagem e a signiIicação abstrata e que ambas podem estar unidas nas obras de
arte dependendo da sua maior ou menor autenticidade. Ha que, então, constantemente
depender das analises possiveis da arte atual como se Iossem acessos diretos a verdade, a
maniIestação do sagrado e a origem sempre pronta a promover a ruptura com as
normalidades catastroIicas de cada epoca. E por isso que Benjamin busca apaixonadamente
o entendimento de Hölderlin, de Goethe, do periodo barroco e, entre outros mais, os
movimentos teoricos e autores de vanguarda como o Surrealismo, Kraus, KaIka, Klee,
Proust e Brecht.
O romantismo de Iena Iez uma interpretação da Critica do fui:o de Kant, na qual
Benjamin se inscreve. Desde Kant ate Hölderlin ha na IilosoIia uma grande discussão
sobre as proibições de saltos a metaIisica por parte do pensamento critico. Tal discussão a
respeito da coisa em si, de uma natureza alem da natureza articulada pelo acesso do
entendimento e de uma origem unica, Iundamental e exprimivel conceitualmente por meio
de processos reIlexivos ocupou IilosoIos da grandeza de Fichte, Schelling, Hegel, os
irmãos Schlegel e Novalis. Transgredir os impedimentos que os laços da conceituação
racional apresentava Ioi a solução que mais seduziu a partir dos paragraIos 76 e 77 da
Faculdade do fui:o, os quais propõem uma natureza que de certa Iorma trabalha as costas
ou coincidentemente com o ser humano propondo atraves das obras do gênio novas origens
em Iorma da expressão do belo em termos de maniIestação do absoluto. O belo assim seria
sinal sensivel da ideia ou do absoluto inacessiveis ao conhecimento racional. Hölderlin
interpretava esse estado de coisas no sentido de que o gênio poeta e responsavel pela tareIa
de dar Iorma ao sentido ultimo a que ate Deus deve servir.
No seu trabalho investigativo sobre 'O conceito de arte no Romantismo alemão¨,
Benjamin adere a especulação romântica com o seu conceito central de reIlexão e
apresentando o mesmo em três niveis, quais sejam, o conceito IilosoIico desenvolvido por
Fichte e interpretado pelos românticos, o principio estetico de reIlexão como critica
romântica e o conceito artistico de reIlexão enquanto cuidado e oposto ao êxtase criador
que nada deixa restar para o trabalho critico e conceitual.
20
O metodo de Benjamin não pode ser apenas circunscrito as suas explicações da
Origem do drama barroco alemào como sendo tratado e desvio com todas as suas
implicações teoricas, nem so o metodo de citação na perspectiva de montagem, mas, mais
alem, tambem a descrição das decisões Iundamentais que transparecem como pressupostos
em parte em seu procedimento de analise descritivo e em parte expressos como indicação
de rumo imprimido a sua concepção de IilosoIia e circunscrevendo a sua posição. Tanto o
uso tecnico de Iormas de linguagem Iazendo parte da sua propria pragmatica discursiva
como a apresentação objetiva de conteudos deIinidos em tempo de transmissão Iazem parte
do seu metodo eIetivo. Tambem ha que ser lembrada, por um lado, a grande versatilidade
de Benjamin no uso de Iormas literarias para a expressão maxima dos seus conteudos e,
por outro, as suas indicações da tareIa de pensar, de atenção, de escuta, de experimentação
com pensamentos, de elogios, de construção e destruição, de desenterrar, de silêncio e de
dialogo.
Desde a analise da tareIa e das possibilidades da linguagem ate a posição segura
quanto ao trabalho do narrador historiador, encontra-se em Benjamin a questão politica em
maior ou menor grau. Nas teses Sobre o conceito de historia temos advertências, anatemas
e juizos desIavoraveis a ortodoxia marxista e a social democracia traidoras por
permanecerem renitentes em posições de cunho meramente estrategico para a manutenção
de uma positividade embotada, mas tambem encorajamento a esperança, a participação e
ao orgulho de camadas sociais desIavorecidas na construção da catastroIe historica da
humanidade. Encontramos desde o inicio a alusão de que a linguagem humana por si
mesma na sua contradição, por um lado, objetiva-se por motivos de estrategia politica e,
por outro, e expressão com a sugestão de que ela seja participação ativa no todo da
linguagem em geral. Ha que valorizar todas as elucubrações teoricas de Benjamin como
sendo ensaios e experimentações participantes para o ordenamento, deslocamento e
conIiguração da constelação do todo da cultura como o seu destinatario e o seu remetente
ao mesmo tempo. A ideia e a de que toda a sua obra se inscreve de Iorma conscientemente
ativa no todo da participação universal.
ConIorme o expressa a I tese de Sobre o conceito de historia, a IilosoIia e um
âmbito. Nesse âmbito ha projeção, experimentação, exempliIicação e, com tudo isso,
produção de tensão ao molde da imagem dialetica, que e paralisação do pensamento como
se Iosse mônada plena de tensões entre sentidos emergentes do passado presente e o Iluxo
21
compreensivo tradicional no comando gerencial dos passos do atual. Assim, quem estuda
Walter Benjamin dever-se-a dar conta de pelo menos três aspectos centrais da sua obra,
quais sejam:
Em primeiro lugar, a menção dos IilosoIos e a relação teorica de Benjamin com
eles. Encontram-se menções desde os pre-socraticos, Socrates e Platão ate Adorno, o que
evidencia o proIundo arraigamento de Benjamin na IilosoIia ocidental com o seu vies de
entender-se e conduzir-se como tareIa do pensamento a relacionar a totalidade dos
Ienômenos. Tal dependência da centralidade da IilosoIia do ocidente não elimina a Iorça
arcaica de signiIicação metaIorica dos textos da tradição veiculados pelo AT e NT e pela
tradição da Cabala judaica, brilhantemente pesquisada e reconstituida pelo amigo de
Benjamin Gershom Sholem.
Em segundo lugar, a descrição da apresentação propria de Benjamin nos textos do
que seja IilosoIia enquanto conteudo e exercicio. E notorio o Iato de que em todos os
textos mais importantes Benjamin se esmera na oIerta de parâmetros epistêmico-IilosoIicos
para o que quer dizer. Basta que se mencione a introdução a Origem do drama barroco
alemào e as conhecidas teses de Sobre o conceito de Historia, que estavam destinadas para
servir como moldura para todo o pensar a ser exposto no trabalho sobre A Obra das
passagens.
Em terceiro lugar, a atenção principalmente a relação entre as questões do metodo e
os supostos que o possibilitam, bem como dos conteudos por meio dele tratados.
Como ja Ioi expresso anteriormente, um dos interesses maiores da pesquisa e da
elaboração da tese intitulada A contradiçào da linguagem em Walter Benfamin surge do
aspecto relacional da IilosoIia com todas as areas do saber que a contradição possibilita, a
começar com a teologia como exemplo. Na teologia, projetada anteriormente como sempre
presente, mesmo que negada, encontram-se semelhanças entre os aspectos religiosos e os
cientiIicos. Trata-se do Iato de que ha anão teologico na maquina da vida administrada e a
IilosoIia, então, e o embarque na aventura da aposta e do exercicio de encontra-lo
descobrindo-o a comandar o jogo instituido ate nos minimos detalhes do cotidiano. A
propria possibilidade de um constante exercicio de hermenêutica sobre cada um dos
Iundamentos que constitui a constelação anã com pretensão de exclusividade em todos os
meandros do dia a dia, a propria condição de atividade de tematização sobre qualquer
justiIicativa IilosoIica Iundamental, denuncia a extrema diIiculdade de Iixar de uma vez
22
por todas os arcanos do universo e do ser. Alem disso, quando se tem a pretensão da
analise, do diagnostico de uma determinada estrutura do mundo, tal atividade acontece no
suposto de explicação em termos de causa e eIeito na linha do tempo: a explicação
acontece e existe como produto de causas passadas pelo modelo genetico de compreensão.
Porem, na relação entre IilosoIia e teologia, o articulador-enunciador da explicação e visto
como a autor-criador da explicação existente, mesmo quando não se da conta disso. As
diIiculdades do articulador-enunciador são as de uma cisão Iundamental que
resumidamente pode ser assim descrita: a linguagem e a racionalidade ativadas ao que
vieram, num primeiro instante, têm a pretensão de excluirem a si mesmas de todas as
implicações do estatuto de dependência da presença dos resultados da explicação e
interpretação realizada. O autor não se compromete com a sua obra e relega-a a um mundo
independente de si. O autor se aliena da sua obra e não se compreende e não se vê mais
nela. Mas o autor enquanto articulador-enunciador constitui-se da sua propria explicação e
interpretação, tanto que e a totalidade daquilo que compreende que seja. Da-se o caso,
então, que ate a explicação dos Iatos em termos de causa e eIeito em linha do tempo
reservada a compreensão do que seja o exercicio externo a si deve ser a ele aplicada, a tal
ponto de exclusiva particularidade, que a sua pretensão de ativar algum olhar Iora do
mundo e alem dele e inteiramente relativizada. Permanece a explicação e o sentido dado
independentemente do autor, mas de qualquer Iorma ele e identiIicado enquanto autor e
promotor de explicações e interpretações e por elas responsabilizado. Autor e autoria e
obra identiIicam-se completamente e não ha possibilidade de ser autor independente sem
compromissos com a sua obra e os seus supostos. O autor de explicações e interpretações e
ator, agente de si mesmo a se expressar e identiIicar pela linguagem das suas obras.
Não e possivel a IilosoIia abordar ao mesmo tempo todas as areas do saber em
apresentação e aplicação na Universidade, pelo simples Iato de que as ciências se mantêm
num processo acelerado de Iragmentação, o qual ja Iorça a vista de todos os mortais que
queiram visualizar a sua amplitude em termos de simples quantiIicação e ridiculariza a
quem se atrever a posar de perito em cada uma das suas especiIicidades, mesmo que seja
sob o vies unico da epistemologia. Por isso, a intenção de visualização possivel so pode
concretizar-se por meio de caracterizações gerais, comuns a todas as areas cientiIicas e
tecnologicas, e os exemplos trazidos para a descrição da relação e da descoberta na obra de
Benjamin talvez nunca possam Iazer justiça a totalidade das reivindicações trazidas desde
23
os aspectos da amplitude e da especiIicidade. Mas eles devem valer por isso mesmo, ou
seja, exemplos de descoberta.
E necessario acentuar que no rol das ciências e das tecnologias tambem estão
incluidas as ciências humanas que abordam analiticamente outras ciências, ja que se trata
em grande parte da mesma intenção de objetividade cientiIica e de competência
tecnologica na manipulação de resultados obtidos e do seu possivel aproveitamento num
mundo tido por administravel por meio dessa atividade.
Na relação entre IilosoIia e ciências certamente as questões epistemologicas,
ligadas ao mesmo tempo com as questões sociais, são as mais salientes, o que podemos
inIerir da Iorma com que Benjamin apresenta essa tematica no seu texto 'A arte na era da
reprodutibilidade tecnica¨, em que encontramos imbricadas as questões da arte, da ciência
exata e da tecnica, dos aspectos sociologicos, dos aspectos teologicos, da politica, e de
execução de analise IilosoIica. Na obra de Benjamin encontram-se concentradas as
descrições do aspecto maquinal do mundo, com todas as suas promoções na area da
teologia e das ciências de Iorma ja pratica, na Ierrea tentativa de unilateral condução
organizada da vida por supostos e suportes teoricos, mas tambem com todas as suas
implicações subjacentes em termos de produção de sentimento da necessidade de
recorrência de idênticos circulos compreensivos visualizaveis, transparentes, objetivaveis
e, por isso, dominaveis por quem tem acesso ao repertorio estatistico do que Ioi, e assim e
talvez sera construido sem o concurso do âmbito da IilosoIia.
A presente tese sobre A contradiçào da linguagem em Walter Benfamin devera ser
vista como emergente do ambiente de conIerências, discussões e estudos de Pos-
Graduação da PontiIicia Universidade Catolica de Porto Alegre com o aporte da
experiência de docência na Unijui. Tal convivência possibilitou a compreensão mais
acurada da Iundamental inserção do pensamento de Walter Benjamin na tradição da
IilosoIia alemã, pois e nela e na sua relação com a IilosoIia europeia em geral, desde a
origem no pensamento pre-socratico, que todos os temas ligados ao nucleo mencionado
têm ja uma vasta elaboração precedente. A menção em diversos textos de IilosoIos como
Leibniz, Kant, Fichte, Hegel, Schelling, os irmãos Schlegel, Novalis, Nietzsche, Marx,
Simmel, Rosenzweig, Heidegger, Bloch, Lukacs, bem como os poetas e escritores Goethe,
Schiller, Hoelderlin e Brecht entre outros, ja atestam a relação de proIunda inserção numa
24
tradição cultural resultando na recepção de um conjunto de temas que Benjamin re-elabora
procurando desenvolver criativamente.
A titulo de exemplo mencionamos algumas aproximações, recepções e
aproveitamentos tematicos que evidenciam a proIunda ligação com a IilosoIia alemã, sem
com isso querer negar o dialogo realizado com a IilosoIia europeia em geral..
Ja na sua juventude Benjamin participou de um movimento pedagogico
determinado em parte pela IilosoIia de Hegel e que Ioi dirigido por Gustav Wyneken.
Chegou ate a colaborar com esse assim chamado Movimento da Juventude Livre Alemà
(Freideutsche Jugendbewegung) na edição de uma revista intitulada Anfang (Começo), na
qual os seus proprios artigos indicam a inIluência de Nietzsche e da sua visão sobre a
Grecia classica. Mais tarde, do texto de 1915 A vida dos estudantes, inIerimos inIluências
dos primeiros românticos, tambem ainda de Nietzsche, bem como de tematicas metaIisicas
de Platão e Espinoza. As questões abordadas tratam da revalorização da teoria, combate a
petriIicação do estudo como simples superposição de conhecimentos, inserção no espirito
de totalidade, consciência quanto a utilização de teorias em sua capacidade de expressar a
plenitude do espirito humano.
No texto intitulado Programa da filosofia vindoura, de 1918, registram-se
preocupações teoricas ligadas ao IilosoIo Kant e ao kantismo da epoca: a questão do
transcendental posto em termos deIinitivos ou historicos na IilosoIia; a possibilidade de
conservar em toda a IilosoIia uma determinada tipologia kantiana, mas aduzindo
preocupações com a linguagem, a religião, ao conceito de identidade; reIormulação do
conceito de experiência para que se torne muito mais rico do que aquele que Ioi concebido
na epoca de Kant; produção de uma concepção de historia que Kant teria deixado em
aberto. E possivel aqui ja aIirmar que Kant sera um dos grandes interlocutores de Walter
Benjamin em todas produções pela presença dos seus pensamentos em torno da moral, da
liberdade, da revolução, da violência, dos criterios para o diagnostico de produção de
teorias capazes de erigir um conceito de historia plausivel, alem daquele elaborado pelo
historicismo. Alem disso, e inegavel que todos os temas ligados as questões esteticas em
geral e da beleza, sobre os quais Benjamin escreve, têm proIunda ligação com a terceira
critica kantiana, a Critica do Jui:o, principalmente os conteudos dos seus paragraIos 76 e
77, ja Iartamente elaborados interpretativamente ate então pelo idealismo alemão e o
primeiro romantismo na direção de uma grande valorização do termo Natur, ou seja, uma
25
natureza alem daquela que segundo a CRP e produzida pelas condições transcendentais do
conhecimento humano.
No texto 'O conceito de critica de arte no Romantismo alemão¨ mencionam-se
algumas perspectivas da IilosoIia de Fichte, dos irmãos Schlegel e de Novalis, rastreando
desde Fichte o conceito de reIlexão e o seu aproveitamento no primeiro romantismo. A
critica romântica e descrita em sua pretensão de ser equiparada a propria criação artistica
de maneira inteiramente positiva, prolongando de modo ininterrupto a Iruição estetica, mas
tambem acusada de não apresentar em si um momento negativo.
Origem do drama barroco alemào e um texto de Benjamin Iartamente comentado
por muitos peritos, mas que, mesmo assim, ainda apresenta grandes diIiculdades para o seu
entendimento pelo Iato de o autor supor em cada leitor o conhecimento de uma grande
herança IilosoIica pelos conceitos com que se expressa. Jeanne-Marie Gagnebin sobre ele
assim se expressa: 'Tenta-se lê-lo, não se o entende, tenta-se esquecê-lo, retorna-se a ele,
pressentindo que ai se encontram algumas das noções-chave de toda a IilosoIia
bejaminiana: origem, salvação, mônada, alegoria, melancolia, so para citar as mais
conhecidas¨ (Folha de São Paulo, 9-12-1984). Contrapondo o drama barroco a tragedia
classica, Benjamin aproxima por pre-Iiguração tal drama a nossa Iorma de compreender
contemporânea em que os valores absolutos estão morrendo ou ja morreram, restando um
luto em que nos nos reconhecemos incessantemente sentindo-nos culpados e, por isso,
alegorizando intermitentemente ao dizer uma coisa e sabendo, ao mesmo tempo, que
signiIica outra, remetendo-nos sempre a outros niveis de signiIicação. Nas questões
mencionadas na 'Origem do drama barroco alemão¨ aparecem discussões quanto ao
estatuto da ideia em relação aos conceitos e Ienômenos, a linguagem, a verdade, ao metodo
e propriamente a IilosoIia, todas elas enredadas pela tradição da IilosoIia alemã, devendo,
por isso, tal teia merecer a pesquisa mais intensa e a atenção cada vez mais acurada.
A relação entre ideias, conceitos e Ienômenos que e articulada, por exemplo, na
Origem do drama barroco alemào parece oIerecer um contraponto a IilosoIia de Hegel.
Quando em Hegel o conceito e a consumação de todo o trabalho do espirito, pelo qual a
razão alcança a visão e a assunção dos seus proprios limites para, então, poder superar-se a
si mesma, em Benjamin o mesmo cumpre o papel de mediação entre ideia universal e
Ienômenos singulares. A Iim de que não sejam dispersos os Ienômenos são arrebanhados
pelos conceitos, os quais, por sua vez, se conIiguram em ideias universais. Estas ideias
26
dão, então, sentido a tudo, como se Iossem constelações Iormadas do material conceitual e
Ienomenal. As ideias são pensadas como um campo de Iorças com caracteristicas de
universalidade dinâmica, conIorme a terminologia de Leibniz, isto e, como mônadas: não
como realidade superior e a parte de acordo com a conhecida interpretação platônica, mas
como concretamente ligadas a linguagem como um elemento simbolico essencial a
palavra. Essa Iorma de ver releva imediatamente a importância do papel da linguagem na
IilosoIia de Benjamin, a qual eIetivamente representou uma preocupação constante no
conjunto do seu pensamento. Ja em 1916 havia surgido o texto Sobre a linguagem em
geral e sobre a linguagem do ser humano e, depois, em 1933, A doutrina da semelhança e
Sobre a faculdade mimetica. Mais tarde ainda, em 1935, Benjamin escreveu Problemas de
sociologia da linguagem. Haman e Humboldt são nomes da IilosoIia alemã, que
imediatamente se apresentam como reIerências para esse circulo de preocupações a
procura de dar conta da concretude dos termos da linguagem sempre em perigo de se
desvincularem do seu chão para se exilarem em abstrações muitas vezes inuteis.
Ao conhecer Bloch no ano de 1919 e seu livro O espirito da Utopia, com o passar
do tempo Benjamin Ioi inIluenciado por este IilosoIo a leitura e estudo de Historia e
consciência de classes de Lukacs, o que lhe abriu as possibilidades de pensar mais
acentuadamente as relações entre a teorização e a ação, assim como Marx o propunha. Os
seus esIorços no âmbito do pensamento politico levam-no a encontrar Bertold Brecht para
dele receber uma inIluência deIinitivamente marcante, a ponto de suscitar os protestos
tanto de Adorno, este ja comprometido com uma visão de esquerda capaz de achar
soluções relacionando Marx e Hegel, como tambem do seu amigo Sholem, mais
interessado pelo possivel vies unilateralmente teologico que Benjamin talvez pudesse
conIerir a sua obra. A tentação constante do engajamento politico direto não consegue
embota-lo a ponto de renunciar as elaborações teoricas, levando-o, pelo contrario, a cada
vez mais pensar e escrever sobre a possibilidade de juntar questões teologicas, politicas e
esteticas para aproveitar, de Iorma criativa e por vezes chocante, os resultados da propria
cultura em que estava imerso, como mostra o livro 'Rua de mão unica¨ (Einbahnstrasse),
em que reune ideias politicas, IilosoIicas, esteticas e literarias, bem como notas de viagem,
reIlexões gerais sobre amor, inIância, sonhos e selos postais, propondo, alem disso, um
novo uso de citações, as quais, em vez de um uso acadêmico de erudição, deveriam ser
aproveitadas para surpreender o leitor desestabilizando-o dos seus habitos de compreensão
normalizada e construida pela ideologia meramente conservadora para a manutenção do
27
que ai assim se encontra em Iorma de comercialização da propria vida. As tematicas do
livro trazem sugestões de aproveitamento cultural IilosoIico de todos os lados,
imprimindo-lhes uma torção que os torna sempre atuais pelas intuições e relações que
sugerem.
O Trabalho das passagens (Passagen-Werk), pesquisa de Benjamin que não
chegou a ter Iorma de livro, Ioi-lhe sugerida pela leitura de O camponês de Paris (Le
Pavsan de Paris) do surrealista Louis Aragon. A pesquisa levou Benjamin a conclusão de
que deveria retomar a IilosoIia de Hegel, o O capital de Marx, bem como se cruzar com os
caminhos de Heidegger no que tange a concepção do tempo e da historia. Sobre Heidegger
aIirma que seria praticamente 'o teatro de todos os meus combates e de todas as minhas
ideias¨ (Benjamin, W., Gesammelte BrieIe II, 506).
Os desaIios da escrita historica existente mesclada com questões politicas,
teologicas e ideologicas em geral provocaram Benjamin cada vez mais em meio a
dinâmica politica e social em que se encontrava, por exemplo, desde 1933, exilado da
Alemanha pelo evidente perigo de perseguição por parte do partido nazista em ascensão.
As reIlexões sobre a historia e conseqüentes discordâncias da maneira historicista
de compreensão guiam-no ao aproIundamento teorico e as hipoteses alternativas que se
esboçam em seu texto Infancia berlinense em torno de 1900, em que o historiador e visto
como alguem que parte do seu condicionamento presente para a investigação da materia do
passado, o qual por sua vez, nunca comparece de Iorma neutra em sua menção presente: o
passado carregado de possibilidades de Iuturo sempre tem algo de nos pelo Iato de carregar
ainda consigo os sonhos que não se realizaram, as promessas que não se cumpriram e a
Ielicidade que não veio. Tempo e historia tambem surgem em relação a obra de Franz
KaIka. Na comparação que Iaz entre KaIka e Lukacs Benjamin entende que KaIka se
interessa por periodos extremamente longos em ritmos muito lentos, porque pensa em
periodos cosmicos, enquanto que Lukacs pensaria em tempos historicos bem mais curtos
de acordo com Historia e consciência de classe.
Apesar da aIinidade de Benjamin com os integrantes expoentes da 'Escola de
FrankIurt¨ Adorno e Horkheimer no que concerne a varios assuntos, varias divergências
emergem em pontos centrais do seu pensar como, por exemplo, na recusa por mediações
por demais soIisticadas e caracteristicas dos dois IrankIurtianos mencionados, ou na
diIerença quanto a positividade determinista ou não dos Iatos historicos, ou quanto a
28
concepção da totalidade, ou ainda na recusa da industria cultural, sobre a qual Benjamin
cultivava ideias proprias, ja que procurava captar as suas contradições e reconhecer os seus
avanços tecnicos.
Pelo exposto e compreensivel que a posição IilosoIica de Walter Benjamin e
imediatamente relacionada com a IilosoIia alemã pelos nomes dos IilosoIos mencionados e
pelas tematicas encetadas. Divergindo dela ou não, consciente dela ou não, a carga
tradicional de ideias, conceitos e sugestões metodicas de articulação IilosoIica, textual e
tematica cultural com que trabalhou em sua obra e enorme, tanto que em seu ultimo escrito
intitulado Sobre o conceito de historia, alem do pano de Iundo geral diIuso e possibilitador
da articulação geral das teses, encontramos a menção, a aplicação e o aproveitamento
diretos de todos os resultados da historia como programa consciente por parte do autor, e
ate de exigência da aIirmação da essencialidade desse gesto para que um novo conceito de
historia pudesse ser elaborado em relação com a sua posição IilosoIica pautada na
linguagem e, especiIicamente, na contradiçào da linguagem.

B
ConIorme ja aIirmado, a tese sobre Walter Benjamin se propõe acompanhar a
presença do que ele mesmo denomina de a contradição da linguagem e veriIicar a sua
importância como vetor de compreensão da sua obra em determinados escritos
Iundamentais. Em seguida a uma secção que trata de apresentar especiIicamente a inserção
teorica de Benjamin quando jovem no Movimento cultural da fuventude sob a liderança de
Wyneken, são analisados os escritos em que a contradição da linguagem aparece, quando
não explicitamente, pelo menos, então, implicitamente. São dez escritos que assim
constituem as secções em que a contradiçào da linguagem e vista como o ponto focal ou o
fio condutor para a compreensão da obra do autor.
As dez maniIestações literarias analisadas estão, portanto, sob a egide da
contradiçào da linguagem como, alias, se depreende da organização dos titulos das dez
secções. A expressão em si mesma reIere-se ao Iato de que na linguagem e com a
linguagem se pressupõem duas dimensões Iundamentais.
A primeira delas e a concepção que dimensiona a linguagem como instrumento de
denotação, ou de sinalização objetiva e externa de algo que o Ialante aponta como se Iosse
29
separado de si mesmo. Por esse vies se intenta reproduzir no pensamento e pela linguagem
algo que se apresenta como objeto de realidade em si e Iora dos limites da mesma
linguagem, bem como tambem externa ao Ialante, o qual, assim, se constitui em sujeito
articulador do processo. O sujeito supõe suas capacidade de conhecer para representar em
si Iigurativamente uma realidade objetiva externa a si com os recursos instrumentais da
linguagem. A partir de então, necessita controlar e analisar sem cessar as modiIicações da
realidade externa e suas proprias capacidades quanto a eIiciência da representação que Iaz
em termos de adequação. O sujeito tanto mais suporte e Iundamento do seu discurso sera,
quanto mais puder observar, calcular e analisar o que se lhe apresenta enquanto externo e
separado de si e quanto mais puder estabelecer, tambem por analise, as proprias condições
internas que lhe possibilitam que explique a correspondência entre ambos os polos. Num
processo de inIinita recorrência necessita, então, assegurar-se de que as condições da
Iundamentação em si mesmo e o uso da linguagem instrumental estejam corretas para que
a adequação a realidade seja realizada por representação perIeita. Para tal processo de
objetivação, portanto, o sujeito deve instaurar um Iundamento sempre separado de si
mesmo que precisamente o Iundamente como sujeito, a Iim de que seja possivel o
julgamento sobre a correção do trabalho de analise e elaboração do objeto separado e Iixo
em Irente. A exemplo da adoração de idolo, necessita instaurar de modo recorrente uma
divindade separada e provisoria que suposta e hipoteticamente justiIique e legitime como
Iundamento a correção do discurso elaborado.
Todas as Iundamentações objetivadas resultam Iicticias por pretenderem
estabelecer a totalidade absoluta por um discurso dela separado. Totalidade sempre suposta
que não inclua o seu proponente, totalidade não e. O resultado e a impossibilidade de
Iundamentação total e absoluta de qualquer discurso que suponha Iundamentação possivel.
Sempre sera totalidade parcial, geralmente esquecida depois de implementada como
sistema compreensivo e atividade de aplicação dedutiva em todos os campos do saber.
Esse estado de coisas permanentemente recorrente constitui a metaIora do mundo apos a
queda em que o ser humano e vitima das proprias construções Ieitas a base de
Iundamentações varias, comendo o Iruto da arvore do conhecimento do bem e do mal e da
vida, ao promover a separação entre Iundamento posto e separado alem da linguagem,
sujeito que propõe a separação e objeto absolutamente externo as articulações da
linguagem. A proibição e precisamente a da invenção do idolo nomeado enquanto
Iundamento separado de um todo que sempre escapa a compreensão, possibilitando-lhe
30
assim a abertura pela liquidação da recorrente e reduzida totalidade em que se movimenta
em epocas de esquecimento. A IilosoIia sob este aspecto se conIigura como a atividade da
descoberta das totalidades dogmatica e eIicientemente redutoras da compreensão com o
indiciamento das suas precarias e provisorias Iundamentações, que se maniIestam no
exercicio da linguagem proposicional de objetos absolutamente Iora da linguagem.
A segunda dimensão da contradiçào da linguagem trata da compreensão da mesma
enquanto intermitente expressão da propria totalidade que necessaria e inevitavelmente
sempre supõe pelo Iato de nela participar. Tal expressão inclui todas as Iormas de
explicação porventura ja elaboradas a respeito de Iundamentação, subjetividade e
objetividade. Sendo a propria linguagem com todas as suas virtualidades ja imediatamente
expressão da totalidade que inevitavelmente supõe, então todas as tentativas de
Iundamentação Iazem parte do seu acervo expressivo, pois não ha como elaborar algo
expressiva e signiIicativamente sem linguagem. Desse modo o homem se deIine pela
linguagem humana que mesmo e enquanto sempre relacionado com a linguagem total das
coisas que esta precisamente a traduzir. Qualquer maniIestação intencional de construir
ediIicios de Iundamentação sera acompanhada pela linguagem que e, mas que esta a
esquecer na ilusão da objetivação com o que, enquanto intenção de sujeito, esta a cada
passo ediIicando o seu proprio degredo como que em intermitente expulsão quando
esquecido desta mesma condição.
A contradição da linguagem e o paradoxo da ambivalência pelo qual o ser humano
se deIine e que lhe possibilita a compreensão enquanto conhecimento objetivado, por um
lado, e, por outro, a compreensão enquanto recordação do encontro que ja sempre e numa
unidade total que nunca podera deIinir por explicações de causa e eIeito, pois tambem
estas categorias ja se dão como expressão de si mesmo no nome, ou seja, na linguagem.
Tal linguagem deixa de ser meramente proposicional objetal para se tornar expressiva e
não proposicional.
Pelo menos desde o texto Conversaçào de Metafisica da fuventude Benjamin conta
com a contradiçào da linguagem, variando a sua maneira de aborda-la e tendo-a sempre
presente como criterio de avaliação para a sua propria condição de autor e tradutor, e
critico da obra de outros autores. O presente trabalho procura expor esta dinâmica em dez
seções, preIaciando-as com uma introdução geral sobre a Iormação e a obra de Benjamin
quando jovem:
31
A introdução a obra de Benjamin quando jovem trata de algumas questões centrais
da Iormação de Benjamin quando jovem, principalmente da sua atuação no 'O movimento
cultural da juventude¨, bem como de algumas ideias dos seus escritos iniciais. Benjamin,
provindo da escola convencional de Berlin, passa a Iazer parte da Comunidade escolar
livre (Freie Schulgemeinde), Iundada por Gustav Wyneken como reação a crescente
mudança estrutural da sociedade promovida pela industrialização e possibilitada pelo
avanço das ciências naturais implementadas na tecnologia. Os textos apresentados
sucintamente nesta introdução geral no segundo ponto e que abordam em germen tematicas
posteriores que se reIerem a produção literaria da epoca da juventude de Benjamin são:
Leben der Studenten (Vida dos estudantes), Dialog ueber die Religiositaet der Gegenwart
(Dialogo sobre a religiosidade contemporânea), Der Moralunterricht (Ensino da moral),
Die drei Religionssucher (Três a procura de religião) e ja a carta a Martin Buber em que se
nega a cooperar com uma literatura de intenções estrategicas.
1. Indicação da contradição da linguagem. Nesta primeira seção especiIica quanto a
contradição da linguagem o texto criptico 'Conversação¨ e interpretado no sentido de se
constituir em descoberta da mesma e paulatina segurança para exposição e aplicação em
textos posteriores. No texto são mencionados personagens e seus movimentos que a nosso
ver procuram teatralizar todos os recursos da linguagem. Para a compreensão, o texto
criptico exige um acompanhamento meditativo numa leitura constante do não dito, mas
sugerido entre uma sentença e outra, parecendo cada uma delas, por vezes, aIorismos
completamente desconexos a uma primeira leitura. Pelo recurso da teatralização das
perspectivas e possibilidades da linguagem aos poucos vai emergindo a compreensão da
contradiçào da linguagem da condição humana. O titulo desta secção tem a intenção de
apresentar o indiciamento enquanto descoberta compreensiva da contradição da linguagem.
2. Ensaio aplicativo da contradição da linguagem. Duas poesias de Hoelderlin. Esta
segunda secção da tematica central trata da questão da linguagem na poesia. Nessa seção, o
texto Duas poesias de Hoelderlin apresenta uma reIlexão tendo como pano de Iundo a
contradiçào da linguagem que transparece em sua ambivalência quando da acentuação do
polo da linguagem e compreensão repetitiva, por um lado, e, por outro, do polo da noticia
do poetizado que a poesia traz inerente a si. Restringimo-nos a abordagem da primeira
parte do texto de Benjamin, que traz as reIlexões preliminares a analise concreta das duas
poesias. Basta ai enIatizar o que parece ser a primeira aplicação da descoberta.
32
3. Apresentação da contradição da linguagem: Sobre a linguagem em geral e a
linguagem dos homens. Nesse texto Benjamin expõe explicitamente a ambivalência da
linguagem tendo como um dos seus polos o seu lado objetal na pressuposição da
possibilidade de descrição de algo alem dela, e como outro, a dimensão da recordação do
esquecimento de que ela e o âmbito e ao mesmo tempo a expressão do ser humano em
todas as suas maniIestações. A unidade absoluta suposta não e possivel de se veriIicar por
Iundamento ultimo, pois cada instauração em termos de raciocinio pela categoria de causa
e eIeito ja sempre tambem a pressupõe, sendo apenas acessivel como expressão na
compreensão do itinerario de uma compreensão sempre emergente na recordação de uma
participação ocorrente.
4. Posicionamento IilosoIico: Sobre o programa da filosofia vindoura. Nesse texto
Benjamin estabelece a sua concepção IilosoIica em relação a Kant, decidindo-se pela
conservação e apoio parcial a sua tipologia, que consiste em aproIundar-se na busca das
condições de possibilidade do conhecimento como Platão ja iniciara a Iazê-lo. Distancia-
se, porem, de Kant quando em sua obra percebe a Ialta de tematização da linguagem que a
tudo inclui e carrega, inclusive a busca das condições de possibilidade por um sujeito que
nessa procura intenta instituir a si mesmo como Iundamento ultimo possivel no intuito de
constituir um mundo de objetos a partir de si. O sujeito assim posto e mito em meio a um
tempo pobre de experiência por imaginar a captação de sensações sem a interIerência da
historia, presentada na doutrina enquanto a pletora do sentido sempre subjacente em
quaisquer decisões e explicações atuais. A IilosoIia vindoura deve, portanto, preocupar-se
com a linguagem em que o ser humano sempre se movimenta e a religião como suposto
sistematico sempre a ser descoberto, o que vem a conIigurar novamente os dois polos da
contradiçào da linguagem.
5. A contradição da linguagem na tareIa do tradutor. No texto A tarefa do tradutor
trata-se da seguinte questão: como se pode traduzir a dimensão da linguagem, que, de
acordo com a contradição da mesma, não comunica, não repassa um conteudo, não
transmite algo alem de si mesma? A obra de arte não precisa minimamente levar em conta
o conhecimento de qualquer receptor pelo Iato de que não pode haver estrategia de
conhecimento ou intenção competente na transmissão de algum conteudo. A obra não deve
prestar-se a comunicação no sentido costumeiro e, por isso, não e necessario o
conhecimento, ou a captação do que comunica. Tudo depende da possibilidade de se a
33
verdade inscrita na obra e traduzivel ou não, e isso quem decide e a obra, pois e ela que por
sua propria Iorça aspira e leva a tradução. A necessidade da tradução decorre da essência
da obra que deste modo exige a continuidade da sua existência. Numa tradução interlinear
as palavras e as Irases do original tornam-se citações na escrita de vida do proprio tradutor,
pois do texto emerge a verdade que, por um lado, ja o inclui na obra e, por outro, ao
mesmo tempo, atualiza a mesma na concreção da vida. A contradiçào da linguagem se
localiza enquanto preocupação de não se esmerar numa tradução a carregar conteudos
como se Iossem objetos de uma lingua a outra.
6. A contradição da linguagem na IilosoIia e na arte. No texto Origem do drama
barroco alemào Benjamin insiste na aIirmação de que a Iorma da IilosoIia deve ser ao
modo da apresentação expositiva, sem as pretensões de sistema que tipiIicam o
conhecimento objetivado. O conhecimento objetivado, portanto, não tem o problema da
apresentação pelo Iato de ja estar pronto e ao dispor da possivel aplicação pratica
automatizada e tendente ao esquecimento. Ele subsiste sob as condições da combinada
adequação as coisas e promove seguramente a certeza da compreensão que se reitera
recorrentemente a base de principios aceitos e assim estabelecidos. O sistema entendido
como rede tecida com conceitos e entre conceitos para apanhar a verdade como se Iosse
objeto separado e proprio da modernidade. Os conhecimentos, nesse caso, ocupam a
Iunção de capturar e enredar uma verdade vista como mera objetivação enquanto alvo a ser
constantemente alcançado por conquista. O pretenso resultado e a posse da verdade pelos
conhecimentos como se ela Iosse coisa e manipulavel a qualquer hora. Mas a IilosoIia em
sua tareIa critica, portanto, não pode esquecer o seu proprio comprometimento na atividade
de escuta e recordação, bem como não pode esquecer-se do Iato de que a obra tambem não
e um produto que se pudesse desvincular da atividade da sua realização. Na comparação
entre IilosoIia e sistema, Benjamin decide que o ser reduzido as determinações categoriais
e aos sistemas de classes em geral merece a desconIiança e a discordância, e tambem por
isso se expressa no sentido de que as classiIicações historico-literarias não conseguem se
legitimar, devendo ser compreendidas antes a partir da ideia. A IilosoIia e a atividade que
percebe as duas dimensões da historia: a do Ienômeno articulado enquanto objeto pelos
recursos da racionalidade da sua mitica autonomia, e a como quase paisagem, como ideia,
como recordação, como saber participativo de um retorno ao local onde sempre se esteve
exatamente a Iazer parte da ideia e da paisagem e onde os nomes se dão. Alem da historia
articulada por proposições na intenção de objetivação, encontra-se a ideia de origem que
34
tem a historia como que por dentro, pois engloba e assume o comprometimento com toda a
Iorma de explicação possivel. Na concepção da ideia de origem, que ja traz consigo a
compreensão inevitavel do ser ativo e em totalidade mesmo que sempre indeIinivel por
deIinitivo, a historia caracterizada pelo vies de causa e eIeito e uma imagem, um teor, um
mosaico para a contemplação, e não mais diretamente o acontecer bruto que pudesse aIeta-
la. Novamente ai encontramos em outra roupagem a contradiçào da linguagem.
7. A contradição da linguagem entre a diluição total e a objetivação delirante: Ao
sol. No texto Ao sol Benjamin descreve o percurso entre a condição de linguagem objetiva
enquanto instrumento de sinalização exterior e a percepção da imagem que se Iaz sonora
no nome enquanto integração a paisagem ate quase a diluição de si no todo circundante. A
tentativa e descrever os extremos possiveis da propria contradiçào da linguagem.
8. Complementação a contradição a linguagem: Doutrina do semelhante. O texto
conserva os resultados basicos de A linguagem em geral e a linguagem dos homens, mas
com a complementação de algumas questões, principalmente pelo conceito de semelhança
não sensivel em Iorma de linguagem. Como a natureza em geral, o homem reconhece e
produz semelhanças, as quais ao longo do tempo deslocaram-se e se metamorIosearam em
semelhanças não sensiveis na linguagem. O que se reputa como pura dimensão semiotica,
na verdade seria o Iuncionamento do codigo de semelhanças esquecido, que na velocidade
do relâmpago Iaz a junção de som de palavra e coisa. O deslocamento e a velocidade do
processo impede de percebê-lo sensivelmente a ponto de ha muito tempo estar
automatizado levando aos enganos sobre a signiIicação da propria linguagem.
9. A aplicação da contradição na linguagem. Fran: Kafka. Personagens que se dão
conta da contradição da linguagem agem de maneira muito estranha, pois são capazes de
expressar a ruptura com a normalidade da objetivação para promover um movimento de
retorno que primeiramente os capta como um processo de melancolia e angustia para
liberta-los na dinâmica da recordação e da compreensão em que existem na propria
ambivalência da contradiçào da linguagem que sempre ja são.
10. Entre o dizer e o dito. No artigo Hoffnung im Jergangenen (Esperança no que
passou), Peter Szondi percebe claramente a postura de Benjamin que e a de se voltar ao
passado de si com as circunstâncias da epoca a Iim de vasculhar o signiIicado la inscrito,
como se Iosse uma escrita presente e postuma ao mesmo tempo, mas ainda capaz de
acordar no tempo presente o bom leitor. A pergunta que se Iaz ouvir e: o que impede que
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na epoca exata se leia corretamente? O que impede que muitos não acordem pela
rememoração nem em tempos posteriores? Ha um impedimento Iatal, uma diIiculdade
enorme por vencer a Iim de que se chegue ao entendimento considerado correto. Que
impedimento e esse?
A tese e a de que se trata da contradiçào da linguagem quando esta se concentra
exclusivamente na objetivação, pois em suas metamorIoses a linguagem determina o
tempo relacionando o passado com o presente, como se Iosse acessivel a atualidade qual
um objeto analisavel cientiIicamente a partir de Iundamento absoluto e Iixo. A descoberta,
a apresentação e a aplicação da contradição da linguagem como ponto Iocal, ou Iio
condutor para a leitura da obra de Walter Benjamin conIigura o nucleo da presente tese.

























36




II. O MOVIMENTO CULTURAL DA 1UVENTUDE


E certo que os interesses de Walter Benjamin não se reduzem as questões do âmbito
da IilosoIia da linguagem, pois os mais variados aspectos da cultura mereceram a sua
atenção. Mesmo assim a reIerência da sua IilosoIia voltada a linguagem e essencial em
toda a sua obra. Ademais, se pode dizer que a IilosoIia em geral e simplesmente una e
independe das perspectivas em que se ativa, de modo que, enquanto voltada a linguagem,
ela esta necessariamente tambem relacionada com todas as areas.
Na idade de vinte e quatro anos Benjamin escreveu o texto programatico sobre a
IilosoIia da linguagem A linguagem em geral e a linguagem humana, que marca
deIinitivamente a sua obra. Algo sobre Iormação anterior do autor Iacilita o entendimento
desse importante texto. Aos quatorze anos de idade Benjamin encontrou Gustav Wyneken,
IilosoIo e pedagogo reIormador do ensino medio e Iundador da Comunidade escolar livre
(Freie Schulgemeinde). Provindo da escola convencional de Berlin, instituição de
orientação rigidamente orientada (Gilherminisches Gvmnasium) para a proIissionalização,
deIrontou-se ai com as ideias de reIorma pedagogica voltada para a mudança da sociedade
em geral por meio de um movimento cultural jovem. O proIessor Wyneken em sua
Comunidade escolar livre em Hausbinda apresentava a exigência da realização do espirito
numa nova religião contra os imperativos do mundo capitalista mecanizado e de uma
sociedade em Iranco desenvolvimento de racionalização em tudo, desde o Iim do seculo
XIX. O mestre insurgia-se contra a derrocada de todas as relações sociais tradicionais, que
a seu ver era promovida pela marcha vitoriosa do capital, Ienômeno que para ele
signiIicava a subserviência a logica da razão meramente instrumental. O espirito e a nova
religiào representavam de imediato a liquidação do alvo posto pela sociedade agora
vigente, alvo visto como realizavel pela relação instrumental meio-Iim. O tema central da
nova religião proposta era o incondicionado, ou seja, aquilo que não pode ser reduzido a
37
qualquer Iundamento e que se Iurta a qualquer racionalização elaborada conceitualmente.
Tal concepção religiosa, pelo visto, apresenta um cunho politico que Wyneken e, então,
Benjamin coadunavam com metas e conteudos da praxis, da ação humana em si. O
conceito de religião, portanto, trazia consigo uma intenção politica que se exercitava na
critica das condições sociais vigentes e do entendimento da razão como autônoma,
dominadora e cada vez mais prestigiada pela violenta ascendência e prestigio cada vez
maior do processo de industrialização e mecanização geral. O movimento de organização
de uma juventude que resgatasse o espirito humano aprisionado e embotado nas malhas da
instrumentalização redutora era visto como alvo ate teologico.
Ja esta percepção de seu proprio tempo da a entender a razão de por que Benjamin
se contrapunha a concepção de uma razão autônoma e sugerir um conceito de
conhecimento que possibilitasse pensar a união entre mundo e si mesmo, longe, portanto,
do divorcio Iundamental e necessario a racionalidade instrumental entre subjetividade
racional articuladora de um lado e, de outro, natureza tornada objeto de manipulação. Um
si mesmo abstrato, Irente a um material abstrato denominado natureza e que se da de
acordo com os criterios do entendimento, e o desenho de um esquema geral que Iortalece a
vigência de uma compreensão comprometida com os aspectos da relação geral meio-Iim.
Esse esquema e combatido, pois e entendido como a concepção kantiana que estipula os
principios da experiência possivel como sendo as leis gerais da natureza conheciveis a
priori. Em seu lugar Benjamin propõe uma concepção de experiência segura da sua
unidade original na linguagem, portanto, alem do transcurso por vezes triunIante de uma
consciência que se põe solitariamente como Iundamental. Numa unidade entre razão e
natureza ja sempre ocorrentes e em processo de eIetivação, na suposição do que as
possibilita, as coisas em geral dão a sua participação, elas se revelam em sua propria
linguagem ao homem na linguagem sonora pela qual este se identiIica. A totalidade da
linguagem jamais pode ser objetivada pelo pensamento sempre relacionado com a palavra,
pois se trata de um conhecimento que ultrapassa a capacidade conceitual em seu aspecto
proposicional, o qual em cada momento se da inevitavelmente na circunscrição que deve
supor. A inevitabilidade da suposição da linguagem ocorrente da-se como um saber de um
incondicionado que se Iurta a qualquer tentativa de vislumbre numa perspectiva teorica,
em Iala discursiva na intenção de Iundamentação por argumentos e tentativa de ediIicação
de meta a ser alcançada reIlexivamente, pois estas mesmas intenções estariam a evoca-la
de Iorma imanente e imediata. A experiência da unidade no incondicionado pela sua
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expressão e necessaria suposição na linguagem possibilita a experiência da sua quebra
proposta pela autonomia da razão e as suas conseqüências na historia.
As ideias pedagogicas e reIormistas de Gustav Wyneken, com o seu ideal concreto
de uma vida livre e antiburguesa, Iiguram como centro Iocal das preocupações teoricas
iniciais de Benjamin. Depois de voltar daquela instituição do interior para Berlin,
continuou a ler os escritos de Wyneken Iormando logo um circulo de amigos para a
divulgação do mestre. Assim iniciava-se uma carreira de divulgador e ativista do
movimento da cultura jovem. Benjamin aIasta-se de Wyneken em março de 1915 por carta
discordando da atitude do mestre no apoio a Primeira Guerra Mundial. Alem disso, a
recusa do seu amigo Heinle de ser recrutado para a guerra a ponto de se suicidar pôs Iim a
sua compreensão de que as ideias do movimento jovem pudessem e devessem pretender
cunho imediatamente politico. Mesmo assim, tais ideias parecem permanecer como pano
de Iundo e orientação geral na obra de Benjamin, se bem que o artigo de 1915 'A vida dos
estudantes¨ tenha abordado diretamente a tematica do movimento jovem pela ultima vez.
O movimento cultural jovem de Wyneken caracterizava-se, a diIerença de outros,
por ser uma revolta de boa parte da sociedade alemã, portanto, tambem dos pais dos jovens
imediatamente envolvidos. Não se tratava apenas de uma reação contra a crise do sistema
educativo enquanto tal, mas de uma resistência contra a modernização e industrialização da
sociedade alemã. Os esIorços de industrialização do imperio levaram a crise uma grande
parte da tradicional burguesia alemã deslocando-a de sua situação de importância social e
da sua compreensão de mundo enquanto resultado de Iormação geral humanistica. Desde o
Iim do seculo dezenove ate os intelectuais publicamente Iirmavam a consciência de que os
tempos eram de grave crise cultural. Diversas ligas e comunidades a epoca se Iormaram
para resistir aos novos tempos da maquinaria para a Iormação de uma nova ordem cultural
e social e, entre eles, a ja mencionada Comunidade escolar livre de Wyneken.
O projeto da comunidade justiIicava-se, portanto, pela critica a concepção de
cultura modernista em vias de sedimentar a industrialização com a sua decorrente
valorização exagerada das ciências naturais em detrimento dos tradicionais conteudos de
Iormação humanistica. Tratava-se assim de critica cultural enquanto critica dirigida a
moderna sociedade burguesa. Wyneken radicalizava a sua critica com uma concepção
dualista contrapondo a Ialta de sentido de mundo empirico vigente por um lado e, por
outro, o espirito autônomo capaz de garantir valores absolutos. Tal espirito ele concebia
39
como Iorça eIiciente em cada ser humano a ponto de cada um poder reconhecê-lo em si
mesmo. E claro que a vontade e a capacidade livre deste reconhecimento estava reservada
apenas a poucos escolhidos que se tornavam os guias de uma comunidade, a qual, por sua
vez, representavam a realização do espirito. O mundo burguês Wyneken caracterizava
como proIano em contraposição com o mundo nobre e sagrado, ou seja, o mundo dos
interesses partidarios particulares em contraste com o mundo do espirito. No mundo dos
interesses reina uma razão cunhada pelas ciências naturais totalmente organizadas por
sistemas de conceitos e sinais orientados para Iins que levam a absolutização e ao
predominio da tecnica sobre o homem, a entronização dos meios sobre os mesmos Iins, a
mercantilização do espirito e a descoberta da mediocridade. Em decorrência disso, a meta
do movimento cultural constitui-se na relativização e no combate ao pensar em termos de
racionalidade dirigida a Iins e na substituição desta por um saber imediato da propria vida
espiritual. A Ialsa autonomia da razão assim deveria ser substituida pela autonomia da vida
espiritual por meio dos principios da Iormação propria da vida a partir do seu centro que
possibilitaria ao mesmo a sua unidade e a sua maior abrangência cultural. Esse aspecto
poderia ser denominado de religioso a medida que visualiza a unica totalidade racional
possivel capaz de se Iazer acompanhar por uma orientação etica. (Wyneken, G.
Weltanschauung, 1947, 234).
Em Der Moralunterricht Benjamin diverge da possibilidade de uma instrução
racional e psicologica nas questões eticas. Aborda primeiramente a diIerença kantiana
entre legalidade e moralidade e estabelece que o moralmente bom não pode ser constituido
apenas pela conIormidade com a lei, mas que tambem a vontade deve estar de acordo com
a mesma, pois so assim ha determinação legitima livre de motivos de acordo com a norma
que manda agir conIorme o bem. (GS II, 48). A boa vontade e assim a vontade pura
dirigida para um valor absoluto, sem se desviar para algum outro Iim e sem poder ser
manipulada por alguma orientação pedagogica. Trata-se de uma disposição Iundamental,
que se caracteriza pela renegação e renuncia, e não de uma motivação para proveito
proprio. A diIiculdade disso esta em que não ha possibilidade de dominio discursivo do
âmbito da moralidade. O que resta, então, e apenas a consideração de uma moralidade
vivida enquanto religiosidade. E essa e a concepção de Wyneken, ou seja, de que a
comunidade livre possibilitasse por si mesma um processo criador do aspecto religioso e
suscitasse a contemplação religiosa como modo de Iormação de uma moralidade em si
mesma avessa as possibilidades de analise conceitual. Logo se vê que a religião enquanto
40
involucro de um conteudo como a vontade livre põe em cheque a IilosoIia moral
racionalista de Kant. A ideia geral era a de que a razão pratica de algum modo deveria
conter antes de tudo principios de ação sem os quais permaneceria inevitavelmente
abstrata. Haveria de ter um Iundamento que a deIinisse melhor e o achado e exatamente o
conceito de religiosidade, que paradoxalmente não Iirma a autonomia da razão em si
mesma, mas num mundo do espirito anterior a pretensa liberdade da mesma razão. Este
resultado e Iundamental para toda a obra de Benjamin, pois indica um mundo religioso que
de Iorma alguma se deixa apanhar por aproximações analiticas e que coloca todas as
atividades do ser humano num quadro, numa Iigura, num Bild sempre anterior as mesmas e
que se deve descobrir.
Um aspecto interessante em relação a IilosoIia da linguagem de Benjamin da-se
numa questão da critica a moral racional que e o problema da liberdade. Kant deIende a
liberdade humana de toda a causalidade, bem como as leis morais por principios a priori
que então se Iundamentam numa necessidade absoluta e, assim, põe a vontade sob a lei da
sua propria liberdade. Essa lei e a conseqüência imprescindivel da autodeterminação da
razão que deve se conIirmar no processo intersubjetivo a base do melhor argumento para
que a eIetivação do dever na ação moral aconteça. Desse modo institui-se uma
circularidade, ou seja, trata-se da tentativa de Iundamentar racionalmente a liberdade da
ação, a qual por deIinição não pode ser provada. Por um lado Benjamin percebe que o bem
desejado so pode acontecer enquanto livre de interesses externos e, por outro, que a
compreensão da vontade livre não comporta Iundamentação. A duvida e quanto ao saber
sobre as motivações pessoais nos textos escritos, sobre os seus possiveis eIeitos nos
leitores e, portanto, motivações e eIeitos não conIorme a liberdade da vontade que se põe
como exigência. Numa carta a sua amiga Carla Seligson ele trata do assunto resolvendo a
questão do seguinte modo:
Penso que sempre devemos estar preparados para o fato de que
nenhuma pessoa no presente e no futuro em sua alma, onde e livre,
possa ser influenciada e forçada por nossa vontade...o bem so
acontece por liberdade. Finalmente qualquer boa açào e apenas
simbolo da liberdade daquele que a pratica...O 'Inicio` |revista
editada pelo grupo para a divulgação das ideias do movimento| e
apenas um simbolo, tudo no que ele, alem disso, se torna efica: e
graça, incompreensibilidade. (Benjamin: BrieIe, Hg. Von G. Scholem
und T.W.Adorno, 1978, 89).
Trata-se da duvida sobre bem e mal na atuação da escrita. Se o bem e inacessivel a
qualquer abordagem discursiva, então surge a pergunta pela legitimidade da atividade de
41
publicação, isto e, sobre se ela na pratica não contraria as proprias ideias que promove. A
pergunta era por Benjamin respondida no sentido de que a revista Anfang (Inicio), bem
como a propria Comunidade livre escolar seria um simbolo, uma ação de liberdade. Se
bem que a questão neste caso seja insoluvel - pois qual a publicação que de Iato não quer
convencer o leitor ela, porem, se desloca na preocupação de Benjamin para o âmbito da
linguagem, especiIicamente para a apresentação da sua teoria no artigo Sobre a linguagem
em geral e a linguagem dos homens de 1916. Mas ja antes do reIerido artigo ele ja havia
recusado o convite de Martin Buber para colaborar na revista Der Jude |O judeu|
apresentando em carta a diIerenciação entre um conceito de linguagem vista como
instrumento de comunicação e outra como linguagem imediatamente revelativa:
Constitui-se em opiniào vigente, largamente difundida e, em todos
os lugares ate vista como evidente que a literatura possa influenciar o
mundo moral e a açào dos homens a medida que oferece motivos para
açòes. Neste sentido, portanto, a linguagem e apenas um instrumento de
preparaçào de motivos mais ou menos sugestivos, os quais preparam o
agente no interior da alma. A caracteristica dessa concepçào que em
geral nào chega nem a considerar uma relaçào da linguagem com a
açào em que a primeira nào fosse instrumento da segunda. Esta relaçào
e concernente a uma linguagem como que impotente e degradada
enquanto açào pobre e fraca, cufa fonte nào se encontra nela mesma,
mas em quaisquer motivos di:iveis e exprimiveis. Sobre estes motivos,
por sua ve:, pode-se debater, contrapor outros e desse modo (em
principio) a açào e posta como fim enquanto resultado de um processo
de calculo examinado por todos os lados. Toda a açào que se da pela
expansiva tendência de encarreirar palavra atras de palavra parece-me
tanto mais devastadora, onde toda esta relaçào de palavra e açào como
que entre nos se estende de modo sempre crescente enquanto mecanismo
para a reali:açào do absoluto correto ('). (...) Literatura em geral eu
posso acompanhar na compreensào como poetica, profetica, obfetiva no
que concerne ao efeito, mas de qualquer modo apenas enquanto magica,
isto e, imediata. Todo o efeito saudavel da escrita, sim, todo aquele que
nào e devastador em seu intimo consiste no seu misterio (da palavra, da
linguagem). Sefa de quantos modos a linguagem possa comprovar-se
efica:, ela nào o conseguira pela intermediaçào de conteudos, mas pela
mais pura acessibilidade da sua dignidade e da sua essência. Minha
concepçào de estilo e escrita obfetivos e altamente politicos e. condu:ir
ao que foi negado a palavra, apenas onde aquela esfera do sem-palavra
se abre em indi:ivel poder puro, a centelha magica entre palavra e ato
movente pode saltar, onde a unidade desses dois e igualmente
efica:.(...). Eu nào acredito que a palavra em qualquer lugar possa estar
mais distante do divino do que o agir 'efica:`, de modo que tambem
nào e capa: de condu:ir ao divino de outro modo do que por si mesma e
por sua propria pure:a. Enquanto instrumento ela cai na usura. (idem,
126).
E um documento claro que descreve o horizonte dos problemas de Benjamin e a
indicação das suas soluções quanto a concepção IilosoIica sobre a linguagem. No centro da
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questão esta a relação entre estrategia politica e conhecimento, ou seja, o problema da
mediação pela linguagem de um comportamento orientado por valores. Surge ai, então, a
contradição de Iorma e conteudo com a exigência de que o conteudo deva ser absoluto,
divino, livre de metas empiricas. A linguagem como mero sistema de sinais, pelo contrario,
reIlete a racionalidade instrumental em termos da relação meio-Iim. Benjamin quer
apresentar um conceito de linguagem que não esteja somente ao serviço da comunicação
de acordo com algum discurso racional, orientado por reivindicações de validade com
pretensões de repasse de conteudos absolutamente certos, mas que seja expressão do
incondicionado. O incondicionado e capaz de apresentar em si mesmo o seu Iundamento,
pois carrega consigo uma Iorça motivadora imediata em analogia com a questão da
liberdade e da moral. O âmbito do sem-palavra que a cada vez possibilita a linguagem e
imediato por estar Iora de qualquer relação em que se trata de objetos ao modo da estrutura
predicativa. Exatamente essa imediação, em que a linguagem se encontra e se da, signiIica
a eliminação do indizivel, pois, ao não comunicar o absoluto em termos de objeto, ela
mesma o expressa em constante exercicio.
Esse conjunto de ideias talvez explique as diIiculdades do movimento cultural
jovem quanto a um programa mais concreto e quanto a alguma estrategia politica: o Iato e
que o seu proprio alvo como realização do incondicionado, por enquanto denominado de
ideia, proibia qualquer expressão mais contundente em termos de conteudo e ação
orientada para Iins. Wyneken mesmo proclamava que ja por meio de uma nova maneira de
ser ter-se-ia alcançado o alvo. E isso não deveria signiIicar mero idealismo, mas a
inseparabilidade de saber e ação. O incondicionado enquanto ideia não intenta colocar
questões de conteudo, não Iaz parte do saber proposicional, mas, mesmo assim, determina
os principios da ação, pois tal ideia se realiza praticamente. Como ja dito, Benjamin
entende que a escrita veiculada pela revista Anfang, bem como a propria Comunidade
escolar livre devem ser vistas como a realização simbolica de uma nova moralidade, livre,
portanto, das injunções de motivações para determinados Iins. A perspectiva intencional
desaparece no simbolo que praticamente se realiza e com ele o sujeito que antes procurava
comunicar-se de Iorma intencional. Tal imediação na ação signiIica uma proIunda solidão,
pois o especiIico humano e liquidado. (Benjamin, W. BrieIe, Hg von G. Scholem und T.
W. Adorno, 87). Ha uma situação em que o Eu não mais se contrapõe a qualquer objeto e
paradoxalmente assim conquista a sua liberdade. No movimento de se chegar a essa
situação, a procura por uma nova religião alem dos comandos do mito de uma
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racionalidade absolutamente autônoma, esquecida em seu absolutismo por não se dar conta
das dependências das condições de sua auto-explicação, termina por aspirar a anulação de
qualquer contraposição entre mundo empirico e mundo inteligivel, entre Deus e natureza.
Como se chega a uma unidade que suplanta sujeito e objeto e não permite o seu
conhecimento? Como Hölderlin, Benjamin tentara resolver a questão pela reminiscência,
sem antes, porem, conIorme a Biblia, deixar de rotular alegoricamente todo o
conhecimento sobre bem e mal como culpa e a ação como inocência. (Benjamin, W.
BrieIe, 88). O aventado teor biblico com a questão da culpa constitui-se em horizonte
teologico para um problema epistêmico e aponta claramente para o artigo sobre a
Linguagem em geral e a linguagem dos homens, onde e abordada a hipotese da queda do
espirito da linguagem e a da expulsão do paraiso. A queda acontece pela quebra da unidade
imediata de mundo empirico e inteligivel por meio do conhecimento ligado a linguagem,
quando as coisas começam a ser consideradas como contrapostas em Iorma de objeto e um
sujeito absolutamente consciente de si.
Seguindo os passos de Wyneken, Benjamin tambem considera a arte em geral, mas
principalmente a poesia, como Iorma de maniIestação do absoluto. Tal ideia, porem, e bem
mais antiga no mundo cultural alemão, pois ja se encontra em Herder. Ela procura traduzir
a sagrada dignidade da arte, principalmente da poesia, e representa a critica a Iorma
iluminista da racionalidade. Encontra-se tambem no Iamoso Ältestes Svstemprogram des
deutschen Idealismus. Tal ideia tambem Ioi deIendida nos aspectos esteticos pelos
primeiros românticos estendendo a sua inIluência ate o inicio do seculo 20, em autores e
poetas como George, Rilke e Benn. (Frank, M. Gott im Exil, 1988). ConIorme a tradicional
critica a racionalidade dos primeiros românticos, Wyneken viu a supremacia da Iaculdade
estetica sobre o entendimento do seguinte modo: o entendimento e caracterizado por seu
procedimento analitico e depende da receptividade de dados dos sentidos para cumprir com
a sua Iunção cognoscitiva, enquanto que na Iaculdade estetica o poeta dispõe de uma Iorça
criativa capaz de sintetizar espirito e materia, de tal modo que, enquanto criador autônomo,
o proprio espirito pode reconhecer-se na materia da obra. A contraposição de espirito e
materia parece superada a ponto de a vivência da arte constituir-se revelação. (Wyneken,
G. Schule und Jugendkultur, 1914, 153). A propria IilosoIia pode transverter-se em poesia,
pois nela ha exatamente a suposição da superação dos limites da consciência para perIazer
a aludida unidade de sujeito e objeto. A verdade escapa das arremetidas intencionais da
razão, bem como da objetivação conceitual, estabelecendo uma crise na consciência tanto
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na circunscrição da arte quanto da linguagem. Apoiando-se em Platão, Wyneken propõe-se
captar o absoluto apenas numa condição extatica em que a consciência racional abdica das
suas Iunções normais para se deixar guiar pela Iorça do Eros. (Fedro, 265 E).
O Eros e a grande e fundamental experiência do espirito, a
experiência de uma expansào infinita do sentimento de vida, de modo
que aquele que, mesmo em sonho alguma ve: saboreou, dela nào mais
pode prescindir e nem quer. A experiência de tal enlevo torna-se criterio
para o valor da vida em geral. (Wyneken, G. Schule und Jugendkultur,
1947, 222).

A obra de arte deste modo atinge a condição de tornar visivel o novo e se torna o
meio em que se realiza o conhecimento da religião.
Benjamin, por sua vez, ja em 1910, sob o pseudônimo de Ardor, publicou Die drei
Religionssucher (Três a procura de religião) em que ja da a entender o conceito de religião
enquanto uma conexão geral de vida. O texto trata de três jovens que saem da sua patria a
procura da unica e verdadeira religião. O primeiro jovem vai em direção de uma poderosa
cidade, 'pois coisas admiraveis ele havia escutado sobre as grandes cidades: todos os
tesouros da arte la estariam preservados, poderosos livros sobre sabedoria milenar e
Iinalmente tambem muitas igrejas...Ai certamente deveria estar a religião¨. (GS II-3, 892).
Fracassa, porem, o proposito de entender a religião com a ajuda da razão, apesar da
atenção dada a tradição cultural, do aporte dos testemunhos da historia e do entendimento
humano. Diz o primeiro jovem: 'Pois em toda a grande cidade não ha uma so igreja, cujos
dogmas e principios eu não pudesse contestar¨. (GS II-3, 894). O segundo jovem propõe-se
encontrar Deus na natureza 'quando se deitava na grama e observava a passagem das
nuvens brancas no ceu azul, quando na Iloresta como um raio repentinamente via um lago
escondido obscuramente atras das arvores, então era Ieliz e pensava que teria encontrado a
religião...¨.(GS II-3, 992). Mas a razão não alcança o conhecimento de Deus, sendo, pelo
contrario, capaz de se deixar levar pelas suas proprias produções ate a condição de se
esquecer no dogmatismo e, Iinalmente, terminar no ceticismo geral deixando vazio o mero
sentimento. Deste modo o segundo jovem nunca conseguia explicar o seu ponto de vista,
resumindo os seus relatos com a expressão: 'Tal coisa ha que sentir!¨ (Idem, 894).
Tornava-se, então, motivo de risos. Não havendo resposta para a questão religiosa nem
pelo caminho da razão, nem pelo caminho do sentimento, o terceiro jovem procura
descrever em seu relato uma possivel sintese de ambos os caminhos. Relata que as
diIiculdades materiais o levaram a desistir da procura de algo do qual nem sabia ao certo o
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que era e o Iorçaram a seguir a proIissão de Ierreiro ate aos trinta anos, quando resolve
encetar o caminho de volta para a sua aldeia natal. O caminho de volta signiIica ao mesmo
tempo o caminho da recordação, pois tanto o caminho de volta a terra natal enquanto
recordação o leva ao cume da montanha em que, olhando para tras,
vê no clarào do sol da manhà...a vasta planicie diante de si...com
todas as aldeias em que anteriormente trabalhava e igualmente a
cidade em que se havia consagrado mestre. E todos os caminhos ele via
nitidamente diante de si, os caminhos que havia andado, bem como os
locais do seu trabalho...Mas quando desviou o olhar e o fixou no alto em
direçào ao brilho do sol, aos poucos por entre as nuvens viu surgir
entào diante dos seus olhos um novo mundo em aparência trêmula.(GS
II-3, 893).

O sentido dessa descrição e a possibilidade da sintese entre ser e consciência
no poder da recordação que se da a distância numa situação superior, como se o olhar da
montanha para a planicie Iosse o Eu enquanto si mesmo a se recordar do seu Iundamento
proprio vendo ao mesmo tempo um novo mundo na recordação, o Iuturo no passado.
No texto Dialog ùber die Religiositàt der Gegenwart (Dialogo sobre a religiosidade
contemporânea) Benjamin deIende a necessidade de uma nova religião, dado o Iato de que
a praxis racional e insuIiciente, pois, ela mesma, não se constituindo como Iim da ação e
não tendo por alvo a universalidade racional, esgota-se na procura de quaisquer Iins. A
totalidade racional tem como causa central a coisiIicação da natureza pelo entendimento e
a necessidade de uma nova religião se impõe exatamente pelo Iato de Kant ter interposto
um abismo entre sensibilidade e entendimento e ver em tudo a vigência da razão pratica
moral.
Estremeço diante do quadro de autonomia moral que você evoca.
Religiào e conhecimento dos nossos deveres enquanto mandamentos
divinos, di: Kant. Isto e. a religiào nos garante algo eterno em nosso
trabalho cotidiano e e isto que antes de tudo e preciso. A sua famosa
autonomia moral transformaria o homem em maquina de trabalho para
fins que se condicionam um ao outro numa seqùência sem fim. Como
você opina, a autonomia moral e uma monstruosidade. Trata-se da
degradaçào de todo o trabalho ao aspecto tecnico. (GS II-1, 20).

Benjamin no Iim das contas deIende que a superação da razão instrumental
seja a aproximação entre espirito e sensibilidade no âmbito da religiosidade, no qual se
pode ingressar desde que a consciência não mais esteja contraposta ao mundo dos objetos e
os objetos não mais apareçam de acordo com os criterios das condições da subjetividade. A
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concepção necessaria e a de que a subjetividade não se arrogue ao direito nem de se
entronizar a si mesma instância tirana sobre a natureza, nem de se compreender enquanto
substância abstrata que se pudesse voltar sobre si mesma de modo puramente reIlexivo. 'O
movimento da juventude a despertar indica a direção daquele ponto inIinitamente distante,
que conhecemos por religião¨ (GSII-1,72).
No texto Leben der Studenten (Vida dos estudantes) Benjamin apresenta a
exigência de que os estudantes zelassem pela Iormação da sua existência enquanto unidade
consciente, alem disso, que se submetessem a um principio, deixassem que a ideia
prevalecesse em suas vidas, que em sua propria vida Iinita o espirito devesse realizar-se
praticamente pela ação como uma totalidade individual (GS II-76). De acordo com essa
exigência, a inteligência da juventude deveria estar determinada em se constituir suporte de
uma nova religião, cuja tareIa e obrigação seria a Iormação de uma comunidade religiosa
enquanto vanguarda de uma revolução cultural. A diIiculdade da eIetuação desse modo de
vida estaria nas exigências da propria ciência como costumeiramente representada. A
concepção rotineira de ciência vê todo o saber subjugado sob uma estrutura meramente
proposicional e propõe uma relação de ação por mediação em que o saber se apresenta
enquanto proposição sobre um objeto numa conexão de sujeito com objeto, resultando
disso uma separação de conteudo e objeto. Surge então uma separação de sujeito e
predicado que corresponde com aquela de sujeito e objeto. O objeto aparece como objeto
resultado de uma proposição intencional que, por sua vez, procura Iundamentar-se no
sujeito. O saber daquele que conhece, porem, não pode imediatamente ser motivador de
ações e por esta razão, na Critica da ra:ào pratica, Kant teve de apresentar não so um
principio da determinação da vontade, mas tambem um principio da obrigação absoluta da
vontade, o que e um eIeito da separação entre ração pratica e teorica. Quando a razão
teorica propõe o mundo objetivo como a extensão de todas as determinações predicativas,
Iorma-se a intransponivel Ienda entre ser e dever ser, condição esta que levou Kant a
procurar um substrato inteligivel da natureza para Iins de mediação entre teoria e pratica na
Critica do fui:o. Assim a unidade de vida que e exigida tem como pressuposto que o saber
acumulado pelos estudos não se separe em saber tecnico-pratico de um lado e, de outro,
saber racional moral-pratico. Trata-se de um saber que superou a separação entre conhecer
e agir pelo Iato de ser imediatamente motivado ao colocar de lado a relação sujeito-objeto.
De acordo com Benjamin, então, a vida unitaria dos estudantes deveria ter incorporado esta
47
relação com a ciência, ou seja, que ela não deveria ser considerada como um agregado
externo de conhecimentos, muito apropriada para os Iins de exercicios proIissionais.
O fato de a ciência nada ter com a vida leva-a obrigatoriamente
a formar de modo exclusivo a vida daquele que a segue. Uma das
reservas mais inocentes e mentirosas sobre ela e a de que deveria
promover X e Y a uma profissào. A profissào decorre tào pouco da
ciência a ponto de poder ate exclui-la. Pois, de acordo com a sua
essência, a ciência nào tolera a soluçào de si mesma, ela compromete o
pesquisador de certo modo sempre como professor, mas nunca enquanto
formas de profissào estatais de medico, furista, professor universitario.
Nào condu: a nenhum bem quando institutos se denominam de locais de
ciência, nos quais titulos, autori:açòes, possibilidades de vida e
profissào podem ser conquistados. A obfeçào que pergunta sobre a
forma de como o estado de hofe deve contar com os seus medicos,
furistas e professores, nada prova contra isso. Ela apenas mostra o
revolucionario tamanho da tarefa. fundar uma comunidade de
conhecedores no lugar da corporaçào de funcionarios e estudantes. Ela
apenas mostra ate que grau as ciências de hofe no desenvolvimento do
seu aparato profissional (por saber e aptidòes) foram desviadas da sua
origem unitaria na ideia do saber, a qual para eles se tornou um
segredo, quando nào uma ficçào. (GS II-1,76).

A superação do estudo em areas especiIicas, estudo orientado para Iins
externos e apenas possivel pela unidade de teoria e pratica, pela concretização de uma
comunidade de estudantes que, num saber vivido, considera o saber mais do que a mera
soma das Iaculdades divididas em areas especiIicas. Dar conta desse processo so e possivel
pela IilosoIia.
A comunidade de homens criativos eleva aquele estudo a
universalidade. sob a forma da filosofia. Tal universalidade nào se
conquista quando se apresentam perguntas literarias ao furista e
perguntas furidicas ao medico...mas a medida que a comunidade
providencia e por si mesma afa no sentido de que, antes de qualquer
especificaçào por area de estudo, ela mesma, a comunidade da
universidade enquanto tal, sefa produtora e guarda da forma
comunitaria filosofica, porem, tambem nào com questòes da filosofia
especiali:ada dentro dos limites da sua cientificidade, mas com
perguntas metafisicas de Platào e Espino:a, dos romanticos e de
Niet:sche. (GS II-1, 82)

Este modelo de ciência signiIica nada mais e nada menos do que a ruptura com a
IilosoIia da consciência e com os Iundamentos do racionalismo moderno. A razão a
procura de algo esta novamente Irente a conhecida aporia do Menon de Platão que em
resumo diz: o homem não pode procurar por nada, nem por aquilo que ja sabe e nem por
aquilo que não sabe, pois, no primeiro caso, não pode procurar pelo que ja possui e, no
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segundo, não pode procurar por algo que desconhece (Menon 80 C). O que se procura esta
alem do ser e da consciência e que so se encontra na superação da relação entre sujeito e
objeto. Benjamin busca soluções em Platão quando apresenta o desejo erotico como aquilo
que determina a totalidade do homem, tanto os seus sentimentos quanto o seu intelecto.
No Svmposion Eros aparece como o guia no caminho do conhecimento do belo sagrado.
Eros ai se deIine como a aspiração ao todo (Symposion 192 E). Eros, Iilho de Poros e
Penia tem a incumbência de ser tradutor e emissario entre os deuses e os homens. E Platão
considera a eIetividade erotica, o espirito e a sensibilidade, o desejo que Iaz a mediação
entre o Iinito e o inIinito como aquilo que proporciona sentido de Iorma cabal e
incondicional. Pelo Eros o homem chega a experiência da sua dependência da natureza e
nisso, ao mesmo tempo, desta união entre si mesmo e o mundo, ele pode perceber a sua
unidade, mas tambem liberdade, pois agora se encontra na situação de não se compreender
como absolutamente subjugado pela natureza por um lado, e, por outro, livre da ânsia de
simplesmente domina-la pelo entendimento. A mediação do Eros e um processo criativo
que, quando suspenso, Iaz desaparecer a união aludida e a vida recai nas velhas oposições
Iixas de sujeito e objeto, entendimento e natureza. De acordo com este processo criativo,
não pode então haver conhecimento positivo do que e divino. A consciência nunca podera
contar o divino como posse. E apenas na ação pratica que o saber da ideia se comprova e
nunca podera ser Iixado em proposições. Esta e a razão da critica de Platão a linguagem e a
escrita. Mas Benjamin, pelo contrario, como se vera, considera exatamente a linguagem
como a circunscrição, o medium, no qual ser e consciência têm a sua morada e onde a
verdade se revela. Enquanto Eros, na acepção de mediador elaborada, ele tem uma tareIa
hermenêutica e historica, pois a sua Iunção não teria signiIicado sem a suposição de uma
separação havida e que agora cumpre unir. Tendo sido quebrada a unidade original, tem-se
agora a historia como conseqüência. A unidade original Benjamin denomina paraiso e ele
se entende na tareIa de restituir a imediação perdida. ConIorme bem mais tarde na XIV
tese de Sobre o conceito de historia citara Karl Kraus 'A origem e o alvo¨ (GS I-2, 631),
assim o conhecimento deve especiIicar-se como um modo de recordação.
Onde a razão se vê reduzida a meio para alcance de determinados Iins com a
seqüente divisão entre vida espiritual e sentimental, surge tambem um outro Ienômeno
semelhante a ideologia da Iormação proIissional, que e o casamento. (GS II-1, 83). A
semelhança do intelecto, tambem os sentimentos são degradados a simples meios. O
entendimento e degradado para a Iormação proIissional e os sentimentos para a Iormação
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da Iamilia. A tareIa dos estudantes, portanto, e a Iormação de um ambiente em que os
sentimentos, a razão e a natureza sejam uma unidade.
Nas escolas superiores encontra-se soterrada uma ingente tarefa,
sem soluçào, negada. maior do que as inumeras soluçòles em que a
ocupaçào social se atrita. Trata-se desta. a partir da vida espiritual
elaborar em unidade aquela espiritual independência criadora (no
corpo estudantil) e o que tristemente nos observa enquanto força da
nature:a ainda nào dominada (na prostituiçào) desfigurada e
despedaçada como Torso do Eros espiritual.(GS II-1, 84).

ConIorme a exigência de Benjamin em relação aos estudantes, uma existência
criativa deve ser revolucionaria e messiânica ao mesmo tempo, pois a superação da
separação entre sensibilidade e inteligibilidade apenas e possivel na compreensão do teor
original da natureza, destruido uma vez em sua totalidade, mas ainda presente em lascas e
estilhaços em que e reconhecivel. As Iormas de ação guiam-se por esse registro: quanto
menos Ior a ação racional voltada a Iins, tanto menos sera possivel pautar o presente pelo
Iuturo, pois como a ação não e medida por alguma utilidade vindoura, tambem o presente
não pode ser medido pelo Iuturo. Por isso, a ação deve eIetivar o seu sentido na realização
dela mesma, o que signiIica que devera reconhecer as suas determinações e os seus
conteudos naquilo que passou. Assim, em vez de o messianismo extenuar-se na procura
por realizações utopicas, ele se concentra na reconstituição do que passou, do que
supostamente desapareceu no esquecimento, ou seja, nos rastros da unidade original
paradoxalmente ainda possiveis de serem seguidos na historia.
O comportamento voltado a Iins dos estudantes a procura de somente segurança
proIissional e casamento e determinado por um tipo de concepção da historia que
Benjamin descreve assim:
Uma concepçào de historia que, em confiança na eternidade do
tempo, somente diferencia o tempo dos homens e das epocas que
rapidamente ou devagar se sucedem nos trilhos do progresso. A isso
corresponde falta de conexào, carência de precisào e rigide: da
exigência que ela fa: ao presente. (GS II-1, 75).

Nesta acepção, o Iuturo somente tem sentido quando toda a atividade do presente e
considerada como meio. Deste modo, porem, o presente e degradado e paradoxalmente não
consegue moldar o Iuturo. A historia, então, não pode ser compreendida pela relação de
um meio para um Iim como na tecnica e, conseqüentemente não ha continuidade entre
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presente e Iuturo enquanto novidade como se supõe normalmente, ja que e a continuidade
do velho. O que e novo supõe a ruptura com o velho e, exatamente por isso, e nele
reconhecivel. Trata-se de novamente lembrar a possibilidade da ação livre da dicotomia
entre razão e natureza, entre liberdade e necessidade. A verdade, então, não estando no ser
e nem na consciência, diz respeito a unidade perdida na historia e seus rastros, mesmo
assim, estão presentes enquanto Iundamento sempre procurado da unidade do si mesmo
(pois não pode ser o sujeito) e do mundo. Todo o presente sempre esta numa determinada
constelação com o inIinito. Benjamin explica:
em um determinado estado, no qual a historia reunida descansa
como num ponto focal, como desde sempre nas figuras dos pensadores
utopicos. Os elementos do estado final nào estào ao dispor enquanto
tendências informes de progresso, mas estào profundamente aninhadas
em cada presente como criaçòes e pensamentos ameaçados,
desacreditados e escarnecidos. A tarefa historica e a de moldar o estado
imanente da perfeiçào em estado absoluto, torna-lo visivel e dominante
no presente. (GS II-1, 75).




























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1. A INDICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: A CONVERSAÇÄO

Onde tu estas, fuventude' o que a mim sempre
Na hora acorda de manhà, onde tu estas, lu:?
(Hòlderlin)

Os versos de Hölderlin como distico inicial do texto Metafisica da fuventude
chamam a atenção para o Ienômeno do acordar de cada manhã, que, no momento do seu
acontecer, possibilita a pergunta pela condição da consciência de um novo inicio do
compreender, continuando de algum modo o que Ioi interrompido pelo sono e pelo sonho
durante a noite que passou. A compreensão a cada manhã se renova qual novo inicio de
mundo em nova juventude, que, então, o poeta experimenta como se Iosse luz, igual a luz
que se Iaz toda a manhã que ai esta coincidentemente quando acorda. Cada manhã ele se
encontra na situação de compreender o que veio a ser, o que e e o que possivelmente sera,
e a cada manhã podera ter perguntas e respostas diIerentes sobre qualquer coisa que seja.
Mas o que não pode mudar e que acorde sem que queira e, de alguma Iorma, compreenda e
se Iaça luz no processo de compreensão situando-o numa continuidade de si e de mundo
sobre a qual, de inicio e em principio, não tem dominio. Ao poeta surge assim a questão da
Ionte da compreensão sobre o local do vir a ser da luz que compreende a propria luz e a si
mesma compreende como luz.
O processo de compreensão ativa-se iniciando inevitavelmente sobre o que quer
que seja, e isso em Iorma de imediatos juizos apoIânticos a objetivar conteudos sobre o
mundo, a vida, as preocupações, emoções, anseios e esperanças. Coisas, compreensões,
preocupações, esperanças e anseios simplesmente se impõem, se encostam e se desenrolam
automaticamente exigindo a atenção de um observador que inapelavelmente parece ao
mesmo tempo ser obrigado a se identiIicar com o que assim lhe aparece ao espirito, pois
como poderia separar-se do que assim compreende? O observador de si e a atividade de
observação compreensiva parecem identiIicar-se: eis a diIiculdade. Pois, como poderia o
observador desvincular-se do que e em preocupações, anseios e expectativas? Alem disso,
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como poderia o observador desvincular-se dos conteudos que compreende, quem sabe
apontando para qualquer coisa na intenção de se desIazer daquilo com que propriamente,
imanente e imediatamente esta a se identiIicar? E levado, então, a compreender que e
compreensão Iatica de qualquer maneira com tudo o que ela traz consigo mesma, sem
poder indicar a origem de tal atividade para, quem sabe, poder dominar inteiramente o
processo, ja que percebe muito bem o Iato de que as proprias pretensões de dominio
analitico obedecem ao mesmo ritmo e se aIinam pelo mesmo diapasão.
O sono e o sonho que compreende ao acordar tambem estão envoltos na luz da
compreensão agora ocorrente. O acontecimento do acordar para a compreensão do que seja
mundo, do que seja sono e sonho e do que ele mesmo seja pela atividade de compreensão,
leva-o a procurar pela Ionte do que percebe de si mesmo e que ocorre enquanto
compreensão. Como a podera encontrar sem que seja pela mesma compreensão em que se
percebe a ocorrer? Ele a chama de Ionte da juventude como um local de emergência de
todas as aguas que ja adiante estão a correr numa paisagem Ieita de visualização
consciente. Não lhe pode indicar a causa, pois a sua indicação evidenciaria o deIeito do
esquecimento de que tal Iorma de explicação tambem ja Iaz parte do repertorio da
compreensão em ocorrência. Chama-a de Ionte da juventude talvez ja para indicar a
intenção de se aIastar das repetidas velharias ilusorias, esclerosadas e esquecidas do
compreendido como conhecimento sistematizado em estado de objetivação, que se
reputam como absolutamente normais e naturalizadas. Mas como se aIastar do Iluxo
impositivo do que ja veio e sempre vem intermitentemente a luz? Como e possivel
apanhar-se na determinação consciente de tal processo como juventude analisante, critica e
observadora daquilo que advem em contraposição a uma compreensão ativada no descanso
da normalidade do dia a dia, a qual, por sua vez, não consegue perceber o milagre da sua
proveniência, manutenção e aceitação social costumeira em meio a todos os outros? Mas,
ao mesmo tempo e de igual modo, qual o criterio de separação do velho a advir e do novo a
observar o que advem, e, ainda mais, qual o estatuto de adveniência da pergunta que
procura ver novidade no continuo? Não seria aquilo que se reputa o velho em continuidade
de compreensão exatamente o novo que procura observar-se em Iluxo? E, junto com a
pretensão proponente da pergunta sobre ambos, não seriam os três apenas aspectos
diIerentes do mesmo advento?
53
A diIiculdade de Iato não esta em que se tente e consiga dar respostas em Iorma de
sentido somente objetivado, mas sim, em que a Ionte da luz chega a ponto de se obnubilar
e, então, conIundir-se com aquele que se da conta e pergunta no ato mesmo de
compreender. Então, possivelmente, o que chama de juventude Iaz-se ocorrência nele
mesmo, ou e ele mesmo de algum modo, apesar de entender que qualquer coisa que
aconteça no mundo, na sociedade, ou consigo mesmo neste exato processo, sera
novamente a compreensão do acontecido. O distanciamento de si para a analise de si e a
pergunta por si para se encontrar deixam-se envolver na mesma compreensão. Quem aIinal
de contas pergunta e quem responde? Quem Iala e quem ouve? Qual e o estatuto da palavra
com que esta a compreender a si mesmo enquanto compreensão a se perguntar pelo
misterio de tal ocorrência? Possivelmente esteja a se perceber num dialogo constante com
a totalidade do que Ioi elaborado e que o assusta, aponta e escolhe como interlocutor em
acontecimento de compreensão. Possivelmente, como ele, somos todos apenas Ialantes a
nos mesmos e aos outros e, por vezes, apenas ouvintes de nos mesmos e dos outros.
Talvez a primazia da atenção deva ser dada a uma das dimensões ja aventadas e,
por isso, considerada mais uma vez: Benjamin poderia estar Iazendo uso dos versos de
Hölderlin para indicar alegoricamente o acordar na manhã de um sono e sonho instituido
compreensivamente em estado de normalidade Iuncional e inconsciência geral, ou seja, do
Iluxo geral do pensamento rotineiro, da naturalidade de uma totalidade compreendida de
Iorma absoluta e positiva como se o conteudo compreendido em nada dependesse de quem
assim compreende; em outras palavras, estaria a perguntar pela luz da clarividência na
manhã da existência para alem do normatizado, ou, dele tentando tomar distância, desde
que a palavra existência signiIicasse, por correção etimologica, a saida (ex) de uma
compreensão que imediatamente se da como sistematizada (sistência) e no esquecimento
desse Iato; alem disso, estaria a perguntar pelo lugar da luz, pela sua condição de
possibilidade, pelo local de seu surgimento, como a dizer que o dominio sobre ela, a qual
rompe com a tranqüilidade do ondular paciIico e rotineiro de um pensamento domesticado
pelo oIuscamento do imediato, não e possivel por parte do sujeito que a si mesmo quer
supor-se autônomo, atento e desperto, porque a propria entidade chamada de sujeito ja se
conIigura em rotineira decisão de Iundamentação justiIicada por consenso em percurso
historico, comprometida com determinada compreensão de si, mas esquecida da sua
precariedade na conjugação epocal em que esta em uso. Não haveria metodo para a
arregimentação propria e seqüente auto-execução de um programa de libertação da
54
dormência no leito de uma determinada totalidade instaurada sistemicamente como
entendimento historico e social. Ao se compreender como Ionte, o proprio sujeito
perceber-se-ia comprometido como compreensão na intenção de Iundamento que ao
mesmo tempo pareceria compreendê-lo, circunscrevê-lo e, ate, acossa-lo por seu aspecto
de colagem identiIicatoria e critica. E como se, de acordo com a tipologia dos primeiros
capitulos do Gênesis, apos a queda Deus-Algo inominavel no interior do Adão que mesmo
e lhe perguntasse de maneira intermitente: 'Adão, onde estas?¨ Isto e, em que estagio, em
que local compreensivo podes ser encontrado? Em que matagal compreensivo te
escondeste para Iugir da percepção da tua nudez que procuras inutilmente encobrir pelo
vies da roupagem de toda a objetivação inscrita na linguagem?
A juventude indicada por Hölderlin ativa-se como evocação da rememoração atual
de tudo o que Ioi e que esta a contribuir na Iixação de sentido a acontecer de modo
inevitavel na atualidade e, tambem, como o despontar da consciência de que no abrupto do
instante de agora existe a possibilidade de renovação, perdição, perigo, ou redenção por
meio de nova direção compreensiva. Assim, a humanidade de agora, sem metodo e sem
jeito de acordar, isto e, sem se dar conta do auto-retrato em que trabalha, esta Iadada a ser a
velhice do mundo. A mesma velhice do mundo vampiriza o agora para eternamente se
rejuvenescer, e o tempo, enquanto instaurada moldura compreensiva de todo o acontecer,
aIia o seu aguilhão sem cessar, pois recebe a licença de ele mesmo acontecer por
determinação do ser enquanto compreensão instituida e a se instituir por repetições
sucessivas.
A Iala em dialogo e sobre a conversação em Metafisica da fuventude tem a sua
razão de ser no olho do Iuracão de uma compreensão que esta a procura da compreensão
de si, e na expectativa de que sempre haja a possibilidade de se Ialar com o resultado
presente de toda a humanidade em si mesmo e no outro; assim que o proprio exercicio da
conversação talvez possa ser a possibilidade do acordar na juventude de se perceber a
situação de compreender. A anuência e a imersão no imediato da compreensão
primeiramente tem as caracteristicas da inevitabilidade intuitiva, da indagação reIlexiva
sobre Iundamentação inerente e das condições de construção logica ao mesmo tempo. E
possivel perguntar a respeito da impossibilidade de separação dessas caracteristicas, mas a
propria pergunta ja estaria nelas incluida de algum modo.
55
Por que os misticos são logicos por excelência? Porque ja ha muito tempo
compreenderam que tudo o que dizem não passa de uma grande Ialacia que a propria
logica denomina ad hominem e que se procura eternizar na simulação continuada de
objetividade. E a experiência do espanto da juventude enquanto se dar conta da
compreensão e da luz como metaIoras constantes a possibilitar objetivações continuadas,
gerais e inevitaveis na angustiada lembrança de si estar a acontecer assim.
Num texto que prima pelo seu hermetismo encontramos aIirmações que a primeira
vista sugerem um corpo teorico-dogmatico completamente desinteressado da compreensão
de quem o lê, mas que aos poucos assusta pela amplidão e proIundidade do seu sentido
quando acrescido das suas possibilidades entre uma Irase e outra. No primeiro capitulo de
Metafisica da Juventude temos:
Diariamente utili:amos forças desmedidas, como
os que dormem. O que fa:emos e pensamos esta pleno do ser dos
pais e dos ancestrais. Um simbolismo incompreendido nos
escravi:a sem cerimonia. As ve:es nos lembramos, ao acordar, de
um sonho. Desse modo, raras ve:es, clarividências iluminam os
montes de destroços de nossa força, pelas quais o tempo passou
voando. Nos eramos espirito acostumado como o bater do
coraçào, com o qual levantamos cargas e digerimos. Cada
conteudo de conversaçào e conhecimento do passado como nossa
fuventude e pavor ante as massas espirituais dos campos de ruina.
Nunca famais vimos o local da luta silenciosa que o Eu encetou
contra os pais. A conversaçào queixa-se da grande:a
desperdiçada. (GS II-1, pg 92).

O que movimentamos diariamente são as mais variadas Iorças das nossas
explicações instituidas para a aplicabilidade na sociedade e na cultura em todas as suas
perspectivas a cada milesimo de segundo num tempo objetivado que percebemos como
a passar. Tais Iorças mostram-se na pratica concreta diaria de todos como a normalidade
do pensar, do Ialar e do agir justiIicados comunitariamente ou em processo de
justiIicação e intenção de Iundamentação da certeza coletivamente padronizada.
Estamos como que mergulhados numa realidade que nos compreende e que
compreendemos sem podermos acordar por conta propria para promover a analise e a
elucidação deIinitiva dos Iundamentos que pudessem explicar o que ja sempre esta em
andamento e não para. O ordenamento explicativo de tudo no mundo e um conjunto de
Iorças postas a atuar exatamente desta maneira vista como concreta e real e compromete
a todos os que em seu meio manejam os diversos conjuntos teorico-compreensivos para
56
a sua manutenção e o seu desenvolvimento. A participação compreensiva desde a
percepção estetica da epoca ate os pretensos Iundamentos teoricos do real Iaz parte da
inevitabilidade de um uso em aplicação concreta, sem oportunidade de emergir para o
âmbito de alguma meta-compreensão capaz de algum julgamento imparcial, sem poder
alçar-se a um belvedere para a visão da paisagem compreensiva em que ja se esteve. Tal
pretensão e possivel execução seriam apenas mais um detalhe da propria paisagem. A
inconsciência da totalidade das Iorças que utilizamos e que deIine de maneira inevitavel
a nossa Iorma de ser resulta numa especie de sonambulismo em que agimos como que
sonhando. Não conhecemos de modo algum a totalidade das determinações da nossa
compreensão, mas nos encontramos na situação de ter que compreender como se
destino Iosse. Fixamo-nos numa totalidade de explicações que parecem convincentes
sem conhecer sequer a proIundidade da sua proveniência. Deslizamos de superIicie em
superIicie explicativa e nesse embalo estamos a dormir manipulando enormes Iorças
desconhecidas na inconsciência do envolvimento de agora.
Como os que dormem sonham as explicações que movimentam encantamentos e
monstruosidades no percurso normal do sono, assim, na pretensa situação de acordados,
movimentamos sonhos, encantos e monstros que desconhecemos, mas com os quais nos
identiIicamos por costume e repetição rotineira. E possivel que a explicação do sonho se
torne nova Iorma de sonho, sonho do sonho como expulsão metaIorica constante: a
explicação da explicação, quem a poderia explicar?
A explicação com que se compreende e apresenta a compreensão deveria
supostamente poder ser explicada tambem. E assim acontece uma especie de eterno
retorno em que a compreensão da compreensão se coagula e da oportunidade de
experiência e nova compreensão de acordo com a lenda de SisiIo que sempre tem uma
pedra a rolar ladeira acima, como uma situação de castigo ou de divertimento, depende
do ponto de vista.
Como os gregos conheciam o sentido precario e talvez neIasto dos ingentes
esIorços do sonambulismo compreensivamente construtivo de armações absolutas,
assim tambem o AT o conhece ja pela constante peregrinação de Abraão desde o 'Sai
da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai, e vai para a terra que te mostrarei¨
(Gênesis, 12,1) ate as suas Iugas para desviar-se de situações comprometedoras e
57
respirar novos ares. Abraão migra, ou pelo mandado da voz, ou Iorçado pelas
circunstâncias.
Novas terras, nova situação e circunstâncias compreensivas. Os demônios são os
seres que se querem eternizar como uma compreensão determinada e instalada e devem ser
expulsos. No Iilme de Akiro Kurosawa, Os sonhos, na cena O demonio chorào, os
demônios tornam-se imortais e urram de dor. Por que? Porque seu castigo e a Ialta da
metonimia, do deslocamento, da transIormação e metamorIose signiIicativa. A catastroIe e
a Ialta de superação por pratica na signiIicância e assim de itinerância signiIicativa. Não ha
metonimia para eles, mas sim, apenas a lei que desconhecem e a qual, por isso mesmo,
devem obedecer em Iidelidade eivada de mediocridade: são capazes de perceber a sua
propria compreensão catastroIica e condenados a subscrevê-la inIinitamente. São eternos
por estarem num eterno presente que se alastra empedernindo-se num bloco eterno como
que sepulcros caiados de branco, luzentes, Iixamente Iundamentados, mas morte e
podridão por dentro, so aparência que se expressa por retorica auto-aIirmativa, repetitiva,
absoluta em seus juizos de condenação ou absolvição, incapaz de se voltar ao silêncio na
escuta da compreensão do seu dizer.
Os demônios são horriveis e culpados, porque não sabem da sua condição e nunca
compreenderão; apesar de todo o universo ecoar a sua sentença e a sua culpa não
conseguem nem ouvir acusação alguma.
Benjamin lembra que no mundo de KaIka a beleza so aparece nos locais mais
ocultos e da como exemplo exatamente os acusados: 'E notavel de qualquer modo, de
certo modo e um Ienômeno cientiIico...tambem não pode ser a culpa que os Iizesse
belos...tambem não pode ser o castigo justo que os Iaz belos ja agora...portanto, so pode
tratar-se do processo movido contra eles, que de algum modo adere ao seu corpo¨. |II-
2,413|. Os acusados sentem-se injustiçados e estão seguros da sua inocência, porque eles
permanecem Iixos, luzentes, radiantemente obedientes aos ditames das Iorças que
apascentam a realidade e, em sono proIundo, diIicilmente ouvem o comando das mesmas.
Mas a ideia e que não são como os demônios que não conseguem ouvir a acusação de
modo algum, ao contrario dos acusados que pelo menos percebem o processo. Por isso, ao
contrario dos demônios, são belos pelo Iato de inevitavelmente estarem a ouvir a acusação
e este e o inicio do processo, o qual e mais importante do que a culpa e o castigo. Os
acusados ouvem, reagem e estão em processo. Os demônios, porem, são vitimas de um
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embotamento deIinitivo. Eles pensam que não tem culpa e esta e exatamente a culpa
maior: imaginar que não se seja culpado A ação individual e coletiva da manipulação usual
de Iorças desmedidas, desconhecidas, inconscientes deveria induzir a se perceber culpado
como pertencente a continuidade de uma catastroIe em andamento normal. A desgraça,
porem, e que estamos na situação demoniaca de porta-vozes da catastroIe, ou, em outros
termos, somos a continuidade dela pelo que compreendemos e promovemos via um
entendimento participativo e solidario.
Como os que dormem estão na inconsciência do sono e do sonho, assim em nossa
pretensa vigilia no cotidiano tareIeiro estamos sendo sonhados pela Iorça estruturada da
compreensão de todos os seculos. São Iorças de todos os tempos, estruturadas e
presentiIicadas no agora de nossa compreensão do Ialar compreendendo e da compreensão
do nosso Ialar. A compreensão e o Ialar brotam de um chão nosso em que estamos deitados
e que desconhecemos, sendo que na modorra ocorrente como operação pratica e social
loucamente atareIada geralmente não atinamos com o que nos identiIicar: o chão, o brotar,
a propria modorra ou tudo de uma so vez. O sentido, a atividade, a velocidade, o
deslocamento, a condensação e a concentração, tudo ocorre organizada, ou, caoticamente,
sempre na percepção de sermos a instância capaz de descrever de maneira acurada o
processo que somos. Na intenção de sair do que somos para a descrição dos rastros de
nossa propria ocorrência, acontecemos enquanto relativo apagamento deles para a repetida
Ieitura de mais recentes pistas. A musica da dinâmica das Iorças compreensivas, que nos
compromete no âmago do compreender o que quer que seja, procura impedir-nos do
aIastamento para o lado, para cima, para baixo, para antes e para depois, impossibilitando
uma visão privilegiada da evolução da dança que estamos a dançar e a ser.
Pais e Iuncionarios têm certa semelhança entre si, como menciona Benjamin a
respeito de KaIka (GW, II-2,411). 'O que Iazemos e pensamos esta pleno do ser dos pais e
dos ancestrais¨. (GS II-1, 92) São Iuncionarios da cultura estabelecida. Eles são a propria
tradição viva a exigir repetição dos seus padrões inscritos na inconsciência da signiIicação
dos conteudos da linguagem em uso e dos gestos padronizados em jeito de ser. Pensar,
Ialar e Iazer são atividade que se exercitam e se dão pela naturalidade da continuidade da
tradição que em conjunto cultivamos e somos. Todas as determinações culturais presentes
ativam-se e se maniIestam por nosso intermedio a ponto de estarmos impossibilitados de
arrancar a mascara da compreensão imposta e de nos vermos diIerentemente no espelho do
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imediato cotidiano em expressão continua. Somos levados a compreender o que
compreendemos e o imediato cotidiano e tal, porque perIaz e resume a expressão
automatizada de uma compreensão determinada de acordo com o Iluxo a borbulhar no
agora e provindo de tempos ancestrais. A obra dos pais como Iuncionarios da construção
da Torre de Babel a espera da dispersão visualiza-se no aconchego vocabular Ieito de uma
centena de conceitos costurados como colcha na espiritualidade de cada um. Na Iala, a
compreensão ruidosa e operatoria do cotidiano e ostentada com volupia. Somos Ieitos de
palavras, um texto escrito que se reescreve em recapitulação continua. As palavras são o
nosso chão e possivelmente a Ionte jorrando uma burocracia obedientemente Ialante capaz
de nos adormecer, ninar e Iazer sonhar com a plenitude da explicação do que e, do que não
e e do que deve ser. Adormecidos num sonambulismo delirante, esquecemos que somos
exatamente o sono e o sonho, conIiados as ações concretas. Pois 'Um simbolismo
incompreendido nos escraviza sem cerimônia`. (Idem)
Sem sermos avisados, pelo Iato de não haver quem nos pudesse avisar, e sem
cerimônia, pelo Iato de nos sentirmos em casa com a alma tranqüilamente a calçar chinelos
na penumbra de uma atenção adormecida, permanecemos escravos de uma
incompreendida Iorça concretamente ativada pela maneira com que estamos a ser como
incompreensão teatralizada. São palavras a comandar processos que se impõem na minucia
dos procedimentos do dia a dia alegando naturalidade logica, e o ser a se oIerecer como
palavra em processo e concretude de ação em todas as instituições sociais, bem como na
particularidade de cada um. A diIiculdade esta em se perceber esse simbolismo
incompreendido alem da compreensão normatizada. Como ja se viu, a compreensão
comprometida com aquilo que para si e tem extrema diIiculdade de sair da sua letargia que
exatamente desconhece. Mas 'As vezes nos lembramos, ao acordar, de um sonho". (Idem).
Sabemos por experiência que a maioria dos sonhos e rapidamente esquecida ao
acordar. O Iabular do sonho constitui-se de excelente material para a reIlexão. Os sonhos
são construções que de uma ou outra Iorma dão noticias de nos mesmos sobre questões que
normalmente desconhecemos ou não lembramos com a devida atenção. O sonho como
construção, aproveitavel ou não pela psicanalise, e apenas um sonho que Iomos em sua
travessia. Na normalidade do sonhar que Iomos, o seu conteudo geralmente se desIaz
rapidamente para permanecer apenas a percepção da atividade do sonho que Ioi seja qual
Ior. Lembrar-se do acontecimento do sonhar, isto e, de que acontecemos enquanto sonho, e
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bom exemplo e proveitoso alerta para a nossa opinião de que sempre nos encontramos na
situação de acordados quando descrevemos o que designamos como a realidade positiva.
Na situação de supostamente estarmos despertos se da primeiramente o inverso do que
pensamos do sonho, isto e, julgamos o conteudo do nosso julgamento como absoluta e
justiIicadamente positivo, real, veraz e desvinculado de qualquer sonhar esquecido em
atividade delirante. Quando despertos, parece que estamos certos de que o sonhar e sonho
juntos constituem aquilo que possibilitaria a lembrança necessaria pela qual o sonho como
conteudo e relacionado e relativizado como mera atividade de sonhar. Apos o sonho, o
conteudo não mereceria estatuto de realidade absolutamente objetiva e positivada, ao
contrario da situação de nossa pretensa produção julgante e positiva quando acordados.

As vezes, pois, ao acordar, lembramo-nos de um sonho apos o sono, mas isso talvez
tambem possa implicar a lembrança de que ingressamos em outro sonho que e a totalidade
da compreensão instituida, em que a compreensão então imersa opera no esquecimento de
si, ou seja, no esquecimento de que e compreensão de conteudos organizados em operação
concreta. No esquecimento continuamos a repetir criterios em utilização desde sempre na
tradição e a produzir por seu intermedio a ilusão da objetividade de um conhecimento com
pretensão de validade e separado de quem o promulga. Conceber-se sujeito a participar do
sonho e ilusão que desaparece ao acordar para dar lugar a impressão de autonomia ao
sonho de uma objetividade separada de quem a proIessa; são reais tanto quanto uma ilusão
e um sonho possam ser. Quando despertamos? Quando podemos ser nos mesmos sem a
interIerência e o peso de um passado que levamos como que as costas, ou talvez, um
passado do qual não nos podemos descolar e que, então, sempre tambem somos sem o
conhecer, ou somos, sem nos conhecer na proIundidade das nossas raizes? Parte do acordar
possivelmente e acontecimento de se dar conta dessa dependência, ou desse
desconhecimento. Como se institui o dar-se conta? Como se sabe a respeito da situação de
estar acordado? Quem nos alcança um metodo clarividente que se pudesse apresentar como
criterio de consciência de vigilia com sobranceira tranqüilidade? 'Desse modo, raras vezes,
clarividências iluminam os montes de destroços de nossa Iorça, pelas quais o tempo passou
voando¨. (Idem).
No sonho acordado de uma compreensão dormente nos lençois da alienação
objetivada como sistema, em que o Iluxo inIormativo sobre oIertas de certezas parece
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nutrir e satisIazer todas as ansiedades e desejos cultivados administrativamente,
clarividências podem acontecer possibilitando a recordação do sonho que se esta a sonhar.
Mas, enquanto o despertar clarividente não chega, ha apenas um sonho construtor-
destruidor em que estamos a empregar a nossa Iorça, ou, em que as construções são a nossa
Iorça em emprego e atividade, e se revelam como montes de ruinas, que são os nossos
rastros, o tempo perdido em inconsciência sobre o que de Iato esta a acontecer. As ruinas
produzidas pela nossa Iorça ao serviço do desconhecido, que nos condiciona num sonho,
são diIiceis de se verem e nas quais, talvez por inercia na atenção compreensiva, não
conseguimos interIerir em sua seqüência ou para o seu termino. A clarividência e como
que o pesadelo que acontece como surgimento da duvida sobre o sentido do que se e
enquanto tentativa de continuar a expressar certeza natural e absoluta no uso da linguagem
com um vocabulario viciado nas aplicações de suporte para imediatas sistematizações.
Nas nossas aplicações viciadas acionamos uma Iorça que não conhecemos, o que
signiIica que ha inconsciência na nossa compreensão alocada num tempo que passa como
se Iosse linha em que progredimos conIorme os ditames desconhecidos, mas que trabalham
com aIinco em nosso proprio ser. Na maioria das vezes somos convencidos pela totalidade
do espetaculo montado socialmente de que nada valemos pelo que pensamos e, quando
convencidos, trabalhamos para tais Iorças estranhas que nos comandam por convencimento
normalizado em nossa compreensão ativada na socialização, coletivização, Iluxo historico
de compreensão aIirmativa, organizada e estrategicamente dinamizada.
A percepção do tempo a voar e o sintoma da escravidão programada
compreensivamente pela tradição inconsciente em que estamos a ser e que, ao Iinal,
mesmo somos de modo imediato. De onde surgem as clarividências? E uma das Iacetas da
pergunta de Hölderlin: 'Onde tu estas, luz?¨ Quando se da o acordar? As vezes
clarividências em Iorma de presente no instante de agora possibilitam o vôo do tempo para
o passado a Iim de iluminar destroços de construções que amontoamos e somos, o que nos
recupera a situação capaz de nos identiIicar com o papel de Adão e Eva, no inicio do
Gênesis, envergonhados pela visão de sua nudez por ocasião do seu ingresso na recordação
compreensiva do Ieito: as construções ediIicadas eram eles mesmos e signiIicavam
exatamente. Eram esquecida construção ou construção esquecida do esquecimento da
construção positivada objetivamente.
62
A arvore do conhecimento separado de quem conhece produz o Iruto extremamente
perigoso que e o esquecimento de que e Iruto oIerecido pela cobra enquanto tempo Ieita
objetivação de linha, a qual, mesmo nessa abstração geometrica, apresenta de modo
Iragmentado o passado, o presente e o Iuturo. A cobra enquanto tempo com o seu Iruto
instaura o desejo da procura por validade incontestavel em Iorma de divindade separada,
isto e, ela absolutiza a Iicção de si em Iorma de objetivação alienada de si. Deus so se pode
contestar e desaIiar quando supostamente visto qual entidade de todo separada: como
externo e compreendido enquanto criterio para julgar absolutamente. Assim e que e agora
contestado e desaIiado em seu absolutismo objetivado como Iundamentação ultima. A
cobra prognostica: Nào morrereis, e tem razão, pois passamos a viver morrendo sempre na
procura da Ialta ou culpa inicial, ou seja, o divorcio objetivante. A proibição dos Irutos da
arvore ja aponta para a possibilidade do esquecimento que e a morte intermitente na
pretensão da deIinição julgante em base de Iixidez deIinitiva.
Mesmo as Iicções da pretensão sociologica em erigir criterios coletivos de validade
mostram-se precarias. Temos por experiência historica que os concilios, congressos e
parlamentos são constantemente contestados pelo Iato de tambem errarem. E, ao contrario
do que sugerem concepções historicamente mais proximas, o coletivo absolutamente
legitimado não existe e nem esta absolutamente legitimado por regime de representação, ja
que tambem o que denominamos passado, presente na pletora do sentido do mundo,
reivindica participação insistentemente, e o Iuturo tambem não se resume a mero não ser.
No texto: A vida dos estudantes nos lemos:
Ha uma concepçào de historia que na confiança na
infinidade do tempo apenas diferencia o ritmo dos homens e das
epocas, as quais se desenrolam rapidamente ou devagar na
trafetoria do progresso. Corresponde-lhe a desconexào, carência
de precisào e rigor na exigência que fa: ao presente. (GS I-2 , 75).
Na seqüência do raciocinio que valoriza um passado ainda plenamente presente e
ativo a ponto de apresentar uma concepção de historia alternativa aquela que se desenrola
na trajetoria do progresso nos lemos: 'Nos eramos espirito acostumado como o bater do
coração, com o qual levantamos cargas e digerimos¨. (GS, II-1,92) E a carta de Benjamin a
Carla Seligson de 15 de setembro de 1913 (GS II, 3-865) elucida:
Hofe eu sinto a extraordinaria verdade da palavra de
Cristo. Jê que o Reino de Deus nào e nem aqui e nem la, mas
dentro de nos. Eu quero ler consigo o dialogo de Platào sobre o
amor, onde isso e dito de forma tào bela e pensado tào
63
profundamente como talve: em lugar algum. (paragrafo) Antes do
meio dia pensei adiante. ser fovem nào significa tanto servir ao
espirito, quanto espera-lo. Jê-lo em cada pessoa e no pensamento
mais distante. Isso e o mais importante. nào podemos nos fixar
num determinado pensamento.......Quando, portanto, (quando nào
nos redu:imos a mero trabalhador de um movimento) quando
preservamos o olhar livre de ver o espirito sefa onde for, entào
seremos aqueles que o concreti:am. Quase todos esquecem que
eles proprios sào o local em que espirito se concreti:a. Mas
porque se fi:eram rigidos em pilares de uma construçào em ve: de
vasos, taças que conseguem receber e guardar um conteudo
sempre mais puro, por essa ra:ào eles desesperam quanto a
concreti:açào que sentimos em nos. Essa alma e o Eterno
Concreti:ar-se...
A primeira coisa a observar e a tranqüilidade de Benjamin em citar textos da
cultura humana em geral, sejam eles considerados sagrados ou não pela coletividade
cultural, e sem o receio de parecer interessado em aspectos motivados por interesses de
ediIicação religiosa. Observa-se preliminarmente neste exemplo que o autor e capaz de
considerar qualquer texto escrito como digno de nota, como um Ienômeno que chama a
atenção e sobre o qual vale a pena debruçar-se, talvez pelo Iato de ja ser resultado de
determinações culturais e, ao mesmo tempo, de ser veiculo e Iorma de sua transmissão e
tradução.
O bater do coração nota-se no susto e no enlevo, por ocasião de atenção especiIica
ou por acontecimentos extraordinarios. Normalmente o bater do coração passa
desapercebido. Assim somos costumeiramente espirito-compreensão a deIinir, carregar,
articular sentido na linguagem como se compreensão e espirito não Iosse, e tudo, então,
apenas Iosse objetividade Iundamentada de alguma Iorma em local e tempo externo ao que
imediatamente somos. Produzimos coisas, erguemos bandeiras, combatemos, promovemos
e transIormamos a tradição, contra ela lutamos, empenhamo-nos em Iavor do velho e do
novo, lutamos pelo regresso de antigos valores ou pela implementação politica ou estetica
das expressões da vanguarda. Digerimos objetividades antigas tornando-as, quem sabe, em
erro ou acerto e plantamos novas plantas no espaço-chão para que se resguarde a
continuada possibilidade da ilusão de direcionamento absoluto em sua certeza. Eramos
espirito-compreensão e não sabiamos. Mas isso somente se torna claro na atenção acirrada
e na violência do susto, do choque por ocasião da interrupção do acordar. Somos o que
digerimos: a lembrança do sonhar e o conteudo do sonho devem estar constantemente
presentes para que se possa Ialar de algum despertar. Como e quando acordamos? Seria o
susto o acontecer da clarividência? A aIirmação de Benjamin e a de que 'Cada conteudo
64
de conversação e conhecimento do passado como nossa juventude e pavor ante as massas
espirituais dos campos de ruina¨. (GS II-1, 92).
O conhecer e se conhecer são Iundamentais e vêm pela conversação. Trata-se de
um tipo de conhecimento que so pode advir da conversação e não da solidão de um
discurso viciado em sua auto-aIirmação. Quando existem duvidas de como acordar do seu
proprio sono dogmatico a conversação aparece como uma especie de despertador, pois o
suposto e o de que um personagem do dialogo se encontra com todo o conteudo do passado
resumido sui generis e de Iorma diIerente da sua no outro personagem. Se não Ior mera
comunicação de ordens de aplicação do que Ioi milenarmente combinado, a conversação
pode chamar a atenção para a dimensão da diIerença de compreensão existente entre os
dois personagens, para as explicações que intentam o entendimento das compreensões que
se sucedem, para os supostos das mesmas explicações e para a sensação e talvez certeza de
dependência milenar em relação as mesmas suposições. O conteudo elaborado assim vai se
deIinindo como conhecimento do passado de cada um. Tal Iorma de conhecer e designada
por juventude, ou seja, a capacidade de ver alem do que imediatamente se da a visão e de
compreender a realidade de agora como provinda a partir de condições de possibilidade
que são da experiência, da historia e da linguagem em que todos estão envolvidos. Na
totalidade do processo compreensivo aquele que esta a nossa Irente representa um indice
do ja ocorrido, resumido na maneira em que o mesmo se encontra, mesmo que não saiba
disso.
O conhecer e uma especie de nomeação do outro que nunca pode ja estar nomeado
deIinitivamente, pois a noticia que da e exatamente a inIinita novidade do passado nele
presente. Cada um dos personagens da conversação e cria do passado em que nessa
dimensão presente elaboram o conteudo de si que Iormalmente aplicam como sendo a
costumeira realidade do cotidiano assumido simplesmente como natural. Cavoucar nas
condições de possibilidades de si tem como resultado o conteudo da conversação, que e
conhecimento do passado presente e determinante de todos os sonhos dogmaticos. Tal
processo dialogante chama-se juventude que se ativa num acordar constante. Mas tal
processo tambem signiIica choque e pavor Irente ao conteudo elaborado, pois a descoberta
dos supostos, das Iundamentações e das motivações dos discursos, das convicções e das
ações de implementação de realidade compreensiva pode parecer assustadora ao extremo.
Trata-se de ter a sensibilidade de perceber a quantidade de louça que Ioi quebrada para
65
apresentar aquilo que se chama de realidade concreta com toda a sua organização
Iuncional. A prata luzente da realidade apresenta-se minuscula no apoio que recebe
situando-se no topo de um campo de ruinas que mesmo produziu. Juventude,
conhecimento e pavor evocam na conversação um conteudo muito alem do entendimento
costumeiro: a linguagem na conversação esta carregada de um passado soterrado no
presente de sua elocução, e a escuta atenta a Iala da linguagem do outro e de si mesmo Iaz
ouvir as massas espirituais de uma riqueza inconcebivelmente esbanjada, ou seja, a
grandeza sublime do que não Ioi, a totalidade do que Ioi destruido para que se possa
compreender a necessidade da azaIama do cotidiano com suas escolhas a comando e
imposição de urgências. Mas o que não Ioi e não e Iala na representação do que Ioi e e e,
por isso, sempre pode ser descoberto, re-instaurado, remodelado com os cacos a
disposição, com as massas espirituais dos campos de ruinas.
O conteudo, portanto, remete a questão do signiIicado, ja Ialado, tema em questão,
que esta ja suposto como esquecimento para agora ser tematizado pela conversação. Tem-
se a pragmatica da conversação - dialogo e o conteudo da mesma que sempre so se pode
reIerir ao passado, ou seja, ao que ja esta presente Iixamente no ser do dialogante a se
expressar. Conhecer-se a si mesmo como tareIa inIinita e tematizar o passado, contar com
ele ja a Iazer parte da propria Iorma, dos valores e dos criterios do pensar ocorrente em
dialogo. InIinitas determinações subjazem ao nosso pensar ocorrente e a pratica da
conversação aborda inevitavelmente a presença de um passado preso a nossa pele em
Iorma de automatismo normalizado, naturalizado e, assim, esquecido: e construção-
maquina transparente com que se esta a operar e ajuizar sobre bem e mal.
Uma vez, trata-se do passado que se Iaz presente na pratica da conversação: o
passado ja Iixado enquanto historicismo esclerosado que tem condições de ser lembrado
em sua parte minima, objetivado como se Iosse autônomo, externo e separado das
ocorrências no presente. Outra vez, trata-se do mesmo processo de atividade conversativa
que capacita a perceber as massas espirituais que restaram dos campos de ruinas do
passado em Iorma exatamente de presente conIigurado pelas mesmas: o ediIicio do
presente real construido por incontaveis arteIatos destruidos, ruinas que Ialam naquilo que
somos daquilo que Ioi e, assim Ialando, a participar do presente de Iorma eIetiva sem
nunca terem passado. Os campos de massas espirituais que são sucessivos epocalmente e
esquecidos na distância do esquecimento em nosso interior, nunca são assumidos e citados
66
conscientemente, mas sempre aIirmados inconscientemente como eu-agora, produto da
barbarie dos seculos. Campos de ruinas presentiIicam-se como massas espirituais quase
que completamente incompreendidas para, em momentos de clarividência, serem
assumidas em nos e por nos por um movimento do conhecimento juvenil e apavorado. Tal
presentiIicação clarividente se da na conversação quando ativada na caça a supostos e
pressupostos do que vem no instante perIazer a atividade da conversa e os proprios
criterios de julgamento do que sejam tais determinações, julgamento a produzir explicação
do eu em objetivação conteudistica separada de si e, portanto, nova alienação, destruição
por nova Iormação de constelação Iixa. O eu que e construido na intenção da objetivação
em conteudo e percebido sempre como diIerente do eu que se aIirma de modo pragmatico
exatamente em seus balbucios semânticos. Em ambos a tradição presentiIica-se
constantemente cindida pela linguagem.
O conhecimento do passado presente na nossa Iala elabora-se num reconhecer que
a si mesmo se da o signiIicado de juventude; ou ainda, cada conteudo do dialogo e
constante reconhecimento do passado presente no que nele objetivamos. Perceber que isso
seja assim, representa a juventude, e essa juventude e exatamente a destruição constante, o
carater destrutivo de uma compreensão que conhece por nomeação, a compreensão das
construções gerais de que somos Ieitos e nessa compreensão estamos a destruir. Massas
espirituais passam pela nossa visão: nos eramos parte delas e ainda somos, elas nos
comandavam e ainda nos comandam, e na mudança ocorrente da compreensão que somos
elas restam como ruinas objetivadas em parte, deIinições do que eramos e que se tornam
rastros no caminho de mudança que deixamos para tras, mas que ainda nos deIinem. A
objetivação que acontece na verbalização de pensamentos, dos seus criterios e valores
subjacentes, e Iruto de pretensão de validade sobre a realidade que se esta a diagnosticar.
Na conversação ha, portanto, a possibilidade de um reconhecimento da dinâmica
dominadora do espirito dos ancestrais que ha muito tempo nos escraviza em determinada
compreensão, mesmo que tal reconhecimento não elimine e não queira eliminar as Iorças
que nos carregam e que, por carrega-las, tambem somos. Na medida em que acontece o
despertar, o conteudo da Iala que somos e a juventude sempre se renovando pela
vampirização compreensiva do que nos denominamos como passado, ou pelo
acontecimento jovem do passado agora, ou do constante rejuvenecer-se do passado em nos
como Iorça ativamente compreensiva: qualquer coisa que decidamos tem a sua relação
67
com o que Ioi e que agora ainda e. A cada decisão ajuiza-se: a consciência do ajuizar causa
pavor sobre o que ja Ioi decidido, o que se esta a decidir e o que se devera decidir para ser
Iormação de campos de ruina - objetivação em meio as massas espirituais que somos a
nos comandar inconscientemente talvez na maior parte. A conversação e o dialogo que
somos e, como dialogo, e a imediata juventude a ser; pois no dialogo liquida-se o
embotamento e se aguça a atenção para noticia do que vem a ser, provindo das brumas do
passado.
Juventude como conhecimento e pavor e tambem o reconhecimento do conteudo da
Iala, das decisões a estipular construções enquanto realidade. O que Ialamos a
compreender e compreendemos ao Ialar expressa a imediatidade do compromisso com o
que sempre imediatamente antes Ioi. A compreensão jovem atual vê-se herdeira de tudo o
que Ioi destruição e empurrada pelo pavor de si mesma a se envolver em construções de
castelos objetivos, cujos projetos desconhece em grande parte. Podemos ja Ialar do pavor
do proprio Hölderlin: Onde tu estas, lu:, que me acordas toda as manhàs. A juventude e
uma situação perigosa, bem como a consciência dela.
A Iala traz muito consigo. A semântica que acontece na Iala evoca as Iolhas e Ilores
da planta cujas raizes são inumeras e vão Iundo na terra do tempo ja inaugurado como
seqüência inIinita e da historia nele ja possibilitada em termos historicistas. O acontecer da
semântica (o sentido como conteudo) e conhecimento enquanto rastro de passado, pois,
Ialamos do que chegamos a ser; e, como objetivações cristalizadas do que Iomos e somos
externamo-nos expressivamente em Iorma de Iala-discurso. Erkenntnis (conhecimento) e,
tambem, o reconhecimento de que assim seja e tal reconhecimento como clarividência
perIaz a juventude, e juventude, e o velho novo.
Isso, por outro lado, Iaz ver campos em ruinas Ieitas de massas espirituais, vida
passada parecendo perdida pela Ialta de sentido, pavor diante da catastroIe em andamento
que mesmo se e pelo Iato de nelas participar na compreensão sonolenta no aguardo da
clarividência qual o anjo da historia desta IX Tese, que reconhece não poder voar, ja que
não lhe e permitido aIastar-se, pois de Iorma imanente Iaz parte do processo catastroIico:

Minhas asas estào prontas para o voo, / de bom grado voltaria
atras,/ pois mesmo se eu permanecesse tempo vivo/ minha
felicidade seria menor (Gershom Scholem, Saudaçòes do
Angelus)`.
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Ha um quadro de Klee denominado "Angelus
Novus". Representa ele um anfo que parece estar na iminência de
se afastar de algo em que crava fixamente os olhos. Tem os olhos
esbugalhados, a boca aberta, as asas desdobradas. Tal , o aspecto
que deve ter o anfo da Historia. Tem este o semblante voltado para
o passado. La onde nos vemos uma cadeia de acontecimentos, ele
vê apenas uma unica catastrofe que nào cessa de amontoar
escombros sobre escombros e de arremessar esses escombros a
seus pes. Bem que ele gostaria de se demorar, de ressuscitar os
mortos e funtar o destroçado. Mas, do paraiso, sopra uma
tempestade que se prende a suas asas, tào fortemente, que o anfo
nào as pode mais fechar. Essa tempestade o empurra
incessantemente para o futuro, a que ele da as costas, enquanto
diante dele o monte de destroços se acumula ate o ceu. Essa
tempestade vem a ser precisamente o que se chama progresso.(GS
I-2, 697).
O rosto do anjo expressa o pavor de quem não mais consegue voar para Irente em
direção ao passado onde pudesse visualizar claramente o acontecimento de si, mas, ao
contrario, apenas reconhece o passado como Iorça paradisiaca de progresso violento em
direção ao Iuturo: Iaz parte da inconsciência de um movimento que o ataca e empurra para
o Iuturo desconhecido.
O rosto do anjo expressa o momento da clarividência da juventude enquanto
reconhecimento do passado que somos e, nele, o pavor pelo que ja produzimos e que
somos em andamento. Massas espirituais que permanecem a durar mesmo em Iorma de
ruinas, as quais expressamos no conteudo da nossa Iala e que, por sua vez, como
compreensão propria, percebemos pela reIlexão solidaria da conversação em seu acontecer
semântico.
A conversação, portanto, e o acontecimento da instituição de um dialogo
acompanhado do reconhecimento do passado a viger como Iorça atual, e por meio dele se
chega a conscientização de pre-conceitos, automatismos, determinações em que ja se esta
numa embretada em agenciamentos de pensar e agir. Mas exatamente o reconhecimento
disso e que promove a juventude e o pavor ante as massas espirituais dos campos em ruina
constante que somos, mas tendentes a enIeitar o cimo dos montes de escombros com algo
de realidade como se Iosse porcelana rara, e não o passado como Iantasma a ser visto
separadamente de quem dele Iala. A acentuação que se intenta e no reconhecimento que
ocorre enquanto conteudo no dialogo. A Iala dialogante acontece nas dimensões do
automatismo e da determinação pela tradição e incorporação de materiais pensantes de um
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lado, e do outro, pela libertação na juventude do dialogo reconhecedor das mesmas
determinações.
A metaIisica ai e entendida como transcendência do imediato sistematizado a
reconhecer determinações transcendentais, condições de possibilidade da propria
libertação. A expressão Eramos espirito (Wir waren Geist) (GS II-1,92) pode ser
comparada com a celebre Irase de Tales de Mileto sobre os aIazeres cotidianos de um
padeiro: Aqui tambem ha daimones. O cotidiano instalado so não causa curiosidade a quem
nele embarcou completamente e assim não pode ver nem descrever a sua relação com e na
totalidade do que e.
As massas espirituais dos campos de ruina são a nossa presença como compreensão
enquanto vitimas e algozes de todas as violências ja havidas: a expressão neotestamentaria
Filho do Homem (Marcos 14, 21) elucida a consciência que e possivel ter como
compreensão ocorrente a se perceber carregada de toda a plenitude do sentido existente,
responsavel por ela e decidindo inevitavelmente no tempo agora.
'Ha muitos indicios de que o mundo dos Iuncionarios e o mundo dos pais são
idênticos para KaIka¨ (GW II-2,411). 'Nunca jamais vimos o local da luta silenciosa que o
Eu encetou contra os pais¨. (GW II-1, 92).
Os pais são os administradores mensageiros do que esta estabelecido: nos os somos
por interpretação total instituida: estamos como que Iundidos ao que Ioram e, por outro
lado, ainda são por nosso intermedio. Repetimo-los de todos os modos por inercia ou ate
por revolta na intenção de implantar nova interpretação para reIerência geral. Mas ha o Iato
presentiIicado do Eu que se constitui como possibilidade de juntar em si mesmo todos os
liames de sentido em andamento costumeiro ou a inaugurar rumos diIerenciados. Um Eu
acontecendo assumidamente como passado agora reconhecido, Iala e, com isso, na
compreensão Iaz surgir Iontes de inesperado sobressalto de sentido em ação operatoria de
diversas Iormas; um Eu a elucidar e a inaugurar o proprio passado tematizando o seu
condicionamento de compreender como compreende e agir como age. Poder-se-ia
perguntar pelo local da postura, da separação, do cindir-se entre passado e presente entre
pais e Iilhos, entre objetivo e subjetivo. Esse local nunca alguem viu! Todo passado esta no
utero do presente e participa inevitavelmente de toda a nova compreensão em gestação,
como toda a esperança esta no que ja passou. Qualquer coisa que seja dita do que ou que
seja passado e auto-posição, proposição, acontecimento do EU para ser a sua continuidade.
70
Nunca se vê como passado, pois toda a deIinição objetiva ja e instauração. Como mais
adiante e expresso: 'Sempre o Ialante e possuido pelo presente. Portanto, ele e
amaldiçoado: nunca poder dizer o passado que ele quer exatamente mostrar¨. (GS II-1,93).
Não ha, portanto, a oportunidade de separar-se do passado que se diz para uma
apresentação objetivamente separada de si mesmo no ato de dizer. Alias, a intenção de
dizer o passado e a propria intenção da objetividade, pois todo o deIinido so pode sê-lo,
como ja dito, enquanto morto e passado deIinido, não mais ai para ser revisto na
emergência da sua Ionte, pelo menos não imediatamente, ja que esta sistematizado
Iirmemente na compreensão que possibilitou a propria compreensão.
Toda a Iala esta condenada a primeiramente expressar a instituição de si: e
perIormativa inevitavelmente. Onde, portanto, objetivamente, a localização do desespero
em delirio para apanhar-se no imediato surgir de si, da guerra silenciosa, se e ela mesma a
inauguração do tempo em clarividência a iluminar enquanto sentido na Iala? A
compreensão de que somos compreensão comprometida desde logo traz a angustia
ensombrecida pela camada de natureza automatizada em compreensão de ser, a angustia
pelo ser a se modiIicar pela mudança itinerante da compreensão. Somos compreensão
instituida e, ja que a somos, não conseguimos vê-la em completude de auto-reIlexão. Do
rastro do caminho andado Iaz parte o local em que se esta e o ponto de vista que ele
representa.
Tal estado de coisas parece lembrar a Aufhebung hegeliana, mas com a diIerença
essencial de que e vista no imediato presente a esmagar qualquer tentativa de organização
absoluta inicial, ou inicio organizativo absoluto. Estamos no meio de um jogo que ja
iniciou ha muito tempo com regras em grande parte desconhecidas e juizes invisiveis de
quem se escutam por vezes o apito. Mas o Iato de experiência e que mudamos conhecendo
e nomeando e tal experiência e como uma cabana no deserto a demarcar instante por
instante junto com os seus horizontes uma situação, ou um estado possivel. Por isso
'Agora contemplamos o que sem saber destroçamos e elevamos¨. (GS, II-1, 92).
No dialogo em que estamos a mudar, peregrinar, abandonar ninhos teoricos
petriIicados e decidir Iuturos enquanto interpretação do condicionamento do passado, nos
percebemos o proprio destroçar, o perecer, a direção da destruição, da morte. A destruição
e o destroçar ressurgem como elevação de algo, como nova constelação, ou transIiguração.
71
A angustia acontecente da travessia e a da destruição do que somos e a elevação do que
vamos ser inaugurando constantemente o tempo de conhecer e nomear.
O agora se deIine pelo ver o que se vê e se compreende. O Eu auto-constituidor de
si incorpora a compreensão da destruição que ele mesmo e em processo. Destroçamos sem
saber ao compreender, Ialando e compreendendo de modo instituinte. O local do surgir da
guerra não e visto, e sim, so a inevitabilidade de compreender destroçando; mas,
destroçando e ao mesmo tempo elevando, conservando, qual Ionte de luz que so consegue
perceber-se Iorte nos raios que emite. A compreensão que se da pela linguagem e constante
construção com ruinas compreensivas que assim se incorporam. Mas a Iatalidade da
compreensão e exatamente a compreensão disso e que desse jeito constantemente a si
mesma tenciona ao se ver estendida como rastro de si e projeto de si Ieito ruina. Fazemos
isso sem saber, 'ohne wissen¨, porque o somos e acontece: compreendemos e a
compreensão no rastro-tempo que deixa Iaz ver os vestigios da ruina que Iomos e que se
incorporou para ser na compreensão como passado, ou como pai, ancestral, ou como
Iuncionario. Qual a Ionte que se percebe a si a não ser pela luz ou agua que dela decorre?
Cada construção ja Ieita e recordada e coleção de arteIatos da tradição, e retirada de
pedaços de varios conjuntos teoricos para a Iormação de nova constelação, e novo arranjo
em Iorma de totalidade que não consegue abarcar e levar junto o que não Ioi escolhido para
a Iigura compreensiva produzida, e produção de sobras que cumprem o papel do erro em
relação a verdade instituida e programada, e o nada que Iaz o papel do reverso do tudo. No
discurso normal e monologico, a compreensão travada e sem o eco de si no outro se
convence de sua boa totalização. Exatamente isso muda radicalmente na conversação. Ela
tem a caracteristica da nostalgia da amplidão: 'A conversação queixa-se da grandeza
desperdiçada¨. (Idem).
A conversação em sua imediata ocorrência pode ser entendida primeiramente como
queixa pelo consenso socialmente alcançado, mas pequeno demais diante da grandeza de
uma compreensão ainda possivel, pois, 'grandeza e o eterno silenciar apos a conversa¨
(GS II-1, 93). O que e a grandeza alem do não dito que Iaz compreender o dito? Percebe-se
a riqueza do que ha por nomear e conhecer e o abismo de um Iundamento sem
Iundamentação em que se esta embretado, a precariedade dos argumentos Iundantes para o
que se compreende como conteudo deIinido. E a queixa pelo sair de si para a oscilação
72
entre Ialante e ouvinte a constituir o que mais adiante se diz da contradição da linguagem:
'No gênio Deus Iala e aprecia (lauscht) a contradição da linguagem¨. (GW, II-1, 93).
A conversação e queixa pela embretada escolhida, pelo caminho discursivo que e
em meio a totalidade do ser supondo o que não pode compreender e dizer. Queixa-se por
ser objetivação inevitavel que sempre ja signiIica um reducionismo com pretensões de
apresentar a totalidade do sentido possivel, mas sabe que so pode ser discurso Iinito e não
absoluto. Queixa-se por ser aparelho armado necessariamente para compreender o que
compreende, sendo que somente nesta situação exatamente pode expressar o
acontecimento que e. A verdade so pode ser pela recordação do discurso apoIântico por
meio da verdade adequativa ja de acordo com a aceitação de constelação de ideias e
conceitos. Como mais tarde na obra Origem do drama barroco alemào e aIirmado: 'A
verdade, presentiIicada no bailado das ideias apresentadas esquiva-se a qualquer Iorma de
projeção no âmbito do saber. Saber e posse...sempre de novo ira comprovar-se a tese... de
que o objeto do saber não coincide com a verdade¨. (GS I-1, 209).
A compreensão da grandeza e a lamentação da necessidade de se ter que
permanecer no posto, a consciência de se ter encharcado por demais na areia movediça do
discurso congelado. Sendo conversação, necessariamente ha deperecimento, mudança,
metamorIose, crise, deslocamento, o soar do som com melodias estranhas em meio as
constelações de compreensões Iixas. Alem disso, ha tambem a percepção aguda da
diIerença antes de toda a diIerença, ou seja, a diIerença entre constelações sucessivas,
rupturas semânticas em que ate o sentido de totalidade muda de acordo com a Iatalidade do
mandado 'Sai da tua terra e vai para a que eu te mostrarei¨ (Gênesis 12,1). Nada se
mostrou ao sair, mas o que se mostra quando se Iica na terra e o engano demoniaco da
intenção de transparência de si e o lamento da Iixidez eterna. A conversação e queixa de se
ter permanecido no mesmo lugar e decisão de sair, sem ainda saber para onde se vai como
inevitavel construção por vir, como construção de cabana no deserto, ou ate rochedo de
amarração de Prometeu em seu castigo com o chato do abutre da realidade alimentando-se
do seu Iigado que sempre cresce. A conversação suscita sentimentos de melancolia e luto
pela morte de pequenas certezas construidas e vislumbre da pavorosa imensidão das
possibilidades perdidas em Iavor de uma realidade opressora em sua redução e na qual o
caminho e apenas o da imitação monotonamente repetitiva.
73
Assim, a conversação e queixa, a linguagem da juventude em conhecimento e pavor
e lamento, e expressão da dor, ou ainda, e a propria dor no processo de libertação pelo
esIorço da nomeação do outro e de si.
Mas ha outra dimensão a ser considerada. Não se pode esquecer que a Iala em
conversação institui-se e no ato esgota a sua possibilidade, pois como execução de
deIinição morre para apenas ressurgir transIigurada no acontecimento compreensivo do
interlocutor. A Iala e compreensão acontecida a se lamentar pelo seu ingresso na alienação
e no vazio da objetividade; e tal objetividade e compreendida como arteIato independente
da Iala.
A Iala e intenção de instituição perIormativa, aspiração de reiteração ou instauração
de sentido a se expressar constantemente. A Iala apequena-se em seu constante ajuizar
predicativo, apoIântico, julgador e construtor de dispersão por auto-Iragmentação. E como
se a culpa Iosse a Iala que em si carrega o seu proprio juizo, pois na medida em que o Ialar
e julgamento objetivante, a si Iaz voltar o mesmo julgamento: a construção que promove e,
ao mesmo tempo desconstrução: sua intenção e a deIinição, que por sua vez e o movimento
da morte e esclerose. A Iala e a morte a caminho, a culpa em processo de Iormação, a
divisão em bem e mal da grandeza pressentida alem de bem e de mal. A Iala e Ierida aberta
da qual o sentido meramente comunicativo apoIântico sangra apequenado em sua nudez
somente Iuncional. A Iala ja e acontecimento em que ja inevitavelmente se inaugurou o
rastro de si passado como julgamento a aIastar o conteudo como se pudesse ser separado
de si em tempo ordenador e espaço Iundante. Assim a Iala enquanto acontecente com
pretensões de simples verdade por adequação ja e desperdicio da grandeza e a conversação
e queixa disso. A grandeza suposta e sempre desperdiçada e sem cisão, sem Iratura, sem
instituição de julgamento sobre o que seja vida-sentido, ou o que seja a repartição entre
bem e mal no instante mesmo da Iala.
Em suma, a atividade da conversação em seu acontecer ja e queixa e
reconhecimento do que o homem não percebeu como acontecimento de si mesmo. A
inevitavel tendência objetivante do logos apoIântico traz sempre consigo o acontecimento
da cisão que imediatamente promove a sugestão do descompromisso com o objetivado e
do esquecimento a respeito do promotor do sentido assim instaurado. O sentido
objetivamente instaurado torna-se assim alienado e, como que de Iora, permanece a
comandar o esquecido de si. Jersàumte Gròsse (grande:a desperdiçada), ou seja,
74
desperdicio de si na maquina compreensiva implantada: somos partes da maquina em
comprometimento de vastissimo sentido. O choro maquinal e melancolico, um imenso
julgamento ja promovido e em promoção de constante julgamento, quer ser ouvido no
silêncio criador de recordações de objetivações cada vez mais alienantes. E por isso que 'A
conversação aspira ao silêncio e o escutante e antes o silente¨. (GS II-1, 92).
A palavra portuguesa conversa, Iormada de con-versus, da, entre outras, a ideia do
conjunto e do encontro de versões em apresentação, e conversação sugere a atividade do
encontro para a apresentação de versões em que, para tanto, a escuta silenciosa e parte
imprescindivel. Tambem a palavra alemã Gespràch, Iormada de ge e de Sprache lembra a
possibilidade do cultivo conjunto da palavra, ou da reIlexão sobre o sentido das palavras ja
em uso na discursividade eIetiva do cotidiano. Nessa dimensão as palavras não pretendem
ser mais usadas na comunicação para a aplicação pratica das lides diarias, mas pretendem
concentrar a atenção no conteudo e na Iorma que estão a expressar, isto e, em termos de
sentido, de proveniência das situações historicas, de transIormações semânticas ocorridas e
a sua estranha intenção da capacidade de apresentar a realidade de cada vez bem como a
transIormação da mesma. As palavras na conversação procuram inibir a sua mera
instrumentalização como materiais de comando aplicado nas ações concretas para se
ensimesmarem na procura do sentido da sua existência a partir do seu proprio surgir e do
que com elas Ioi Ieito posteriormente. A linguagem ai promove como que um recuo diante
da sua praticidade no movimento alucinado da sua alienação meramente comunicativa na
construção de ediIicios semânticos para, então, prestar atenção ao que Ioi Ieito disso e a
sua propria participação nisso. O recolhimento meditativo das palavras na linguagem
necessita do silêncio do seu uso no sono e no sonho pratico para se dar conta do modo de
seu uso e se admirar do seu envolvimento na marcação da Iixidez da vida geral de que
mesmo Iazem parte. As palavras escutam a si mesmas no silêncio das suas tareIas
costumeiras que se dão no palavreado intermitentemente repetitivo em sinalizações
automaticas. Na conversação as palavras procuram escutar o sentido delas mesmas
aspirando ao silêncio do ruido ensurdecedor da catastroIe em movimento em que estão
envolvidas. Apos terem vendido a sua alma para o demônio urrante de dor pela lei imposta
como realidade com pretensões de eternidade, procuram o silêncio da conversação longe
dos locais em que estão sendo prostituidas enquanto comercio progressista que, para se
manter, sempre alardeia seriedade de uso. O recuo das palavras em relação ao seu uso
imediato e uma especie de arrependimento pelas explosões que ja promoveram na
75
participação das mais estapaIurdias conIigurações teoricas que Ioram e são capazes de
simular praticamente os argumentos Iundantes para a produção geral de ruinas. A
Iormação de massas espirituais dos campos de ruina Ioi Ieita com a sua participação
ajuizante, barulhenta e zangada. As palavras na conversação dão-se conta do poder que
tem em seu comprometimento com as Iormações teorico-explicativas de todos os tempos a
impor aquilo que e como se Iosse o ultimo idolo de adoração possivel.
O escutante que silencia não e um Eu como sujeito determinado, pois esse tipo de
escutante procura escutar tambem as determinações historicas do Eu de que se da conta:
ele sabe que o Eu e um campo de Iorças elaborado por signiIicações que ainda desconhece
por não ter ouvido suIicientemente. A atividade do maximo da capacidade de analise da-se
justamente no escutante silente. O silente procura silenciar as vozes de comando do
palavreado geral que conIiguram tenazmente o seu Eu para escutar longe dentro de si
mesmo os ecos das vozes de deuses e demônios que desconhece, mas que o dominam
concretamente pela bruxaria da sopa teorica com que o cozinharam. O escutante silente
procura ver o lado receptor das palavras que são capazes de carregar as mais diversas
misturas de liquidos semânticos como se Iossem vasos a disposição. O silente na escuta
solidariza-se ou ate se identiIica com as palavras em seu recuo da praticidade imediata para
a analise de seu poder de nomeação. O silente esta na situação do conhecimento de que
mesmo ele e Ieito de palavras na escuta de si e do outro em conversação: assim as palavras
retomam a sua importância enquanto consciência do seu poder de nomeação e voltam a
atenção a sua atividade desde os primordios da criação. A essência do silente torna-se a
atividade das palavras em recuo diante do ruido das signiIicações automatizadas para
proveito imediato no comprometimento pratico-Iuncional. O silente na essência da
linguagem em recuo vai a direção daquilo que nunca viu, ou seja, o local da luta silenciosa
em que o Eu encetou contra os pais. O local da luta nunca e marcado visivelmente a
primeira vista. Em Experiência e pobre:a os Iilhos so tardiamente a partir da propria
experiência e reIlexão descobrem a inIluência da experiência dos pais:
Em nossos livros de leitura havia a parabola de um velho
que no momento da morte revela a seus filhos a existência de um
tesouro enterrado em seus vinhedos. Os filhos cavam, mas nào
descobrem qualquer vestigio do tesouro. Com a chegada do
outono as vinhas produ:em mais que qualquer outra da regiào. So
entào compreenderam que o pai lhes havia transmitido uma certa
experiência. a felicidade nào esta no ouro, mas no trabalho. Tais
experiências nos foram transmitidas de modo benevolente ou
ameaçador, a medida que cresciamos. 'Jovem, ainda em verdes
76
anos e fa quer participar da conversa`. 'Certamente ainda teras
a experiência`. (GS II-1, 213-214).
A conversação e capaz de descobrir os deslocamentos e sobre-determinações com
que antigos preceitos nos Ioram inculcados.
O silêncio do silente, portanto, aqui denota admiração atenta ao que se apresenta e
signiIica a escuta da exposição que e Ieita pelo outro da conversação e da propria
contribuição do silente. A escuta compreensiva e silenciosa e, pois, altamente ativa pelo
Iato de se ver acompanhada da tradição, ou ate ela mesma ser de Iorma sui generis em
nova articulação de si pelo que se apresenta. A conversação (Gespràch) e um
acontecimento da tradição consigo por meio dos personagens em compreensão vital: a
suposição do total da tradição em sentido e inevitavel aos que estão em dialogo. A
compreensão daquele que escuta e esta silenciosamente atento so pode ocorrer na
suposição da tradição que ja o carrega, no suposto do que ate agora compreendeu
consciente ou inconscientemente por meio da linguagem, que o estabelece no aspecto
meramente comunicativo para usar palavras como instrumentos e para analisar com os
mesmos instrumentos os instrumentos que usa ao compreender. Quem compreende não
pode diluir-se em absoluta nova compreensão a partir de si mesmo como se Iosse a parte
da tradição. A tradição urde o sentido novo de si atraves da competência silente do
escutante. A tradição Iala e escuta na conversa e assim se torna criativa, jovem, renovada
na mudança de si. Ha que ter Iala e escuta, apresentação e recordação das condições de
possibilidade presente sempre e inevitavelmente.
Aquele que escuta e antes de tudo o silente. Na conversação, o primeiro que cala
em seu discurso, ou o que mais cala, e aquele que mais escuta, mais ouve, mais recebe a
revelação do uso Ieito das palavras, mais muda, mais rejuvenece, mais cala sobre a sua
propria construção, pois esta disposto a concordar com que sua construção babelica seja
derrubada. A conversação aspira, portanto, ao silêncio, pois, pelo visto, e exatamente
tambem um processo de escuta, de destruição, de passagem para outra postura, ou estagio
do voltar-se, da conversão analisante de caminhos ja andados. Em tal regresso, todas as
certezas retornam ao estatuto de hipoteses ensaiadas, experimentações iniciadas, mutação e
ate deperecimento. Benjamin em texto posterior, em Origem do drama Barroco alemào,
utiliza uma excelente imagem para tal atividade: 'Cada ideia e um sol e se relaciona com
seu semelhante como sois se relacionam entre si. A relação sonante dessas essências e a
verdade¨. (GS I-1, 218). Ou seja, a relação sonante (tònendes Jerhàltnis) que se da na
77
passagem de uma ideia como constelação compreensiva a outra e o proprio acontecer da
verdade. O passado pragmaticamente ativo, mas silencioso, presentiIica-se na articulação
silente e indiciante do agora.
A conversação aspira (strebt), ou seja, e aspiração, tendência, intenção, assim que o
acontecimento do conteudo em Iorma de sentido não poderia ser dividido em sentido de
algo a indicar sinalizando de um lado, e de outro em acontecimento-pragmatico de puro
dizer a acontecer. Pois a Iala e o sentido que acontece indicando, e tradutora, interprete em
expressão sonora. O inicio não e a dualidade de algo a ser interpretado por sinais chamados
a perIazerem linguagem, ja que na linguagem ha um ser acontecente em sua imediatidade
impossivel de ser objetivada em termos de verdade meramente adequativa. O inicio ou o
ponto de Iuga parece ser a grandeza e totalidade passivel de ser vislumbrada somente no
exercicio da conversação em que a compreensão em itinerância percebe-se dependente
delas como supostos ineliminaveis. Em tal compreensão as descobertas nomeadas a
acontecerem são assumidas como mera maniIestação, Erleuchtung, iluminação, acordar de
sonho, resplandecência, esIorço de compreensão da totalidade sempre suposta, apenas
parcialmente visualizada, e ja na tranqüila ciência disso.
Enquanto sentido ocorrente em termos de palavras so e na recepção ativamente
silenciosa. O acontecimento do sentido so pode dar-se no silêncio da recepção, pois, sem
isso, não e. A Iala enquanto acontecimento do sentido e maniIestação em meio ao total
silente-escutante na conversação que a possibilita: o total sentido possivel recebe a Iala
ocorrente.
O sentido em Iala ocorrente so e na escuta compreensiva. O silêncio e escuta e a
escuta e o silêncio em que o sentido acontece.
Ha a possibilidade de algo como que um esgotamento enIraquecedor da Iala, um
palavreado dissoluto que se dissolve pela multiplicação das compreensões armadas sem
saber que são compreensões e que se amontoa em pedaços de teorias Iragmentadas como
ruinas em direção ao ceu, uma riqueza acumulada durante milênios e esquecida de si, mas
que aspira (strebt) ao silêncio enquanto ruptura de um movimento em si mesmo alucinado.
A atividade da Iala na conversação construtiva supõe aquele que escuta, silencia e e capaz
de contemplar a razão construtiva comprometida com a maquina produtora da repetição
compreensiva. Assim, a aspiração ao silêncio expressa-se tambem pelo desejo da atenção
do que esta na escuta. Assim, 'a conversação aspira ao silêncio e o ouvinte e antes o
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silente. E dele que o Ialante recebe sentido, o silente e a Ionte inconcepta do sentido¨. (GS
II-1, 91).
Na conversação que promove a mudança do estatuto da linguagem pelo silêncio do
seu uso imediato nas artimanhas do esquecimento tareIeiro, a tradição olha-se a si mesma
nos olhos e Iala consigo mesma, pois ha a expressão do Ialante, sempre na situação de
proponente da atividade de construção Iixa de alguma compreensão, e o ouvinte que
compreende as palavras a partir das suas condições de possibilidades tambem ditadas pela
tradição. O acontecimento da sua compreensão pelo silente e o que determina o sentido das
palavras. Quanto mais a compreensão imediata do Ialante Ior ouvida como Iorma a
envolver conteudos pontuais tanto mais a aspiração do silêncio ao conversação se
concretiza. O inevitavel sentido surgente no silêncio da escuta da tradição Ialante no outro
e a eIetivação da revelação, ou da descoberta mutua que a conversação em suas versões
apresenta.
Aquele que silencia e escuta da sentido ao conteudo Ialado. Aquele que Iala sempre
esta possuido pelo desejo da continuidade repetitiva do sentido elaborado que imagina ser
evidente, enquanto que o escutante esta Iora disso, alegoriza, conserva a seu modo o que
ouve, ouvindo diIerentemente, e renova a construção traduzindo e traindo por interpretação
necessariamente tendenciosa: não e o conteudo que ouve, mas as palavras que o Iormam.
Aquele que escuta e o renovador, a Ionte do sentido. Reordena as palavras colecionando-as
e arranjando-as de acordo com os seus parâmetros ainda desconhecidos por ele mesmo.
Da-se uma curiosa conjugação de externo e interno. O externo esta com o interno que
sempre esta exposto no externo: espirito objetivo que so se realiza como subjetividade
itinerante. O colecionador de palavras do discurso alheio escuta e silencia, a catastroIe
grita, monologa em Iorma de discurso articulado, mas o monologo na conversação não e
escutado como ordem aplicavel e sim como a expressão do que na perIormance esta
esquecido e encoberto.
O silente como colecionador atento e silencioso coleciona palavras como Iatos e as
coloca na ordem historico-narrativa de acordo com o seu proprio indice de compreensão.
Escolhe as palavras como se Iossem objetos em um ambiente caotico para Iazê-las renascer
em nova ordem. Ao Iazê-lo, a coleção impregna-se, incorpora-se nele, tanto que o
colecionador e determinado pelos objetos colecionados: ele mesmo e uma coleção, uma
conIiguração, um re-ordenamento de si em auto-escolha: enxerga-se e possibilita a analise
79
de si pela coleção que Iaz. Coleciona impressões, interpretações e compreensões.
'O silente e a Ionte inconcepta do sentido¨ (GS II-1, 91), isto e, o sentido ocorrente
acontece naquele que escuta. Pois o que e a Ionte? A explicação que alguem da do que seja
a origem, a Ionte, ja e a propria Ionte? Não pode ser assim, pois ja e Iala de novo. A
origem pode ser apanhada no sentido discursivo argumentativo em Iorma de apresentação
competente no proprio ato de dizer? O dizer consegue dizer a sua Ionte ou e sempre
simples dizer novo e constante Iicando a dever o anuncio de sua Ionte que o poderia
explicar? Em suma, tudo isso signiIica que o dizer, qualquer que seja, nunca podera
apresentar discursiva e objetivamente sua Ionte a não ser como suposição da escuta silente
e compreensiva do outro. A recepção compreensiva do outro representa a Ionte do sentido
do que e Ialado. A Iala no vazio pode ser barulhenta, mas nada e sem alguem que a escute
e a entenda de algum modo.
Mas na conversação supõe-se a escuta que e Ionte para a compreensão exatamente
das determinações e dos motivos da compreensão ocorrente. Quem esta a Ialar na
conversação e obrigado a objetivação inevitavel, a sistematização constante, sem, portanto,
poder estar atento as pressuposições do seu proprio Ialar. A Iala ja e imposição de
determinado sentido na suposição de avaliador competente, de algo que esteja a
Iundamentar deIinitivamente o que se diz. E isso, mesmo quando se Iala com ressalvas a
respeito do proprio dizer no sentido de apresenta-lo como provisorio e sem intenção de
absolutismo. A Iala inevitavelmente se expressa como intenção sistematizada que se
apresenta na suposição de estabelecer conteudo compreensivo desvinculado e
independente do que esta a Ialar. Mas o silente vê o verdadeiro rosto de quem Iala
exatamente no conteudo que este esta a estabelecer. O silente identiIica o Ialante com a sua
Iala e o expressa nomeando-o compreensivamente ao modo de sua propria constelação de
conhecimento.
Ha como que um nada silencioso a possibilitar o espaço e o tempo do ruido de
construção do dizer do Ialante, que o escutante capta como suposição na atenção total, um
nada consciente, ou seja, o tudo ainda em possibilidade, o total do sentido subterrâneo
relacionado com o que surgiu e que começa a vibrar para borbulhar como Ionte para o
surgimento de novo sentido: assim, haveria uma reunião num dialogo, um encontro
possivel no âmbito do nada em que tudo e possivel.
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O silencioso a escutar e a Ionte do sentido, porque e nele que acontece a constante
renovação da articulação do que e Ialado, em que o passado a se expressar em Iorma de
ruinas Ialantes oportuniza a sua propria reconstrução, nova articulação de sentido. O
passado a acompanhar o presente na Iala ressurge na lembrança compreensiva do ouvinte
que assim lhe e Ionte para saciar a sua sede de vida. Por outro lado, o silente so e a Ionte
do novo sentido, porque escuta o que as palavras na sua imediação operatoria não dizem.
Ao captar a Iala das ruinas do passado a silenciosa Ionte ouvinte da atualidade em
compreensão operatoria jorra a presença renascida de todos os seculos.
Existe um âmbito interno a linguagem que não pode ser dito completamente, pois
para dizê-lo a Iala e sempre necessaria por suas suposições ainda a serem apresentadas. E a
zona do silêncio e da grandeza que sempre permanece, mesmo apos a conversação que se
ativa na compreensão da instituição dos supostos da comunicação para Iins operatorios. A
operação comunicativa instrumentalizada para a construção de arteIatos teoricos e praticos
supõe um consenso a respeito de modelos subjacentes ao processo construtivo
(procedimento, bem como idealização/Iigura a ser construida: são problemas tecnicos). A
conversação e a processualidade da apresentação de supostos da comunicação, que apos a
Iala e a escuta pode Iinalizar no silêncio do abismar-se Irente ao que a compreensão e
capaz, ou em novo ruido pela decisão conjunta sobre a possivel conIiguração de um pano
de Iundo a ser escolhida.
A conversação e sempre o local da Ionte do sentido pelo lado do silente pelo Iato de
Iazer acontecer uma ruptura no Iluxo da compreensão continua objetivada em determinada
direção. Explode com a compreensão costumeira e indica novos caminhos possiveis. A
propria possibilidade de ruptura para inicios originais supõe o interno a compreensão ate
então: a conversação avança, por assim dizer, em direção ao espaço do silêncio, ou do ate
então silenciado, transIormando-o em signiIicado. O silente e o silenciado conjugam-se. O
gênio como possibilidade de adveniência do que e novo e gênio por ser silencioso, isto e,
porque cria escutando o que advem na totalidade dos discursos e escuta criando a partir do
silêncio. Ele e mais silencioso do que Deus, porque Deus e a totalidade do Ialado da Iala a
ser escutada. Alem disso, Deus pode querer ter a caracteristica da repetição eterna,
enquanto que o gênio e Iilho do percurso da sua descoberta no silêncio dos discursos em
que as divindades se escondem. O gênio e o que na atenção silencia explodindo o que ate
agora e em eIetividade compreensiva para escutar o que vem a ser. Assim, ele mesmo
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acontece como Ionte em obra e vida identiIicadas, mas sem poder jamais dizer as ultimas
palavras sobre si mesmo.
A conversação pode acontecer entre duas participações que estão igualmente a
procura da sua origem, dos seus Iundamentos, do seu modelo de conIiguração. E isso so
pode dar-se na escuta do que esta entre ambos. Em não havendo escuta, ha o ruido da ma
dialetica em que as posições embatem-se por estarem sedimentadas soIisticamente e a
conversação Iracassa. E a perdição dos homens no desvario da utilidade oca utilizando a
linguagem Ieito porrete e machadinha. Tambem, em não havendo escuta, ha a
possibilidade do discurso quase Ianatizado em que o Ialante Iala para se deixar convencer:
e ele o ouvinte primeiro e crente da e na sua Iala, pois esta a organiza-la, decidi-la sendo o
seu proprio julgamento a enveredar numa certa direção. E o embate dos discursos ruidosos
que apresentam o espetaculo da dialetica Ieroz e cruel. Mas na verdadeira conversação ha
uma nova perspectiva: 'A conversação eleva palavras para ele |o escutante| enquanto
captantes, os cântaros¨. (GS II-1, 91).
No decorrer da conversação as palavras do discurso que se apresenta despojam-se
da signiIicação do imediato do uso cotidiano e se tornam como cântaros que se oIerecem
para a recepção de novo sentido. As palavras apresentam-se como receptaculo, pois são
analisadas, percebidas e compreendidas como participantes especiIicos de um discurso
armado que no seu todo esta sob a lupa e e objeto de atenção silente daquele que escuta.
A conversação Ieita de dois personagens tem tambem a caracteristica de ativar-se
numa pessoa so, pois quem e capaz de escuta silente tem a Iorça de direcionar a sua
atenção ao proprio discurso, as suas proprias epocas de envolvimento Iaceiro nas Iestas das
certezas na dança do passo sempre certo. Escutar-se desde o passado de si e Iazer o
inventario do repertorio de certezas que se teve, desde as catastroIes cometidas ate os
momentos de suspeição em tempos de mudança de Iundamentos com novos argumentos
construtivos para se estabelecer na segurança de novas Irentes de batalha. Escutar o
passado de si e dar a devida atenção as palavras com que Ioram produzidas as couraças do
tempo de guerra, esta urdida pelo embotamento, cuja causa e o esquecimento de que para o
silente não ha eternidade em verdade Iixa a ser vencida e conquistada. Na conversação que
o silente pode ser, o seu proprio passado e presente discursivo esta diante dele elevando-
lhe as palavras do que mesmo Ioi e e. O conjunto do discurso em pauta relativiza-se
perdendo a sua absolutidade e as palavras que o sustentavam rapidamente tendem a
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desIazer-se das signiIicações comprometedoramente suspeitas. As palavras são esvaziadas
do liquido venenoso e azedo que carregavam e retornam a condição de cântaros ao dispor
de novo uso. O silente e capaz de ver compreendendo os cântaros e os materiais com que
podem ser preenchidos. O silente torna-se a sua propria conversação na escuta da Iala que
ja o estabeleceu ou esta a estabelecê-lo e, assim, a conversação continuamente lhe
apresenta palavras enquanto cântaros captantes cheios, ou esvaziados, ou em vias de
recepção. As palavras que se evidenciam como cântaros evidentemente não são todas, mas
aquelas que chamam mais a atenção e sobressaem na conversação que no seu decorrer as
escolhe e eleva ao estatuto de receptaculos.
Pelo visto, a conversação pode eIetivar-se na relação com outro ser humano em
Iorma de dialogo na conhecida e costumeira situação de prestação de respeitabilidades
mutuas quanto ao que esta em jogo. Tambem pode concretizar-se Irente a imposição
Ialante da tradição a disposição em todo o tipo de escrita, nos monumentos e nas
instituições instauradas em processo de Iuncionamento de que se Iaz parte.
Mas a conversação tem o poder de ir mais alem: pode deslocar-se sendo produtiva com
aquilo que nos surge no pensar como desencontro com o Iluxo pensante da mimese sob o
comando de determinados conceitos Iundamentais ja aceitos, ou uma mistura e um sistema
deles, ou ate um mosaico ja com eles elaborado. O curioso e que as vezes se esquece que
tal conversação elabora-se e acontece por preenchimento ou esvaziamento de cântaros que
são as palavras. A convicção no estatuto do Eu encharcado de palavras e gestos
desconhecidos e esquecido estatui-se qual Iantasma temporario na noite de si e que
desaparece como por encanto Irente a luminosidade da questão Onde estas tu, lu:?
A conversação desloca-se como conversa com a propria tradição dentro de si numa
suposição da totalidade do que ja Ioi elaborado na cultura humana e do que Ioi esquecido.
A conversação enquanto conversa com a propria tradição dentro de si so e possivel como
aceitação critica de crise paradigmatica sucessiva, em que aquilo que Ioi estabelecido ou
quer se estabelecer merece a escuta do silêncio dentro de si em acurada atenção. Em todo o
caso, a suposição e a de que somos Ieitos de milhares de arteIatos culturais gerais, Ieitos de
palavras, espalhados, ou acavalados, ou imprensados e que se desenvolvem e se elaboram
sucessivamente ao sabor da casualidade rotineira quando vigentes como que separados em
objetividade e sem a oportunidade da escuta na conversação.
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'O Ialante aproIunda a lembrança de sua Iorça em palavras e procura Iormas, nas
quais o escutante se revela¨. (GS II-1, 91) O Ialante agora solidarizado na conversação
concentra-se na lembrança da Iorça das palavras que conIiguram uma compreensão Iixa
em operação, esquecida de si e a amontoar escombros sobre escombros. O Ialante quase
que ja escutante aIunda-se, ou se aproIunda nessa lembrança da sua Iorça Ieita de palavras
e procura angustiadamente Iormas para que o escutante silencie e escute e se revele em
seus proprios parâmetros de escuta. O Ialante em conversação ja sabe da Iorça que existe
na conjugação das palavras sui generis do seu discurso e procura lembrar e por em
evidência o perigo do esquecimento das massas espirituais que vazam por todos os lados e,
então, procura Iormas de encontro em que o escutante possa ser eIiciente a tal ponto que
tambem revele as suas suposições em ocorrência de escuta. O escutante, por sua vez, da-se
conta de que e Ialante tambem e de que o silêncio deve ser muito mais abissal, de que a
recordação como processo e a Ionte da revelação numa exigência silenciosa de anuência
constante e Iiel a escuta do proprio silêncio, o qual, quando da sua imediação, pode
revelar-se eivado de pressupostos baseando discursos.
A Iala como descrição de si, ate mesmo no sentido de representação e de metaIisica
realista, pode ser a do Ialante testando o que ate ai se pensou e contando com a
complementação em Iorma de anuência ou de negação daquele com quem esta em
conversação. O resultado sera sempre imponderavel, sera constante travessia de campo
seguro para campo ainda minado, sera tentativa de abandono de sistematizações
identiIicadas.
As palavras e as expressões, que por seu intermedio são possiveis, estão tambem
saturadas de possibilidade de recordação e Iorça do passado presentiIicado. Palavras e
Iormas em que o ouvinte se revela são tambem Iorça e recordação. O ouvinte silente
revela-se na compreensão captante dessas palavras e Iormas enquanto Iorça renovada e
concentrada: nele se resume tambem ao seu modo a totalidade do passado que Ioi e que ele
exatamente e.
O passado assim impositivamente Ialador e a percepção da Iorça no presente ao ser
ouvido e compreendido pelo ouvinte que precisamente assim se revela. O ouvinte a se
perceber Ieito tambem de palavras como cântaros captantes guarda em seu silêncio a Iala
Iutura, o novo em suas Iormas a se revolver dormitando no leito do passado. Os cântaros
guardam e repassam a agua da Ionte do sentido.
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Tudo e guardado, pois o sentido acontecido na Iala assim o Ioi por ser e para ser
erguido e guardado. Os lamentos, as queixas, os desejos de Ielicidade nos cântaros plenos
de sentido municiam o presente agora ouvinte com a mais variada selvageria e o mais
incompreensivel sentimento de solidariedade, de acordo com toda a gama do sentido
possivel.
O passado a Ialar no ouvinte a Iala do mecanismo, instaurado como compreensão
esquecida que lhe e peculiar, e o choro instituido e continuado na Iala chorosa do Ialante
ruidoso em repetição. E a visão da catastroIe. A catastroIe em andamento continuado e
culpa e castigo ao mesmo tempo, e doença da tradição que procura perpetuar-se na mimese
de si somente pela transmissão dos seus conteudos para um Iuturo vazio. Tal Iuturo e vazio
porque e concebido como mera repetição do que Ioi balizado pela intenção de obediência
cega proposto pela tradição como estreito caminho de possibilidades. O passado a Ialar
assim no ouvinte constitui-se em catastroIe poderosa, mas simultaneamente em choro,
pavor culpa e castigo.
A percepção da Iorça na Iala da tradição esta no silêncio compreensivo e apavorado
do ouvinte que do choro Iaz revelação de todas as Ieridas abertas do passado. O passado
metaIisico que Iala a partir de um quadro de Iixidez com as mais variadas Iundamentações
signiIica possibilidade de conversão, voltar-se transIigurado dos seus materiais de
compreensão que no agora habitam. O passado Ialante de qualquer modo Iala para ser
escutado e convertido em nova Iala, quem sabe rememorativa. O Ialante Iala para se deixar
converter na conversação.
A Iala procura a revelação de si no escutante, porque ela mesma enquanto Iala esta
aIetada pelo paradoxo da objetividade separada, alienação de conteudo Ialado na intenção
de ser Iundado incondicionalmente. A Iala so pode procurar a Iorma em que se revela na
Iorma em que, porem, o escutante se revela ao compreender captando-a do seu jeito.
A Iala vem a superIicie da compreensibilidade de si na imediatez compreensiva do
silêncio do escutante. O sentido não so comunicativo vem a tona pela compreensão
silenciosa do escutante, mas tambem e principalmente o que ressoa alem da comunicação.
O mero ruido mutuo de personagens em apenas ação comunicativa não consegue ouvir o
eco das vozes das gerações passadas pelo Iato de ser operação construtiva esquecida e
mergulhada em palavras de comando comunicativo da tradição somente impositiva por ser
comando esquecido no agora. Mas epocas de conversação são epocas de conversão. 'Pois
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o Ialante Iala para se deixar converter¨. (GS II-1,91)
A palavra conversào traduz o termo bekehren que, por sua vez, esta ligada a
mudança de perspectiva em relação ao compreendido e praticado ate o momento e ate ao
arrependimento por uma situação de Ialsa visão anterior. Conversão vem de vertere, sendo
que, então, convertere traz a imagem de verter funto. E como se a Iala do Ialante Iosse
captada, compreendida como vertida e convertida na Iorma dos captantes cântaros
ouvintes. O Ialante na conversação obriga-se a ensaiar a apresentação competente do
discurso de vida que o caracteriza de modo Iixo, mas ja disposto a conversão de tambem
ouvir os ecos do não dito naquilo que diz, ja que o dito e o dizer são prova viva do não dito
que os sustenta como suposto e contraIação, como nada que possibilita a totalidade deles.
O Ialante na conversação Iala como que ensaiando arrependimentos: a palavra
arrependimento e Iormada por paeniteo, ou poeniteo com o signiIicado original de ter
insatisfaçào com o que Ioi Ieito, dito e pensado ate então.
Em geral o Ialante Iala construindo necessariamente para depois se esquecer
daquilo que pelo julgamento Ialante construiu e daquilo em que mesmo se converteu como
construido. Dessa Iorma o Ialante revela-se em Iala sistematizada e tornada absoluta
criação autônoma, agora a prescindir, por esquecimento, da dependência de revelação de
sentido a ser desenvolvido e reinterpretado por novo curso revelativo por meio da
atenciosa escuta silente. Na Irase pois o falante fala para se deixar converter a conjunção
pois se reIere a Irase anterior que dizia O falante aprofunda a lembrança de sua força em
palavras e procura formas, nas quais o escutante se revela. Isto signiIica que o Ialante
ativa-se para que a compreensão acontecente que da as palavras possa ter ressurgências
inesperadas a partir do que Iala, para que o sentido no escutante possibilite novo
situacionamento e permaneça a lembrança ou a conservação da Iorça, agora mergulhada na
nova Iorma. O Ialante envolvido ou a procura de conversação esta disposto a mudança de
si, e penitente quanto ao que estabeleceu sobre si, arrependido por insatisIação e percepção
de insuIiciência quanto ao todo que compreende.
O Ialante ao ser ouvido e convertido em novo sentido, pois e compreendido pela
compreensão articulada de quem escuta e certamente Iaz parte de nova paisagem
sistematizada compreensivamente. O Ialante Iala e e transIigurado imediatamente na
compreensão do ouvinte doador de novo sentido. Conversão assim se da por interpretação
e escuta atenta que proporciona a experiência de mudança por vezes radical. O passado
86
converte-se, ou quer agora a conversão na interpretação da apokatastasis, a qual poderia
ser entendida como hermenêutica da assunção gradativa, em outras palavras, paulatino
assumir dos juizos ja objetivados e esquecidos de si em maneira alienada.
Na conversação toda a Iala, mesmo que esclerosada, instituida como aparelho
comunicativo para a aplicação de procedimentos a envolver conteudos, tende a ser
interpretada alegoricamente, convertida em compreensão diIerenciada de si, captada de
Iorma em que seu sentido e o novo que Ilui para a captação dos cântaros. A Iala desse
modo nunca e si mesma para si quando ha escuta.
A Iala na conversação compromete-se pelo Iato de haver escuta silenciosa: ela sabe
que acontece compreensão, mas não absolutamente idêntica a si. Ela sabe que ha encontro
na atividade de que participa. A Iala e convertida para novos rumos possiveis pela
silenciosa compreensão. O Ialante e convertido no que dele Ioi compreendido: ele e o que
dele se pensa e diz. E o que se pensa e diz e o espelho em que vê a estatura do que e, do
que Ioi dito e lido dele, da nomeação de que Iaz parte. O espelho da compreensão do outro
sobre a sua compreensão lhe da a dimensão de seu proprio automatismo. Ha a Iala disposta
a conversão e a escuta em silêncio para entendimento do rosto de ambas: objeto e sujeito
mudam constantemente de posição num movimento de imersão no desconhecido não dito.
'Ele compreende o escutante apesar de suas proprias palavras: que alguem esta diante dele,
cujas Ieições são serias e boas de modo inextinguivel, enquanto que o Ialante conspurca a
linguagem¨. (GS II-1, 91).
O Ialante na conversação sabe que na sua atividade esta a supor a totalidade da
compreensibilidade, na qual esta a se instituir a sua propria compreensão como em
separado: o Ialante e linguagem parcializada e diIerenciada do todo pelo seu ajuizar e pelo
rastro decorrente disso. Em sua Iala sabe que, por mais que haja linguagem em intenção de
diIerenciação, não ha como escapar ao inIinito suposto no proprio exercicio do seu
discurso. A queixa, a culpa e a dor no esquecimento disso conIiguram a catastroIe inicial
que se prolonga como situação original. A conversação como movimento de interrupção
do Ialante disposto a escuta atenta promove a cura, a lembrança, o alivio e o linimento.
Na expressão Ele compreende o escutante indica-se o Ialante a intuir que a Iala de
si para si sem a escuta não tem sentido algum. Tudo se da pelo Iato de haver escuta e na
aposta de que não sera ruido no nada a resultar em nada.
Alem do conteudo continente nas palavras a indicarem positivação ate a alienação
87
de si, o Ialante conta com o ouvinte a escutar as questões sobre que Iala. O Ialante
necessariamente seciona conteudos positivados de si e do outro como quem Iala sobre
algo. No exercicio da Iala paradoxalmente e obrigado a esquecer que e ele mesmo o Iato de
ser o que compreende como expressão Ialante, legivel ao silencioso escutante e leitor.
Apesar das suas palavras... separadas de modo conteudista como objeto a parte, o Ialante
Iala e compreende aquele que escuta como alguem diante dele: o silencioso, Iertil e
generoso campo de IrutiIicação de seu Ialar e vertente de sentido diIerenciado de sua Iala.
Diante dele o eterno esquecido esta a lhe indicar o não esquecimento de si enquanto
criação e a lhe proibir comer da arvore da discordia por separação de bem e mal: o outro a
ser constantemente visto e a visão de si como lembrado de que e o conteudo do seu dizer.
Seriedade e bondade são os traços são caracteristicos daquele que esta a escuta, porque
tambem este sabe que necessita da Iala do que diz o Ialante. O discurso do Ialante na
conversação e serio e importantissimo ao que escuta e a sua construção e boa, porque,
Iundamentada como esta, oIerece a oportunidade de ir cada vez mais alem ate pairar sobre
o abismo do possivel. E e exatamente isso que o Ialante tende a ver comprovado no
ouvinte, o qual desempenha realmente tal papel e pelo qual e reconhecido pelo Ialante
como sendo caracterizado por Ieições serias e boas. O ouvinte Iaz as honras a linguagem
indo na direção do sentido mais proIundo dela: antes de tudo indicia a aparelhagem da
linguagem para a montagem signiIicativa de conteudos compreensivos então supostos
como Iundamentados separadamente do Ialante e da Iala. Libera o Ialante do peso morto
que carrega como marca identiIicatoria de si para que seja identiIicada e vista. Pois nele,
em tudo que Iala acontece o passado em Iorma de narrativa cotidiana obnubilada na
recordação das suas inIinitas determinações. O que Iala insere-se na contradição.
O Ialante agora compreende que ha alguem diante dele, que e o outro a lhe recordar
a necessidade da suposição da presença de tudo, da pletora do sentido de todo o passado, e
e por isso que pode Ialar a respeito de tudo como num ensaio de positividade, sem pejo de
nada do que aconteceu em termos de compreensão e sua aplicação multiIacetada, sem
querer poder escamotear julgamentos, decisões e veredictos, sem demonstrar vergonha do
que procura acentuar, relevar, diminuir, liquidar. O ouvinte, por sua vez, tem a
oportunidade de escutar tambem a voz do silêncio que possibilita a Iala necessariamente
unilateral mesmo do melhor Ialante com os seus recortes deIinidores, o reverso existente
como pano de Iundo do acontecido e da Iala, sem o qual não ha acontecido, nem Iala. O
Ialante a expressar o passado e certamente melhor compreendido pelo ouvinte no instante
88
de agora com a capacidade de escutar a sua Iala, bem como tambem as condições do seu
existir. As Ialantes ruinas do passado erguem-se presentiIicadas com Iorça redobrada por
meio da observação silenciosa e compreensiva do ouvinte. Nesse sentido, a linguagem
conspurcada, julgadora e ruinosa do Ialante passado e ampliada e redimida pelos traços
serios e bons do ouvinte a compreender dando sentido continuado ao aparentemente morto.
A construção de um discurso envolvido em conversação da-se no imediato suposto
de ser vista por alguem a distância, que lhe dê sentido diIerente e continuador. Toda a
construção em conversação e concentração local-temporal no esIorço para ser percebida,
que para tanto necessita da instauração de criterio externo que institua a percepção deste
mesmo esIorço. A construção aIirmativa so e na aceitação de que seja, e a instituição de
que e acontece somente pelo outro que e ouvinte. Aquele que Iala em construção
compreende o outro que o cerca, o enlaça e o revela como Ialante dando-lhe sentido
diverso da imanência Ialante-expressiva. As Ieições serias e boas de quem escuta são
inextinguiveis, pois indicam assim a inevitabilidade de compreensão que acontece
relacionada pelo acontecimento da Iala. De qualquer Iorma havera signiIicação, avaliação,
recepção.
Mas Ialante de qualquer maneira sempre conspurca a linguagem na sua Iala pelo
Iato de incorrer em contradição Iundamental na propria construção do seu discurso pelas
suposições absolutas para tanto necessarias. Qualquer que seja o tema a ser desenvolvido, a
contradição esta presente na intenção de deIinição de algo separado de quem o diz supondo
criterio que absoluto não pode ser, o que perIaz um paradoxo na construção da Iala. O
Ialante conspurca a linguagem porque Iala e so o consegue apequenando a possibilidade
absoluta pelo delineamento deIinidor da construção especiIica. A Iala em construção na
conversação não deixa de ser resolução para a continuação eIetiva em alegoria de comer do
Iruto da arvore do conhecimento do bem e do mal. Ha na Iala a intenção imanente de
ultimar progressivamente as explicações sobre o que e, de modo que ela esta
Iundamentalmente reIerida a alguma progressividade enquanto intenção de Iixação de
conteudo e de dominio construtivo da vida com base em suposições sempre insuIicientes.
O lado Ialante e ativo na construção do sentido e a perspectiva da poiesij e desta mesma
caracteristica se esquece no instante imediato em que articula a elocução.
'Mas mesmo que pudesse viviIicar orgiasticamente tambem um passado vazio, o
ouvinte não compreende palavras, mas apenas o silêncio do que esta presente¨. (GS II-1,
89
91-92). Um passado vazio seria uma determinada narrativa dele ainda restante no presente,
ou seja, algo entendido como ja não mais existente e apenas viviIicado no presente na
Iorma da lembrança Iixada como objeto. Um tal passado seria como que uma especie de
espaço em que as ocorrências ja não mais existem, pois Ioram recolhidas no espaço da
lembrança do presente que assim pode analisa-las, disseca-las e deIini-las como
objetivação ja Ieita. O passado estaria completamente morto quanto as determinações que
ainda pudesse causar no presente, pois ja teria sido recolhido totalmente no presente que
então o teria sempre a sua disposição. O passado seria aquilo que simplesmente passou
para nunca mais voltar dando o seu espaço apenas ao presente que com as analises do seu
conteudo incorporado prepararia o seu proprio Iuturo no mesmo instante. A decretação da
morte do passado seria simultânea a sua viviIicação na consciência do presente como algo
que ja Ioi deIinitivamente posto e capaz de justiIicar plenamente agora no presente as
evoluções discursivas desse mesmo presente. O passado vazio e morto seria, enIim, a presa
Iacil da compreensão autônoma competente e consciente de um presente que sabe
perIeitamente o que quer de si mesmo.
O passado historico Ieito apenas narrativa em discurso positivado no presente e
vazio e apenas pode aparecer ao modo de orgia repetitiva no engano de que seja material
para a construção progressiva do Iuturo, imaginado como espaço aberto. Assim o ouvinte
solidariza-se com o Ialante na compreensão viviIicada ao modo da orgia repetitiva de um
discurso pronto, mas ouve de Iato o silêncio do que esta presente ao modo do discurso,
pois ele escuta o não dito a ser nomeado enquanto as palavras, na ânsia comunicativa para
a apresentação de um desenho acabado, desestruturam-se em seu sistema intencionado
dando noticia de outras possibilidades de compreensão talvez mais originais. Mesmo que o
ouvinte viviIique o passado deste modo, tal atividade representa a noticia de um passado
silencioso presente, impronunciado, Iundamento abissal sobre o qual pairam tanto o
proprio ouvinte como tambem o Ialante. E por isso que o ouvinte ouve o silêncio do que
esta presente: escuta o abismo do não dito e a precariedade silenciada dos Iundamentos do
dito.
O passado vazio equivaleria, portanto, a objetivação no sentido da expressão era
uma ve:, de acordo com determinada versão narrativa. Ele e vazio porque e visto como
conjunto de eventos ja deIinitivamente transcorridos apenas numa linha de tempo
imaginaria traçada ate o presente e que se estende Iuturo aIora. E um passado que, mesmo
90
presente em sua Iorma de discurso positivado, entende-se e procura mostrar-se
completamente diIerente de um presente dele tambem diIerente em ocorrência. O ouvinte
percebe a vacuidade de um tal passado presente em Iorma de objeto para substitui-lo pela
compreensão como maniIestação de um passado sempre presente, mas ampliIicado em
totalidade ocorrente e a envolver o discurso de agora. E como se a totalidade silenciosa do
não dito Iosse inIinitamente mais ruidosa a ponto de silenciar o evento discursivo de agora
na sua intenção de objetivação Iixa e entendida apenas como conteudo a aspirar o estatuto
de verdade por adequação numa repetição silenciosa quanto a nomeação criativa.
O ouvinte entende que ha que ter a escuta da tradição em si mesmo enquanto
reivindicação por solução de interpretação de ruptura com o que tenta apresentar-se como
deIinitivo. O presente verdadeiro e a recepção atenta as considerações do que vem ao
pensamento do ouvinte como compreensão e explicação e como Iorma de entender no
exato momento do seu acontecer. Independentemente da localização do Ialante, se em si
mesmo ou no outro Irente a si, ha que escutar a tradição ingente em sua Iorça na
linguagem. Essa escuta de si da tradição Iaz-se no silêncio: mas e escuta de si na
linguagem com que se da a compreensão ou na escuta do outro individuo a Ialar e que se
esta a compreender na escuta. Por isso, a Iala so e reconhecida como tal pelo silenciar e
ela, por isso, tende e aspira ao silêncio: tal silenciar e a escuta de si ao Ialar. A Iala de
agora, mesmo ruidosa pode corresponder uma escuta que a silencia em meio a imensidão
oceânica do sentido de que Iaz parte. O Ialante de agora e a representação apequenada de
todos os Ialantes de todos os seculos: seu discurso representa uma particula inIima da
tradição presente como suposto em seu conteudo e em sua Iorça.
Na orgia ordenada pela logica da repetição não ha compreensão verdadeira das
palavras, mas apenas a intenção da visualização viciada do constante retorno do igual num
âmbito sistematizado comunicativamente. As palavras assim instrumentalizadas são vazias
e ambos, o Ialante e o ouvinte, permanecem como que em silêncio ante a grandeza
desperdiçada, mas o ouvinte conserva as possibilidades da verdadeira linguagem. O Ialante
em seu doutrinario silêncio palrador oportuniza ao ouvinte interlocutor a analise do
Ienômeno ocorrente que ele mesmo e. A compreensão do passado assim silenciado como
objeto deIinido e apartado caracteriza a orgia do esquecimento, da irreIlexão, do ser levado
pelas valorações ja Iixas na canalização de instintos, do automatismo da Ielicidade
mimetica, o qual epicuristas mais atentos condenariam por ser imediato demais. EnIim,
91
viviIicar passado vazio seria repetir ao inIinito as positivações presentes como se Iosse o
passado por inteiro a serem repetidas de modo obediente e reverente a ponto da
inconsciência: um passado vazio, morto, mumiIicado e inIrutiIero, casca podre e inutil de
Iruta ja deglutida, resultado de objeto entendido como separado de quem o diz, um passado
destituido de sua inIinita passagem. Tudo isso se constitui como uma especie de Iuga das
injunções da compreensão atenta de um agora sempre decisivo. 'Pois o Ialante esta
presente apesar da Iuga d'alma e do vazio das palavras, seu rosto esta maniIesto e os
esIorços de seus labios são visiveis¨. (GS II-1, 92).
Uma alma que Ioge do Ialante e a sua propria alma alienada em objetivações não
assumidas, a qual e compreendida como se estivesse apartada do Ialante e a viver
unicamente no reino da verdade adequativa em que vige o sistema da representação. A
alma Ioge junto com a construção Iicticia de um mundo separado da linguagem e do
pensamento do Ialante. A Iuga d`alma e a expressão de um pensamento que procura
duplicar-se na Iormação de um espelho de si em que pudesse ver-se para avaliação
autônoma e competente de sua propria Iigura. O pensamento entrelaçado com a linguagem
deste modo não consegue assumir-se como ocorrência de Ionte a desconhecer os seus
proprios mananciais. A Iuga da alma pode ser entendida como a necessaria teatralização
sistematizadora do discurso, a objetivação constante do que ocorre imediatamente e que
então não e mais captavel na Iala.
O vazio das palavras trata da sua desvalorização como mero instrumento num
sistema comunicativo. As palavras são compreendidas como apenas veiculos a carregar
uma carga semântica para uma construção cuja planta esta deIinitivamente resolvida. A
compreensão acontecente no ouvinte então preenche o vazio morto das palavras na
adivinhação e na evocação das Iontes ocultas do discurso que imediatamente se da como
Iorça ruidosa de uma verdade que tenta escamotear a sua proveniência. O ouvinte ouve as
palavras em Iorma de som como vê o rosto imediatamente maniIesto e o esIorço dos labios
do Ialante promovendo a comunicação, mas, alem disso, ouve tambem o que tal esIorço
esta a silenciar e a esquecer: a emergência do passado em Iorça discursiva presente pela
qual o Ialante a si mesmo se deIine.
Por sua vez, 'O ouvinte conserva a verdadeira linguagem a disposição, nele as
palavras penetram e ao mesmo tempo ele vê o Ialante¨. (GS II-1, 92). O Ialante
necessariamente comprometido com a comunicação de suas objetivações apresenta-as em
92
Iorma de verdade que tem a caracteristica de tentar adequar o sentido que as palavras
carregam a uma realidade completamente diIerente delas, necessitando para tanto de um
criterio que sirva de Iundamento. A linguagem como tal veiculo de comunicação ao
serviço da adequação assim perde a caracteristica de verdadeira linguagem, ja que
aconteceria como intermediação representativa de dois campos distintos. Mas o ouvinte
não so ouve palavras para delas receber sentido sobre alguma realidade que lhe trazem,
mas ele se considera Ieito das palavras que ouve: as palavras são algo que com ele mesmo
acontece. O ouvinte sabe que as palavras ouvidas signiIicam a ocorrência de uma mudança
de si mesmo a medida que compreende o que compreende e, ao mesmo tempo, vê o
Ialante, ou seja, o esIorço deste em apresentar um conjunto discursivo no esIorço de
sistematização logica. Na escuta do ouvinte acontece a leitura como reorganização
compreensiva qual metamorIose, pois ha suspensão de imediatismos compreensivos que
pudessem comprometer, diIicultar a relação com o que se expressa o acontecimento. A
recepção compreensiva mutante do ouvinte e a possibilidade da expressão do Ialante de ser
lida e se Iirmar como expressão. O outro Ialante e compreendido como a se expressar num
acontecer de verdade por adequação e essa mesma recepção compreensiva e considerada
como mudança a acontecer no ouvinte. Assim, não ha palavra sem escuta do que e
expressão. Não ha expressão sem sentido seu organizado para sê-lo na escuta. Não ha
linguagem verdadeira sem a continuada interpretação imediata a transIormar a realidade do
ouvinte silencioso. O ingresso do sentido e das palavras Iormadores de mundo tem a sua
chave privilegiada na escuta atenta e interpretativa do ouvinte. Duas concepções de
verdade se conjugam na linguagem: o seu acontecer como expressão no Ialante e no
ouvinte, como tambem o esIorço de adequação conIorme um criterio Iixo e supostamente
inabalavel.
Quem fala dissolve-se no que escuta. O silenciar,
portanto, a si mesmo se gera da conversa. Cada grande tem
apenas uma conversa em cufa borda a grande:a silenciosa esta a
espera. No silêncio a força renovou-se. o ouvinte guiou a conversa
para a borda da linguagem e o falante criou o silêncio de uma
nova lingua, ele, o seu primeiro ouvinte. (GS II-1, 92).
A expressão Ialante torna-se metamorIose do proprio ouvinte na escuta atenta, pois
a Iala nele se dissolve promovendo a mudança de si, de modo que o Ialante torna-se a
expressão do que o ouvinte compreendeu, isto e, ele se dissolve no ouvinte. Ambos estão
em passagem intermitente e não simplesmente a se tornarem passado morto. O silêncio da
passagem na conversa e capaz de silenciar a Iixidez aguda de qualquer Iala. Portanto, desse
93
modo tambem se torna compreensivel que na conversa, em que ha Ialante e ouvinte atento,
o silêncio a si mesmo se gera como dinâmica propria nos limites da conversa. A grandeza
silenciosa e dinâmica esta sempre a espera enquanto um âmbito a abrigar as possibilidades
da mutação compreensiva de toda a Iala que acontece. Por isso, cada grande poeta,
pensador, proIeta ou santo apenas se concentra numa conversa em que Iala a si mesmo
com uma coragem proIundamente honesta quanto ao que ja e em deIinição e escuta a si
mesmo de modo radical, abismando-se na transIormação de si. O silêncio de um discurso
ruidoso pavoneando Iundamentação deIinitiva gera-se na passagem para a proIundeza de si
cada vez mais longinqua num constante abismar-se. Na dinâmica do silêncio gerado na
conversa desestruturam-se as Iorças cegas de qualquer sistema compreensivo esquecido de
si e se renovam, porque Ioram indiciadas em sua eIicacia na inconsciência de suas
aplicações. As bordas da linguagem são a sua Iorça maior: e o local das transIormações
que aIetam a totalidade da compreensão. As bordas são os limites da compreensão em
palavras e pensamento que se transIormam na escuta do ouvinte atento. Cria-se o silêncio
de uma nova linguagem pela inevitavel compreensão sistematizada do proprio ouvinte
desde as suas proprias condições de possibilidades tambem a espera de escuta muita atenta.
O ouvinte abisma-se, porque ao ouvir tambem e obrigado a se dar conta das condições que
tornam sua escuta possivel: ele sabe que a compreensão no ouvir depende de estruturas de
entendimento ainda não tematizadas. Desse modo o ouvinte e levado a ouvir o que o
transIorma e a escutar mais atentamente ainda as condições da sua metamorIose: ele e o
seu primeiro ouvinte, isso e, aquele que antes de tudo esta a espreita de si mesmo.
'Silenciar e o limite interno da conversa¨. (GS II-1, 92).
A conversação não procura ter a caracteristica da produção de ampliação de
horizontes compreensivos e estranhos, mas da a oportunidade de simplesmente descobrir o
que ja sempre se supôs na linguagem. As bordas e os limites da linguagem ja sempre são
internos a ela porque ja contem dentro de si toda a riqueza e amplidão de horizontes
possiveis, mas que são paisagem esquecida e não mais vista na mera aplicação lutadora na
deIesa do pequeno ninho compreensivo construido como deIinição Iixa. As perspectivas
envolvidas na conversação ja representam as Iiguras de sistemas que nela exatamente
mudam internamente quanto as suposições que os sustentam. Neste caso substitui-se a
ideia de expansão inIinita de horizontes de uma compreensão mais abrangente por um
entendimento de que ha um inIinito a ser percebido internamente a linguagem ja usada
como instrumento de comunicação no cotidiano com os seus supostos a agirem como
94
Iorças desconhecidas. Desse modo a conversação não expande os limites da conversa
como que espacialmente, mas veriIica nucleos de concentração da linguagem que de Iorma
automatizada perIazem o equivoco de uma naturalidade evidente.
Por obvio ha que acrescentar ainda que a Iala nunca e so, pois ja silêncio e atitude
ante a Iala. O limite interno delineia-se dinamicamente pelo intersticio, a quebra e a ruptura
que acontece na interpretação do ouvinte interpretador, destinatario do que o Ialante diz e
que para ele se torna revelação para a sua propria transIormação.
O silêncio como limite interno divide a conversa entre o que Iala e o que escuta. Do
lado da Iala pode haver simples repetição imanente de discursos solidamente ja ha tempo
instaurados, o que caracteriza a Ialta de produção de discurso e de sentido. Assim, desse
lado, essa Iala não chega a se tangenciar com o silêncio, pois e ruido sem criatividade pelo
Iato de repetir dogmaticamente, doutrinariamente, a mesma visão de si. 'Nunca o
improdutivo chega ao limite, ele toma as suas conversas como monologos¨. (GS II-1, 92).
Improdutivo e quem esta numa situação de engajamento total comunicando-se
aplicadamente em alguma construção ja em andamento, cujos alicerces, então, ja Ioram
colocados e que esta em Iase de erguer-se aos ceus qual torre de Babel. E a Iase em que
não mais se julga necessaria a reIlexão sobre o que em geral esta sendo Ieito e diante de
todos paira a imagem de um Iuturo completamente programado. O improdutivo julga não
ser mais necessario pensar o que ainda não Ioi pensado e dizer o que ainda não Ioi dito.
Paradoxalmente a repetição seria a caracteristica principal de quem e improdutivo. O
improdutivo, portanto, não consegue chegar aos limites da conversação pelo Iato de que o
caminho para la e pavimentado pela necessidade da tematização sobre a linguagem em
termos de pragmatica e de semântica. Ele se nega a reIlexão sobre a linguagem em geral,
porque e de todo cooptado pela Iorma de raciocinar em termos de criterio de verdade em
que se prima pela correção do pensamento em reIletir adequadamente uma realidade
absolutamente externa. O improdutivo exerce a repetição do juizo meramente operatorio
do que ja Ioi posto a operar. Ele e um Iuncionario da operação iniciada: exerce apenas a
sua capacidade de juizo dedutivo em relação ao que aparece como Ienômeno para
subsumi-lo aos planos preconcebidos sem mais a intenção de qualquer revisão. Seria,
então, improdutivo pelo Iato de não exercer a reIlexão atenciosa aos supostos pelos quais
raciocina, ja que esta seguro de que os Iundamentos do seu pensar rotineiro não podem
jamais ser contestados. A sua conversação não chega a veriIicação e indiciamento dos
95
alicerces de si enquanto sujeito ja Iormado e se apresenta agora como um monologo
constante em Iorma de retorica, sedução, missão, propaganda e soIistica que tem a sua
meta na esclerose do Ianatismo como esquecimento total empedernido e embotado. O
improdutivo e o incapaz de se exercitar na escuta de si quanto aquilo que lhe acontece
enquanto reIlexão e sua Iorma de apresentação quando atenta ao surgimento do sentido
instituido e a se repetir ininterruptamente. 'Da conversa ele se aIasta encaminhando-se ao
diario ou ao caIe. Nos recintos almoIadados ja ha tempo reinava o silêncio. Ai ele tem
permissão de Iazer barulho. Encaminha-se as prostitutas e aos garçons como o pregador
aos devotos - ele, o convertido de seu ultimo discurso¨. (GS II-1, 92)
Quando o improdutivo guarda distância da conversa compromete-se cada vez mais
com a ediIicação e sedimentação do seu discurso que então tem a possibilidade de qualquer
escrita em que sempre havera a expressão do que mesmo e em auto-exposição como se
Iosse um diario. Qualquer discurso escrito e auto-apresentação, mesmo que seja eivado de
argumentos que procuram sustentar objetivamente os Iundamentos do assunto aventado
como se Iosse externo ao que se expressa. O improdutivo estaria a se esvair e a se desviar
da sua grandeza possivel no esIorço da produção de um arteIato teorico retoricamente
eIiciente para o convencimento quem sabe de muitos, mas esquecido de cavoucar em seu
proprio chão. Alem do diario que representa qualquer escrita, o improdutivo tem a
possibilidade de se exercer em sua auto-exposição na publicidade do caIe. Em texto
anterior (A vida dos estudantes, GS II,-1, 86) Benjamin ja mencionava que sem a condição
da saudade de uma bela inIância e juventude digna não ha possibilidade de criação, que ha
jovens sem assumirem a sua condição de criadores em solidão e paulatino envelhecer, sem
a possibilidade de renovação de sua vida provinda da 'queixa pela grandeza desperdiçada¨
e que se caracterizam por 'uma limitada e devassa irmanação que se iguala no boteco e na
Iormação de clube no caIe¨. (Ibidem).
Todas essas instituiçòes de vida sào um mercado do
provisorio, como a ocupaçào em colegios e cafes,
preenchimentos de tempo de va:io tempo de espera,
desvio do chamado da vo: para construir a sua vida a
partir do espirito da criaçào, do Eros, da fuventude.
(Ibidem)
Prostitutas e garçons representam personagens que nos caIes e botecos são
obrigados a expressar a solicitude da aceitação do mando de um regime imposto sem
contestação, ou pensamento proprio. O garçom e a prostituta ai estão para servir a bebida,
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os sabores e os agrados convencionais dos prazeres naturalizados. São vitimas promotoras
de um processo social cultural e estetico ja em pleno andamento. Pretende-se expressar
atraves dos personagens toda a montagem naturalizada do sistema operatorio em ação
produtiva de acordo com criterios e valores em pleno vigor, mas por isso mesmo
esquecidos. As prostitutas e os garçons, como exemplo de toda a ação, entendimento e
sentimento geral da media da sociedade, ouvem o que ja ha muito tempo se assemelha com
a sua atividade, ou seja, a sedimentação de uma Iorma de vida que se compraz em aplicar
de modo mais eIicaz possivel os proprios alicerces do sistema em vigor, ou seja, o
convencimento pela retorica a obediência e ate sujeição a ação e aos prazeres
convencionados. O pregador e paradigmatico porque joga o jogo dos valores do sistema
promovendo a propaganda da conversão junto aos que estão em meditação. A Iorma do seu
discurso, seja qual Ior, irmana-se com a Iorma e os matizes em vigor. E convertido por seu
proprio discurso e com ele participa solidariamente na Iixação da Iormula geral. Converte-
se continuamente pela construção que estabelece ao modo de explicação Iundamental,
assumindo a Iorça que mesmo desconhece, isto e, sem apropriação pensante na
conversação capaz de ir sempre alem de resultados imediatamente evidentes. O seu ultimo
discurso Iundamentado sempre e o discurso da moda, e a nova teoria, a nova explicação, a
nova crença, a nova anestesia aplicada a Ieição para qualquer sistema pedagogico ativado
em Iavor de um mundo em progressão repetitiva. Tal discurso e o resultado de uma
conversação que se tornou monologo por ter sido tomada apenas como seqüência de
pergunta e resposta de um sujeito autônomo e articulador unico do conteudo e em que a
perspectiva do ouvinte em silêncio atento não e levada em conta: 'ele toma suas conversas
como monologos¨. (GS, II-1, 92).
'Como um pregador entre os que meditam¨ (GS II-1, 92), assim o improdutivo
ruidoso irrompe entre prostitutas e garçons, um ambiente em que ja ha tempo reina o
silêncio. Trata-se do silêncio daqueles que são constrangidos e obrigados ao silêncio na
escuta de centenas de discursos da moda com conteudos diIerentes, mas todos eles
semelhantes na sua Iorma de apresentação ao modo da intenção de elocução de verdade
deIinitiva. A necessidade de sobrevivência obriga-os a tolerância constrangida, silenciando
resignadamente como que acostumados com o Iato indiIerente do eterno retorno do igual.
A anuência a ideia da naturalização do mundo assim estabelecido Iaz o resto: O ruido do
improdutivo se torna exatamente a apresentação de objetivação coagulada do que e, em
Iorma de uma natureza que, apesar de todo o alarido, e muda, triste e silenciosa a espera de
97
uma escuta atenta para a sua expressão e nomeação posterior.
Pregador e devoto são os mestres do silêncio-ruido improdutivo, pois ambos estão
muito aquem dos limites do calar-se. Eles expressam o barulho tonitruante da Ialta de
criatividade, da não compreensão sobre o que Ialam e aceitam, e o que em verdade são.
Expressam a compreensão objetivada do passado como tendo sido de uma vez por todas a
justiIicação do seu dizer: e a inevitavel ilusão de que o que passou, passou, de que o
instituido de agora nada tem a ver com o que passou, de que a passado não esteja de
alguma Iorma presente a determinar o agora e, assim, a repetir-se; e, ainda, um dado da
consciência enquanto atuante na ilusão da autonomia, esquecida de que esse estado
inclusive e a prisão no todo de uma determinada compreensão da sociedade. O pregador e
identiIicado como o improdutivo incapaz de reIletir sobre os supostos do discurso que
repete sem cessar apos a ultima conversação, talvez ate mesmo com uma perIormance
pedagogica excelente. Repete palavras, Irases, discursos inteiros, pelos quais repete
criterios, valores, padrões esclerosados pela ausência reIlexiva. E ele, portanto, incapaz de
escutar as possibilidades da interpretação de si pela reIlexão sobre o seu palavrorio, do
mundo que promove e implementa e do desastre que perpetua. O pregador improdutivo e
alguem encantado consigo mesmo, convertido ao seu ultimo discurso em Iorma de
construção teorica e necessariamente no esquecimento de que ele mesmo enquanto
discurso vivo e mera construção; e SisiIo a rolar a pedra montanha acima, esquecido de
que a sua atividade atual e apenas mais uma depois de tantas e outras mais que poderão vir;
e construção de Torre Babel, esquecida de que o proprio processo da construção leva a
dispersão de si, e, por isso, ha a necessidade de tradução de si para a implementação da
perdição de uma identidade por demais a superIicie. 'Agora ele e versado em duas linguas,
em pergunta e resposta. (Um perguntador e alguem que durante toda sua vida não se
lembrou da linguagem, e agora ele lhe quer Iazer bem. Um perguntador e aIavel com os
deuses)¨. (GS II-1, 92).
O ser versado em duas linguas, que são pergunta e resposta, reIere-se a ânsia por
descoberta e explicações Iinais e a sua posterior implementação apenas estrategica, ou seja,
não consegue levar em conta a tranqüilidade reIlexiva da participação universal, o estar no
meio, no centro, na vertente constante da propria possibilidade. A visão de totalidade
subjacente as duas linguas mencionadas e a de supor um sujeito homem, ou humanidade,
em contraposição a um objeto universo a ser elucidado, sem se dar conta de que qualquer
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suposição e participação ja Iazem parte do mesmo universo. As perguntas e respostas,
nesse caso, limitam-se as inIormações ja ao dispor no conjunto do conhecimento ja tido
como consagrado e estabelecido como conteudo. Novamente então se veriIica o
esquecimento da linguagem, a qual a tudo abarca em seu seio e que nesse gesto possibilita
a compreensão de que qualquer maniIestação de objetivação e expressão de seu acontecer.
Mesmo que o perguntador durante grande parte da sua vida não se tenha lembrado da
linguagem e, agora, tardiamente procure tematiza-la, o vies da sua abordagem e novamente
objetivador, pois a percebe como um objeto analisavel a partir da concepção de sujeito
com que se compreende, sem se dar conta do Iato de que lhe e impossivel sair dela para
exercer qualquer atividade de analise e compreensão. O perguntador mesmo interessado na
linguagem não chega aos seus limites internos pela conversação continuada em que a
escuta radical e possivel. Apesar de se ocupar com a linguagem ele a tem como um objeto
manipulavel ao inves de supô-la e aprecia-la como Ialante e respondente nas suas proprias
Iormulações a seu respeito. E necessario relacionar a isso rapidamente os deuses a quem o
perguntador e aIavel conIorme a expressão: O perguntador e afavel com os deuses.
Deuses são valores e criterios consagrados como naturais para Iundamentar e justiIicar de
modo argumentativo o discurso em andamento: exatamente o discurso do perguntador
esquecido de escutar em meditação a Iundamentação das suas certezas. Ele e aIavel com os
deuses, porque lhes rende preito de Iorma inocente e esquecida, isto e, porque crê
proIundamente e exatamente ao negar qualquer tipo de crença, de preconceito e pre-juizo.
Ele crê nos deuses que desconhece ou não quer conhecer. O perguntador concentra-se no
assunto, no conteudo, na positivação separada da linguagem, na objetivação do dito em que
o dizer e mero instrumento de descrição e comunicação. Os deuses são provocados e
homenageados em sua transcendência objetivada em Iorma de conteudo Iundamentado:
são Iantasmas instituidos para os sucessos da alienação e pelos quais o perguntador
pergunta para que algum deles seja instaurado. O perguntador não consegue lembrar-se da
linguagem que somos quando imersos no jogo da construção visivel a procura da verdade
do bem. Ele e aIavel com os deuses no esquecimento de que os instaurou Ietiches que o
apodrecem em sua autonomia dele separada. Nunca pensou na linguagem como o proprio
âmbito em que as coisas são compreendidas, mas como quem pensa nos objetos banhados
pela luz e nunca na propria luz que possibilita os mesmos. Esse zelo em construir uma
conIiguração teorica de modo ativo e autônomo e visto como improdutividade, ao
contrario da opinião contraria do proprio perguntador.
99
O improdutivo pergunta - para dentro do silêncio,
em meio aos ativos, pensadores e mulheres - por revelaçào. Ele,
por fim, e elevado, ele permaneceu irredutivel. A abundancia de
suas palavras como que lhe escapa, enlevado ele espreita a sua
vo:, ele nào percebe nem palavras, nem silêncio. (GS II-1, 92)
O improdutivo pergunta por revelação como se a mesma pudesse vir ao seu
encontro a partir da sua propria atividade esIorçada, ou na provocação do 'silêncio, entre
os atuantes, pensadores e mulheres¨. (GS, II-1, 92). O improdutivo pergunta e a sua
pergunta e indicação de resposta, melhor, e pergunta ja comprometida com a exigência de
um determinado tipo de resposta no âmbito do jogo em operação construtiva. A
curiosidade neste caso ja e movida pelo Iuncionamento da maquinaria a serviço da Torre
de Babel da epoca. Não compreende palavras da linguagem a acontecerem em Iorma de
noticia do que esta sendo esquecido e do que e rememorado, e não compreende a situação
de silêncio em escuta meditativa para que isso seja possivel. A pergunta ja e induzida pelas
regras da resposta objetivada possivel. A repetição do mesmo em inconsciência ao modo
da aIirmação de certezas tornou-se dogma.
A primeira vista pode causar curiosidade a menção simultânea de mulheres e
pensadores como os primeiros atuantes, porque silentes e alvos da pergunta por revelação
Ieita pelo improdutivo levado pela naturalidade com que ja aceitou a rede de explicações
com que enreda as suas verdades. A perspectiva do ouvinte em silêncio e escuta atenta e
descrita como a atitude de que os pensadores e as mulheres são capazes. Os pensadores
como as mulheres são ouvintes das Ialas que se apresentam ouvindo mais do que
meramente o conteudo em Iorma de comunicação organizada no presente da elocução.
Eles percebem e procuram avaliar a Iorça do entendimento e da explicação presentes a
partir de supostos diIerentes e por vezes mais proIundos daqueles dos improdutivos em sua
vitalidade elocutoria. Pelo vies de pensar o que não e imediatamente pensado como
conteudo no discurso em apresentação e numa postura de escuta atenta, os pensadores e as
mulheres em seu necessario silêncio como que atraem os exibicionismos Ialantes que se
apresentam como as penas do pavão a serem avaliadas em sua beleza pelos circunstantes.
E inerente ao pensador, como caso particular do universo masculino, a postura da escuta da
maniIestação da tradição presente. Alem da igualdade do talento ao pensamento em geral a
postura de escuta atenta ao dito, e inerente a mulher talvez pelo Iato social de que por
seculos a sua intenção de produção de discursos seja reprimida em Iavor do exercicio de
ouvinte silenciosa dos discursos a serem avaliados pelos criterios de segurança na escolha
100
do consorte para a posterior resignação ao papel atrativo de amante e mãe. A leitura
silenciosa da tradição presente, inconsciente, mas Iixa em Iorma de discursos em repetição
improdutiva e atividade constante do pensador e da mulher, mesmo que o improdutivo
nunca chegue a proximidade das bordas e dos limiares da linguagem. O olho que vê o
passado em tudo presente, porem, para o improdutivo representa uma atração sem par, pois
se trata do olho avaliador na escuta do que possa ser revelado a partir da sua agressividade
esquecida de um discurso que tenta impor-se como Iuturo inconteste, como estatuto para
escolha de rumo de vida e como indicação de rumo para o que considera o progresso geral.
A revelação interessa a agressividade daquele que pergunta, desde um discurso
preconcebido, como uma reação a sua provocação para que ele no Iim seja elevado e possa
parecer irredutivel por meio da contabilização propria e egoista de qualquer resultado. 'A
abundância das suas palavras como que lhe escapa, enlevado ele espreita a sua voz; ele não
percebe nem palavras, nem silêncio¨ (GS II01, 92). Trata-se da descrição de uma atividade
morta em sua repetição explicativa, automatizada em seu pleno gozo e assim incapaz da
percepção de si. 'Mas ele se saIa para a erotica. Seu olhar desvirgina. Quer ver e escutar a
si mesmo e quer, portanto, apoderar-se do observador e do ouvinte¨. (GS II-1, 92).
A assunção esquecida e imediata de si na Iormula encalhada na repetição de um
gesto com intenção apenas construtiva por explicações Iixas perIaz o desenho de alguem
que se erotiza com a sua propria Iigura numa especie de gozo no limiar da morte por
inanição criativa. Escutar a si mesmo num palavrorio indicando o andamento da repetição
Ianatizada e doentiamente mimetica, num constante espelhamento de si com ares de
satisIação pelo ponto e pela situação a que se chegou, sem mais a minima intenção de
continuidade reIlexiva, signiIica querer apossar-se do ponto de vista do observador e do
ouvinte em meditação para que, então, seja anulado como promotor. A auto-satisIação por
si em intermitente rodopio explicativo liquida com qualquer possibilidade de integração
compreensiva com o todo da tradição presente a ponto de o improdutivo permanecer em
embotamento completo. O observador e o ouvinte para ele se tornam meros objetos de
missão presente e Iutura na aspiração da repetência de si. 'Dai e que, Ialando, ele engana a
si mesmo e a sua grandeza, ele Ioge Ialando¨. (GS II-1, 92).
O verbo alemão versprechen traduz o sentido de falar prometendo, enquanto que,
no sentido reIlexo, em sich versprechen transverte-se em comprometer-se e, mais
especiIicamente, em enganar-se falando. E o que precisamente acontece com o
101
improdutivo que, alem disso, compromete a sua grandeza, a qual permanece desperdiçada
como Ionte possivel na veriIicação das bases do seu proprio discurso. Ele Ioge de si
mesmo Ialando ao exercer sem cessar a Iuga d`alma. Na procura de uma auto-aIirmação
absoluta perde-se na objetivação como se Iosse separada de si mesmo. Fugir Ialando e não
perceber que se esta a dizer e que o que se diz e exatamente o que se e. A Iala em sua Iuga
e não compreender o Iato de que ha comprometimento de si mesmo na construção babelica
ate aos ceus supostamente objetivada e separada de si, alem da incapacidade de observar a
grandeza presente na dispersão de si, na necessidade da constante tradução de si pela
Ieitura que se e a partir da pletora do sentido da tradição em geral com todos os seus
matizes. Fugir Ialando signiIica o exercicio pleno do esquecimento e o pavor da recordação
de que se e apenas a expressão do amestramento em que tal Iuga se cunhou. A justiIicação
acirradamente argumentativa que em Iavor dessa Iuga acontece vem a ser apenas uma
Iaceta da propria Iuga.
'Mas sempre ele aIunda, liquidado, ante a humanidade no outro; ele sempre
permanece incompreensivel¨ (GS II-1, 92). Ja Ioi dito que o Ialante se dissolve naquele
que escuta com atenção silenciosa tornando-se Ienômeno a ser constantemente elucidado.
Esta dissolução enquanto tradução atenciosa e a humanidade no outro que não pode cessar
em sua atividade de compreensão a não ser ao preço de se tornar tambem mero Ialante
esquecido das determinações de um discurso em Iormação. A postura de escuta so pode
permanecer legitimamente pela insistência do ouvinte em descobrir aos poucos a
proIundidade das aguas que possibilitam a evidência da Iala qual onda espumante na
superIicie. A Iuga improdutiva e Ialante e a tecnica do esquecimento da objetivação pura.
Ha, porem, um limite, pois a Iuga doutrinaria aIunda ante o outro que sempre vem a ser
compreensão direcionadora do dito. O outro e o que compreende no silêncio, um Iato que o
Ialante nunca podera dominar: precisamente a novidade emergente que o silente em
meditação possibilita a partir do instituido que o Ialante mesmo e. E no outro silente e
ouvinte que a humanidade sempre tem a possibilidade de renovar e exercer as suas
potencialidades criativas. 'E, em atitude de procura, o olhar dos silenciosos resvala atraves
dele para aquele que vira silenciosamente¨. (GS II-1, 92).
A permanência da procura do olhar dos silenciosos atraves e alem das
conIigurações teoricas em seu imediatismo aplicado tende a revelação constante enquanto
Iorça de direcionamento do Iuturo. A verdadeira esperança se debruça sobre os Ienômenos
102
que aparecem sob a Iorma de discursos gerais e neles imerge trazendo a tona as
possibilidades do Iuturo. Aquele que vira aproximar-se-a silenciosamente em meio ao
maximo de escuta, reIlexão, descoberta, revelação, pois sera a propria atitude da Iorça do
silêncio Iazendo ver o grandioso abismo que cerca toda a compreensão humana e, assim, a
precariedade das suas Iundamentações. O Iuturo sempre estara num passado presente em
que tudo ja ha muito tempo e e sempre ainda passivel de ser vislumbrado na conversação
pelo ouvir atento e silencioso.
A atitude de procura dos silenciosos em atenção meditativa, em que Iacetas do
passado presente nos Ienômenos discursivos se revelam, concretizam a esperança do Iuturo
não apenas como acumulo catastroIico dos resultados de um progresso em sua intenção e
nas suas linhas de aplicação geral totalmente repetitivo. A cooptação inteligentemente
convincente para a anuência inconteste a implantação de um enorme automatismo na terra
e somente percebida pela procura da humanidade em compreensão, quando o olhar resvala
para a direção contraria a procura daquele que silenciosamente vira como Iorça de
libertação. Quem poderia ser? Pelo exposto nada mais do que o verdadeiro novo que assim
silenciosamente se gesta em Iorma de Iuturo. Por isso, em meio a todos os discursos, ha
que perceber que a 'Grandeza e o silêncio eterno apos a conversa. Chama-se perceber o
ritmo de suas proprias palavras no vazio¨. (GS II-1, 93).
Apos a conversação o improdutivo considera-se apto a transIorma-la e substitui-la
pelo monologo em termos de pergunta e resposta num amalgama de ruido e volupia erotica
Ialaz em que o silêncio e quebrado e a grandeza e desperdiçada novamente. Por isso, apos
a conversa não ha porque decidir que a revelação deIiniu-se por completo e que os tempos
de execução das verdades descobertas chegaram para a divisão das aguas num movimento
agressivamente pedagogico e estrategico. A grandeza justamente não se aloca no campo de
execuções sob a justiIicativa de Iundamentação de acordo com verdades e criterios
decretados eternos, mas, pelo contrario, e o eterno silenciar apos a conversaçào. A
sublime grandeza em eterno silêncio permanece como vislumbre da totalidade das
possibilidades para onde o silencioso volve o seu olhar e, em silêncio atento, ouve. E certo
que as palavras do silencioso estão relacionadas em conIiguração explicativa estatuida por
pressupostos cujo vigor lhe e desconhecido pelo Iato de ainda pertencer ao âmbito do
silêncio. O âmbito do silêncio e um vazio que possibilita escutar as suas palavras no ritmo
que sempre tiveram e que justamente agora percebe. A percepção do comprometimento em
103
versão ritmica das suas palavras no vazio do silêncio e a permanência na grandeza. Mesmo
apos a conversação ha a possibilidade da sua continuidade no estagio da escuta do ritmo
relacionando as palavras num vazio, ou, talvez, nada, que representa a constante
possibilidade da grandeza. Portanto, a grandeza apos a conversa e a possibilidade total no
meio do mundo que se adivinha na permanente continuidade da escuta do sentido que
emerge: grandeza e a dimensão do Iuturo a espera do pensar humano, o qual, descobrindo
as determinações do que ja e em silêncio, e a Ionte capaz de instaurar nova vida debaixo do
sol. Mas exatamente esta nova vida e a emergência da maldição do espirito criativo.
Benjamin o designa como gênio: 'O gênio amaldiçoou completamente as suas lembranças
na criação. Esta Iraco de memoria e perplexo |desnorteado|¨. (GS II-1, 93).
Como se diz o silêncio sem dizer? Como se descreve a grandeza sem descrição
compreensivel pela organização ritmica da linguagem? A perspectiva do gênio e a
inquietação ouvinte atenta a descoberta dos esteios da sua compreensão e se ativa
radicalmente na lembrança do que assim e. Descobre mundos avulsos e distantes em si
mesmo elaborando-os criativamente em nova Iiguração ao modo de linguagem
compreensiva em que muitos outros se reconhecem. A descoberta das injunções do que e
perIaz o desenho da mudança de si, e a elaboração ordenada para o entendimento disso
signiIica, por sua vez, a criação do novo, a instauração compreensiva do que estava
encoberto e esquecido. A descoberta e a instauração elaboradas discursivamente na criação
do gênio em mudança de si lhe Iazem ver a dimensão da maldição que promove pela
lembrança do que sempre Ioi como Iorça catastroIica sem se dar conta da cooptação por
adestramento retoricamente competente. Assim e instado a dizer o silêncio como maldição
paradoxal. O gênio em seu silêncio atento percebe a descoberta e a inevitabilidade da
instauração e nas bordas da linguagem e obrigado a amaldiçoar constantemente as suas
recordações em elaboração criativa e, então, objetivada. Nos limites internos da
conversação a sua lembrança vai escasseando a ponto de perplexidade e de desnorteio.
A perplexidade do gênio Iirma-se cada vez mais na medida em que a recordação do
passado agora presente em compreensão lhe elucida o seu proprio destino que esta a dizer
com as suas proprias palavras. A descoberta e a instauração alocam-se em sua vida como
compreensão do seu proprio destino em silêncio de escuta atenta e elaboração Ialante. O
passado presente torna-se destino duplamente: uma vez pelo olhar do gênio
constantemente atento a ele voltado, e outra, pelo resultante que do passado recebe e
104
elabora em instauração criativa, de modo que o passado o deIine na medida em que deIine
o passado em intermitente passagem. O gênio tem o passado como destino e não consegue
mais se situar num presente objetivado em que pudesse descansar. Ele se encontra na
situação de responsavel pela elucidação do acontecimento da compreensão que mesmo
instituiu. Na condição de gênio ele mesmo se decidiu por um caminho de determinada
trajetoria compreensiva sempre no perigo iminente de Iixar o esqueleto instituidor de si e
positivar o passado num presente apequenado para não mais ouvi-lo e interpreta-lo,
engessando-se assim novamente no presente mimetico e improdutivo de um discurso
pretensamente autônomo em sua blasIêmia. 'Seu passado ja se tornou destino e não podera
mais se tornar presencial¨. (GS II-1, 92).
A perspectiva do gênio enquanto decisão compreensiva, Ialante e sonora na
linguagem e a possibilidade-Deus, ou seja, a possibilidade Iixada e realizada que em sua
Iixidez oportuniza, Iaz ver, traz em si, carrega a possibilidade do inIinito da compreensão.
O resultante possivel pela escuta atenta no âmbito do silêncio que aparece em Iorma de
Iixidez de um novo emergente, e a possibilidade inIinita em seus indicios pela decisão
compreensiva inevitavel, e como que ouvir um paradoxo na propria linguagem, a qual,
mesmo em processo de Iixação em sentido estrito, conserva em seus limites a totalidade do
possivel. O gênio percebe que qualquer elocução sua Iara parte do destino de seu ser, sem
que jamais pudesse esgotar o que supõe como grandeza e Ionte da sua compreensão e do
seu dizer. Essa e justamente a experiência da contradição da linguagem. 'No gênio Deus
Iala e escuta a contradição da linguagem¨. (GS II-1, 92).
A perplexidade do gênio tem a sua razão de ser, pois em sua Iala acontece a
revelação como um acontecer simultaneamente com a Iixação de sentido compreensivel
capaz de se reproduzir em aplicações sucessivas na exibição de um estatuto de verdade
como intenção de certeza absoluta. E oportuno repetir as perguntas e acrescentar mais uma:
Como se diz o silêncio sem dizer? Como se descreve a grandeza sem descrição
compreensivel pela organização ritmica da linguagem? E, resumindo, por que todo o dizer
e contradição perIormativa?
Dizer que algo e, descrever que algo e desse ou daquele modo, implica supor que
mesmo se e no e como exercicio de descrição, explicação e interpretação; implica a
veracidade do seu exercicio e, mais ainda, implica supor que aquele que diz, ele mesmo
esta sendo ao Ialar, o que podera tentar provar na atividade explicativa em objetivação e
105
não o consegue, pois, para o conseguir, tera de mencionar algo alem de si, dentro de si ou
ao lado de si, ou seja, para ser, precisa dizer algo outro dizendo a si mesmo, isto e, esta na
condição de se aIirmar a si mesmo no exercicio de aIirmar algo outro. O outro em
objetivação alem de si como se Iosse Iora de si, e que ele intenta expressar apontando-o,
tambem não pode ser sem a aIirmação deIinidora daquele que se identiIica pelo ser que se
expressa ao dizer a si mesmo justamente desta Iorma.
Sem duvida, a perplexidade do gênio leva-o ao limiar da linguagem em que a
pensa como sempre apontando para algo que julga não poder ser: ela sempre quer dizer
algo totalmente outro de si mesma sem o conseguir.
AIirmar-se a si no exercicio de aIirmar ja e ser aIirmando algo que se coaduna com
o que e como compreensão, um conteudo sobre o qual se julga. Mas, exatamente o
conteudo julgado com pretensão de objetividade comunicativa e a aIirmação Ieita que
descreve expressivamente aquele que a Iaz. Não ha como dizer algo outro sem se descrever
a si mesmo no que diz e descreve, ou ainda, sem Iazer expressivamente o desenho de si
pelo proprio exercicio do dizer. Tudo o que se compreende ao dizer e inevitavelmente a
propria compreensão que e um acontecer constante sem possibilidade da garantia de
objetivar algo enquanto absolutamente outro como separado, a parte de si. A separação, a
dicotomia entre o conteudo e o proprio exercicio de Ialar, entre objetivação necessaria e
atividade pragmatica em ocorrência eIetiva e uma intenção sem sucesso, inexistente, mas e
como se Iosse possibilitada por um determinado esquecimento, de modo que acontece um
constante descrever-se a si mesmo, porem, na intenção de descrever o outro em termos de
objeto. Por este vies, qualquer julgamento Ieito e julgamento de si mesmo e a divisão
tentada e divisão de si mesmo. DeIinição explicativa apenas de outro e hermenêutica
parcial e morte de si como alienação, separação e estranhamento no reino da objetivação
pura, caso houver esquecimento de que não ha meios de haver separação.
A contradição da linguagem percebida pelo gênio, em que ocorre a conversação
como um amalgama paradoxal de revelação constante e escuta ja reIerida a alguma decisão
para objetivação compreensiva, impele-o a dizer na continuidade da consciência da
danação pensante em que se encontra:
Sou o signiIicado que digo. Objetivo algo como sentido e sou tal signiIicado que
objetivo. Sou o mundo que digo. Desse modo, tudo o que eu digo tambem sou em
signiIicação, exposição de mim, estilo e modo de ser. A contradição esta no esquecimento
106
disso mesmo que agora estou a dizer: denomino, ajuizo objetivando, analiso, sou o que
produzo como signiIicado imediato. Ha uma Iorça ingente na propria linguagem que me
leva a não querer incluir-me no que digo e, ao mesmo tempo, outra que pela recordação me
inclui. O não, o limite de mim com que me identiIico, a condenação de tudo o que e outro
de mim, tudo isso e a minha produção signiIicativa pelos criterios com que sou, que me
deIinem no acontecer do dizer algo outro e, por isso, em constante contradição.
O não, a condenação e parte da auto-posição, pintura de si, limitação de si,
instituição da diIerença de si. Assim a linguagem, a expressão, o Ialar, construir sentido e
sempre a contradição na dinâmica de duas Iorças contrapostas, isto e, a recordação da
ocorrência da revelação e o esquecimento na constituição da separação de algo outro. O
não esquecimento seria a constante consciência do deperecimento de si enquanto natureza
quase ou totalmente impossivel de se dizer e querer ser. No Fragmento teologico-politico
(GS II-1, 203) encontra-se a tentativa de verbalizar o Iato da contradição da linguagem de
outro modo:
Somente o Messias mesmo consuma todo o
acontecer historico, a saber, no sentido de que ele proprio
primeiramente consuma, resgata, cria sua relaçào com o
messianico. Por isso, nada do que e historico pode querer
relacionar-se a partir de si com o messianico. Por isso o reino de
Deus nào e o telos da dinamis historica, ele nào pode ser posto
como alvo. Na perspectiva historica ele nào e alvo, mas final. Por
isso a ordem do profano nào pode ser construida com base no
reino de Deus, por isso a teocracia nào tem nenhum sentido
politico, mas unicamente um sentido religioso. O maior merito do
Espirito da utopia de Bloch e ter negado com toda a intensidade a
importancia politica da teocracia.
A ordem do profano deve ser erigida com base na
ideia da felicidade. A relaçào dessa ordem com o messianico e um
dos ensinamentos essenciais da filosofia da historia. E,
precisamente, a partir dela se determina uma concepçào mistica
da historia, cufo problema permite ser exposto numa figura.
Quando uma seta designa o alvo no qual a dinamis do profano
age, uma outra indica a direçào da intensidade messianica, sem
duvida assim a procura por felicidade da humanidade livre aspira
distanciar-se daquela direçào messianica, mas, como uma força
por sua direçào e capa: de promover uma outra direcionada em
caminho contraposto, assim tambem a ordem profana do profano
em relaçào a vinda do reino messianico. O profano, portanto,
certamente nào e uma categoria do reino, mas uma categoria da
sua silenciosa aproximaçào, e, sem duvida, uma das mais exatas.
Pois todo o mundano aspira ao seu declinio na felicidade, mas so
na felicidade lhe e determinado encontrar o declinio.- Enquanto
que, certamente, a intensidade messianica do coraçào, do interior
do homem individual, atravessa por infelicidade no sentido do
107
sofrimento. A restitutio in integrum espiritual, que introdu: na
imortalidade, corresponde uma mundana que leva a eternidade de
um declinio e o ritmo desse mundano em desvanecimento,
desvanecendo-se em sua totalidade, desvanecendo em sua
totalidade espacial, mas tambem temporal, o ritmo da nature:a
messianica, e felicidade. Pois messianica e a nature:a a partir da
sua eterna e total passagem.
A aspiraçào disto, tambem para aquelas camadas
de homens que sào nature:a, e a tarefa da politica mundial, cufo
metodo deve ser chamado nihilismo.
A Iorça da revelação pela recordação do passado sempre presente a ocorrer
juntamente com as produções signiIicativas recebe o nome de Iorça messianica no
Fragmento teologico-politico, Iorça sobre a qual o sujeito que se põe como autônomo e
absoluto articulador e aplicador dos seus saberes não tem qualquer dominio. Antes pelo
contrario, como sujeito do discurso da vontade manipuladora, ele pode ser identiIicado
com a Iorça politica da ordem proIana que como somente parte da dinamis historica vai de
encontro a perspectiva messiânica. Mas quem realmente cria e consuma todo o acontecer
historico e a Iorça da recordação que se revela na atenção silenciosa, agora chamada de
messianica. O aspecto politico, construtivo e denominado mundano não e capaz de aplicar,
somente a partir de si, algum metodo de escuta realmente determinante para o acontecer
historico. Esse mesmo aspecto politico antes procura distanciar-se da região do silêncio na
escuta do que esta por vir. Mesmo assim, ele inevitavelmente se constitui em sinal da
silenciosa aproximação do resgate total do que Ioi esquecido e que esta virtualmente
presente na recordação possivel. O aspecto construtivo identiIica-se com o improdutivo
que na construção politica da Ielicidade se indicia pelo eterno deperecimento de todos os
castelos de sonhos construidos. Bem se vê que a politica da procura por Ielicidade e
condição inevitavel do ser humano por ser inerente a sua compreensão em meio a
contradição da linguagem.
Por este vies a teocracia como construção politica e uma balela em plena blasIêmia
impostora, pois esta eternamente Iora do alcance de qualquer vontade articuladora. Na ha
como politizar estrategicamente a Iorça messiânica da recordação atenta e silenciosa que
sempre e capaz de exatamente interromper uma construção compreensiva esquecida da
ocorrência que e em Iorma de revelação. Mas simultaneamente a Iorça mundana da historia
e da politica, esquecida da suas condições a ponto de representar o contraponto a Iorça
messiânica, exatamente por isso e sinal da aproximação silenciosa da restitutio ad
integrum, o resgate total. A inevitavel continuidade da construção compreensiva e a sua
108
imediata aplicação como concepção de vida constitui justamente o paradoxo, ou seja, a
contradição da linguagem que o gênio percebe e no qual Deus fala e escuta. Deus e Ialante
como sinal na consciência da instituição do dito e compreendido e ao mesmo tempo e
dinamis messiânica na leitura das Iundamentações precarias do seu dizer.
A danação do gênio e a sua condição de se compreender situado na contradição da
linguagem. A completa assunção e implementação do âmbito do silêncio continuado são
um sonho construtivo impossivel de se realizar, pois seria o estupor da teocracia como
pratica politica possivel. O gênio encontra-se no estagio de ter que amaldiçoar as suas
recordaçòes ao dar Iorma as criações que por elas se tornaram possiveis. No momento em
que consagra apenas uma criação capaz de se instituir e nela permanece identiIicado, ai,
então, abandona a sua propria condição. A Iorça messiânica que o impulsiona para a
consciência da sua condição Iaz com que não se possa identiIicar completamente com o
lado instituido e de si esquecido de acordo com uma compreensão automatizada a se
repetir indeIinidamente. Por isso a perspectiva chamada mundana e que permanece a
procura da construção da Ielicidade, mas lembrada do seu acontecer em revelação, aspira
ao seu declinio e consumação na propria Ielicidade.
Uma perspectiva não esta ai em detrimento da outra, pois ambas, messiânica e
mundana, são entendidas como Iorças em relação e correspondência, cujo problema e
oIerecido visualmente na Iigura das setas em contraposição que mutuamente se geram
provocando-se. Não ha uma sem a outra. Uma Iorça que Iosse sem contraposição nunca
seria reconhecida como Iorça, e mesmo Iorça não seria, ja que so pode ser quando
percebida e sustentada por outra Iorça que se lhe contrapõe. A correspondência entre
ambas as Iorças e tanta que uma e denominada o ritmo da outra, ou seja, a necessaria
objetivação compreensiva pela linguagem vem a ser o ritmo do acontecer messiânico, da
natureza messiânica que engloba por suposto qualquer tentativa de divisão em termos de
sujeito constituido e objeto a constituir. E por isso que a suposição da retitutio in integrum,
o resgate Iinal, o suposto da totalidade, que aponta para a imortalidade real de tudo, tem a
sua correspondência, a sua reverberação ritmica na eternidade de um declinio mundano.
A compreensão mundana que se percebe na totalidade da passagem das suas
instaurações temporais e espaciais corresponde a Ielicidade, que e o ritmo messiânico. A
natureza inteligivel como suposição necessaria para o todo da atividade racional no sentido
de Kant revela-se em ritmo messiânico numa eterna e total passagem. A expressão Aufgabe
109
der Weltpolitik pode, então, ser traduzida por tarefa ou desistência (Aufgabe) da politica
mundana e procura indicar a dupla polaridade que angustia o gênio: as descobertas das
determinações da sua compreensão Iazem-se ritmo sonoro na linguagem em objetivação
necessaria. A Aufgabe como tareIa de escuta atenciosa ao proprio discurso mundano em
geral indica a Aufgabe como desistência da politica de se perceber articuladora subjetiva de
todas as objetivações a acontecerem. O coração doido, soIrido, roido e em crise pela
inIelicidade do homem interior, que compreende o seu acordar rompendo constantemente
com o sonho em que se julgava Ieliz, e o indicio da intensidade messiânica. Mas o metodo
nihilista para a tareIa e a desistência deve ser cultivado em atenção silenciosa como a
melhor politica para a constituição do mundo.
Seria oportuna a pergunta sobre qual a construção que ao gênio interessa,
construção em que Deus Iala e escuta a contradição da linguagem? Tal questão não se
pode mais pôr, pois ja seria sono de novo a espera de um acordar para a continuidade da
visibilidade de si. A propria pergunta ja acusaria a intenção de uma construção
comprometida com criterios vigendo em esquecimento Iixo do que seria melhor ou pior.
Todas as construções possivelmente Iazendo parte do ritmo messiânico são marcas,
cicatrizes, rastros visiveis do esquecimento do vir a ser de si e, por isso, ao mesmo tempo,
por outro lado, ja são condições de possibilidade, isto e, eles proporcionam a memoria, a
relembrança, o pavor dos desastres acontecidos a espera de redenção rememorativa em
signiIicação por intermedio da perspectiva do gênio. E assim que as construções
exatamente são as indicações de todo o esquecimento e repetição. São as marcas que
possibilitam a experiência radical do paradoxo Iundamental.
Ao mesmo tempo em que tais marcas oportunizam a lembrança do esquecido, a
mesma lembrança torna-se nova construção, pois o esquecido e o passado que na
lembrança e por intermedio dela esta a se tornar Iuturo. As marcas das construções
esquecidas daquilo que lhes subjaze são motivos de novas construções tambem esquecidas
de suas determinações; os rastros interpretados são estacas de Iundação e de intenção de
Iundamentação de novas construções.
O surgir de si mesmo do esquecimento, a construção em rememoração que ocorre,
o vir a ser do signiIicado de si pelo sentido que se diz na linguagem não e articulavel, não
esta disponivel, não se dispõe a previsibilidade e desse modo, então, não e programavel. A
110
sua condição de emergência e oportunidade de expressão esta na postura do silente a escuta
na conversação para que aconteça a nomeação.
Parte essencial do pano de Iundo da questão elaborada sobre a contradição provem
de uma determinada compreensão do pecado original conIorme os primeiros capitulos do
Gênesis e que Benjamin aventa nos escrito sobre a linguagem, Über Sprache ùberhaupt
und ùber die Sprache der Menschen (II-1, 140).
A proibição de se comer do Iruto da arvore do bem e do mal na historia da criação
trata simplesmente do esquecimento do Iato Iundamental de que não ha sagrado como
ponto Iixo absolutamente separado para a pretensão da pratica do julgamento.
A proibição trata da recordação de não esquecer de que o julgamento qualquer que
seja sempre sera descrição de si, pois quem separado de si proibe? Quem aIastado da
instância do dizer poderia proibir sem que passasse pela instância de si? Quem ou o que
separado da propria linguagem e leitura haveria e que, então, pudesse proibir? Ninguem,
nada. Mas tambem nada proibe a construção do esquecer que e a possibilidade da
construção do outro no que Iosse esquecimento de que e si mesmo. O acontecer da
proibição em seu sentido positivo e a identidade entre si e a compreensão do mundo, e em
si a propria proibição aponta para o esquecimento pela separação possivel do que sempre
ha como compreensão por intermedio daquilo que Ioi dito. O acontecer do que Ioi proibido
e o dizer em Iorma de sobre-nomear na intenção de verdade separada de si e o produzir do
esquecimento na construção Ieita. Esquecer-se da arvore do julgamento e da vida e
esquecer-se a si mesmo, pois ja sempre e si mesmo ou sobre si mesmo. A construção de si
como outro construido, no esquecimento de que o outro intentado e, preciosamente,
construção propria da queda e o esquecimento da proibição. A culpa do homem e não se
julgar culpado: e vitima da sua propria ilusão. Isso porque quem julgar e pela
argumentação estrategicamente quiser convencer de que não e culpado pelo julgamento
que comete tera de Iazê-lo inventando o idolo absoluto esquecido a Iundamentar a sua
pretensão. Para tanto Benjamin cita KaIka:
O pecado original, a velha infustiça que o homem
cometeu, consiste na censura, que o homem fa: e da qual nào
desiste, de que lhe aconteceu uma infustiça, de que foi contra ele
que o pecado original foi cometido. (GS II-2, pg. 412).
Dizer o externo a linguagem e o externo que se diz? Como dizer o externo que se
visa na linguagem sem dizer? Dizer o externo e dizer apontando o externo que se visa, mas
111
sem precisar dizer? Resultam essas questões na concepção de que na linguagem não ha
externo nem interno, mas se da simplesmente linguagem em que o seu exercicio em
pragmatica so pode ser signiIicado semanticamente, e o seu sentido semântico tambem. O
pretenso externo a linguagem que possibilitasse a sua condição de puro instrumento so
pode ser signiIicado pela propria linguagem como suposição e ate necessidade de
suposição, mas tambem dita. Tudo o que se esta a dizer tece-se com os supostos ja ditos,
mas o dizer e quem diz os mesmos supostos colocando-os como seus esteios, Iantasmas,
deuses, bonecos que lhe possibilitam a atividade.
No ritmo do dizer o tempo comanda o processo inaugurando-se sem cessar de
modo sub-repticio como lastro, suporte e quadro do sentido que se diz a base do ja dito e
contando com ele, e do dizer o passado como Iuturo pelo aspecto da inauguração do
mesmo passado no dizer atuante.
Ja na mitologia grega a racionalidade, como se sabe, e o reino de Jupiter enquanto
narrativa a instaurar o comando da recordação organizada, positivada e inevitavelmente
parcial para prender o tempo Saturno, que, então, parece dominado. A linha do tempo
começa com a entronização e ordenação de Jupiter quando derrota e prende o tempo
original Iorçando-o a ser suporte da razão logica na seqüência do antes, do agora e do
depois logico e causal. Essa narrativa de entronização na mitologia grega tem semelhança
com a queda de Adão e Eva na narrativa do Gênesis. Em ambas as narrativas a questão do
direito e da justiça esta posta. KaIka e um balançar entre uma coisa e outra: a questão ele
entendeu muito bem. A porta da justiça e porta para quem ainda acredita que haja a porta
da justiça, o Iundamento que lhe pudesse servir de alicerce. Benjamin percebe que KaIka
não mais admite nenhuma doutrina por Iundamento deIinitivo para qualquer interpretação
sistematizada, mas, ao mesmo tempo, que ele e obrigado a admitir as imposições de
interpretações sistematizadas sem Iundamento algum alem da mera e bruta eIetividade ja
em andamento como aplicação de poder na burocracia do direito, da religião e ate da arte.
E a relação entre a hagadah e halaca em que a doutrina hagadah esta completamente
esquecida pela halaca e não mais pode ser exercida como Iundamento para coisa alguma.
O mencionado gênio, em sua perplexidade, permanece numa angustiada questão,
ou seja, sobre se a Iala como contradição da linguagem pode ser. AIinal de contas, ele pode
dizer que a Iala e contradição? Expressando-se ao Ialar no sentido de que a Iala e alienação
ou objetivação descritiva de si a ser, consegue, então, não objetivar tal conteudo? O gênio
112
assim se desnorteia, porque sabe que a Iala ocorrente em tempo de intenção de objetivação
so pode acontecer na escuta do silêncio nos limites da interpretação silente. Ele sabe que e
como Adão enquanto nomeador do outro de si na criação ocorrente de si mesmo, pois que
quem Iala acontece Ialando, mas tambem que e o ouvinte que direciona o acontecer. O
ouvinte de si a nomear acontecendo e o sentido da propria proibição dos Irutos do
conhecimento objetivado. Então, o gênio sabe que esquecer a auto-nomeação pelo nomear
acontecente e a duvida originaria sobre a objetivação separadora com a necessidade de
Iundamentos como imagens primeiras justiIicadoras e legitimadoras a promover, alem
disso tambem, a separação do tempo em suas três Iases de presente, passado e Iuturo. A
apokatastasis enquanto perdão consentido pela propria situação de angustia gerada na
contradição da linguagem tem ai a sua vertente, pois qualquer sistema de julgamento, por
mais justiIicado que Iosse, tem legalidade apenas relativa, ou provisoria, pois não pode
esquecer que em seu exercicio aplicativo precisamente esqueceu a entronização de uma
divindade como Iundamento que, por sua vez, não consegue mais Iundamentar. Por isso
tudo, o sentido e a indicação de que 'Deus Iala no gênio e escuta a contradição da
linguagem¨, (II-1, 93), não e, de modo algum entendido pelo tagarela.
'Ao tagarela o gênio parece a evasiva ante a grandeza¨. (II-1, 93). O transcendente
e a impossibilidade de se dizer o suposto de que se Iaz parte, pois sempre se supõe
dizendo, e e isto que o tagarela nunca entendera. O proprio dizer Iaz parte do transcendente
enquanto suposto, permanecendo todo o dizer apenas a possibilidade de sua expressão. O
silêncio e o sinal da aproximação maior possivel do suposto, enquanto que todo o dizer
aIirmativo e intenção de aIastamento alem da mera nomeação. Mas o silêncio e tambem o
silêncio do dizer na perplexidade proxima a equivalência ao nada, ja que, em não havendo
sentido, silencia-se tambem ate o suposto enquanto sentido possivel. Em relação a isso, o
tagarela Iala, diz e procura tudo esclarecer em termos de uma grandeza como âmbito dele
mesmo separado e, por isso, deIinivel por uma linguagem que imagina desvinculada e,
portanto, manipulavel para os Iins do seu dizer. Na ilusão de uma tal linguagem e que lhe
parecem Iuga e evasiva aquilo que para o gênio e a angustia da contradição da linguagem,
a cisão em que o transcendente Iala e ao mesmo tempo escuta o paradoxo de um dizer
sempre em processo de irremediavel comprometimento com o pano de Iundo de uma
imagem justiIicadora da sua ocorrência.
Ja a concepção de grandeza do tagarela e problematica sem que se dê conta disso. A
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deIinição da grandeza como âmbito separado lhe parece um inIinito capaz de proporcionar
a possibilidade de uma produção autônoma de sentido a qualquer preço e a qualquer hora.
Tem-se, assim, uma contraposição entre o tagarela e o gênio. Este primeiramente e
silencioso, como sabemos, escuta atentamente e e acossado pelos escrupulos de promover,
ou não, a objetivação que, por parte do mesmo, e extremamente acurada e cuidadosa,
movimento que pode ser entendida como Iuga pela propria tendência a tagarelice normal
do dia a dia.
O tagarela pode ser considerado o artista da mimese; o pregador repetidor
incansavel dos ditames provindos de Iundamentos deiIicados que lhe são, porem,
desconhecidos ou que mesmo se nega descobrir; o convencido da progressividade positiva
do seu proprio discurso; o que não escuta e nem cria; o encastelado para a construção do
seu castelo; aquele que surge apos o instituido e e o instituido e que a partir do instituido
não vê com bons olhos o gênio instituidor de nova compreensão e nova sensibilidade; o
homem em queda na ilusão da construção objetiva. Esse mesmo tagarela julga o gênio e
não nota que o julgamento ja se da a partir da instituição que ele mesmo e; julga o gênio
em juizo engessador e instituidor, mas se esquece que, no caso do gênio, houve escuta,
alem de consciência e saber da escuta na continuidade da angustia na contradição da
linguagem. Ele esquece que ha de ter sempre a instituição, mas no saber rememorativo de
que ha, e sem o esquecimento de que o julgamento e o esquecimento e ja a Iala
necessariamente sem a minima escuta.
Na corrosão de qualquer sentido justiIicado por origem suspeita, a arte e o melhor
meio para o que esta Iora dos limites da deIinição: a arte prescinde de qualquer
Iundamentação e deIinição ultimas, pois ja desde a 'Critica do Juizo¨ de Kant e entendida
como livre de ser acossada pelos interesses de Iundamentação do conhecimento e da
moralidade, um livre jogo entre o entendimento e a razão. As diIiculdades que a
contradição da linguagem impõe ao vies objetivador de algum modo se amenizam na
circunscrição da arte, ja que nela não se encontra a mesma pretensão. A imensidão
tempestuosa do desconcerto que leva a pura perplexidade imobilizadora pode desanuviar-
se em Iavor daquilo que enquanto beleza desde sempre se propõe como produto
representativo do incomensuravel, do indeIinivel por principio, da desistência das rigidas
determinações causais. 'Por isso, a arte e o melhor meio Irente ao inominavel (paralisia
Irente ao inexprimivel)¨. (II-1,93). A arte consegue por em questão e ate destruir as
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pretensões do instituido, pois o seu estatuto não decorre de instaurações desejosas de
justiIicação argumentativa. Não ha como não se ter a instituição no dizer, mas o meio de
não se comprometer com a contradição da linguagem, que pode ate acarretar a desIaçatez
de querer nominar o inominavel, e a postura do gênio em conIiguração artistica
descobrindo e rearticulando citações daquilo que Ioi destituido para comandar como pano
de Iundo Ieito transparência. O velho pano de Iundo, Iundamentando a transparência das
aplicações rotineiras, e destroçado para ser conservado na Iiguração de nova coleção para a
possibilidade de nova compreensão que se sabe precisamente assim, ou seja, compreensão
instaurada como marca destinadora. A arte da citação e a descoberta do que obscuramente
comanda os processos de julgamento, e a sua destruição e a sua conservação em nova
perspectiva de compreensão eivada de nova sensibilidade. Na arte melancolica o gênio,
entediado com as circunvoluções repetitivas do cotidiano, ativa-se no exercicio de destruir
e articular salviIicamente o velho instituido e obscurecido nas aplicações acintosamente
evidentes e encobridoras do que as determina. O gênio torna possivel a revivescência do
velho na nova citação em que possivelmente nesse processo tudo esta presente na dinâmica
da reminiscência. Ademais, o gênio sabe que a totalidade do sentido permite aqui e ali
encontros mais proIicuos do que os rotineiros, pois percebe a si mesmo na imensidão em
que tudo se perde e tudo se acha e na qual esta a entoar o seu curto canto em Iorma de
oração participativa.
'A conversa do gênio, porem, e oração¨. (II-1,93). O gênio ora, porque
compreende que no silêncio a recordação e dadiva de sentido novo, descoberto nas brumas
do passado de si. A atenção silenciosa e a oração descobridora capaz de articulação do
novo por meio do re-ordenamento em citações do antigo presente, mas ate então encoberto.
A conversa do gênio enquanto oração silente e atenta e a percepção da dadiva do
pensamento compreensivo, mas ate então esquecida no deslumbramento da sua tomada de
posse pela Iala meramente proposicional e aIundada no precipicio da imagem ilusoria
alegando justiIicação de direito a separação, a cisão deIinitiva de sujeito e objeto, nada
mais do que a aIirmação da contradição da linguagem.
Enquanto na situação de oração, o gênio ao mesmo tempo sabe que a sua
compreensão em instituição re-ordenadora expressa uma possibilidade em meio a
totalidade do sentido. Na oração atenta e reIlexiva da-se conta de que ele mesmo enquanto
ocorrência e gota d`agua no oceano e, como quer que se decida e Iale, e dialogo em que o
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total das presentes possibilidades oIerece a dadiva que mesmo e por reminiscência. Por
isso, o gênio, maniIesta-se, destruindo, desnudando e desnudando-se: o conjunto das suas
palavras e ele mesmo e ele o sabe, a sua compreensão e ele e ele o sabe; as palavras novas
recordativas são o que ele e em itinerario de si e que deixa cair a descrever a si mesmo, a
ele que e o que precisamente esta a acontecer. 'Ao Ialar, as palavras vêm caindo dele como
mantos¨. (II-1,93).
Ao desnudar-se, colocando sob a luz a instituição de si, apresentando o sentido que
mesmo o deIine, a palavra-compreensão que e e que sabe que e, então, pode oIerecer
abrigos ao derredor que o escuta. A sua instauração criadora oIerece sugestões de
compreensão que são paragens de pensamento em que cabe mais gente disposta a apreciar
as novas paisagens e constituir a sua morada propria. Esta ai a vestir o ouvinte com a
vestimenta de sua compreensão que então permanece ao dispor, muitas vezes a margem do
instituido oIicialmente na compreensão naturalizada. Pois, 'as palavras do gênio
desnudam, e são involucros nos quais o ouvinte se sente vestido¨. (II-1,93). Mas o proprio
gênio tem a sua primeira e principal caracteristica na escuta silenciosa e atenciosa daquilo
que sempre ja o constituiu, pois pressente que esta vestido com vestimentas que por ele
mesmo ainda são completamente desconhecidas: sempre ja e algo a mais do que
propriamente sabe. A conversa do gênio e oração na busca e no pedido pela descoberta do
que ja sempre esta a determina-lo em sua compreensão. A propria resposta presente, mas
agora sobrevindo e se descobrindo na oração como o cair das vestimentas e o passado do
grande Ialante. O grande Ialante que no gênio escuta a contradição da linguagem e o
mesmo que nele Iala como passado presente descobrindo-se. 'Quem escuta e o passado do
grande Ialante, seu objeto e sua Iorça morta¨. (II-1,93). O grande Ialante que no gênio em
atenção silente Iala enquanto passado presente e o discurso do cotidiano sistematizado, a
força morta encaixotada num sistema compreensivo regular, ordenado e construtivo de
Ielicidade programada, mas que traz em si as determinações com as quais se esta vestido
sem se dar conta. O cotidiano precisamente como Iorça morta constituindo a compreensão
do gênio e o seu objeto de atenção, ja que tal objeto e a Iala do grande Ialante enquanto
Iorça morta quando não merecedora da escuta silente. Desse modo, o cotidiano constitui o
passado presente do grande Ialante, a Iorça morta, o objeto de atenção do gênio, o seu
motivo de oração enquanto pedido e procura por seu signiIicado, a eIetivação constante de
um processo em que Deus Iala e escuta a contradição da linguagem enquanto intermitente
possibilidade de descontrução do reducionismo imediato de um todo sistematizado em
116
Iorma de crença enquanto a pretensão esquecida como verdade absoluta.
Realmente quem escuta e o proprio passado Ialante instituido de modo reduzido
como atualidade. O grande Ialante e o passado instituido como a compreensão oIicial, a
objetivação e a sua Iorça morta em comparação com a atividade do gênio. A Iorça morta
tonitruante, barulhenta e esquecida de um cotidiano em aIirmação Iestiva e segura na
certeza do seu objetivar esta em contradição com o gênio que, no mesmo cotidiano,
desnuda a si e a todos em oração atenciosa. Desse modo a Iala do gênio e silenciosa em
meio ao alarido aIirmativo geral, o qual, para sê-lo, necessita do ritmo da Iala silente e
descontrutora, apontando mais alem para determinações tambem presentes e insuspeitadas.
O sentido da expressão o grande falante estende-se, portanto, ao total do sentido no
presente de agora ja sedimentado por construções do passado e suas proprias
determinações, mesmo que o todo permaneça invisivel, embaçado que esta pela nevoa de
uma totalidade atual com pretensões de absoluto. O gênio procura a e)poxh´ (epoche)
suspensiva para compreender a compreensão em suas determinações mais abrangentes
anulando-se na contemplação do mais imediato, pelo Iato de querer compreender
suprimindo a sua compreensão rotineira em ocorrência, e no ouvir mais proIunda e
atentamente os ecos de cantos mais distantes em meio a algazarra do cotidiano. 'O gênio
Ialante e mais silencioso do que o ouvinte, como o que ora e mais silencioso do que Deus¨.
(II-1, 93).
Aquele que ora em atenção igual ao gênio e silencioso por que ocorre como
reminiscência e desnudamento da compreensão artiIicialmente consagrada e absolutamente
positivada. Alem disso, conta com determinações que não estejam imediatamente a
superIicie da realidade administrada pelos principios objetivados para a recorrência do
mesmo.
Benjamin menciona, a proposito de KaIka, um dito de Malebranche: 'A atenção e a
oração natural da alma¨. (II-2, 432). Quem ora e mais silencioso que Deus pelo Iato da
escuta, da atenção e do silêncio para a compreensão possivel do novo por meio do que Ioi
posto como ser Iixo. A oração constitui-se em silêncio criador na escuta do que vira a ser
instituido como compreensão em ruptura para novos tempos. O gênio lembra em oração
atenta e silenciosa o que mais Ioi silenciado Iazendo ver a repetição da maquina barulhenta
em seus mecanismos de deIesa e justiIicação. Como qualquer maquina, ela Iaz todo o
esIorço para se manter Iuncionando. O gênio, ao contrario, desobstrui silenciando e
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desconstruindo os motivos e as justiIicativas de todo o alarido lembrando que tudo e
apenas a obra em criação de si sem poder e sem necessidade de Iundamentação deIinitiva,
ja que e constante resultado da condição de cisão da contradição da linguagem.
A aIirmação de que o gênio Ialante seja mais silencioso do que o ouvinte supõe o
estado em que o gênio e a voz que Iala no e a partir do interior daquele que escuta, isto e, a
voz da signiIicação possivel, o todo recalcado ainda não signiIicado, a massa escura da
totalidade do oceano em cuja superIicie a luz da compreensão se Iaz possibilidade. Não ha,
portanto a possibilidade de um aIastamento para a contemplação de um objeto a ser
analisado conIorme uma das perspectivas da contradição da linguagem. A voz da
signiIicação possivel a si mesmo se gesta enquanto instauração em que o silêncio e sempre
o intervalo descobridor. Trata-se da possibilidade do som signiIicativo de acordo com o
ritmo da Iala humana que inclui em si o silêncio comandando o rumo do sentido. De
acordo com o paradoxo da linguagem (GS II-1,93), o escutante signiIica, nesse caso, a
perspectiva da articulação de sentido de acordo com os seus proprios esquemas que de
Iorma inevitavel distorcem o dito, pois apresentam inevitavel interpretação tendenciosa de
acordo com a sua conIiguração cultural tradicional.
No ritmo da Iala humana 'O Ialante permanece sempre possuido pela presença¨ (II-
1,93), ou seja, esta em pleno desempenho, esquecido da escuta e ocupado no ordenamento
interpretativo do que lhe advem como acontecimento de si. Todo o Ialante esta implicado
no julgamento a acontecer de acordo com criterios e valores consagrados que supõe e, ao
mesmo tempo, esta impedido da escuta. Como vimos, ate o gênio precisa Ialar apos a
escuta, o que o Iaz perceber a angustia original da contradição da linguagem. Ele e
possuido, enlouquecido a repetir gestos compreensivos ao inIinito, ocupado exatamente na
expressão do passado de si, das determinações de que se desveste como mantos que caem
em postura de oração atenta aos comandos em si ja sempre subjacentes.
O Ialante e e permanece sempre possuido pelo exercicio presente da elocução do
sentido que articula. Por mais que se esIorce na trilha da positivação de um passado
separado, tal positivação historicista so pode ser a ilusão que se da pela constante repetição
do mesmo de acordo com uma compreensão Iixada ou não. A positivação do passado, que
o Ialante projeta mesmo numa intenção historicista, permanece inevitavelmente a
expressão ocorrente de si. Desse modo, nunca podera dizê-lo de Iorma absolutamente
objetiva, mas sempre ja como ocorrência interpretante de si pela imediatidade do
118
acontecimento. Tudo o que Ior que Iale esta a ser acontecimento Ialante na articulação de
uma compreensão presente, tanto que todo o seu exercicio da linguagem e sempre
percebido como comprometedor, perigoso e decisivo pelas instituições compreensivas
sempre acompanhadas da possibilidade do esquecimento das suas Iundamentações.
"Portanto ele e amaldiçoado: a nunca dizer o passado que ele, porem, indica¨. (II-2,
93). O presente constante e exatamente a impossibilidade do Ialante dizer o passado, pois
ao dizê-lo e presente e e instauração. O dizer paradoxal contraditorio e exatamente o dizer
analisante, interrogativo e instituidor do que e a se tornar passado positivo na intenção. O
falante e amaldiçoado.
Não ha como pedir ou exigir que se inicie algo de modo absoluto, ja que o pedido
compromete a quem tenha a intenção de deixar ou partir para tal inicio, pois dizer o
passado e não dizê-lo como se Iosse a absoluta descrição do acontecido, mas reinventa-lo
sob determinada perspectiva. A pretensão de dizer interpretando e o constante aIastamento
e a expulsão de onde se esta e o dar-se conta disso e a peregrinação no sentido. Ha uma
constante vestimenta mascarada do novo suporte como sujeito absoluto para se justiIicar a
pretensão do que se esta a dizer, o que e inevitavel e constitui o paradoxo. A vestimenta do
deus instituido e sempre diversamente escamoteada num constante deslocamento
Parece que a questão e realmente o inicio, que não ha, e a dependência das proprias
condições de possibilidade por parte de interações e relações ja sempre havidas.
A Iicção do inicio e a invenção de um deus objetivamente separado e garantidor da
objetividade do que se esta a dizer, tendo o castigo por conseqüência na consciência do
aIastamento de si mesmo: e a alienação e o seqüente aIastamento constitutivo que o Ialante
em si mesmo percebe quando diz o outro-natureza num ordenamento de tempo controlado
por metriIicação. O inicio absoluto possibilita a metriIicação e a inauguração da culpa e do
direito, ao contrario da ideia de constante dependência e relação.
Na linguagem qualquer explicação traz a necessidade da descrição da
gênese do conteudo, das preocupações, da Irase, do conceito, de cada palavra: palavra a
descrever sentido de palavra num circulo constante e sem Iim em que a cobra tempo e
Iantasma criado e tentador de uma divisão Iundamental. Toda a vez que se conta com a
tentação da cobra, linha do tempo, tem-se estado de objetivação das coisas. A objetivação
exige a Iixidez instrumental da linguagem bem como a tentativa de exatidão Iundamentada
do signiIicado.
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Ao Ialar objetivando se esta na intenção de dizer sempre o passado, mas que trata
de nova inauguração, ou expulsão do local em que se esteve: ~Portanto ele e amaldiçoado:
a nunca dizer o passado que ele, porem, indica¨. (GS II-1, 93).
A objetivação da linguagem e paradoxal: ajuiza inevitavelmente sempre, mesmo o
geral, o universal e as suas proprias condições, pois o que se compreende como condições
e e dito pela linguagem e pelo modo da proposição objetivadora inevitavel. Qualquer
compreensão ocorrente e, assim, exatamente pela ocorrência julgante e a sua suspensão
seria a eliminação da compreensão. Mesmo o dizer da sua ocorrência não escapa do
processo, pois e julgante recordação a ser dita tambem. E inevitavel que o julgar se dê
como ser em ou como ser em divisão, ou diIerença na suposição de uma identidade que a
acompanha em termos de totalidade que a possibilitam. A corda bamba, o Iio da navalha
esta entre, ou como divisa entre o todo como identidade suposta e o diIerente absoluto a
Iormar mundos compreensiveis possivelmente inIinitos. Mas ser em e a propria
impossibilidade de começo e a eterna dependência, e qualquer proposição de totalidade e,
sob esse ponto de vista, um aspecto de mero deslocamento itinerante, ja que tambem ela
necessita de suposição da parte que e enquanto diIerença e do todo em termos de
identidade.
O termo metafisica ai encontra um modo de centração quando e entendido não
como Iundamento Iixo e separado para a justiIicação de juizo ocorrente, mas como ir ao
Iundo (Untergang), como passagem a desaparição (Jergàngnis) ate onde da, um
movimento em que as explicações objetivantes se separam e se distanciam cada vez mais.
A fu´sif (Iysis) de metafisica denota a parada de ir ao Iundo como Iuncionamento
estacionado, ou emperramento repetitivo, e o termo completo de metafisica abre-se para o
sentido de uma movimentação dialogante e itinerante, alem dos limites impostos pela
compreensão momentaneamente em mera operação repetitiva de sedimentação. E este
tambem o sentido do Iim do Fragmento politico teologico quando aIirma da natureza:
'Pois messiânica e a natureza a partir da sua eterna e total passagem¨.(GS II-1, 203)
O dizer que assim e, e o instituinte para que assim seja. O dizer seria ação
inexplicavel e não analisavel, pois explicação e analise ja seriam comprometimento com o
proprio exercicio do dizer. E se ha consciência do comprometimento, qual o sentido da
explicação, analise, reIlexão, ou alegoria? Não seria isso o proprio exercicio da contradição
da linguagem? Ou seja, dizer que o dizer e estatuinte; instituir que toda a explicação,
120
analise e instituinte? Desse modo a explicação de que toda a explicação seja
comprometida a si mesmo compromete por exercitar a mesma atividade que se propõe
denunciar como esquecida do Iato do comprometimento. O que resta? O dar-se conta
desse Iato e dessa situação.
Trata-se aqui da questão da experiência no sentido mais amplo possivel, isto e, a
percepção de que surgem explicações, teorias, constelações, todas construções que se
podem seguir, denunciar, perseguir em suas miriades de maniIestações, ou repetições na
geograIia do tempo ja positivado. Junto a isso se conjuga a observação de si, da
compreensão e na compreensão que mesmo se e.
Ao querer Iazer considerações sobre o passado, o Ialante tera de se ater sempre ao
instante do exercicio narrativo da linguagem a presentiIicar conteudos como se o proprio
passado estivesse presente, mas objetivamente separado e sem o acontecimento decisivo da
compreensão ocorrente. Indica o passado inaugurando o tempo em Iorma de narrativa e
dialogo constante que sempre todos somos. Mas mesmo assim, Iala inevitavelmente da
boca de um passado que agora precisamente e por tudo aquilo que Ioi. Ele constantemente
se engana Ialando (er verspricht sich): objetiva indicando um passado que Ioi e com isso
expressa o passado que no presente e e esta a inaugurar. Eu seu discurso carrega, sem se
dar conta na maioria das vezes, a voz de todos os silenciosos e emudecidos, ou seja, o
recado, a esperança e o desejo de todos os que se Ioram. O seu discurso de agora esta pleno
das indicações, do sentido e das expectativas dos emudecidos e tambem ele nunca viu 'o
local da luta silenciosa que o eu encetou contra os pais e os ancestrais¨. (GS II-1, 91). Na
contradição da linguagem, numa especie de sonho, 'Utilizamos diariamente Iorças
desmedidas como os que dormem¨. (GS II-1, 91). A catastroIe continua na boca do Ialante
pelos julgamentos que promove 'E o que ele diz ja ha tempo incluiu em si a muda
pergunta dos calados e os seus olhares lhe perguntam quando ira terminar¨. (GS II-1, 93).
O Ialante compromete a sua alma com um passado Iixo, Iigura objetivada, imagem
proibida desde o inicio, paisagem morta, e assim ele blasIema na continuidade da
produção da catastroIe. Ele deve conIiar-se a ouvinte que e dinâmica do mesmo passado
compreendida enquanto incrustada na propria compreensão presente. Jergangenheit
(passado) e um passado entendido como passagem constante a acompanhar as instâncias
do atual e, caso assim compreendido e a ser continua e atentamente escutado e procurado,
e como que se tal inIinita dinâmica, presente na compreensão, levasse o Ialante pela mão a
121
Iim de ver o precipicio em que jaz a sua alma como parte da paisagem morta e petriIicada
de um passado precariamente compreendido como objetivado por Iundamentações, sobre
as quais crê que possam ser cada vez mais proIundas a ponto de constituir a imagem de um
buraco sem Iundo desesperador. Na contradição da linguagem, o esquecimento da
ocorrência de si como compreensão ordenada por Iundamentações do dizer tem um eIeito
devastador. Mas Jergangenheit, ou seja, a passagem do passado como ouvinte na
compreensão presente, e capaz de levar o Ialante em conversação a visão do abismo, ao
vislumbre do inIinito apos a liquidação de Iundamentos rasos demais e tendentes a se
constituirem em absolutos. A Jergangenheit como dinâmica de atração a descobrir-se pelo
ordenamento da reminiscência leva o Ialante pela mão para leva-lo a situação de retorno,
na qual inicia a visualizar o seu pertencimento ao todo inIinitamente maior do que a
totalidade catastroIica, redutora e empedernida, em que enlouquece a sua alma
comprometendo-lhe a essência numa compreensão apequenada. O passado como passagem
presente pode ser lembrança e geração de inIinitas Iormas de compreensão a partir da
riqueza subjacente as palavras propiciando a percepção do todo sempre maior do que as
conceituações discursivas, de qualquer modo inevitaveis e separadas por objetivação
conIorme a contradição da linguagem. O gênio em conversação, que percebe a si na
contradição da linguagem, angustia-se na cisão entre um passado presente sempre Ialante
em termos de objetivação e um passado presente em passagem capaz de reminiscência da
ocorrência que se da num inIinito abismo suposto, o qual nunca podera nominar, mas que
ao mesmo tempo o constitui. De qualquer modo em conversação, o gênio enquanto Ialante
não pode deixar de acentuar o discurso presente e pelo qual necessita polemizar. 'Mas ja ai
a prostituta o espera¨. (GS II-2, 93). A Iixação do discurso que assim se institui, apesar da
dinâmica da reminiscência, e a compreensão da historia apequenada como positividade a
reger causalmente o presente sempre a ressurgir, e a explicação historica que se coagula
em Iorma de sistema numa comunicação cada vez mais mimetica; e de novo a historia
naturalizada como passado Iixo, mas que, qual prostituta, aceita qualquer parceria
interpretativa como dado somente objetivo sem a assunção da ocorrência de si; qual
prostituta e a Iixação do passado que sempre se vende pela moeda alienada da
Iundamentação garantida por deuses imaginarios, que conseguem Iazê-la esquecer dos seus
compromissos consigo mesmo. A prostituição pode curiosamente ser a ouvinte como
passado em passagem que se detem na possibilidade de nova construção Iixa, ou seja, a
compreensão ja comprometida com o que compreendeu e, então, deIiniu num novo
122
engessamento. Ela e a predisposição para novas construções de sentido desde que
positivadas, desbancando sem pejo qualquer rumo da tradição que se queira intocavel e
absoluto. Ela e Iundamentalmente inIiel na aceitação de qualquer positividade, mas ao
mesmo tempo e a companheira inseparavel da angustia do gênio.
A prostituta no sentido de si mesmo como passado abre-se, compreende-se e vê a si
mesma como vida vadia e mentirosa, como disIarce, como conIusão na relatividade da
abstração teorica que desenha o esquema Iigurativo e imagetico da licenciosidade das
interpretações, sem o peso da assunção da ocorrência de vida em sentido concreto. No
sentido de uma dubiedade comprometedora, o passado (Jerganhenheit) desloca-se como
inIidelidade de seu positivo ser compreendido para tornar-se relativo, aberto, dubio,
passado presente somente aleatorio, e ate como possibilidade de somente crise quanto a
qualquer compreensão positivada, ou somente passividade na aceitação de qualquer
emergência de sentido. Ja ha tempo em que a prostituta ai esta a esperar, pois se trata da
venda de si, da inIidelidade de si, do desmoronamento da vida abotoada, novamente
engessada e administrada por principios solidamente esclerosados, a respeito dos quais se
desistiu de reIletir. Em suma, e a relativização absoluta que como positividade entra pela
porta dos Iundos igual a historicismo reducionista. 'Pois toda a mulher tem o passado e em
todo o caso nenhum presente¨. (GS II-1, 93).
A perspectiva da linguagem garantidora das suas proprias condições de
possibilidade enquanto sentido conservado por determinada organização da tradição tem
caracteristicas Iemininas. A diIerença da prostituta que tudo aceita numa relativização pela
qual o proprio caos tem as suas possibilidades, mas que tudo não pode conservar, a mulher
em geral e cultora do passado a ser conservado e repassado, da tradição, do entendimento
deIinido, da compreensão normalizada, pois a situação de dubiedade e indeIinição de
sentido não lhe agrada. O presente que a mulher não tem e a consciência da trama da
tradição presente que ao gênio interessa e, a medida que não acontece, permanece sempre a
vigência de algo ja instituido como signiIicado, o que, por sua vez expressa uma
necessidade inerente a linguagem, ou seja, a Iidelidade a cultura tradicional como esteio
para qualquer mudança de rumos de sentido. O presente como repetição por criterios
seguros do passado em Iorma de cotidiano presente normalizado seduz a mulher-
linguagem como necessidade para a tranqüilidade de pelo menos uma compreensão
possivel. O presente como corte intermitente, ruptura e crise aguda constante do
123
esquecimento instaurado não lhe interessa, pois ha que ter sempre em qualquer processo de
origem o vies do ordenamento construtivo, pelo qual algo se sedimenta em repetição a Iim
de que o proprio sentido na linguagem seja possivel. A Iidelidade da mulher a qualquer
projeto posto por inauguração, sem, portanto, a volubilidade da prostituta, espelha o
sentido Iixo da linguagem conIigurada em discurso sempre necessario como parte da
contradição da linguagem, pois permanecer sempre Ilutuando sem ritmo algum sobre o
abismo Ieito de Iundamentação sem Iim e sem Iundo de um lado, e de outro, da
compreensão enquanto ocorrência de si no suposto de uma totalidade inominavel, não e
possivel. Um presente capaz de Ilutuação sem paragens de construção, mesmo que
enganosa ou ilusoria, seria como Ulisses navegando somente pelos mares, sem desvio
algum pelas ilhas de descanso e perdição, diretamente de Troia para Itaca, o seu lar
deIinitivo, mas sujeito a constante ira de Netuno. O ritmo Ieito de navegação ocorrente
com paradas em novas paisagens para o abastecimento de sentido a ser negado ou aIirmado
e necessario a constituição da contradição da linguagem, ja que o não e o sim dela são a
expressão do seu ser em ocorrência de qualquer modo. 'Por isso ela guarda o sentido antes
da compreensão, ela impede o abuso das palavras e não permite que dela abusem¨. (GS II-
1, 93).
A Iixação do sentido seria impossivel se não houvesse Iidelidade minima as
palavras em exercicio, pois signiIicaria a destruição da linguagem por relatividade absoluta
e por não haver ordem que exigisse o exercicio da repetição continuada de sentido
determinado para que possa existir o reconhecimento de ser conIorme o logos de Heraclito,
alem da necessidade de existir condição de possibilidade de um dizer compreensivel para a
percepção de qualquer mudança. No abuso absoluto das palavras não ha compreensão, nem
consciência de si. A Iixidez de um sentido pelo menos epocal em exercicio deve haver para
que inclusive possa haver analise e, alem disso, escuta do que, alem do mero cotidiano,
possa signiIicar. A escuta das palavras so pode acontecer na condição de possibilidade de
haver sentido Iixo, mesmo que dogmatizado, hirto, Iuncionando como cadaver deIinido e
enclausurado em determinadas situações.
A mulher espelha a linguagem que representa, com sua Iidelidade, o equilibrio
entre o precipicio abissal entrevisto por Anaximandro, em que recorrência alguma e
possivel, e o logos de Heraclito, ordenador na repetição de mundos Iavorecendo a
compreensão da recordação.
124
Impedir o abuso das palavras e conIiar no sentido de alguma Iorma Iixo como
condição de possibilidade para que a propria percepção de ocorrência seja possivel, isto e,
para que não se institua o delirio Iora de qualquer orbita de um canto de sereias que
silenciaram a passagem do esperto Ulisses, conIorme o relato de Benjamin sobre KaIka
(GS II-2, 415). A mulher, como representante da perspectiva central da linguagem, mesmo
em qualquer inovação possibilita a ligação do Ialante em palavras costumeiras com a
novidade do ainda não dito. Ela e o repositorio do possivel na conservação, manutenção e
lembrança da totalidade do passado, mas tambem da indeIinição sempre possivel e a
espreita de nova construção em Iidelidade. Ela traz em si a lembrança do possivel como as
mulheres no Processo de KaIka, as quais espiam e observam o julgamento e a execução,
isto e, são testemunhas da possibilidade existente de todo o passado que Ioi e que nelas se
conserva a espreita de oportunidade de surgimento de nova construção. São tambem como
as mulheres, criaturas hetairicas de KaIka, (GS II-2, 428) que lembram o inicio da vida da
humanidade nos pântanos do passado mais remoto. Enquanto a prostituta e descrente por
relativizar qualquer construção, a personagem da mulher representa a decisão por uma
delas e a seqüente Iidelidade necessaria para que haja sobrevivência. 'Ela cuida do tesouro
do cotidiano, mas tambem de todas as noites, o bem maior¨. (GS II-1, 93).
O tesouro do cotidiano e o instituido que precisamente lembra as possibilidades das
noites do passado presente, o bem maior, do ainda sono e sonho que podem ser recordados.
Sem a oração atenta e reIlexiva do gênio, o cotidiano permaneceria Iorça morta, mas ja
com o seu concurso, tendo-o ao mesmo tempo como seu âmbito e objeto, e a propria
possibilidade do encontro com os tesouros nele resguardados. A mulher, portanto, traz
consigo a riqueza da tradição presente no cotidiano que e condição de possibilidade de toda
a riqueza da criatividade posterior. Mas inversamente, a noite angustiada do gênio em
desnorteio pode ser amenizada pela lembrança presente do sentido Iixamente guardado nas
palavras em uso e que lhe são a condição de pensar, pois se as palavras possibilitam o
deslocamento do sentido, tambem são elas que estão a viabilizar qualquer desvio
semântico como se Iosse o proprio veiculo que de modo seguro carrega o perplexo
desviando-o da perdição total na mais escura noite da loucura. A linguagem assim e como
a mulher que na Iirmeza do sentido em uso Iixo torna mais amenas as noites da
perplexidade, do desnorteio e da ruptura possivel. E por isso que tambem cuida e
possibilita o bem maior que são todas as noites.
125
Todo o gesto do cotidiano da linguagem em Iuncionamento e constituido em objeto
de atenção pode ser compreendido como reIerência ao ancestral, uma vez, como a
normalidade instituida enquanto respeitabilidade e justiIicada sobrevida, e, outra, enquanto
possivel revelação de motivos presentes, mas por enquanto ocultos pelo misterio da sua
transparência.
'Por isso a prostituta e a ouvinte¨. (GS II-1, 93). O lado da prostituição da
linguagem, como ja visto, e a escuta de si mesmo na tentativa de programaticamente por
em suspenso qualquer organização compreensiva inaugurando sucessivamente
Iundamentações descobertas e com elas convivendo de modo relativista. Trata-se da
possibilidade da mesma linguagem esquecer a Iidelidade da sua ocorrência ja em sentido
sempre Iixo e se esvair na atividade da sua dissolução acompanhando aleatoriamente
qualquer proposta de construção. A prostituta e ouvinte exatamente por ser inIiel ao
estabelecido e da noticia de um mundo de possibilidades. E ouvinte, porque da ouvidos as
vozes da analise e porque não e obediente ao cotidiano organizado muitas vezes ao modo
do disIarce. Ela da ouvidos a novas Iantasias construtivas de rumos culturais e atravessa o
sentido consagrado a tradição e conservação Iamiliar. E mercadoria corporal que aceita
mudança de preço, ou, pelo menos, trata disso. Mas, talvez o mais importante seja o carater
sugerido pela propria palavra prostituta: a banalização e o deboche do disIarce cotidiano
que ela representa; ela ate indica o não cotidiano, bem como o desprezo e o ataque a ele, o
contraponto em que o proprio cotidiano pode tomar consciência de si, ou seja, o certo, o
correto, o respeitavel e ate o sagrado e desocultado em sua banalidade e em seu disIarce.
Tem-se no seu olhar escutante e perscrutador o aIastamento necessario para a analise do
que se e no cotidiano. Assim, 'Ela resguarda a conversa de pequenez, e dela a grandeza
nada reivindica, pois diante dela a grandeza termina¨. (GS II-1, 93). A linguagem nessas
condições abre-se abandonando a pequenez suposta do cotidiano para todas as suas
possibilidades de sentido a ponto de constituir uma grandeza ate caotica. A grandeza
enquanto sentido possivel na atividade da conversação nada reivindica da prostituta pelo
Iato de ela mesma signiIicar a relativização por simples aceitação de todas as construções
signiIicativas ediIicadas pela linguagem. Por isso, qualquer possivel deslocamento
semântico em direção ao aproveitamento da grandeza de um sentido possivel na
conversação para alem do cotidiano termina por ter que relativizar signiIicados Iixos
prostituindo de qualquer maneira o ordenamento da compreensão rotineira.
126
'Toda a virilidade diante dela ja se extinguiu, agora se derrama uma torrente de
palavras em suas noites¨. (GS I-1, 93). Qualquer tipo de construção signiIicativa consegue
ter o seu lugar ao sol pelas possibilidades relativizantes de sentido da linguagem. Ela aceita
aplicações narcisicas variaveis de criterios postos, como tambem inseminações do gênio
que ja esta em Iase de implementação artistica do que escutou em tempos de atenção a
rotina da vida que traz o ancestral em seu bojo. A prostituta que se torna voluvel aceitação
eIetiva e passiva de qualquer narrativa historica de cunho historicista, sempre escuta a Iim
de sempre em seqüência Iixar-se em qualquer tipo de transparência conceitual, que,
inversamente, se torna a obscuridade do esquecimento mais completo aspecto caotico que
expressa, ou seja, e a linguagem em delirio: 'Agora se derrama uma torrente de palavras
em suas noites`.(GS-1, 93).
'O eterno passado presente novamente sera¨. (GS II-1, 93) De qualquer modo se
conIirma a suposição de um passado (Jergangenheit) eternamente presente como
acontecer as margens da oIicialidade compreensiva em repetição somente comunicativa,
ou, um presente eternamente ja sido que se descobre por auto-nomeação, portanto, por
auto-reIerência. Caso não acontecer a sua visão e escuta, a alma do Ialante permanece
presa do passado apequenado que e tambem um presente em compreensão apequenada,
sem grandeza, sem nomeação, sem volta a si, um presente em continuidade de queda e
somente sobre-nomeação na construção de uma catastroIica Babel. Isso signiIica tambem
que o todo entrevisto nunca pode ser a totalidade compreensiva completamente suposta,
obrigando a continuidade da descrição expressiva ou nomeação dos Ienômenos que surgem
pela boca do gênio em Iorma dos movimentos culturais, que, por sua vez, são escutados e
avaliados na intenção da perspectiva ou da prostituição da linguagem em que tudo vale de
modo relativista, ou na perspectiva de uma tradição determinada. Ai ate os sistemas
IilosoIicos, como tambem a propria IilosoIia e Ienômeno entre outros como, por exemplo,
o Surrealismo, o Comunismo, o movimento Dada e o Romantismo.
No limite pode dizer-se que o eterno passado presente novamente sera como
dimensão do Iuturo que nele esta inscrito como inIinita possibilidade de emergência a
compreensão. O que se poderia querer mais do que o inIinito absoluto, sempre suposto em
cada volteio do cotidiano? A linguagem sempre dele Iara parte assinalando algo como algo
e ao mesmo tempo sendo assim a sua compreensão expressiva ocorrente, ja que de Iorma
alguma e em momento algum pode ser prescindindo da sua suposição como condição de
127
sua propria possibilidade. A compreensão e, portanto, necessariamente peregrina em sua
discursividade na linguagem que se da por conversação.
Por isso, 'A outra conversação do silêncio e gozo¨ (GS II-1, 93), isto e, talvez a
Iruição estetica da beleza, a rigidez absoluta da morte e os instantes do gozo sexual,
situações em que ha uma passagem para a suspensão abrupta de qualquer possibilidade de
compreensão, como se o silêncio dela resumisse a suposição de inIinito num momento so:
as luzes apagam-se num curto circuito quando a compreensão quer abarcar em
perplexidade o seu proprio suposto num gesto impossivel. O suposto de se dizer na
compreensão itinerante sempre sera suposto como a priori absoluto e o indizivel dito sera
apenas uma palida reIerência a uma totalidade inaugurada que supõe o que nunca podera
dizer em seu processo de emergência localizado. O verdadeiro Iuturo busca a si mesmo nas
brumas de um passado em que ja sempre esta inscrito e a compreensão de agora voltada
aos seus supostos e a possibilidade da sua eIetividade. O gozo, a morte e a percepção da
beleza são o silêncio de tudo, apos o que a compreensão, que pergunta pela luz de si,
tambem se da como percepção da sua constante limitação.
A consciência aguda da contradição da linguagem e região extremamente perigosa
em que gozo, desespero e perplexidade se conjugam como se Iosse um dialogo, uma
conversação entre o gênio e a meretriz:
O Gênio - Eu venho a ti para descansar em tua companhia.
A Meretri: - Entào te senta
O Gênio - Eu quero sentar-me funto a ti - ha pouco
eu te toquei, e tenho a impressào de fa ter descansado
durante anos.
A Meretri: - Tu me deixas inquieta. Se eu deitasse
ao teu lado nào poderia dormir.
O Gênio - Em cada noite ha pessoas contigo no
quarto. Tenho a impressào como se eu as tivesse recebido a
todas e elas me tivessem olhado gentilmente e se tivessem
ido.
A Meretri: - Da-me a tua mào - em tua mào
adormecida eu sinto que tu esqueceste agora todas as tuas
poesias.
O Gênio - Eu penso apenas em minha màe. Posso
falar-te dela? Ela me gerou. Ela gerou como tu. cem poesias
mortas. Ela nào conheceu seus filhos, como tu. Seus filhos
prostituiram-se com pessoas estranhas.
A Meretri: - Como os meus.
O Gênio - Minha màe sempre me olhou, me
perguntou, escreveu para mim. Nela eu desaprendi todas as
pessoas. Todas se tornaram màe para mim. Todas as
mulheres me pariram, nenhum homem me gerou.
128
A Meretri: - Assim se lastimam todos os que
dormem comigo. Quando eles comigo olham para dentro da
sua vida, da-lhes a impressào como se cin:a grossa os
sufocasse ate o pescoço. Ninguem os gerou e a mim eles vêm
a fim de nào gerar.
O gênio todas as mulheres, para as quais venho,
sào como tu. Elas me pariram morto e querem receber coisa
morta de mim. (GS II-1, 94).
O gênio analisante de si, em travessia constante e ao tentar descrever-se nessa
mesma experiência-travessia, percebe a sua inevitavel ligação com o passado coletivo
agora presente em que ele mesmo deixa o seu proprio rastro. Ele percebe que qualquer
compreensão que trouxer a luz, ou lhe suceder, ja e instauração compreensiva
comprometida com materiais oriundos de todo o passado e a disposição no presente, isto e,
a mãe tradição e a propria condição de possibilidade de o gênio expressar-se em
compreensão e ser precisamente assim. E ao ser decidido por uma compreensão
sistematizada por explicação construtiva, tais crianças, ou seja, constructos nascem mortos
por imediato processo de sedimentação positivada, sistematização compreensiva e
esquecimento de sua ocorrência alegorica e metaIorica.
A prostituta como tradição morta por repetição em um cotidiano vasto e
transparente ao senso comum aceita e incorpora as mais diIerentes excentricidades. Não
sabe de si enquanto tradição presente em situação de intermitente decisão, imaginando-se
naturalizada, sistematizada, com progressividade programada de acordo com o mesmo
senso comum, este convicto de seu acerto por cultuar a cientiIicidade absoluta em que os
Iregueses da inovação são esperados e aceitos como mera novidade. Por isso a prostituta e
sempre tambem a ouvinte, e agente da novidade mercadologica, consumista do que vier a
se apresentar numa posição relativista radical. Mas essa prostituta e esperta porque sabe de
si: sabe do não que o sistema signiIica para todas as outras possibilidades que não Ioram
implementadas, pois o sistema compreensivo dogmaticamente oIicializado mata muitas
crianças na periIeria do seu âmbito. A prostituta generalizante e relativista e o seu sintoma:
e contraponto enquanto positivação possivel. Por isso, o gênio na contradição da
linguagem conIessa: 'Eu penso apenas em minha mãe. Posso Ialar-te dela? Ela me gerou.
Ela gerou como tu: cem poesias mortas. Ela não conheceu seus Iilhos, como tu. Seus Iilhos
prostituiram-se com pessoas estranhas¨. (Idem, 94).
O gênio so pode Ialar de sua mãe como tradição presente na linguagem e
responsavel pela luz da sua compreensão ocorrente quando supõe tambem a ocorrência no
129
esquecimento da sua positivação. Na escuta atenciosa como Iorma de oração, o gênio esta
entre o receber o presente das intuições da criatividade de que se da conta em sua propria
compreensão, das quais não pode indicar a procedência diretamente na linguagem, e, de
acordo com a contradição da linguagem, a inevitabilidade da positivação das suas criações,
das quais e obrigado a dizer que são suas e sobre elas ter a experiência de que muitas jazem
no chão simplesmente liquidadas: Cem crianças mortas. Ambos, gênio e prostituta são o
dialogo na suposição de interno e externo, pela qual a experiência se processa. O gênio na
contradição da linguagem intui a dadiva da compreensão em todo o cotidiano e se dispõe a
receber as reivindicações do passado presente. Por outro lado, o seu processamento em
positividade de tudo o que surge para ser construido Iixamente para a repetição e a
meretriz (Dirne).
A Dirne, portanto, trata da temporalização, da possibilidade de historia construida
enquanto signiIicado Iixo, o ser automatizado em semelhança mimetica. Por que Dirne
(meretriz)? Mais uma vez, pelo Iato de a narrativa em termos de Era uma ve: sempre estar
ao dispor de qualquer que queira repetir qualquer compreensão que surja, de ser
exatamente a possibilidade da mimese em automatismo, de expressar o Iator responsavel
pela instituição do resultado tradicional que somos e que repetimos em constante auto-
instituição sem a intuição da dadiva, mas que ao mesmo tempo e sempre material de
possivel recordação, des-esquecer, ou desvelamento.
O gênio e responsavel pela interrupçào, ou ele e ela mesma, o Iundante, o
originario, Ursprung, e, por isso, descansa com a prostituta que tudo aceita, ou seja,
qualquer coisa que se apresente como possibilidade de positivação Iixa e capaz de
repetição.
De acordo com a citação, o gênio vai a prostituta para descansar, pois na sua
condição não ha descanso possivel pelo Iato de sua compreensão estar ativada num retorno
para si, num se volver a consciência de toda a compreensão objetivada ja em andamento
em si para que seja admirada, nomeada e precisamente inaugurada como possibilidade de
Iuturo: não tem onde reclinar a cabeça. O gênio senta-se para conversar, toca a prostituta e
se sente como se ja estivesse descansando ha muitos anos, como se tudo o que o tivesse
angustiado, o que tivesse compreendido e nomeado criativamente Iosse a prova do seu
sono de positivação constante, o rastro de um sonho que so agora termina quando tambem
percebe e leva em conta a inevitavel compreensão da necessidade de positivação na
130
linguagem. Tanto e assim que, na conversação entre as duas perspectivas da contradição da
linguagem, a prostituta primeiramente diz que se deitasse com o gênio não poderia dormir,
isto e, se simplesmente Iosse cooptada a assumir tambem o outro lado da linguagem não
haveria qualquer positivação e, com isso, qualquer possibilidade de compreensão
organizada. A inquietação da voragem que o retorno insistente do gênio representa
simplesmente destruiria ate a existência provisoria de uma compreensão prudente em sua
recepção de sentido.
Cada positivação pela qual se Iaz a noite aquartelada do esquecimento merece a
atenção receptiva por parte do gênio para que o olhar signiIicativo dela seja visto antes de
ir-se esvanecendo em novo signiIicado. No encontro com a tradição o gênio recebe como
dadiva a compreensão positivada das pessoas, pois delas depende para a leitura de novos
atalhos em direção ao caminho de retorno para onde se volta a sua atenção.
A prostituta pede a mão obreira do gênio e na qual então sente agora a dormência
para o pôr da poesia, para a instauração do novo e nomeavel nos caminhos de retorno. Gib
mir deine Hand (Da-me a tua mão): pegando em sua mão obreira Iaz o gênio esquecer-se
da sua itinerância poetica, pois e a mão que Iigura o pôr do que e possivel ser poetizado. E
como se a prostituta indicasse que agora e tempo de narrativa de tradução do que Ioi posto
para que a propria tradição possa ser constituida no tempo de compreensão determinada,
organizada e construtiva para a continuidade de si. Precisamente por isso o gênio recorda-
se da sua mãe, a totalidade da tradição virtualmente presente na linguagem.
A tradição viva e em processo de recordação constante no gênio como uma das suas
caracteristicas e a propria possibilidade, a Ionte, o nascedouro de que tudo provem. Ele
recebe noticias dela em seu proprio pensar e naquilo que compreende das outras pessoas.
Quem poderia deixar de ser um indice dela, pois todas as pessoas o são mesmo na assim
considerada menor participação no sistema comunicativo a perIazer a compreensão epocal
coletiva. A quem contara sobre a sua mãe? A narrativa so acontece pela linguagem como
uma de suas expressões nas Iormas de positivação na compreensão Iixa por parâmetros
epocais.
A mãe tradição e a prostituta da positividade do Era uma ve: se entrecruzam na
contradição da linguagem. Trata-se de outra versão da situação de queda relatada no
Gênesis. Ambas, a mãe e a prostituta geram Iilhos: cem poesias mortas. A mãe não
conheceu os seus Iilhos, pois ou são positivados e dela se esqueceram, ou são por ela
131
mesma destruidos em Iavor de nova signiIicação que surge de seu seio. Tambem a
prostituta não conhece os seus Iilhos, pois sempre muda em nova positivação. Os Iilhos de
ambas prostituem-se constantemente: não podem permanecer na consciência da tradição,
nem permanecer com a prostituta que sempre outros gera em detrimento dos anteriores
numa positivação sem Iim.
Como Iilho de toda a tradição da humanidade, como Iilho do homem, o gênio
compreende que tanto ele mesmo, como todos os outros, e a ocorrência do encontro no
seio da tradição, ou seja, de uma Iorma ou outra, todos estão como que no colo da grande
mãe, chamada tradição, que sempre Ialou e Iala, manda noticias do acontecimento que ela
mesma e por meio da compreensão eIetiva de todos. O gênio a todos vê como seus
representantes, ou como sua expressão a ponto de conIundir a mãe tradição com todas as
pessoas que então se tornam como que mãe para ele na escuta em que esta, todas as
mulheres o pariram pelos signiIicados dai advindos, recebidos e guardados, e nenhum
homem o gerou, porque tal representação no momento indicaria novamente a intenção da
explicação por meio das categorias de causa e eIeito e isso, por sua vez, signiIicaria a volta
a atividade das construções apequenadas com a sua inevitavel entronização de um criterio
absoluto para Iins de proceder a julgamentos determinando o que pode e o que não pode
Iazer parte do sistema em crescimento. Deste modo, cada um e como que um resumo, ou
indice do total da tradição em acontecimento. Cada um e Iragmento de um todo sempre
suposto, pars pro toto, ou seja, metonimia concreta e atuante da totalidade sempre suposta.
A prostituta explica o lamento de todos os que a ela recorrem como positivação
pelo Iato de olharem para dentro das suas vidas, isto e, para todo o passado positivado na
presença de determinada biograIia, tendo a impressão de suIocamento, de limitação do ar
da possibilidade de abertura para novo sentido. O signiIicado que se inscreveu como
compreensão de vida aIigura-se como destino limitante. O que Ioi compreendido e dito
mesmo na percepção da ocorrência torna-se escrita e destino sedimentado e, por isso, cada
vez mais diIicil de combater. Alem do mais tambem o gênio dorme com a prostituta que e
uma das perspectivas da contradição da linguagem. Quando os homens com ela olham para
a sua vida, ou seja, a partir da sua perspectiva, parece que a cinza do vivido os suIoca e,
então, ninguem os gerou, pois a historia parece naturalizada como destino e a grande mãe
tradição que possibilita a compreensão e esquecida. Eles vão a prostituta para nào gerar,
ou seja, a sua compreensão e naturalizada e, portanto, esquecem-se da pergunta inicial
132
plena de admiração pela ocorrência da compreensão: O que me acorda todas as manhàs,
onde estas, lu:?
Na positivação da queda, da prostituição da linguagem, as cinzas do vivido sobem a
uma altura capaz de tudo suIocar numa sistematização dogmatica cerceando toda a
possibilidade de retorno a uma visão mais ampla do que ja sempre esta suposto, queimando
tudo a volta para liquidar com qualquer oportunidade de continuidade de relação. Tudo o
que com a prostituta Ior positivado se Iaz narrativa historica Iixa compreendida e, nessa
positivação prostituida, todos compreendem que ninguem os gerou, pois com ela tudo ja se
tornou naturalização e os homens a ela vão para cumprir o seu destino automatico sem a
consciência da geração que mesmo promovem e são no apoio que dão ao que ja ai esta.
Ninguem os gerou, porque são e sempre serão as repetições do igual, mas ja agora
sob a inIluência do encantamento alienado das explicações pela categoria de causa e eIeito,
ou seja, prisioneiros da Iala estrategica para Iins de convencimento de acordo com alguma
construção teorica ja em Iuncionamento, alguma conIiguração ideologica ordenando todos
os Ienômenos de acordo com a linha do tempo e resultando na prostituta Era uma ve:
como Benjamin mais tarde dira na XJI Tese de Sobre o conceito de historia (GS I-2, 632).
A ideia da prostituição e a ideia da repetição do que se apresente como sugestão
ordenadora, em parte, porque supõe a necessidade do instinto implantado para
Iuncionamento automatico sem necessidade de reIlexão. A prostituição e a
degenerescência, decadência que se expressa pela tranqüilidade da mera inovação a se
tornar costumeira, repetição satisIeita em Iorma de normalidade instituida seja qual Ior, o
gozo da repetição nas redes do instinto sedimentado.
Assim como a prostituta e a positivação constante a ponto da relativização de
qualquer sistema, qualquer poesia, qualquer construção que se apresente, toda a mulher e
como ela, mas no sentido de uma decisão ja sempre tomada, mesmo que provisoria, por
pelo menos um discurso que apresente a pretensão da segurança numa paisagem possivel e
com horizontes deIinidos. Juntar os rastros de si para uma signiIicação concreta e coerente
do agora com Iins de contar com a construção de um ponto logico e se viver o tempo
adequado no ritmo do nascer e da morte das coisas e a caracteristica da signiIicação
inscrita no uso imediato da linguagem. Benjamin identiIica tal caracteristica com a mulher
em geral. Toda a mulher quer a positivação de um lugar ao sol numa paisagem cujos
horizontes não sejam vitima da insistente destruição criativa, como na perspectiva
133
necessaria do gênio, e tambem não se obscureçam pela instalação da indeIinição de uma
inIidelidade como que programada e sem possibilidade de aconchego que se paute por
alguma menos regularidade, e ainda, alem disso, não imprensem a compreensão entre
limites suIocantemente deIinidos a ponto de suscitar a claustroIobia para quem neles soIre
por embotamento esquecido das suas possibilidades. Toda a mulher ai aparece como
reconstituidora de paisagens possiveis a exemplo dessa outra perspectiva da linguagem que
inevitavelmente permanece em exercicio com sentido deIinido para que tanto o gênio com
as suas descobertas possa ser, quanto a prostituta na imediatidade da sua positiva
inIidelidade a qualquer poesia apresentada. Entre o gênio descobridor e a prostituta da
aceitação da positividade cambiante esta a mulher como suposição de exercicio e uso da
linguagem sempre acompanhante de qualquer deIinição ou destruição de sentido.
O gênio sabe que nasce como morte do sentido em uso inscrito nas palavras. O
gênio destroi desconstruindo a normalidade da Iunção das palavras nos ediIicios
compreensivos construidos. Mas essa mesma destruição signiIica precisamente o vir a ser
de um natimorto possibilitado pela linguagem sempre em uso, mesmo nas mais
tresloucadas intuições geniais. A constância do uso das palavras na eIetividade do seu
exercicio presente, dinâmico e jamais deIinivel por completo e a possibilidade de ser tanto
da genialidade da linguagem quanto da sua prostituição. As palavras morrem na boca do
gênio em constante passagem devido a perda de seu sentido Iixo e as proprias palavras
esperam-no em novo sentido, por sua vez Iixo tambem em nova narrativa Iigurando
compreensão determinada. A genialidade e a morte que se Iaz presente na passagem de
uma constelação compreensiva a outra e a linguagem em uso eIetivo entende-se como um
sentido de antes e um sentido de depois. Assim a linguagem sempre pariu um gênio morto
e sempre espera a sua morte como se tudo Iosse a exemplo dos dois lados que sustentam a
ponte. Mas, mesmo assim, as paisagens da vida signiIicativa necessitam da ponte como
passagem Ilutuante em seus intersticios.
O gênio nesses termos nasce morto, mas e ao mesmo tempo a unica instância que
sabe disso: sabe que seu nascimento como ponte depende dos esteios da instituição Ieitos
instinto cultural, que Ioi produzido em serie pela maquina competentemente repetidora, na
qual a Iormação do eu na luta travada contra os ancestrais e a luta contra a morte em Iavor
do nascimento do mesmo eu em outro lugar, desta vez tentando descolar-se da tradição
pelo inicio de nova construção. A linguagem em uso na Iigura de todas as mulheres, as
134
quais venho são sempre a paisagem antes e depois da ponte sobre o precipicio da morte. E
precisamente por isso que a prostituta diz: 'Mas eu sou a mais corajosa para a morte¨ (GS
II-1, 94).
A prostituta aceita todo o tipo de morte: ela e a expressão da morte, o abandono do
consagrado para o aceite e embarque em qualquer discurso estrategico, inclusive o novo
surgente do gênio, tanto que com ela se põe a dormir. Seria a possibilidade do inicio de
cada construção, de incessante começo de trabalho de empurrar a pedra morro acima como
SisiIo, a inIidelidade que se traduz na Iacilidade de se convencer para o esIorço de sempre
nova construção.
O elemento Ieminino-construtivo de apoio na empreitada parece-se com a Iorça de
atração divina a recolher a sua propria luz em cântaros sempre prestes a se quebrarem no
esIorço de seleção e recolha. A prostituta diz que sempre esta disposta a travessia de
qualquer ponte que leve a novas paisagens e, com isso eles, apos a conversação, gênio e
prostituta vào dormir, ou seja, de algum modo ambos identiIicam-se pelo destemor em
aventurar-se sobre as proIundezas dos precipicios nas passagens em que Iundamentos não
são visiveis. Era uma ve: sempre servira de corpo para a atividade do gênio a vislumbrar
novas signiIicações para a Ieitura de novas constelações ai tambem existentes pelo
exercicio expressivo de palavras em uso na simultaneidade da ocorrência da compreensão.
No uso inevitavel da linguagem em exercicio da-se a possibilidade da escuta do
gênio e das elocuções sempre positivadas da prostituta: 'A mulher cuida das conversações¨
(GS II-1, 94). Ela concebe possibilitando a morte anunciada pelo gênio, ou seja, o silêncio
ouvinte e criador inscrito em seu ritmo, e a meretriz (Dirne) que em sua inIidelidade recebe
qualquer proposta provinda do bau do passado presente para a execução, isto e, o criador
do ja sido em exibição prostituida numa compreensão de si que e esquecida e
sistematizada. Portanto, a conversação mesmo entre as perspectivas da contradição da
linguagem se da pelo cuidado dela mesma enquanto linguagem em não se perder no
imponderavel da mudança do seu sentido, seja pela criação constante, seja pela
inIidelidade de imposições de sentido em relativizações sucessivas.
O que em silêncio se gesta a mulher recebe em silêncio aderindo, cooperando e
apoiando. O elemento Ieminino simboliza a necessidade de desenvolvimento pratico e
continuidade em uso da instauração eIetiva do sentido ja surgido. O que surgiu a luz do sol
enquanto sentido devera ser de alguma Iorma velado, cuidado e desenvolvido, mantido na
135
duração para o Ilorescimento no proprio uso da linguagem. Nessa acepção a Iidelidade
silenciosa na guarda, educação, alimentação ininterrupta representa a propria condição de
possibilidade da transmissão do ja surgido, produzido, inventado, ou seja, da totalidade da
tradição. Toda a linguagem tem como parcela maior esse elemento Ieminino
necessariamente conservador da concepção e do descortino surgidos. Ela recebe o Iruto do
silêncio no calar-se do sentido das suas palavras e com elas o acalanta, como se delas Iosse
objetivamente separado assistindo ao seu desenvolvimento nas repetições
convencionalmente estabelecidas. Mas essa caracteristica pode transverter-se em outra, ou
melhor, signiIicar uma Iaceta a mais desse mesmo desenvolvimento: A prostituta inIiel.
Ela e Ieminina, inIiel, mas curiosamente Iiel ao elemento Ieminino de outro modo. Pois,
quem sempre recebe a nova direção a ser instituida? Quem abriga, por pouco tempo que
seja, o novo sentido a ser consagrado por repetições interpretativas? Quem acalanta a nova
especie de criança a ser desenvolvida a não ser a inIiel-Iiel ao receber o criador do ja sido
na Iorma do gênio? O criador do ja sido e o personagem que rearticula, renova,
revoluciona re-agrupa signiIicativamente o que ja Ioi e que esta virtualmente presente
enquanto possibilidade no presente. O gênio escava por baixo da tumba das instituições em
decomposição e encontra tesouros que oIuscam a tristeza melancolica das repetições, isto
e, encontra os Iundamentos do instituido que tem sempre a possibilidade de abrigar pelo
menos a memoria da totalidade epocal do sentido em processo e são, por isso, a Ionte
maior de que podem jorrar novos sentidos em novos tempos. Devem eles então merecer a
escuta das inIieis para que o proprio passado possa presentar-se renascendo no agora, um
agora Iruto do processo de libertação de instituições automatizadas, naturalizadas,
banalizadas, desumanizadas. O ja sido e recebido enquanto criação em Iorma de nova
compreensão e modiIica o cotidiano instalado em seu Iluxo de repetições tranqüilas,
domesticado e esquecido da instituição. A lembrança criativa re-institui instaurando o ja
sido. Todo o novo e instituição em Iorma de lembrança do ja sido, ja que a criação e Ieita
de materiais do passado presente oculto na instituição geral presente.
As das dimensões da linguagem que são as do gênio criador, da prostituta relativista
e da mulher mantenedora agrega-se uma quarta perspectiva que e a do 'lamento quando
homens Ialam e que ninguem vigia¨ (GS II-1, 94).
A mulher cuida das conversas. Ela recebe o
silenciar e a prostituta recebe o criador do fa sido. Mas
ninguem vigia o lamento quando homens conversam. A sua
conversaçào torna-se desespero, ela ecoa no recinto surdo e
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blasfemando ela se alça a grande:a. Dois homens funtos
sempre sào revoltosos, por fim recorrem a ferro e fogo. Eles
destroem a mulher pela obscenidade, o paradoxo estupra a
grande:a. As palavras de sexos semelhantes reunem-se e se
excitam pela secreta simpatia, surge uma ambigùidade sem
alma, mal encoberta pela dialetica cruel. A revelaçào esta
risonha diante deles e os força ao silêncio. A obscenidade
vence, o mundo era construido de palavras.
Agora eles precisam erguer-se e assassinar os seus
livros e raptar uma fêmea, pois do contrario irào enforcar
secretamente as suas almas (GS II-1, 94-95).
Quando os homens conversam instala-se o lamento, pois a linguagem interpretativa
que se desvia e aIasta da repetição automatizada e lamento, crise, revolta, pergunta,
suspeita e, precisamente assim, possibilidade de criação do novo. Primeiramente e
insatisIação com a situação interna e externa que mesmo são enquanto instalados, a qual se
expressa como linguagem-lamento. A linguagem descritiva e interpretativa da sua propria
compreensão ja e constante aIastamento e lamento de si, ja que, o que e, e linguagem em
processo e percurso de mutação.
De onde a insatisIação, a pergunta, a crise e o lamento que leva a tentativa de nova
construção e a necessidade de adesão, de inIidelidade e de Iidelidade do elemento Ieminino
perito na arte do desvelo em relação ao velho novo que surge? De onde no homem a
irrupção do gênio com o seu impeto de reIormulação e rearticulação das regras da
compreensão ja estabelecida para a implantação de sentidos de passado diIerenciados? A
grande mãe tradição na linguagem não consente nenhuma guarda, não ha segurança, não
ha possibilidade de previsão, não ha jeito de administração regular da irrupção do novo que
sempre signiIica nova vida debaixo do sol, mas sempre imprevisivel em seu surgimento
como, alias, a Iorça messiânica que, conIorme o Fragmento teologico politico, não permite
a construção da teocracia. Messias e Iorça contraria pela compreensão iluminada do
retorno, o surgir do inseto kaIkiano da Metamorfose pela visão aguda das circunstâncias e
da percepção do sentido da liberdade kantiana como instauração abrupta de nova seqüência
na maquinaria das produções do entendimento, liberdade sem possibilidade de processo
adaptativo regulamentado socialmente, ou seja, simples interrupção da Iluência
ininterrupta esperançosa dos valores em busca de Ielicidade enquanto dor do ausente.
A linguagem em mutação e lamento e evolui para o desespero que ecoa ja como
catastroIe Irente ou diante de ouvidos moucos: ninguem escuta, ninguem compreende a
intrepidez de aIrontar o que ja e em curso de compreensão normal. Não ha espaço no
137
recinto da compreensão estabelecida para aquilo que intenta liquidar o proprio espaço,
agora surdo para a linguagem não convencional. Quem poderia organizar o não
convencional? 'A sua conversação torna-se desespero, ela ecoa no recinto surdo e
blasIemando ela se alça a grandeza¨ (GS II-1, 94). De algum modo a propria linguagem se
contorce rebelando-se contra o estatuto da sua naturalização na mera comunicação de
objetividade instalada e maquinal, e contra, então, a escravidão que impede o aIastamento
de horizontes viciados e a travessia para novos ares: 'Mas ninguem vigia quando homens
conversam¨.(GS II-1, 94). São epocas de mutação e de desespero em que a linguagem se
alça a sua grandeza possivel, ao repertorio insuspeitado da pletora do sentido a se descobrir
como contorção na compreensão do cotidiano. E evidente, então, que a blasIêmia, com seu
halito perigoso, baIeja a boa consciência instalada nos processos repetitivos.
Pretender alçar-se a grandeza, por outro lado, e querer alçar vôo na pretensão de se
despoluir das catastroIes em andamento em que se esta comprometido: voar para se
perceber a si mesmo no vôo ja em andamento, o que e impossivel. Visibilidade total de si
não ha, pois ela sempre estara comprometida com a condição de possibilidade da
compreensão que e o que desde sempre em totalidade ja Ioi instaurado para qualquer
possibilidade passada ou Iutura. O anjo encalacrado e apavorado da IX Tese de Sobre o
conceito de historia (GS I-2, 697) e tambem um anjo perplexo que, pelo peso da poluição
Ieita do que ele vê como tradição esclerosada e que lhe serve de condição de possibilidade
da compreensão que tem e que o aIeta, não consegue alçar o seu vôo a alturas em que a
contradição da linguagem não se exerça. O desespero traz a revolta, podendo Iinalizar com
a utilização do Iogo e do Ierro em encrenca geral e guerra programada.
O choque dialetico emerge Iirmando posições contrarias e proIundamente
contrariadas a ponto de 'recorrerem a Ierro e Iogo¨ para impor-se como simples
descoberta. 'Dois homens juntos sempre são revoltosos....¨. 'Eles destroem a mulher pela
obscenidade...¨. As novas noções que se agregam para a Iormação de nova conIiguração
compreensiva são levadas a se impor pelo descarte das antigas por meio do vilipêndio
obsceno do que exatamente as possibilita na situação de contraponto. As acusações que se
sucedem são dirigidas de parte a parte a unidade entre conteudo assumido como objetivo e
o acontecer da sua deIesa de existência como sentido, de modo que 'o paradoxo estupra a
grandeza¨, isto e, a revelação do novo ai se possibilita ate no esIorço alienado da Iirmação
das posições em contraponto, mas sem, portanto, o acompanhamento compreensivo do
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deslocamento de horizontes. O proprio paradoxo da linguagem transIigura-se como local
da emergência de compreensões em revelação conIundindo indicações objetivas de
conteudo com a percepção do seu acontecer. São 'as palavras de sexos semelhantes¨ que
se reunem e se acirram em excitação 'numa secreta simpatia¨ exercitando o mesmo que na
atividade do outro condena. E a linguagem em uso na construção guerreira na deIesa de
Iundamentos assumidos. A linguagem ai se imbui da intenção de se tornar eIiciente em
eIeito Iormal no convencimento para a aceitação de um conteudo como se ele Iosse
objetiva e absolutamente separado, a exemplo da discussão soIistica retorica da estrategia
politica, da missão para conversão dos que ainda não aderiram, da propaganda eIiciente
para o consumo e o lucro, na programada deIesa ou acusação juridica e em toda
programatica pedagogica do sistema educacional esquecida da reIlexão sobre si.
A alma humana, deIinida pelo cuidado e pela criatividade constantes na linguagem,
embate-se em ambigüidades semânticas entre esquecimento e vaga recordação, e se
percebe em dialetica cruel entre a duração pela guarda do sentido e a sua eIetiva nova e
diIerenciada emergência. Todos os percursos de travessia acarretam soIrimentos pela crise
de se assumir e tomar posse do novo espaço no deslocamento de compreensão.
Possibilidades de objetividades e subjetividades tornam-se Iantasmas nas noites e nos
clarões de percurso em que qualquer norte não se sabe ou parcamente se adivinha. E a
expulsão constante para Iora do Ialso paraiso da deIinição alocada como imagem
verdadeira e absoluta em direção a precariedade da peregrinação em busca de nova terra e
Iormação de patria. E povo geral no deserto a soIrer os percalços inerentes e necessarios a
pedagogia de sua Iormação. Mas e tambem a possibilidade de se ouvir, entre o alarido
desesperante, guerreiro e cego pela noite escura ou pela luz oIuscante em torno, o
murmurio da Ionte da revelação que tudo isso signiIica.
Nos percalços da contradição da linguagem surge o novo que poderia ser ouvido e
recebido pelo instituido apoiado num determinado uso. O novo para si exige em deboche o
aviltamento desse mesmo uso, a prostituição da mulher Iiel ao estatuido em mutação. Pela
destruição da guarda Ieminina por meio de ridicularização e obscenidade o novo tem a
possibilidade de vir a luz da regulamentação cotidiana. Ou seja, não ha vôo para alem das
possibilidades da linguagem. O novo velho em seu retorno so consegue introduzir-se por
rupturas no ataque a inercia da Iorça historica por meio de embates gerais no seio da
linguagem. A interrupção que o novo representa em seu ataque obsceno a instituição
139
estabelecida e estabilizada instaura um jogo de Iorças historicamente ativas enquanto nova
conIiguração compreensiva. A grandeza de uma recepção calma e tranqüila e diIicil de
ocorrer entre os que estão embalados pela velocidade do estabelecido. O canto dos anjos de
um nascimento inovador so os simples pastores nos limites dos campos e os demais
despossuidos das regalias do sistema geral de compreensão podem ouvir. A recepção
compreensiva para a construção organizada do novo e uma quimera que a totalidade epocal
so consegue ouvir e apreciar como a sua propria decomposição. O homem que lamenta o
instituido que e em linguagem, desgraça a mulher instituição e se torna amante inIiel da
inIidelidade. As Iorças compreensivas historicamente agora agentes estupram a grandeza
de um encontro receptivo possivel. Em meio ao embate comprometido e proIano do
sentido a Iundar a historia e o tempo em construção da Ielicidade, o nascimento do sentido
em revelação impõe-se como dinâmica de interrupção Iorçando ao silêncio da escuta.
'Risonha a revelação esta diante deles e os Iorça ao silêncio¨. (GS II-1, 94)
Uma 'ambigüidade sem alma¨ surge porque tal 'dialetica cruel¨ escamoteia a
beleza de uma conversação possivel em escuta mutua para a escavação dos Iundamentos
das posições em jogo num retorno que Iizesse ver a precariedade das justiIicações em
guerra de sentido. Na ambigüidade sem alma, uma parte acusa a outra de deIesa de
posições meramente interesseiras, ou erradas, ou mal intencionadas num processo ate
risivel a ponto de poderem perceber a revelação diante de si, o caminho andado e os rastros
Ieitos e recolhidos no riso dos resultados presentes. Então ha que Iazer silêncio Irente ao
que a linguagem em contorção pedagogicamente deu a entender. O que a linguagem ensina
e que ate o seu uso guerreiro e obsceno na conIusão excitada da contradição da linguagem
obriga a compreensão de que 'a obscenidade vence, o mundo era construido de palavras¨.
Quem vence e a derrocada da tradição segura e costumeira na mão e na guarda da mulher.
A transIormação pelo deboche sobre o construido e guardado como sagrado e naturalizado
durante gerações e acontecimento destrutivo e violento, Ieito de criatividade e imposição,
na maioria das vezes sem a percepção de sua relação com a justiIicação e a Iundamentação
que em novo patamar o estabelece na continuidade da contradição da linguagem. A
obscenidade a vencer e a sugestão de mudança agora eIetivada, outro rumo possivel pelos
sentidos em embate e a interrupção da revelação audivel no silêncio da escuta. Nisso e
possivel perceber que o mundo era Ieito de palavras, de compreensão esquecida de que o
Iosse e alienada na conIiguração das objetividades e subjetividades. A expulsão do paraiso
continua. A obscenidade e visivel e surge a vergonha do que se vê na visão em retorno:
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rastro, historia, Babel, catastroIes gerais. E não se sabia, poder-se-ia acrescentar. O mundo
era construido de sentido, de compreensão de si e não de circunstâncias externas e
inexoraveis como destino. A obscenidade que vence e a que os homens são e que eles
Iazem vencer: e seu novo auto-julgamento pela sua auto-aIirmação com o
acompanhamento das possibilidades da linguagem em novo uso e em nova Iidelidade para
que haja compreensão. 'Agora eles precisam levantar e assassinar os seus livros e raptar
uma Iêmea, pois do contrario irão enIorcar secretamente as suas almas¨.(GS II-1, 95).
E o que precisa ser Ieito por ser o unico a Iazer: mudar todas a versões existentes e
Iixadas na escrita, incrementar a nova versão, decidir-se a construção das novas
instituições e trabalhar e zelar pela reprodução. O rapto de Iêmeas como metaIora da
possibilidade de introdução e implantação do sentido acentua que o mundo e Ieito de
palavras e que Iora do sentido e das palavras não ha mundo humano. Ha que construir
levantando bem alto a bandeira da decisão. EnIorcar a sua alma equivaleria a loucura da
Ialta de decisão na incompreensão total sem o aporte de qualquer linguagem em uso, um
onanismo teorico incapaz de promover a IrutiIicação da linguagem em qualquer paisagem
compreensiva, uma guarda secreta por ocultação e negação de extroverter a sua paixão
surgida precisamente na revelação da monotonia dos dias. Assim, o silêncio da escuta que
possibilita a revelação somente pode ser identiIicado enquanto extroversão quando desagua
como Ionte visivel no prazer do encontro na conversação ou na altercação guerreira, mas
ambas responsaveis pela inseminação na guarda, no anelo e no desenvolvimento do novo
sentido do mundo em que se juntam as palavras para a Iormação da circunscrição da nova
constelação Iundamental.
Benjamin menciona a poetisa SaIo de Lesbos como Ialante e pergunta como Ialava
com as suas amigas. 'Como Ialavam SaIo e suas amigas? Como veio a ser que mulheres
Ialassem? Pois a linguagem as torna sem vida. As mulheres não recebem dela nenhum som
e nenhuma libertação¨ (Idem, 95). A questão que coloca e a de que SaIo e mulher, mas e
tambem genial poetisa cuja lembrança permanece por todos os seculos, ou seja, Iala na
consciência da contradição da linguagem sabendo do retorno da Iala sobre si mesma na
auscultação do que consigo traz desde as caracteristicas de todo o sentido possivel inscrito
no total da tradição, em seu reducionismo epocal em conIiguração transitoria, em suas
possibilidades guerreiras na dialetica cruel, em sua atividade de uso na Ieminilidade da
espera, da recepção, do desenvolvimento e da conservação do antigo para o nascimento do
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novo sentido na emergência genial, ate a inevitavel e, por isso, sempre presente Iicção de
objetividade absolutamente Iundamentada para a compreensão possivel. Por isso tudo, a
poetisa SaIo e escrita poetica presente que na conversação ainda e capaz de ruptura pela
dinâmica do retorno que impõe como acontecimento.
A linguagem em seu uso como que apenas ainda a disposição da manipulação das
objetividades do dia a dia então não se consuma em sua plenitude, pois permanece somente
como atividade comunicativa de acordo com os criterios de julgamento subjacentes. Do
mesmo modo, mesmo que plena de possibilidade de reconstituição do esquecido sentido
dos milênios, toda a escrita necessita da reativação vibrante da escuta e do direcionamento
objetivo que se lhe da. Sem a angustia da contradição da linguagem com todos os seus
percalços a escrita e muda e esteril, não chegando a constituir objetividade e nem
emergência do sentido de si como linguagem plena. E a escrita da qual aqui se trata não e
so a dos livros, mas a escrita Iixada como compreensão ocorrente na Iala da mulher no
cotidiano que Benjamin utiliza como analogia. A verdade do acontecer e a verdade da
Iicção objetiva por Iundamentos, o que perIaz a contradição e a angustia do gênio, não
conseguem separar-se para qualquer Ieitura de linguagem plena em que tais condições de
possibilidade em exercicio concreto estivessem superadas.
Ja sabemos que na caracterização das perspectivas da linguagem 'a mulher cuida da
conversação e recebe o silêncio¨ conIigurando o acalanto quieto e o ritmo do tempo do que
vem a ser para que a compreensão seja possivel e tudo não se perca na demência de
diIerenciações inIinitas num imediato absoluto. Trata-se da capacidade de manutenção da
linguagem em atividade numa conIiguração deIinida de determinada epoca. A linguagem,
porem, não se completa apenas na manutenção das condições de compreensão normalizada
para a construção de Iuturo a base de Iundamentos postos e aceitos como sugestão de
desenvolvimento e a respeito dos quais na ha mais tematização.
A mulher, então, ainda distante de SaIo, ai aparece como representação da
convenção geral em sedimentação historica de acordo com a qual se implementa a
construção do tempo e da epoca. A escravidão aos Iundamentos agora ja postos e aceitos
no uso imediato da 'linguagem torna-as sem vida¨. Elas devem seguir ditames agora
esquecidos e, por isso, desconhecidos e da linguagem 'elas não recebem nenhum som e
nenhuma libertação dela¨ (GS II-1, 95), isto e, na atividade construtivista não recebem
nenhuma noticia do passado presente, ja que estão obrigadas a se direcionar
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completamente a repetição em Iorma de Iuturo e não ao voltar-se para a veriIicação das
condições de possibilidade que ainda no presente estão a viger. Por isso a tagarelice as
caracteriza: 'As palavras esvoaçam sobre as mulheres quando estão juntas, mas o sopro e
pesado e mudo, elas se tornam tagarelas¨ (GS II-1, 95).
Apesar da tagarelice sobre os assuntos do cotidiano, permanece nas mulheres a
capacidade de escuta e a disposição para a aceitação do novo e ao seu apoio: 'O seu
silenciar, porem, reina sobre o seu Ialar¨ (GS II-1, 95). Elas não estão de todo
comprometidas com o que esta em andamento, pois as suas possibilidades são em numero
inIinitamente maior do que o acalanto do Iilho do momento epocal. Elas têm muito mais a
contribuir em termos de aceitação do diIerente inscrito na linguagem, pois sabem que o
novo provem precisamente do mais antigo, do hetairico: 'A linguagem não carrega a alma
das mulheres, pois elas nada lhe conIiaram; o seu passado nunca esta concluido¨ (GS II-1,
95). Assim, num presente de ruptura compreensiva a inconclusão do passado pode
signiIicar a cada instante a instauração de uma recuperação parcial. O presente sempre esta
sujeito a uma recepção compreensiva modiIicando a percepção acerca do passado que
jamais se conclui. Nessa perspectiva da linguagem nada e estranho a mulher. 'Ao seu redor
as palavras dedilham-nas e qualquer habilidade rapidamente lhes responde¨ (Idem, 95). A
capacidade de adaptação a qualquer nova conIiguração e inerente a mulher, pois nela todo
o passado esta virtualmente presente.
As mulheres agora são o que os homens delas Iizeram e isso indica uma analogia
com o processo ambivalente que se da tambem na linguagem. Como a mulher que
continuamente se dispõe ao desvelo do novo para a sua conservação e com isso demonstra
a ancestralidade das suas multiplas aptidões, assim tambem a linguagem em cada uma das
suas contorções assinala a ambivalência de no presente inovar novos caminhos de
compreensão dirigindo-se as condições de possibilidade inscritas e descobertas no passado
e atuantes no agora.
A rede que o gênio Ialante tece a partir da sua angustia criativa e que lhe
proporciona a consciência da mudança de si no retorno a observação e a descrição do vir a
ser a partir do cotidiano e o surgimento da linguagem para a mulher. A linguagem lhe
aparece no gênio Ialante que com diIiculdade e muito cuidado procura cunhar com
palavras o molde da imagem da amada que o silêncio dela inspirou e ela silenciando então
escuta o que e inovação e mudança de ambos na conversação: 'Mas apenas no Ialante lhes
143
surge a linguagem, o qual atormentado espreme as palavras, pelas quais ele cunhou o
silêncio da amada¨ (GS II-1, 95) O Ialante da conversação e criativo e retratou a amada
criativamente: ele e aceito com a sua novidade Ieita de deslocamento de sentido. O Ialante-
gênio nomeia instaurando o ja dito e agora lembrado. Sem nomeação em direção ao
passado presente na admiração do ja dito e entalhado mesmo na tagarelice de agora, sem a
conclamação da relação temporal ocorrente, sem um retorno ao que sempre era para a
instauração do novo em Iorma de Iuturo, as palavras emudecem: 'Palavras são mudas¨
(GS II-1, 95). Que as palavras sem a sua relação com o suposto que não conseguem indicar
possam ser mudas mostra a propria experiência da contradição da linguagem.
Não ha como entender a linguagem enquanto apenas demonstrativa e denotativa,
signiIicante de signiIicado, pois a propria denotação e o proprio signiIicado são palavra e
signiIicado que não conseguem jamais escapar da jurisdição que instauram.
A linguagem não e apenas a existência do som organizado de determinado modo. E
certo que o som e sinal, mas tambem isso e signiIicado sem, portanto, a possibilidade de se
alçar ao nada, ao ponto zero do sentido, para de la promover indicações absolutas. Cada
uma das palavras e um signiIicado para dizer e articular outra, tanto que não ha palavra que
exista sem apoio de outra para ser signiIicado instituido em termos de compreensão.
Temos palavras a explicar outras, e tais outras a perIazerem a compreensão das primeiras.
Uma palavra como signiIicante a apontar uma sensação, um conjunto de sensações a
denotar coisa qualquer que seja, so e palavra signiIicante, porque o Iato-coisa ja esta a
supor signiIicados anteriores que ja estão em correspondência com a primeira palavra
como signiIicante. Ou seja, qualquer coisa so pode ser mencionada pelo signiIicante com o
signiIicado, porque a coisa, qualquer que seja, ja e signiIicado suposto. Assim, qualquer
palavra signiIicante sempre se da como exercicio de leitura interpretativa de signiIicante-
signiIicado ja dado. O emergir de um sentido não pode ser explicado a não ser por outra
explicação numa seqüência sem Iim, e o outro modo de concebe-lo e a Iigura cunhada pelo
Romantismo, que e a da subitaneidade do relâmpago. So resta a constatação atenta na
ocorrência de si em compreensão com a sua tentativa inerente de implementar ja alguma
construção. A angustia reIlexiva do gênio na situação de experiência da contradição da
linguagem e a descrição mais reIinada do ja ser em uso dos signiIicados.
O sentido como palavra e a designação de um passivo ja acontecido a receber
atenção de um ouvinte doador de revelação e o signiIicado e o passado de um ativo ja
144
sedimentado. A signiIicação e a consciência da elaboração de direção signiIicante atual.
Deste modo signiIicante e signiIicado sempre estão irremediavelmente juntos, mesmo que
indeterminados entre uma situação epocal e outra. Palavras são mudas quando isoladas,
enquistadas e cooptadas num sistema comunicativo no qual a transparência parece total
quando Iaz brilhar em demasia a objetividade separada dos objetos que indica. Pelo apoio
obcecado para o sucesso de novas e multiplas sugestões de conIiguração de Ialantes
instauradores de novos Iundamentos descobertos, 'A linguagem das mulheres permaneceu
incriada¨ (GS II-1, 95), mas seguidora do novo em implantação, o que e, por outro lado,
uma necessidade da propria linguagem numa das suas perspectivas, ou seja, voltada
unicamente ao Iuturo no esquecimento de que o mesmo e relacionado com o que no
passado Ioi instituido. E por isso que 'Mulheres Ialantes são possuidas por uma linguagem
desvairada¨ (GS II-2, 95), por vezes num delirio Iuturista, missionario, soIistico,
propagandista e incentivador pela adoção e acalanto de todos os Iilhos postos a luz do dia.
'Como Ialavam SaIo e as suas amigas?¨ - Permanece a questão Iundamental de
como SaIo e as suas amigas Ialavam, pois a poetisa representa a genialidade da linguagem.
A questão e a de saber como a contradição da linguagem era encarada entre ela e suas
amigas, ou como resolviam a angustia provinda da escuta atenta no silêncio e a necessaria
instauração positiva, ja agora na consciência de todas as implicações da linguagem.
Sob o veu do presente encontra-se o passado com as suas inIinitas determinações,
de modo que a totalidade do ja sido esta relacionada com o que agora presentemente ocorre
sem que tal relação possa esgotar-se como compreensão deIinitiva e absoluta. No uso
presente e eIetivo da linguagem encontra-se de modo encoberto a totalidade da riqueza do
sentido daquilo que Ioi. A presença encoberta do passado no presente da linguagem de
agora perIaz a condição de suposto de todo o seu uso eIetivo, tanto da pretensão de sua
objetividade, como da compreensão do seu acontecer. Pela descoberta paulatina das
relações do presente com o seu passado instaura-se o Iuturo. A descoberta do passado e a
instauração do Iuturo dão-se na ocorrência da compreensão na linguagem que procura
romper o Iluxo continuo e repetitivo em que esta enredada para se voltar em retorno as
determinações de si mesma. Tais descobertas e simultâneas instaurações alocam-se no
presente e são veladas na linguagem como nova compreensão do proprio passado, ate
mesmo na Iorma de um entendimento que privilegia explicações pela logica de um
desenvolvimento positivo da historia de modo dialetico ou não. Toda a explicação historica
145
tem o vies da instauração compreensiva enquanto pretensão de objetividade separada do
seu dizer, mas não deveria esquecer o seu comprometimento com o acontecer da sua
compreensão no exato momento da sua elocução. '- A linguagem e encoberta como o que
passou, vindoura como o silenciar. Aquele que Iala nela traz o passado a tona.
Dissimulado com linguagem, ele recebe o seu ja-sido-Ieminino na conversação¨. - (GS II-
2, 95) A caracteristica da mulher em analogia com a linguagem, que e a de acalanto das
novas conIigurações compreensivas, na convulsão da linguagem e agora compreendida por
aquele que Iala na conversação precisamente como o seu fa-sido-feminino enquanto
passividade de uma compreensão em Iluxo, mas que neste momento recebe como se
agregando a sua experiência de mudança de si. Aquele que Iala na conversação da-se conta
do que era como compreensão em temporalmente esquecido e encoberto automatismo e, na
recolha dos seus rastros, recebe-a agora na compreensão atual. O Ialante percebe a sua
compreensão normalizada em Iorma de explicação e se da conta de que em sua linguagem
em uso ela se ativava como sua pre-compreensão sempre subjacente nos juizos e Ieitos e
decisões tomadas.
Na linguagem carregada de sentido esta o passado virtual, ou seja, a possibilidade
de resgata-lo como relação com o agora em eIetividade. O passado vindouro enquanto
interpretação surge pela escuta no silêncio do signiIicado que possivelmente se da. Quem
Iala, Iala pela linguagem dos seus ancestrais, mesmo sem o saber: ou em Iorma de
repetição, ou em Iorma de interrupção da estrutura vigente para valorizar e promover uma
versão contraria. E, ao Ialar ele ativa novamente o seu fa-sido-feminino de acordo com o
paradoxo da propria linguagem na sua intenção de acalanto de nova objetividade, ou ainda,
na construção e no necessario engajamento na mesma pela Iormação de coerência
sistematizadora interna, justiIicação por supostos ainda não descobertos por tematização
competente e anelo pela construção de si mesmo em acentuação da subjetividade. No
silêncio atento a compreensão ocorrente esta a possibilidade da leitura do Iuturo no
passado.
Na presença de SaIo as mulheres continuam a silenciar na escuta do que ela diz
instaurando pela sua poesia um passado presente pleno de possibilidades de Iuturo. As
companheiras de SaIo apreciam em silêncio atento o que ela vem a dizer em novo volteio
de linguagem, cultivando ate a solidariedade corporal em aIago mutuo para amimar novas
compreensões e novos sentimentos a surgir das brumas de um tempo esquecido. 'Mas as
146
mulheres silenciam. Para o lado a que elas dão ouvidos, as palavras estão impronunciadas.
Elas aproximam os seus corpos e se acariciam mutuamente¨ (GS II-2, 95). No retorno aos
primevos clarões em que os seres se aIagam e acalantam, o Iuturo ao ritmo da poesia, a
conversação libertou do objeto e da propria linguagem. Nessa condição não ha mais o
esquecimento de que tudo o que se esta a dizer provem de um todo que conjuga a
participação nele como suposição constante da linguagem com a possibilidade de ensaios
de Iundamentação provisoria e itinerante. A contradição da linguagem desmancha-se pela
recusa de um tempo de ediIicação absoluta, a qual Iomenta a distração da Iragmentação
sem relação, voltando-se para perceber a beleza do ja criado e vivente para nomea-lo como
ocorrência de uma compreensão relacionada. 'A sua conversação libertou-as do objeto e
da linguagem¨ (GS II-2, 95).
O silêncio entre as mulheres na escuta da poesia de SaIo não e demonstração de
preocupação quanto a revelação de alguma verdade intencionada discursivamente, mas e a
atenção voltada a emergência da recordação de um percurso verdadeiro e ja realizado, mas
esquecido. No silêncio das mulheres trata-se do despontar da recordação maior de que o
murmurio da linguagem ocorre como participação na totalidade inominavel do existente, e
isso enquanto plena atividade de organização compreensiva, acariciante e sedutora no
percurso das inovações escavadas no chão do todo do ser. A linguagem renuncia ao seu
exilio reIlexivo em que a si se esquecera e volta a compreensão de permanência da
imanência dos seus signiIicados em que mesmo o seu vies de escuta se da como
possibilidade de movimentação criativa no todo que sempre supõe. A linguagem retorna a
compreensão do acontecimento no todo que e a sua propria condição que sempre a
acompanha. 'Mesmo assim, ela chegou a determinado ponto. Pois somente entre elas e
quando estão juntas a conversação mesmo se extinguiu e se acalmou¨ (GS II-2, 95).
No estado de calma a conversação chega a si mesma depois de conIigurar a sua
propria circunscrição, pois chega a determinado ponto em que a angustia decorrente da
contradição da linguagem alivia o seu peso pela percepção da participação na nomeação do
todo ja sempre suposto. SaIo na Iala e as mulheres na escuta são a expressão do olhar da
grandeza. 'Agora Iinalmente alcançou a si mesma: tornou-se grandeza sob o seu olhar,
como a vida era antes da inutil conversação¨ (GS II-2, 96). A arvore do julgamento sobre
bem e mal e tambem a arvore da vida conIorme o Gênesis. Se o julgamento pela
linguagem que se perde na instituição de criterios Iantasmaticos de Iundamentações para a
147
produção de verdades absolutas e silenciado por sua propria desistência e se reinicia a
compreensão da ocorrência da nomeação criativa, então se tem a dadiva da vida sem o
esquecimento em pretensões absolutistas. O olhar como se Iosse a partir da totalidade do
suposto, em que toda a Iala e divisão e reunião participativa nele, e o olhar da grandeza e,
simultaneamente, a instituição dela na consciência da sua inevitabilidade.
Nesta nova dimensão compreensiva 'as mulheres silentes são as Ialantes do Ialado¨
(GS II-2, 96), mas ja na superação de uma objetividade separada, alienada, Iixa para Iins
operatorios num esquecimento das suas suposições. As mulheres como representação da
linguagem são as Ialantes a interpretar o que ouvem sem mais ter, nesse caso, o problema
da angustia exacerbada a respeito do Ialar enquanto pragmatica e signiIicação. A questão
do sentido e do sentido da pragmatica desanuvia-se sob o olhar da grandeza. Não ha mais o
problema da Ionte que se e, e então resta a tareIa do reconhecimento da implantação, da
concretização, da eIetuação operatoria e da adequação de uma verdade ja estabelecida e em
acontecimento que mesmo se e. Ha como que um entendimento de que ja se e o corpo da
escrita da tradição naquilo que se compreende e o meio pelo qual a mesma tradição
desenvolve as suas potencialidades a partir da pletora do seu sentido sempre presente como
suposto em conversação ocorrente.
As preocupações quanto a alguma Iundamentação ultima que a tudo pudesse
sustentar e a intenção da sua justiIicação absoluta como um Atlas sustentando o mundo
descambam num circulo de Iogo ao inIinito que tudo queima em sua segurança ou numa
dialetica cruel que tudo devasta em seus processos de digestão incorporativa. Tais
preocupações com seus resultados são Iormas de compreensão instaurada que sempre se
autoriza a julgamentos supostamente baseados em chão tão Iirme que não permite uma
escavação ulterior. Fora do circulo de Iogo da procura pelo achado deIinitivo que pudesse
posar de escudo para julgamentos absolutos, a busca por Iundamentações não se esgota na
deIesa intransigente de uma delas, mas apresenta-se como modo de ser numa postura de
continuidade para admiração do encontrado e no prazer da recordação pelo caminho de
busca ja andado. Sair do circulo signiIica o abandono das preocupações quanto a
Iundamentação positiva, a sua negação completa ou ao acerto da sua Iorma, vindo a situar-
se, então ja Iora dele, no assombro admirado do que se apresenta no Ienômeno do
encontro. 'Elas saem do circulo, so elas vêem a concretização da sua curvatura¨ (GS II-2,
96).
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A generosidade inerente ao sentimento de admiração pelo acontecer da construção
signiIicativa a base de Iundamentos possiveis liberta do vicio de se esquecer da propria
construção compreensiva mesmo na recepção silenciosa e, por conseguinte, tambem da
petulância acusatoria. Qualquer acusação sempre se arroga ao direito de esquecer que os
criterios que a movem são como a Iogueira de Caim, cuja Iumaça e Iaiscas voltam ao chão
para o suIocar e lhe deixar as marcas de Iogo no seu rosto. O lamento acusatorio
direcionado aos outros e como que movido pelo esquecimento da ma Iogueira com que se
construiu a si mesmo, cujo resultado suIoca e deixa marcas proIundas vincando o proprio
destino como rastro de si. O circulo de Iogo construido por Iogueiras, cuja ma construção e
o desacerto do esquecimento dos seus absolutizados Iundamentos e criterios de validação e
justiIicação, impede que se veja a sua curvatura. Os lamentos e as acusações, que se voltam
aos acusadores julgantes, cessam quando saem desse circulo e vêem a sua curvatura.
Então, 'todas elas não se acusam e lamentam entre si, elas contemplam admiradas¨ (GS II-
1, 96). Em vez de lamento e acusação emerge a admiração contemplativa do belo
entrevisto nas construções compreensivas que se apresentam como sugestão e
possibilidade.
A poesia de SaIo na escuta de suas companheiras e o simbolo da beleza em
ocorrência. Na poesia a linguagem leva a contemplação meditativa porque não tem
pretensão cientiIica ou qualquer intenção de produção de conhecimento ao modo da
objetivação justiIicada por principios arcaicos ainda agora esquecidos e ativados para
operações de dominação, mas, pelo contrario, ela se reveste do carater de expressão do
indiciamento e da descoberta dos mesmos, ja que nas operações cotidianas em andamento
se mostram transparentes na logica da comunicação Iuncional. As palavras da poesia
captadas na meditação compreensiva e silenciosa por aquele que ouve apresentam-se
desnudadas da intenção da procriação repetitiva a espera da Iormação de Iuturos rebanhos
massiIicados pela pobreza e pequenez de um discurso comum. As palavras da poesia
sinalizam percursos Ieitos, caminhos andados, desvelo do que Iomos a se somar ao que
agora somos, recordação de que estamos num âmbito intermediario entre a imediação da
Iorma de uma compreensão recorrentemente consolidada e o que advem como signiIicado
inscrito neste modo de ser que agora se desdobra. Sem a preocupação pela produção de
conteudos que pudessem ser objetivados como que separadamente para a aceitação geral
enquanto verdades coletivas engessadas numa percepção unica e somente Iuncional, a
poesia no presente liberta pela reunião da recordação do que Ioi guardado nas arcas da
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memoria e do indiciamento dos laços que amarram a compreensão para o esquecimento de
si. A poesia não tem interesse para a produção do sempre igual movida pela cegueira de
um desejo repetitivo e renitente a tematização. 'O amor dos seus corpos e sem procriação¨
(GS II-2, 96). Toda vez em que se instaura qualquer aIirmação de conteudo de mera
objetivação, sucede a subtração da compreensão de que ocorre a intenção de aIastamento
do imediato de si para se ter uma visão privilegiada, mas que se constitui em novo
acontecimento a cada instante. A linguagem em ocorrência de uso pode então potencializar
a sua capacidade de discurso, aliada a imediação da suposição de um todo em que se
encontra e se estabelece dinamicamente. A recordação dinamiza-se a ponto de chegar ao
limiar de uma imediação que não permite qualquer deslocamento de si para a possibilidade
de mera descrição de cunho analitico. Trata-se do acontecer da palavra poetica que assim
nunca e meramente descritiva. Falece, então, a pretensão a uma perspectiva que pudesse
analisar e deIinir a impossibilidade meramente descritiva da palavra poetica, sem que ao
mesmo tempo se subjugasse ao proprio veredicto. O olho divino descritivo que julga num
discurso em processo de deIinições elimina-se no instante da compreensão do inevitavel
insucesso da sua pretensão. A tentação de ajuizar, desde uma perspectiva absoluta, e ilusão
que remete a percepção da contradição da linguagem ja como anuência identiIicatoria com
a ocorrência de si na inIinita totalidade suposta sempre aberta precisamente a qualquer
participação. Na poesia, o caminho da linguagem agradece como que se dando conta de
que e possibilitado por todas as margens paisagisticas que o ladeiam. O caminho não se
consegue dizer poeticamente a si mesmo sem ao mesmo tempo expressar o inIinito
multiIacetado das margens que o acompanham. A compreensão poetica enquanto caminho
andado agradece as margens que o negam, incluindo-as simultaneamente para que possa
propriamente ser. A compreensão poetica e, por isso, espessa, Iechada, comprimida e
dobrada, podendo a qualquer hora desdobrar-se como percepção continuada dos seus
horizontes. As margens não descritas, mas, mesmo assim, Ieitas da presença de todo o
passado que se maniIesta como acompanhamento na elaboração discursiva do agora como
sua expressão, dão noticia de si enquanto percepção de beleza. A elaboração discursiva e
aIirmativa de agora carrega consigo o conjunto das vozes dos seculos no registro do
cotidiano. A Iala de agora conta com o silêncio dos seculos que o acompanham a cada
instante como se ela Iosse a espuma brilhante na superIicie do imenso e proIundo oceano
que a possibilita e a carrega em seu tempo e seu espaço sem Iim. Todo o burburinho das
ondas em sua evolução expressa a dança do oceano em que ate os seus entrechoques, como
150
que acusações mutuas, signiIicam o descompasso e o seqüente tropeço no ensaio
necessario para a coreograIia do todo.
'O amor dos seus corpos e sem procriação, mas o seu amor e belo de se
contemplar¨. (GS II-2 96). No espanto, na admiração, na permanente insistência de
interrupção do cotidiano não ha lugar para constituir casa, Iamilia e IrutiIicar Iilhos. O
esIorço despendido na ediIicação objetiva de qualquer construção que se decidisse por
qualquer Iundamento capaz de dar suporte a emissão de juizos deIinitivos, que Iavorecesse
a promulgação de uma rede de julgamentos para a burocratização da vida, e substituido
pela decisão a um Ilorescimento permanente, a insistente volta num retorno a visão do que
a cada instante emerge enquanto beleza descoberta. A vida humana, Ieita de corpo e
palavra em relação mutua, expressa, na imediação de si, a ocorrência simultânea dos
seculos que se aIundaram no esquecimento da compreensão reduzida a suas abreviações
Iragmentadas em ordenamento apos ordenamento entremeados de crise em crise, de susto a
susto, de interrupção a interrupção. A permanência no Ilorescimento de um amor sempre
belo de se contemplar traduz-se pela insistência da visão da ocorrência da paixão, da
genialidade, da inteligência, do talento com que a vida se apresenta assim como ela e em
corpo e palavra, desnudando vez por vez genialmente os seculos sempre presentes e
encobertos. Suspender as oscilações entre IrutiIicação e Ilorescimento em Iavor do ultimo
e perceber as Iorças reunidas e renovadas dos seculos em expressão muitas vezes
paradoxal, desarticulada e apaixonada na vida de si e do outro. Voltar-se para a beleza do
que ja esta assim em expressão na vida que transcorre em corpo e palavra e acontecimento
belo de se contemplar, pois e o brilho da beleza subjacente a cada maniIestação de vida.
Voltar-se nesses termos e ver a conIiguração do agora em maniIestação com tudo o que Ioi
e perceber o luzir de Iorças que geralmente não são percebidas por uma compreensão
reduzida as simples execuções dos ordenamentos em mera promoção de si mesmos.
A observação acurada de preceitos como se Iossem imposições absolutas a ponto de
escravização rotineira como Iorma de vida acostuma o olhar com as viseiras programadas.
Ha um obediente aIã em enxergar apenas para o alto de ediIicios compreensivos em
construção e nunca para a veriIicação da sua totalidade com a inclusão dos seus
Iundamentos propostos. Ordenamentos compreensivos totalmente coletivizados tendem a
produzir a incapacidade do olhar reduzido e a inibir desse modo a capacidade de visão. O
idêntico e o diIerente são circunscritos exatamente ao ordenamento proposto para os Iins
151
da coletivização. Arriscar-se a olhar as proprias Iundamentações e suas aplicações nos
meandros Iuncionais da coletivização compreensiva e parte do descortino da beleza
encoberta. Alem da padronização administrada descobrem-se identidades e diIerenças
insuspeitas a primeira vista, longe de qualquer engessamento pela reiteração do igual, mas
proximo da coragem de aIirmar tranqüilamente a interrupção promovida pela recordação
de um inIinito imponderavel presente. 'E elas arriscam o olhar juntas uma a outra¨. (GS II-
2, 96). Trata-se, então de um olhar mutuo, desanuviado, aberto e plenamente voltado a
admiração pelo que o outro construiu como experiência de si como que propria e vital obra
de arte a luzir em beleza pelo encontro dos seculos que promove. Tal olhar livra da asIixia
da ânsia em exercitar julgamentos a base de criterios esquecidos da admiração mutua em
espantada analise. As palavras deixam de ser escudo e espada para a guerra na deIesa de
Iantasmas criados, cuja Iantasmagoria não vale a pena deIender. Tal olhar Iaz respirar
enquanto as palavras extinguem-se no espaço. (GS II-2, 96). Um olhar que Iaz respirar a
asIixia e palavras que se extinguem no espaço aponta para uma linguagem que não se quer
unicamente conceitual no sentido da imposição de limites absolutos de signiIicado, mas e
movida pela Iorça contraria no sentido de se voltar e se abrir a recordação dos seus
movimentos de origem esquecidos na Iixidez de posições conquistadas. Tanto a aIirmação
Ialante e voluptuosa de um lado, quanto de outro, a atenção silenciosa na conversa
separadas, ambas agora se conjugam, porque tambem a Iala na linguagem e voltada a
circunspeção e ao exame cuidadoso e admirado de si. Ha como que a volupia do silenciar
mesmo numa Iala, ja que se compreende como agora ja ensaio, coletando em sua trajetoria
ao mesmo tempo os indicios das origens dos conceitos que articula: não tem a pretensão
preconcebida da sedução convincente para uma posição previamente estabelecida. De
dialetica construtiva na intenção de mutua destruição chega-se a interrupção pelo espanto e
pela admiração mutua do que na Iala e no silêncio se maniIesta, ou seja, uma constelação
conjugando passado e presente numa compreensão maximamente abrangente. 'O silenciar
e a volupia eternamente separados na conversa tornaram-se um so¨. (GS II-2, 96). A
satisIação na admiração pela nova compreensão no redirecionar do sentido a partir da
escuta silente e contemplativa, ja não mais como dialetica cruel, mas como Iruição, e o
acontecimento da descoberta sobre si a exemplo de Ulisses, na volta para Itaca, depois de
ter saido ao mar e a guerra e voltando de ilha em ilha, de sedução em sedução, de
necessidade em necessidade, de susto em susto e de desastre em desastre. No estranhar da
vivência na viagem pedagogica, oscilando entre o mar aberto e as varias ilhas
152
aconchegantes ou perigosas, a conversa tende ao retorno para o seu lugar de origem em
que a recordação presente instaura o passado em Iorma de historia. A conversa como que
termina em sua oscilação e ha mais compreensão sobre o passado mutuo e que consegue
maniIestar-se pela escuta silenciosa e atenta. O presente conjuga-se com o passado a vir.
'O silenciar da conversa era volupia vindoura. Por outro lado, volupia era o silenciar
passado¨, (GS II-2, 96), ou seja, da escuta silente passada tem-se agora o desenho do
caminho andado, a visão do rastro, bem como a compreensão da itinerância da propria
compreensão dos implicados na conversa. O vindouro no passado e o passado vindouro
conjugam-se na volupia do silenciar.
'Entre as mulheres, porem, aconteceu a visão das conversas sobre o limite da
volupia silenciosa¨. (GS II-2, 96) Os limites deIinidos sempre se encontram na impaciência
da escuta e na pressa do julgamento para o ordenamento de tudo o que advem. Por isso,
uma conversação que se entabula tendo por tema o limite da volupia gerada pela atenção
silenciosa e precisamente a linguagem na permanência da admiração, do espanto, ate do
susto sobre si: os Ialantes deleitam-se na expansão da compreensão alargando a sua
circunscrição e liquidando com a sua imobilidade e pequenez. O que muitos poderiam
chamar de inIelicidade pela insegurança, crise, e pavor pelo abandono do ninho teorico
acalentado para dar condições as deIesas absolutistas em ataques Ialantes e doutrinarios,
aqui no silenciar sobre os limites ha a volupia do desnudamento total das vestes que
caracterizam as palavras do gênio, o mestre da escuta. O proprio gênio oscilante e
primeiramente desesperado entre a escuta atenciosa do que lhe advem e a necessidade da
objetivação Ialante, da qual sabe que cunha as marcas do seu ser, pode sentir o prazer
voluptuoso quando encontra companheiros em seu itinerario de procura insistente e
descoberta. Assim, parece que Benjamin responde a sua pergunta sobre como SaIo
conversava com as suas companheiras. ~Ai surgiu a juventude das conversas obscuras¨.
(GS II-2, 96). Trata-se dos limites entre o sonho e o despertar e a pergunta sempre sera
sobre quando e sonho e quando e acordar. A visibilidade maxima da-se como intenção de
estabelecer os limites precisos dos conceitos em uso a Iim de que possam ser considerados
indiscutiveis: a clareza e a distinção que intenta possibilitar a transparência de qualquer
conversa procura-se atender pela exata circunscrição dos conceitos utilizados. Mas tambem
isso e construção ja que a ediIicação da delimitação asseptica de determinado numero de
conceitos depende de mãos conceituais e cabeças compreensivas mergulhadas no imenso
mar de possibilidades da linguagem que então assinala que os absolutos conceituais são
153
apenas esquecidas possibilidades inscritas em seu meio. A juventude das conversas
obscuras e iconoclasta em relação aos altares da visibilidade oIuscante, ja que o brilho
destes e Ialso e escravocrata por obrigar os adoradores a se prostrarem apenas nas suas
proximidades, sem direito a movimentação mais ampla. A primeira vista o altar da
visibilidade parece ser o simbolo da saude da linguagem e da vida pela segurança da
terapêutica que supostamente oIerece, mas logo se maniIesta como apenas deslocamento
para o tumulo de uma compreensão compenetrada na aplicação de objetividade a base de
Iundamentos que esqueceu de compreender como possibilidades advindas no âmbito da
linguagem. Por isso, o surgir das conversas obscuras signiIicando juventude conjuga-se
com a recordação de escutar as determinações da compreensão ocorrente de agora, no
volver-se em admiração ao que surge para ser inaugurado e constituir a verdade da
experiência. 'A essência irradiou¨. (Idem, 96). Na compreensão da contradição da
linguagem, o esIorço de ediIicação por Iundamento torna-se vão, pois a irradiação da
essência da-se na movimentação de se voltar num retorno a procura pela descoberta dos
Iundamentos que ja sempre estão inIinitamente subjacentes. As Iundamentações
descobertas e inauguradas irradiam a essência enquanto continuidade da linguagem criativa
e nomeadora. A tentação da pergunta da cobra do paraiso no Gênese procura tudo inverter:
'Teria Deus dito?¨ (Gênesis 3,1). Ela inaugura uma discussão a base de um Iundamento
objetivado e separado da linguagem e com isso o engano da possibilidade de uma
construção de signiIicações que pudesse ser absoluta num tempo como que no leito de um
espaço inexistente. Em tal construção absoluta o homem nunca esta em casa e se engana na
perdição com tal Iamiliaridade, pois ele e na verdade da viagem compreensiva que lhe
apresenta paisagens primeiramente estranhas e, mesmo assim, estranhamente Iamiliares.
'A essência irradiou¨. (GS II-1, 96).









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2. ENSAIO APLICATIVO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DUAS
POESIAS DE FRIEDRICH HÖLDERLIN.

Num artigo escrito no inverno de 1915, Benjamin propõe-se comentar duas poesias
do poeta Hölderlin e a relação entre elas a partir de um metodo. Antes de abordar
diretamente o conteudo e o teor das duas poesias, Benjamin elabora uma reIlexão sobre a
relação estetica e IilosoIica entre o poetizado, o poeta, a poesia e o critico ocupado com a
analise da obra. Nessa reIlexão a contradição da linguagem transparece em sua
ambivalência quando da acentuação do polo da linguagem e compreensão repetitiva, por
um lado, e, por outro, do polo da noticia do poetizado que a poesia traz. Restringimo-nos a
abordagem da primeira parte do texto de Benjamin que traz as suas reIlexões preliminares.
Benjamin inicia com a constatação de que por tradição a estetica da arte poetica
como ciência pura inicialmente deu mais atenção a identiIicação dos gêneros e teceu
comentarios apenas sobre as grandes obras do classicismo, enquanto que o exame das obras
não pertencentes a dramaturgia classica na maioria dos casos restringiu-se a questões
Iilologicas em vez de esteticas no sentido estrito. E necessario reter logo do inicio desse
texto a importância dos conceitos de metodo e tarefa:
A tarefa da seguinte investigaçào nào se deixa enquadrar sem
explicaçào na estetica da arte da poesia. Essa ciência como pura
estetica dedicou suas forças mais nobres a sondagem de cada um
dos gêneros da arte da poesia, entre eles a tragedia com maior
freqùência. Dispensou-se algum comentario quase so as grandes
obras do classicismo, porem, onde ele [o comentario] surgiu fora
dos limites da dramaturgia classica foi, entào, em maior grau
filologico do que estetico. Deve aqui ser experimentado um
comentario estetico sobre duas poesias liricas, e essa intençào
exige um comentario preliminar sobre o metodo. (GS II-1, 105).
155
Preliminarmente e possivel aIirmar que o conceito de tareIa procura denotar um
determinado metodo que se entende numa continuidade da propria questão articulada pela
arte poetica. A tareIa vem a ser a ativação de um metodo. O metodo, por sua vez, reIere-se
propriamente a investigação do poema, e a investigação metodica ver-se-a ao mesmo
tempo como tareIa comprometida com o proprio poema. E impositiva a imediata conclusão
de que o comentario investigativo como metodo liquida com qualquer pretensão a alguma
neutralidade para a produção de uma objetividade asseptica em relação ao poema.
Embarcar nas questões da poesia implica comprometimento com a compreensão do seu
conteudo e qualquer coisa que se disser ja sera a comprovação da ligação com a essência da
poesia. Comentar o conteudo da poesia de algum modo ja e a propria continuidade das
Iorças de sentido que lhe são inerentes a ponto de que a sua avaliação tem como suposição
a propria tareIa poetica.
A forma interna, aquilo que Goethe designava por teor [Gehalt],
deve ser exposta nessas poesias. Deve ser averiguada a tarefa
poetica como suposiçào de uma avaliaçào da poesia. A avaliaçào
nào pode orientar-se pelo modo com que o poeta resolveu a sua
tarefa, mas muito mais, e a seriedade e a grande:a da propria
tarefa que determina a avaliaçào. (GS II-1, 105).

A critica analitica e avaliativa da poesia e determinada e reivindicada pela propria
grandeza que origina e carrega a poesia. Ja os românticos pensavam assim, ou seja, que a
critica e necessaria a poesia e constitui a sua continuidade em outras conIigurações
compreensivas: a obra poetica continua a desenvolver as suas virtualidades na prosa do
critico. A grandeza da tareIa e exatamente o voltar-se as pressuposições e não ser apenas
vitima dos mitos instalados com os quais se coopera encarcerado numa compreensão que a
si mesma não pode ou não quer compreender.
Pois essa tarefa e derivada da propria poesia. Ela tambem deve
ser compreendida como pressuposiçào da poesia, como a
estrutura espiritual-intuitiva daquele mundo que a poesia
testemunha. Essa tarefa, essa pressuposiçào deve aqui ser
compreendida como o fundamento ultimo acessivel a uma analise.
(GS II-1, 105).

Benjamin certamente quer dizer que se trata do Iundamento ultimo acessivel a uma
analise imanente, mas não do Iundamento ultimo absoluto. A analise e um metodo que vai
ate onde pode, sem ter o direito ou a pretensão de ultimar o seu proprio processo. A procura
do Iundamento ultimo assim e substituida por uma continuidade de analise que a si mesma
156
se põe como tareIa numa identiIicação com a suposição da propria poesia e a sua
possibilidade de avaliação.
Nada sobre o processo do produ:ir lirico [lvrisches Schaffen],
nada sobre a pessoa ou a concepçào de mundo do criador e
averiguado, mas a esfera especial e unica em que se situam tarefa
e pressuposiçào da poesia. (GS II-1, 105).

Mesmo ja nesses conceitos e possivel ouvir as reverberações da
compreensão sobre a condição de possibilidade sempre presente - suposição - e a
inevitabilidade do perIormativo instaurador de sentido a tareIa comprometida - como
Dichten, pôr, inventar, responsabilidade quanto a objetivação e ao tempo, o ordenamento
mitico do objetivado. Uma Iorma de pensamento experimental esta ai implicada como que
um Ilorescer em Iorma de possibilidade de mundo.
'Essa esIera e ao mesmo tempo produto e objeto da investigação¨ (GS II-1, 105). A
analise investigativa tambem ja se vê como comprometida em percurso e exercicio, pois
diz que analisa o âmbito e ao mesmo tempo sabe que o esta produzindo como metodo e
caminho. A analise ja não se vê apenas como pura produção objetiva, mas tambem agora
enquanto ocorrência em decorrência da poesia, ou seja, o poetado continua a se maniIestar
na atividade da propria analise.
Ela mesma nào pode mais ser comparada com a poesia, mas e
antes o unico verificavel da investigaçào. Essa esfera que para
toda a poesia tem uma figura especial [feiçào, aspecto, molde
Gestalt] e designada como o poeti:ado. Nela deve tornar-se
acessivel aquele ambito caracteristico que contem a verdade da
poesia. Essa 'verdade` que exatamente os mais serios artistas
afirmam tào veementemente a respeito das suas criaçòes deve ser
entendida como obfetivaçào do seu fa:er, como o cumprimento da
respectiva tarefa artistica. (GS II-1, 105).

A objetivação Gegenstàndlichkeit - como cumprimento da tareIa traduz a ideia da
criação de algo novo em direção ao aspecto intuitivo e espiritual, alem da mera descrição
do ja existente no cotidiano repetitivo, costumeiro, caotico ou ordenado. E aquilo com que
o gênio se desespera em 'MetaIisica da juventude¨, ou seja, a contradiçào da linguagem
em que Deus espera. O gênio esta sempre na condição de ter que apresentar as suas
descobertas na objetivação da linguagem. Toda obra de arte esta ai a vista de todos para ser
objeto de analise no que signiIica pela linguagem paradoxalmente objetivante na sua
expressão imediata. O poeta que permanecesse severamente no silêncio a Iruir o que lhe
157
advem sem qualquer elaboração concreta cometeria uma traição a revelação concedida. De
qualquer modo e ingentemente seduzido pela novidade descoberta e como que obrigado a
por mãos a obra para dar Iorma a sua criação singular que vem a ser a Iigura de uma
unidade sintetica da ordem espiritual e intuitiva.
Cada obra de arte tem um ideal a priori, uma necessidade
inerente a si de estar ai. ( Novalis).
O poeti:ado em sua forma geral e unidade sintetica da ordem
espiritual e intuitiva. Essa unidade recebe a sua figura especial
como a forma interna da criaçào singular. (GS II-1, 106).

A criação singular e representante reveladora de uma totalidade sempre presente
virtualmente. O poetizado e suposição e tareIa, e ao mesmo tempo e produto e objeto da
investigação. O poetizado se vislumbra no imenso sentido condensado em cada poesia
particular, um sentido condensado atraves de milênios e que rege e comanda a vida em
todos os caminhos e escaninhos de Iorma que os regidos e comandados mesmo na crença
de sua propria autonomia seguem como que inconscientemente os seus preceitos. O poeta
na poesia vislumbra, identiIica o suposto de si e de toda a vida e inaugura objetivando o
inicio de um conhecimento mais amplo do que a cientiIicidade em aplicação ou o senso
comum corrente. Por essa razão e que a critica, a analise, o comentario tem na poesia o
poetado como Ionte inesgotavel em amplitude de interpretação.
'O conceito do poetizado e um conceito limite em dupla perspectiva. Ele e conceito
limite primeiramente em relação ao conceito de poema¨. (GS II-1, 106). O termo conceito-
limite, como se sabe, provem da IilosoIia kantiana e signiIica a região não deIinivel pelo
pensamento conceitual reIerido as intuições puras do tempo e do espaço. A coisa em si e
um conceito que nada deIine exatamente por indicar um âmbito alem de qualquer deIinição
possivel, pois uma deIinição e sempre necessariamente reIerida as suas condições de
possibilidade de acordo com a sintese das categorias e das intuições a ordenarem os dados
da sensibilidade. Querer deIinir o âmbito do indeIinivel e intentar descrever o nada, o sem
sentido, ou, talvez, o ainda sem sentido. Para Kant, em todo o caso, o conceito limite indica
o corte entre a linguagem conceitual com Iundamento veriIicavel intersubjetivamente e a
Iantasia a projetar delirios incapazes de consenso universal possivel. Benjamin em seu
texto sobre a IilosoIia vindoura, baseado justamente numa acentuação da linguagem, ja
pensa diIerentemente: mesmo conservando a tipologia da IilosoIia kantiana, propõe ir alem
dela quando a percebe como um produto de uma epoca pobre em experiência e quando
158
indica a intuição como plenamente senhora de si para ingressar compreensivamente nos
âmbitos existentes alem da meras deIinições epistemologicas ja obedientes a conIigurações
epocais subjacentes e, portanto, ordenadoras.
O conceito de poetizado como conceito limite em relação ao conceito de poema
signiIica que este nunca podera por si so representar aquele. O poema e como que o local
em que o poetado Iaz a sua apresentação no encontro com a investigação que a respeito
dele e Ieita. As palavras do poema são o limiar em que se podera vir ao encontro do
poetado numa criatividade continuada pela analise critica.
O poeti:ado diferencia-se decisivamente como categoria de
investigaçào estetica do esquema-forma-materia pelo fato de
conservar a fundamental unidade estetica de forma e conteudo e,
em ve: de separar a ambos, cunhar em si a sua imanente ligaçào
necessaria. (GS II-1, 106).

O poetizado e, portanto, categoria de investigação estetica que não separa Iorma e
conteudo, mas em seu exercicio continua a conter a ambos. Essa aIirmação veriIica-se de
caso a caso nas poesias concretamente. Por outro lado, não e o caso de se transIormar o
poetado numa entidade transcendente, pois ele esta ligado direta e organicamente as
palavras da poesia passivel de interpretação tambem organicamente relacionada com
aquele critico analisante que sobre ela se debruça em reIlexão. A poesia desse modo e
limiar e ponto de encontro.
No que segue, isso nào podera ser observado teoricamente, mas
apenas no caso individual, fa que se trata do poeti:ado de poemas
individuais. E aqui tambem nào e o lugar para uma critica teorica
do conceito de forma e materia na significaçào estetica. Na unidade
de forma e materia, portanto, o poeti:ado partilha com o proprio
poema uma das caracteristicas essenciais. Ele mesmo e construido
conforme a lei fundamental do organismo artistico. Diferenciado do
poema ele e como um conceito limite, como conceito de sua tarefa,
nào simplesmente ainda por uma caracteristica fundamental. (GS II-
1, 106).

Como ja anteriormente, aventa-se a indeterminabilidade quanto ao Iundamento
ultimo do poetizado, ja que ele instiga a analise e a analise o produz sem cessar pela escuta
hermenêutica. A diIerença no poema entre poema e poetizado e o conceito de tareIa deste,
qual seja, o de ocupar o âmbito da possibilidade do que aparece incessantemente, mesmo
na continuidade da analise do poema, pois a vida em seu sentido cotidiano transcorre
159
inconsciente de suas determinações miticas: e determinada e ordenada em diversos
automatismos de explicação naturalizada, mas sem o entendimento de constelações que a
preestabelecem como tal. O poetado não pode, portanto, ser compreendido como um
âmbito de Iundamento ultimo ou deIinição unica e cabal. O poetado sinaliza uma abertura
que instiga ao seu proprio desenvolvimento pela critica imanente: ele e um ser ai potencial
e passivel de desvelamento.
Ao contrario, somente por sua maior determinabilidade. nào por
uma carência quantitativa de determinaçòes, mas por um ser ai
[Dasein] potencial daquelas determinaçòes que no poema
atualmente estào disponiveis e de outras. (GS II-1, 106).

Maior determinabilidade signiIica maior âmbito e extensão de determinação e não o
contrario, ou seja, uma determinação mais rigorosa em termos de redução das
possibilidades extensivas do conceito. O poema signiIica a sedimentação em unidade
Iuncional e essa Iuncionalidade por si so não e o que deve reger o poetizado, pois este Iaz
parte de uma esIera intuitivo-espiritual que se vai descobrindo como resultado e objeto da
propria investigação, a qual, portanto, tambem ja se vê em relação com o mesmo âmbito
em processo. Tornar visivel tal entrelaçamento que antes não se via e aspecto da tareIa: a
unidade Iuncional do poema em si mesmo.
O poema e Iilho de seu tempo e, portanto, do conjunto da conceituação
caracteristica de sua epoca. A linguagem Iormal do poema não pode atravessar o limite da
coisa em si pelo Iato de permanecer costumeiramente conceitual
O poeti:ado e um relaxamento da firme uniào funcional que reina
no proprio poema e ele nào pode surgir a nào ser por uma
desconsideraçào [Absehen] de certas determinaçòes, enquanto
que por meio disso torna-se visivel o entrelaçamento, a unidade
funcional dos elementos restantes. (GS II-1, 106).

A visão e a analise da Iunção ja pressupõem um horizonte maior do que o âmbito da
Iunção observada. Por isso, o poetizado esta alem, ou seja, e mais abrangente do que a
poesia em sua linguagem Iormal Iuncional. Benjamin conta constantemente com o sentido
da propria analise que esta a Iazer. Ele arca com a responsabilidade de elucidação do papel
critico do poema que nesta atividade esta intimamente relacionado com o poetizado.
'Pois ele |o poema| e determinado pela existência atual de todas as determinações
de tal Iorma que somente como tal ainda e concebivel uniIormemente¨. (GS II-1, 106). Caso
160
o poetizado se restringisse somente as determinações do poema, o mesmo apenas seria
descrição de algo ja sabido em termos conceituais costumeiros. A soltura pela tareIa
consiste nessa Iuga da precisão do ja determinado com seu convite a mimesis. Alias,
permanecendo-se meramente na precisão conceitual das palavras utilizadas no poema,
então ha apenas comunicação sem a possibilidade da analise reIlexiva sobre o mesmo e o
posterior alargamento e a maior abrangência de sentido que ele em suas linhas sugere.
Quem se propõe a uma intravisão no poema ja pressupõe a possibilidade de mais do que
somente a elucidação conceitual das suas palavras.
'O tomar conhecimento |Einsicht - introspecção, intravisão| da Iunção, porem,
pressupõe a pluralidade das possibilidades de ligação¨. (GS II-1, 106). A Iunção intuitiva e
espiritual do poema so pode ser representada e executada pelo poetizado que nele se
desenvolve como que num avanço ao encontro do âmbito da coisa em si e que bruscamente
torna visivel o que antes era invisivel. O poetizado no poema concebe-se assim como
revelação de um sentido ordenador possivelmente ja sempre presente, mas nunca
vislumbrado ate o momento da descoberta criativa, da instauração por parte do poeta, o que
explica em parte a expressão de Novalis, acima, toda a obra de arte tem um ideal a priori,
uma necessidade inerente a si de estar ai. Tal modo de ver lembra novamente a
interpretação das ideias platônicas como sempre presentes nas mais diversas copias do
cotidiano em repetição, as quais podem ser indicadas no movimento de retorno do IilosoIo
numa exigência de soltura ou libertação do esquecimento empedernido para se chegar ao
patamar e a tareIa de as contemplar em sua Iorça de ordenamento. Tal modo de ver tambem
pode indicar que o poetizado e no poema a constante noticia condensada de todo o sentido
ja havido e que determina a vida em toda a sua multiIormidade. A condensação ordenada
do poema exige, por sua vez, que se perceba de maneira acurada a direção que esta a
imprimir para não se perder em devaneios e para que o poetizado possa aIlorar cada vez
mais liberto de determinações especiIicamente contingentes.
Assim, o tomar conhecimento [Einsicht] do arranfo
[ordenamento] do poema consiste na captaçào da sua precisào
[Bestimmtheit] cada ve: mais rigorosa. Para condu:ir a essa
maxima precisào no poema, o poeti:ado deve prescindir [absehen
von] de certas determinaçòes. (GS II-1, 106).

161
Se a primeira tareIa era a intravisão que o poema em suas determinações
possibilitava indicando o poetizado para alem dos seus limites meramente conceituais,
agora a tareIa constitui-se como assunção de soltura concretamente pedagogica relacionada
diretamente com a vida amarrada e a sua possibilidade de libertação para mais vida. Poema
e poetizado, ambos relacionados por seus limiares, não se esgotam em devaneios
semânticos como que a parte de qualquer concretude, mas têm sempre preservada a sua
aderência nas soluções da vida imersa na imediação da compreensão. Quando o poetizado
incita a tareIa e a soltura esta a indicar termos que se completam, ja que a tareIa e soltar, e
se soltar das amarras do cotidiano comunicativo, portanto, e a verdadeira vida como tareIa.
Por meio dessa relaçào com a unidade de funçào intuitiva e
espiritual do poema o poeti:ado em relaçào a ele mostra-se como
determinaçào limite. [107] Ao mesmo tempo, porem, e conceito
limite em relaçào a uma outra unidade de funçào, como com um
conceito limite sempre, com efeito, apenas e possivel como limite
entre dois conceitos. Essa outra unidade de funçào e, entào, a
ideia de tarefa, correspondente a ideia de soltura, tal como o
poema o e. (GS II-1, 106).

De um lado a unidade de Iunção intuitiva e espiritual do poema e agora do outro a
tareIa e libertação que para o criador e a vida como unidade Iuncional extrema. A Ironteira,
ou o limite entre os dois e o poetizado, antes descrito como um aIrouxamento da Iirme
ligação Iuncional que reina no poema. Agora aqui a vida signiIica o extremo possivel de
extensão de ser vislumbrado como unidade Iuncional, mas ao mesmo tempo parece que ja
da a ideia de que o poetizado beira a criação como limite, ou pode expandir o limite para
alem da estrutura existente desta vez não do poema, mas da vida. O termo Aufgabe, assim,
indicaria a possibilidade de uma desistência do Iixo repetitivo e normatizado da vida e, ao
mesmo tempo, tal desistência seria solução e desligamento como tareIa constante de
expansão do limite via o poetizado em direção ao novo na propria vida, quando em que tal
possibilidade de maior abrangência de vida pelo menos tambem denota a compreensão
diIerenciada por ampliIicação de horizontes.
Pois tarefa e soltura apenas in abstracto sào separaveis. Para o
criador essa ideia da tarefa e sempre a vida. O poeti:ado se
evidencia, portanto, como a passagem da unidade de funçào da vida
para a do poema. (GS II-1, 107).

Eis ai, então, a indicação de que a unidade extrema em extensão Iuncional da vida e
tareIa do poetizado, ja que esse tem como Iunção de avançar alem do limite alem das
162
limitações da compreensão cotidiana. A vida amarrada liberta-se pelo poetizado no poema
para uma perspectiva maior: o poema consegue isso pela identiIicação que promove e
mesmo representa, ou seja, ele indicia, descobre, identiIica e inaugura parte do que e
pressuposto de tudo que esta a viger. O poetizado e como que um continuo deslocamento
de Ironteiras em direção ao exterior dos limites da caverna platônica conIigurada como
uma compreensão cotidiana alienadamente naturalizada em automatismos supostamente
legitimados por sua mera existência esquecida das razões de sua imposição. O
deslocamento da Ironteira Iaz com que ela seja a passagem da vida normatizada para o
âmbito do poema a incluir em si o poetizado: o poema assim Iaz o papel de revelação do
que desde sempre ja e, mas que estava envolto na penumbra da eIicacia aplicativa na
normalidade do cotidiano em geral.
A libertação, solução, ou soltura agora e vista como nova situação pela Aufgabe,
isto e, desistência de Iixidez do posto no poema; como tambem a vida signiIica o
movimento imprimido pelo poetizado e a nova situação captada no poema. Alem disso, os
termos tarefa e soltura, ou libertaçào, parecem novamente remeter diretamente ao
imaginario do Mito da Caverna de Platão em que as pessoas amarradas e obrigadas a ver o
movimento das sombras-copias devem ser soltas pela tareIa do IilosoIo pedagogo,
provocador e evocador de constelações esquecidas por operação repetitiva. O poema como
soltura cumpriria a tareIa de perceber e criar inaugurando a constelação ideal mitica pela
qual a vida cotidiana aparentemente caotica se move.
'Nele |no poetizado| a vida determina-se pelo poema, a tareIa pela libertação¨ (GS II-1,
107). Não se trata de tematizar a vida assim chamada historico-biograIica do poeta artista e
que pudesse, a partir da sua vida elucidar algo e representar o poetizado. Tambem não se
trata de evocar e deslindar a subjetividade criadora do artista para explicar a questão em
pauta. O que interessa e a arte que cria, produz, determina um contexto de vida numa
compreensão mais abrangente. O artista poeta como Iilho do seu tempo indicia as raizes da
compreensão comum.
Nào e a disposiçào individual da vida do artista que se encontra
como fundamento, mas uma relaçào de vida determinada por meio
da arte. (GS II-1, 107).
Benjamin sugere que o conceito de mito pode ajudar na elucidação da diIerenciação
entre uma circunscrição e outra:
163
As categorias pelas quais essa esfera e concebivel, a esfera de
passagem de ambas as unidades de funçào, ainda nào estào
prefiguradas e talve: tenham um apoio mais proximo nos
conceitos do mito. (GS II-1, 107).

Fica-se primeiramente em duvida sobre se a Irase tem sentido positivo ou negativo,
pois o mito e a Iorma da propria alienação, do sempre ja se estar determinado por ideias-
Iorça de que não se tem consciência. Mas o mito neste contexto tem em parte um
tratamento positivo. Trata-se precisamente do poetizado aparentado com o mito, mas a ser
descoberto e inaugurado. Poder-se-ia dizer que a tareIa e constante em direção a descoberta
do mito, que não e apenas o mito grego, mas que neste contexto chega a signiIicar toda a
determinação das ideias que num passado presente oprimem o cerebro dos vivos.
Como no mito da caverna de Platão, que procura explicar a ascese da vida imediata
em direção ao reconhecimento das ideias Iundamentais que estão a reger a mesma vida, o
poetizado enquanto tareIa e metodo tratam da intenção do poeta em sua arte. A expressão a
vida e em geral o poeti:ado dos poemas da citação a seguir esta a primeiramente indicar
que os poemas são uma especie de ascese a instituir perIormativamente e pedagogicamente
uma compreensão de maior abrangência do imediatamente vivido. O acontecer de tal
compreensão assemelha-se a revelação de algo que ja sempre acompanha a propria vida
como Iator organizador, mitico e impositivo de relações. O poetizado, portanto, deve Iazer
parte dessa esIera, dessa procura, como, alias, tambem a analise de Benjamin em questão,
que procura depurar o poetizado em seu momento especiIico como conceito-limite entre o
poema, de que o poetizado Iaz parte, e a vida de que o poetizado tambem Iaz parte. Nesse
contexto um poema a descrever sentimentos, lances sentimentaloides, erra por completo a
sua tareIa e vocação;
Exatamente as mais fracas produçòes da arte referem-se ao imediato
sentimento da vida, mas as mais fortes, de acordo com a sua
verdade, a uma esfera aparentada com o mito. o poeti:ado. A vida e
em geral o poeti:ado dos poemas - assim se poderia di:er, (GS II-1,
107).

Toda a vida e uma instituição poetica, uma Iorma instaurada de compreensão
naturalizada, mesmo em suas explicações historicas, e não ha como ser diIerente, pois o
provisoriamente Iixo em Iorma de preconceitos e a propria condição de possibilidade de
ordenamento criativo perIormativo posterior. O esquecimento promovido e Iundamentado
por valores absolutos, porem, constitui-se de amarras em que a vida como processo de
164
nomeação e olvidada para então se esquentar em inIerno repetitivo de SisiIo Ieito de
demônios, sombras e soIrimento.
Mas ha a possibilidade da obtusidade do poeta. Tal obtusidade do poeta maniIesta-
se exatamente na sua intenção de revivescer na sua poesia a repetição de situações
sentimentaloides, maniIestando a sua incapacidade reIlexiva, criativa, intuitiva e espiritual
e, assim, vendo-se impossibilitado de vislumbrar a mitologia presente e vindoura, as ideias
a reger a vida na pratica eIetiva e sentimental em geral. A incompetência poetica contenta-
se em meramente descrever os seus estados de alma ou ânimo como vitima de um processo
que desconhece totalmente e que julga dever cantar sem a tareIa de indicia-lo; não percebe
nem o aspecto a priori da vida enquanto pratica imediata em mimesis inIinita objetivada
como jogo de sombras no Iundo da caverna que percebe como se Iosse a propria clareza e
transparência, nem a possibilidade de existência de tareIa e soltura.
...mas quanto mais o poeta quer transferir sem transformaçào a
unidade de vida para a unidade da arte, tanto mais ele se mostra
como grosseiro. Estamos acostumados a encontrar a defesa e ate a
exigência dessa obtusidade em forma de 'imediato sentimento de
vida`, 'calor do coraçào`, como 'disposiçào`. No exemplo de
Hoelderlin torna-se claro como o poeti:ado oferece a possibilidade
do fulgamento da poesia, isto e, pelo grau de unidade e grande:a de
seus elementos. (GS II-1, 107).

O grau de união relacional e de grandeza dos elementos miticos perIaz o poetizado
a ser descoberto, o qual, descobre-se ele proprio, sendo, então, o Iator ou a dimensão que
possibilita o julgamento da poesia quanto a ela ser meramente repetição ou desvelamento
do subjacente. A analise enquanto metodo imanente acompanha o grau de união e grandeza
mencionadas e, com isso, ela mesma se capacita para o julgamento avaliador, Iazendo de
qualquer modo parte do proprio processo poetico. As caracteristicas de união relacional e
grandeza dos elementos miticos indicam a relação de todos os Ienômenos percebidos
ligados com a proIundidade das justiIicativas, visões dos elementos miticos descobertos.
Assim, união e proIundidade no sentido de grandeza são inseparaveis, pois de qualquer
outro modo ter-se-ia a apresentação de apenas mais uma Iaceirice aplicada em seu
embotamento.
Ambas as caracteristicas sào inseparaveis. Pois quanto mais uma
expansào frouxa do sentimento substitui a grande:a e a
configuraçào dos elementos (que designamos como miticos
aproximadamente), tanto menor torna-se a uniào, tanto mais
165
origina-se - sefa um amavel produto natural sem arte, sefa uma obra
mal feita estranha a nature:a. (GS II-1, 107).

A expressão naturfremdes Machwerk |obra estranha a natureza| obriga a perceber o
sentido de nature:a neste caso como natureza não alienada por objetivação esquecida, isto
e, perceber que se entende a natureza ja sempre com a inclusão da nomeação poetica: tanto
que Machwerk, obra do fa:er por fa:er, artesanato repetitivo seria assim a expressão da
propria inconsciência embotada por desconhecimento e esquecimento dos preconceitos
miticos que nela atuam. A consciência naturalizada seria a condição de um esquecimento
alienado e objetivado por meio do proprio obscurecimento seguro de si, que prima pela
desistência de cavoucar a procura dos seus Iundamentados.
A coisa em si, o reino do nada, o alem do conceito limite não denota uma
transcendência de outro mundo, mas pode ser simplesmente entendido como o âmbito da
possibilidade enquanto vida. Sem a vida que e a unidade total, extrema e constante em que
se da a possibilidade de ser, o proprio poetizado não se torna possivel. A vida e condição de
possibilidade mesmo em estado cotidiano, amarrado, automatizado e alienado, pois não
deixa de possibilitar a partir desse estado a continuidade ou a transIormação criativa de si,
o que vem a ser a tareIa do poeta artista não perdido em obtusidade.
'A vida esta na base do poetizado como a sua ultima unidade¨. (GS II-1, 107).
Quando na poesia não se depara com intuição organizada e desvelamento de um mundo
espiritual, um mundo que antes da poesia acobertava-se com o brilho das suas aplicações
repetitivas, nenhuma novidade acontece. A expressão a vida mesma na citação a seguir
denota não a vida na plenitude das suas possibilidades eIetivadas, mas apenas a vida em
seu transcurso normatizado em alienação organizada. A tareIa e justamente a interrupção, a
ruptura com tal modo de vida para que em seu chão a intuição e o mundo espiritual possam
revelar-se não a partir de algo externo a si, mas do seio de si como algo sempre ja presente
e so vislumbrado pela instauração criativa da arte. Note-se que a analise do poema assume
o seu papel de comprometimento com o resultado de sua atividade.
Mas quanto mais cedo a analise do poema levar a vida mesma
enquanto seu poeti:ado, sem encontrar formaçào de intuiçào e
construçào de um mundo espiritual, tanto mais a poesia mostra-se -
no sentido estrito - material, sem forma, insignificante. (GS II-1,
107).

166
A analise não conseguira depurar o mito absoluto subjacente a totalidade do
acontecer, mas ira topar com elementos diversos organizados em constelação dinâmica. O
ponto de vista da analise Iaz parte desse dinamismo, ja que não lhe e possivel o
distanciamento de uma visão privilegiada desde Iora de todo acontecer. A vida nesse caso
seria Ieita de oposições miticas, elementos instalados no Iundo da sua teia organizando-a
dinamicamente e de Iorma necessaria.
Ao passo que, na verdade, a analise das grandes poesias nào se
encontra [stossen auf topar] com o mito, mas com a unidade
engendrada pela violência dos elementos miticos em oposiçào
dinamica [strebend tendente] como verdadeira expressào da vida.
(GS II-1, 108).

O metodo de apresentação, ou seja, a analise critica proIundamente comprometida a
ponto de se expressar precisamente na elaboração do conteudo que propõe, trata dos limites
aventados que seriam o da poesia e o da vida.
'Precisamente dessa natureza do poetizado como âmbito contraposto a dois limites
testemunha o metodo da sua apresentação¨. (GS II-1, 108). Não ha Iundo a ser visto, pois e o
abismo sem Iundo que por ser sem Iundo Iaz com que se paire sobre ele. A apresentação
não se pode perder na intenção de objetivar algum Iundamento ultimo que pudesse tudo
esclarecer. Qualquer esclarecimento deIinitivo com intenções de transparência total
signiIicaria a queda no esquecimento de que a apresentação como o retorno proporcionado
pelo poetado na poesia não cessou, alias, a exemplo da propria vida. O interessante e que a
atividade do poetizado em elaboração da-se como consciência da situação exatamente no
suposto ou no sentimento irônico de que ele no poema não se deixa deIinir de todo, mas
somente apontar como indicação de participação numa totalidade jamais objetivavel.
'Ela |a apresentação| não deve tratar da prova a respeito dos assim chamados
ultimos elementos. Pois não ha tais elementos nos limites do poetizado¨. (GS II-1, 108). Não
ha elementos que possam constituir-se em limites, Iundamentos gerais. Caso houvesse tais
elementos o proprio poetizado perderia o seu sentido.
A incompreensibilidade de elementos ultimos que pudessem Iundamentar a unidade
total da poesia e a unidade extrema da vida e a razão de ser da poesia, a garantia da
inesgotabilidade da vida e da dadiva da propria vida como criação e poesia nomeadora. O
esgotamento da compreensão por meio de uma deIinição deIinitivamente absoluta e um
absurdo do tamanho do seu esquecimento, que não leva em conta a total Ialta de
167
possibilidade de alguma perspectiva Iora, alem do todo do acontecer em compreensão, e,
alem disso, não se da conta de que a objetivação de qualquer absoluto deixa de ser absoluto
pelo proprio processo de objetivação nomeadora que se põe a parte do absoluto nomeado a
inaugurar novamente o esquecimento. A analise do poetizado como esIera de relações
compreende a compreensão como a Iazer parte ativa da mesma esIera e assim se entende a
caminho enquanto metodo em exercicio.
Pelo contrario, ha que se comprovar nada mais do que a
intensidade da ligaçào dos elementos intuitivos e espirituais e, sem
duvida, primeiramente em exemplos individuais. Mas precisamente
nessa comprovaçào deve estar claro de que nào se trata de
elementos, mas de relaçòes, como fa o proprio poeti:ado vem a ser
uma esfera de relaçòes de obra de arte e vida, cufas proprias
unidades de modo algum sào compreensiveis. (GS II-1, 108).
O verdadeiro poema sempre visara o poetizado como tareIa, pois e a sua
pressuposição. A verdadeira poesia não tem outra Iunção a não ser vislumbrar e constante e
insistentemente descobrir o condensado ja poetizado comandando os processos vivenciais.
O poeta e poeta porque institui o que ja sempre era, o que pode Iazer dada a sua atenção
genial que o capacita para ver o disperso condensado e o condensado Iragmentando-se ao
inIinito. A sua descoberta e nova vida debaixo do sol, pois e o acordar de um sono e sonho
que so são notados na narração poetica que promove.
O poeti:ado ira mostrar-se assim como a pressuposiçào do poema,
como a sua forma interna, como tarefa artistica. A lei de acordo
com a qual todos os aparentes elementos da sensibilidade e das
ideias mostram-se como conteudos das funçòes essenciais,
fundamentalmente eternas e chamada a lei da identidade. Com
isso e indicada a unidade sintetica das funçòes. (GS II-1, 108).

O vocabulario utilizado remete em parte a Platão e Kant conIorme ja anteriormente
mencionado. Mencionam-se a sensibilidade e as ideias entre as quais o entendimento
compreensivo se constroi e com as quais a propria compreensão novamente se compromete
por contar com elas como hipoteses da sua ocorrência. E como se houvesse um movimento
constante de duas Iunções em que o entendimento se cria e que tudo isso supusesse a
identidade como lei suposta a tudo, uma totalidade indizivel, da qual, no maximo, se pode
dizer que dela se participa. E por isso que, em todo o caso, ha que se acentuar a consciência
presente de que qualquer aIirmação e deIinição Iazem parte do processo dinâmico da
unidade sintetica como suposição Iundamental e inevitavel.
168
'Ela e reconhecida a cada vez em sua Iorma especiIica como um a priori do poema¨. (GS
II-1, 108). A identidade, o tautologico em que sempre se esteve, se esta e se estara, a
unidade sintetica das Iunções: e disso que se trata. O universal dinâmico presente e visivel
no poema singular ou o singular dinâmico criativo representando a unidade sintetica
universal são as duas Iaces da mesma moeda.
Toda a tematização ate agora e execução e exercicio de metodo em que a Iixidez
deIinitiva viria a ser a sua propria anulação, aniquilamento. Portanto, a caminho não ha
nem puro metodo, nem puro poetizado e nem tareIa absoluta. Encontrar-se como
compreensão dinâmica numa suposta constelação dinâmica de relações e o nivel de soltura
do esquecimento e da assunção da tareIa em vida e poesia.
Depois de tudo o que foi dito, a averiguaçào do puro
poeti:ado, da tarefa absoluta, deve permanecer o alvo ideal
puramente metodico. O puro poeti:ado cessaria de ser conceito
limite. seria vida ou poesia. (GS II-1, 108).

O poetizado permanece como compreensão de tareIa de soltura e soltura para a
tareIa como dinâmica processual a vislumbrar a vida e a poesia. E o reino do possivel aos
poucos concretizado e a constantemente se concretizar, sempre alem da compreensão
imediata da vida e da poesia. .
Não ha como Ialar do ponto de vista da totalidade sempre suposta, o que leva ao
reconhecimento da necessidade do exercicio enquanto tal que se eIetua no constante
singular. A propria movimentação analitica e aqui posta como prova ou Iundamento
enquanto singularização de um suposto inevitavel da propria analise. Isto quer dizer ainda
que se tem como claro que toda a Iundamentação e apenas experimental, provisoria,
itinerante num espaço absoluto indeIinivel qual abismo de Anaximandro em que ha apenas
a oportunidade de pairar sobre ele. Procurar a Iundamentação mais abissal não e o mal, mas
sim atribuir valor absoluto a qualquer Iundamentação liquidando com o proprio processo.
- Antes que a aplicabilidade do metodo sefa posta a prova em prol
da estetica da lirica em geral, talve: tambem para ambitos mais
amplos, interditam-se desenvolvimentos mais amplos. Somente
entào se podera ter claramente como resultado o que e o a priori
do poema singular, o que tal coisa e do poema em geral ou ate de
outros gêneros de poesia, ou mesmo da poesia em geral. Mais
claramente, porem, mostrar-se-a que sobre poesia lirica ha que, se
nào provar, todavia entào fundamentar. (GS II-1, 108).

169
Benjamin propõe cuidado com a implementação do metodo na analise da lirica em
geral. Na teorização apresentada por Benjamin, porem, ja e possivel perceber um
agrupamento de concepções que indicam determinados pressupostos, os quais não mais
serão por ele esquecidos em grande parte da sua obra. Trata-se dos seguintes
A suposição de uma totalidade que não e acessivel ao entendimento reIerido apenas a
consciência racional.
A suposição da mesma totalidade expressando-se na atividade da arte e da IilosoIia critica.
O envolvimento do analisante com a sua atividade. Mesmo que o analisante tenha a poesia
por objeto da sua analise, como sujeito esta diretamente envolvido diretamente na
consecução da obra precisamente por sua critica. A sua critica signiIica a continuidade da
obra que assim tem um signiIicado maior do que a objetividade do autor, do critico e da
propria obra individual.
A continuidade da obra na critica que o critico apresenta ja e Iorma de tradução.
A categoria do poetizado que e o Gehalt, isto e, teor posterior.
A questão da inconsistência e vanidade da procura por Iundamentação absoluta e a
permanência do Ilutuar sobre o abismo enquanto expressão do que objetivamente não e
objetivavel.
O aspecto de retorno para a liquidação de Ialsas totalidades, mitos, Iundamentos
esquecidos.
As poesias de Hoelderlin que Benjamin se propõe a comentar pontualmente de
acordo com a sua elaboração IilosoIica previa são as que seguem:

Dichtermut ¡Coragem Poética|
Hölderlin I, 428 - 1
a
versão

Entào nào te sào aparentados todos os viventes? /Entào a propria
parca nào te sustenta para prestares serviço?
Por isso' Assim, anda simplesmente desarmado
Adiante pela vida e nào te preocupes'

O que acontece, tudo sefa por ti abençoado,
170
Estefa voltado para a alegria' Ou entào o que poderia
Ofender-te, coraçào' O que poderia
Acontecer, la para onde tu deves ir?

Pois, como quieto na margem, ou na prateada
Mare soando a distancia, ou sobre silentes
Aguas profundas o leve
Nadador avança, assim estamos tambem nos,

Nos, os poetas do povo, com pra:er, onde o que e vivo
Respira e flutua ao nosso redor, alegremente, e afeiçoado a cada
um,
Confiante em cada um, como cantariamos
De outro modo a cada um o deus proprio?

Entào, quando a vaga um dos corafosos,
Onde fielmente confiou, afunda lisonfeira,
E a vo: do cantor
Agora silencia no salào a:ulante,

Alegre ele morreu e ainda se lamentam os solitarios,
Seus arvoredos, a queda de seu maior amor,
Reiteradamente soa da virgem
A partir da ramada o seu canto amigo.

Quando apos o cair da tarde um dos nossos vem,
Onde o irmào naufragou, de certo em muito pensa
No advertente local,
Silencia e anda mais armado.



Blödigkeit ¡Imbecilidade-Timidez]
Hòlderlin I, 445

Entào nào te sào conhecidos muitos viventes?
171
O teu pe nào anda sobre o verdadeiro, como sobre tapetes?
Por isso, meu gênio' Simplesmente entra
Puramente na vida, e nào te preocupes'

O que acontece, tudo sefa oportuno para ti'
Sefas concordante com a alegria, ou o que entào poderia
Ofender-te, coraçào, o que
Ai suceder, para onde tu deves [ir, para onde tu avanças]?

Pois, desde que celestiais qual humanos, um selvagem solitario,
E os proprios celestiais, guia em direçào ao recolhimento [a
meditaçào]
O canto e dos principes
O coro, por classes, assim tambem estavamos

Nos, as linguas do povo, com pra:er funto aos viventes,
Onde muito se associa, alegremente e cada um igual,
Aberto a cada um, assim, pois, ate
Nosso Pai, o Deus do Ceu,

Que concede o dia pensativo a pobres e ricos,
Que, na transiçào do tempo, nos os adormecidos
Eretos sobre douradas
Andadeiras, como crianças, condu:.

Tambem bons e aptos a alguem para algo somos nos,
Quando chegamos, com arte, e dos celestiais
Tra:emos um. Mas nos mesmos
Tra:emos màos habeis.









172





3. APRESENTAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM


In den Flùssen nòrdlich der Zukunft
Werf ich das Net: aus, das du
Zògernd beschwerst
Mit von Steinen geschriebenen
Schatten.
(Nos rios ao norte do futuro
Eu lanço a rede que tu
Hesitante pesada tornas
Com sombras escritas
Com pedras).
(Celan, P. Ausgewàhlte Gedichte,
FrankIurt am Main, Edition Suhrkamp, 1968.)

O artigo Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem Ioi escrito em
novembro de 1916, em Munique. .
Benjamin inicia o artigo sobre a linguagem de um modo que exige atenção acurada,
pois Ioi construido de tal maneira que parece querer estabelecer desde o principio a
compreensão de que ele mesmo se inclui no sentido que expressa a ponto de toda a
maniIestação não poder contar com qualquer entidade ou Iator externo a linguagem em
expressão, os quais pudessem observar a sua ocorrência em exposição propria.
Cada manifestaçào da vida espiritual humana pode ser concebida
como um modo de linguagem, e essa concepçào, ao modo de um
verdadeiro metodo, torna acessivel, por toda a parte novas
construçòes interrogativas. (GS II-1, 140).

A propria Irase em sua ocorrência ja quer ser compreendida como expressão da
vida espiritual do homem comprometida ao modo da linguagem por um lado. Por outro, ela
173
apresenta a relação entre vida espiritual do homem sempre em Iorma de linguagem como
um caso particular a Iazer parte da linguagem em geral que passa a explicitar em seguida.
Portanto, a vida espiritual do homem esta como que imersa no âmbito da linguagem,
porem, e apenas uma especie do total dele. O homem sabe da sua linguagem e, ao mesmo
tempo por ela mesmo sabe que e apenas um modo, mas que não representa o todo da
linguagem. Em suma, toda a vida espiritual do homem e uma especie de linguagem no
âmbito geral do todo da linguagem e essa concepção expressa pela linguagem, por sua vez,
não pode ser entendida como algo extra-lingüistico que a estivesse analisando de algum
local aIastado para uma apreciação meramente objetivada. Por isso, essa concepção
proporciona uma abertura ao modo de um verdadeiro metodo, um caminho que se cria e se
anda por meio das interrogações que surgem exatamente no seio da mesma linguagem.
Porem, ha que se ter cuidado. O verdadeiro metodo que se cria e se anda e possibilitado
pela concepção aludida, que nesses termos, não induz apenas a reduzida atividade de
perguntar, mas ele mesmo ja se percebe na consciência de que qualquer pergunta ja esta
comprometida com uma construção. Questões que se colocam ja sempre trazem consigo as
preocupações surgidas do meio de que provêm. Isto quer dizer que não ha porto para a
observação geral em que Iossem possiveis descrições seguras de algo aIastado e sem
relação com a propria pergunta, com a observação, com as descrições e precisamente com
a distância instaurada. A linguagem, portanto, não pode ser suspensa para a analise dela
mesma e, por isso, qualquer pergunta Iundamental embutida na analise da linguagem sobre
si mesma deve estar acompanhada da consciência de que tambem este gesto Iaz parte da
sua expressão.
Se cada maniIestação da vida espiritual do homem pode ser concebida como um
modo de linguagem, então, ai estão incluidas todas as produções culturais, cientiIicas e
artisticas. E extremamente signiIicativo que a linguagem em geral e a especiIicamente
humana logo de inicio são ligadas ao verbo mitteilen que signiIica comunicar, participar,
notiIicar. Mas mitteilen e uma junção de mit (com) com teilen (repartir) evocando
imediatamente a imagem de que se esta repartindo algo com alguem, ou repartido num
conjunto dado sendo parte de uma totalidade. Os verbos mais adequados para conservar tal
imagem são partilhar, participar, compartilhar. Mesmo o verbo comunicar, isto e, tornar
comum, poderia ajudar na Iormação dessa imagem, se ele não Iosse ja por demais
comprometido em seu uso costumeiro com uma acepção de linguagem que Benjamin quer
exatamente evitar por considera-la burguesa. O Ialar da linguagem e tido como a propria
174
Iorma de participação numa totalidade desde sempre dada. E evidente que tal ideia evoca
imediatamente a IilosoIia pre-socratica que ja nos primordios da cultura ocidental
propunha o logoj heracliteano ou o nou``j anaxagorico como os ordenadores de cada uma
das inIinitas partes num todo sempre suposto. Assim, a lingua ou a linguagem e entendida
como o elo de ligação e, de algum modo, o proprio medium, o meio em que todas as partes
estão a Iazer parte. A participação e linguagem, bem como toda linguagem e participação.
E Iundamental notar que Benjamin não tem prurido algum de utilizar qualquer tipo
de material cultural para explicar as suas questões. Percebemos nesse artigo que tanto o
logoj grego, mencionado mais adiante, como tambem todas as narrativas dos primeiros
capitulos de Gênesis usadas para a elaboração explicativa, ja são considerados como
patrimônio lingüistico comum da humanidade, sem que se deva deixar intimidar a ponto de
prescindir do seu grande potencial elucidativo.
A constatação Iundamental, portanto, e a de que tudo e linguagem, sendo a do
homem um caso particular e privilegiado.
Pode-se falar de uma linguagem da musica e da plastica, de uma
linguagem da fustiça que, de imediato, em nada se refere aquelas
sentenças redigidas em alemào ou inglês, uma linguagem da
tecnica, que nào e a linguagem tecnica dos tecnicos. Em tal
contexto, linguagem significa o principio voltado a participaçào
[comunicaçào] nos respectivos obfetos. na tecnica, arte, fustiça
ou religiào.(GS II-1, 140)

Essas considerações levam a concluir que a matematica, a tecnica e outros não se
pode reduzir a objetividade absoluta do seu Iuncionamento objetivo e a parte da linguagem
como talvez se pudesse almejar, mas ja as suas Iormas de expressão em linguagem ciIrada
reivindicam Iatalmente a comunhão participativa da linguagem pelo sentido que têm e ate
pela propria intenção explicita de se expressar como objetiva no seio da linguagem.
Tudo isso leva ao resultado de que não ha conteudo separado da sua expressão.
Qualquer conteudo tomado como objetivamente separado da sua participação na
linguagem e esquecimento Iundamental, ou seja, de que so pode ser em participação e,
portanto, precisamente em Iorma de linguagem. Benjamin chama a atenção para o Iato de
que a linguagem humana e ou baseada, ou Iunda a justiça e a poesia. A justiça esta
intimamente ligada a linguagem, pois sempre emitimos juizos na imediação da Iala,
restando saber qual e a relação entre linguagem e juizo, o que e um dos temas centrais em
175
toda a obra de Benjamin. A poesia esta evidentemente ligada a linguagem, mas de um
outro modo, ja que não se propõe a emitir juizos absolutos. Justiça e poesia estão na base
da linguagem ou Iundam perspectivas da linguagem, diIerentemente da tecnica e da
plastica não imediatamente a ela reIeridas.
Em uma palavra. cada participaçào de conteudos espirituais e
linguagem, pelo que a participaçào por meio da palavra e apenas
um caso especial, ou sefa, da linguagem humana, e do que lhe
esta na base ou nela fundada (fustiça, poesia) (GS II-1, 140).

Quando a linguagem e estendida a totalidade das maniIestações humanas e, ainda
mais alem, a propria natureza, parece que se institui uma separação drastica entre Iala da
natureza e Iala humana, pois a aIirmação de uma natureza aparece primeiramente com os
sinais de uma objetivação absoluta. E preciso lembrar que a linguagem humana Iala de
uma natureza como se Iosse uma entidade absolutamente separada. Mas Benjamin esta a
elaborar tudo pelo raciocinio da participação enquanto linguagem. Quando o homem Iala,
esta participando, e quando a natureza Iala, esta participando tambem, tanto que de algum
modo ha um encontro participativo em que os papeis de cada um ainda devem ser
elucidados. Mesmo assim, deve-se logo levar em conta que o homem so pode participar
com a sua linguagem e compreensão da Iorma com que vê o todo que ele mesmo propõe.
Essa mesma totalidade so pode ser elaborada pela linguagem, sendo, então, que o proprio
todo e Ialante na interação que o homem esta a estabelecer dele Iazendo parte. Um todo
não pode ser separado de si enquanto a sua propria expressão, pois se Iosse separado da
sua expressão e de algo outro, todo não seria. Portanto, não sendo separado, tem como
caracteristica a linguagem que e precisamente participação, compartilhamento necessario
para que o todo seja de Iato todo. A essência de qualquer coisa e ser parte relacionando-se
assim, pois sem esta caracteristica simplesmente não e. O simples estar ai depende da
suposição de um contexto totalizante e mesmo essa situação e participação no todo. Por
isso:
Mas existência da linguagem nào se estende apenas aos campos
da expressào espiritual humana, a qual linguagem sempre e
inerente em sentido estrito, mas se estende a simplesmente tudo.
Nào ha acontecimento ou coisa na nature:a organica ou
inorganica, que nào faça parte da linguagem de algum modo, pois
e essencial a cada um participar o seu conteudo espiritual (GS II-
1,140).

176
Estamos sempre na linguagem compreendendo nela, articulando com ela,
objetivando nela. Somos participantes por imersão num todo que de Iorma alguma
dominamos, o que exatamente e esquecido na objetivação de um conhecimento que se quer
separado da circunscrição lingüistica: a linguagem Iala muito mais e mais alem do que a
mera subjetividade intentando apontar um objeto separado de si; na Iala maniIestamos
muito mais do que intentamos expressar, pois carregamos conosco todo o sentido
necessario para a construção do sentido reduzido que queremos expressar. Toda a Iala
carrega consigo a totalidade da linguagem como sua condição de possibilidade. A Iala e
imediata situação de se Iazer parte compartilhando de um modo que nunca enxergamos de
todo. Por isso, e necessario alertar que na suposição inevitavel do todo articulado em
linguagem, a cada instante e participação.
'Mas a palavra linguagem nesse uso de Iorma alguma e metaIora¨ (GS II-1, 141). Nada do que
podemos pensar esta Iora da linguagem, ate mesmo o nada e o tudo que se diz. O silêncio
pode ser cheio de ruidos de vozes que nos acossam do passado presente. A representação
depende da linguagem com os perigos que ela mesma aponta: o esquecimento da
objetivação separada. Esse esquecimento esta no centro da tematização sobre a linguagem
humana.
Pois se trata de um conhecimento pleno de conteudo o fato de nos
nào nos podermos representar nada que nào participasse a sua
essência espiritual pela expressào, o maior ou menor grau de
consciência com que aparentemente tal participaçào esta
relacionada, nada pode mudar o fato de que nada nos podemos
representar na ausência da linguagem.(GS II-1, 141).

Não pode haver existência alguma a parte da relação com o todo, pois mesmo isso
que se exprime enquanto existência da-se no suposto do mesmo todo em participação, ou
linguagem. Caso se quisesse Ialar de Deus, não se poderia nomea-lo por ser inIinita
suposição. Mas nem Deus, então, pode comungar da ideia de algo sem participação, ou
seja, precisamente linguagem, pois Deus e participação de modo especial. Deus se diz
participando.
'Uma existência que Iosse sem qualquer relação com a linguagem e uma ideia, mas
essa ideia não permite IrutiIicar nem no circulo de ideias, cuja circunscrição aponta aquelas
que são de Deus¨. (GS II-1, 141). A linguagem e expressão participativa e e existência,
participação de conteudos, ou seja, não de tudo e nem de tudo numa vez so: e continuidade
177
e permanência. A linguagem permanece, porque os conteudos de que e Iormada lhe
impingem o ritmo do tempo concretizando-se nas expressões que são ao inIinito e em todo
o lugar.
'Certo esta apenas esse tanto, que nessa terminologia cada expressão deve ser
contada a linguagem na medida em que ela Ior participação de conteudos espirituais¨. (GS
II-1, 141). A expressão e possivel apenas como linguagem, sob o risco de nada podermos
entender e ser. Mas havendo linguagem, deve-se retroceder, voltar, retornar para saber do
que se trata, de que essência espiritual a expressão provem. Sae-se do meio da linguagem
neste procedimento? Certamente não e possivel, pois como se poderia deixar de participar?
Mas internamente a linguagem existem as Iorças coercitivas da compreensão que apenas
na atividade de elucidação hermenêutica tem solução provisoria.
E, antes de tudo, de acordo com a sua total e mais interna
essência, a expressào deve ser compreendida apenas como
linguagem, por outro lado, a fim de compreender uma essência
lingùistica, e necessario sempre perguntar a que essência
espiritual a imediata expressào entào corresponde (GS II-2,141).

A lingua não e instrumento pelo qual se pudesse carregar algo outro para despeja-lo
em algum lugar: não e uma essência que e carregada de um lado ao outro por um veiculo
chamado linguagem, pois ela ja e expressão imediata da essência. Num exemplo que se
pode dar, a lingua alemã não e um veiculo a parte para a transmissão da cultura, do sentido
ou do sentimento germânico, mas ja e a expressão disso na imediação da sua elocução.
Pode haver tradução para outras linguas daquilo que na lingua alemã Ioi elaborado, mas
essa tradução sera, então, conIorme a tareIa da tradução, uma nova criação, uma trans-
criação constante, um novo envolvimento do tradutor a quem não e permitida a condição
de mero intermediario de conteudos, mas de quem se exige a assunção da sua expressão
realizada na leitura e na nova codiIicação que elabora.
Alem disso, aponta-se aqui para o Iato de ser simplesmente impossivel um
desligamento, ou uma separação de Ialante e linguagem enquanto objeto de analise como
se Iosse separado, ao modo de se querer dizer algo a respeito do dito analisado sem ao
mesmo tempo dizer, isto e, sem Iazer uso de palavras para dizer o dito. Como na questão
do metodo, conta-se com um irremediavel comprometimento na analise de tudo ao modo
do dizer, e, alias, tambem quando se aIirma que não ha envolvimento participativo na
analise de qualquer coisa dita, pois, por obvio, dizer que não ha, necessita ser dito. Quem
178
Iala desta ou daquela maneira, nesta ou naquela intenção esta dialogando conIorme o que
ja Ioi dito no texto de Metafisica da fuventude. A unica Iorma analitica mais distante do
dizer e a escuta silenciosa, atenta e participativa. Mesmo assim, quem escuta tambem esta
participando inevitavelmente, pois da precisamente a direção do sentido a partir da sua
compreensão elaborada pelos procedimentos da linguagem.
Isto significa. a lingua alemà, por exemplo, nào e expressào para
tudo que por intermedio dela supostamente podemos
expressar, mas ela e a expressào imediata daquilo que nela se
participa [comunica]. Esse se e uma essência espiritual.(GS II-
2,141)

A essência espiritual e o que se diIerencia na atividade da linguagem enquanto
participação. A diIerenciação para a qual se chama a atenção não e uma diIerença que
pudesse chegar a imagem de separação. Pois a linguagem como participação expressiva de
algo não pode ser a totalidade do que expressa, caso contrario haveria de imediato um
esgotamento semântico e a Ialta de movimentação participativa da propria linguagem, ja
que tudo estaria deIinido a primeira palavra. Mas o Iato de haver a linguagem enquanto
relação sempre inovada, deslocamento de sentido e multiplicidade de sentido nas
descrições das coisas, apresentação e contraposição de discursos, aponta para a
inesgotabilidade da expressão de algo que Benjamin aqui chama de essência espiritual.
'Desse modo antes de tudo e evidente que a essência espiritual, a qual se comunica
na linguagem, não e a linguagem mesma, mas algo que dela deve ser diIerenciado¨. (GS II-
1, 141). A hipotese de esgotar com a palavra a coisa dita, essência espiritual, a partir de
criterios absolutos esquecidos signiIicaria esquecer que a linguagem e em participação
propria na propria conIecção de tal opinião. A objetivação geralmente leva ao mal do
esquecimento de que se esta a contar com criterios inatacaveis no dizer em ação dividindo
tudo em sim e não. Enquanto isso, o estado de coisas e muito mais rico em detalhes a
serem lembrados: tanto não se esgota o sentido da coisa com um dizer so, como tambem o
proprio dizer e eivado de pressupostos em sua ocorrência de dizer. Esses pressupostos
tambem levam consigo a condição de possibilidade do seu dizer, que tambem nunca havera
de esgotar, pois qualquer aIirmação de esgotamento ja desenharia a aIirmação pretensiosa
de Ialar de Iora da linguagem participativa num local para analise que nunca podera existir,
ja que e participação. A linguagem humana enquanto participação, portanto, não pode
querer identiIicar-se e determinar de maneira absoluta os elementos da participação, ou as
179
coisas, querendo, quem sabe, ate substitui-las. Benjamin esta a indicar que a participação
em Iorma de linguagem e uma parte da essência espiritual, ou seja, a expressão dela,
enquanto que sempre ha ainda um inIinito da mesma essência a ser expresso. Esta
condição geral da linguagem geralmente e esquecida, na imaginação de que com uma
palavra se esteja deIinindo e dominando, de uma vez por todas, as proprias coisas em toda
a sua extensão e em toda a sua participação ainda possivel. A colocação dessa hipotese na
IilosoIia leva a um precipicio que e a queda no esquecimento excluindo-se da participação
na tentativa de permanecer do lado de Iora de uma totalidade que se pretende descrever
unilateralmente, subjetivamente e a distância. A queda em tal precipicio e, então, o erro de
se imaginar sem participação na totalidade que se esta exatamente a descrever e nela assim
precisamente participar e, alem disso, colocar a hipotese de si mesmo enquanto descrição
no inicio de um processo no qual, porem, ja esta inIinitamente no meio.
A opiniào de que a essência espiritual de uma coisa consista em
sua linguagem esta opiniào entendida como hipotese e o grande
abismo que toda a teoria da linguagem ameaça cair, e
permanecer flutuando sobre, exatamente sobre esse abismo e a
sua tarefa. |Numa nota relativa a essa Irase consta: Ou e, ao
contrario, a tentaçào de colocar a hipotese no inicio que fa: o
precipicio de todo o filosofar?] (GS II-1, 141).

Para não cair no precipicio de uma objetivação absoluta, mas ingênua em sua
concepção tambem participativa, ha que Iazer uma diIerença entre a essência da
linguagem, que e a participação, e a essência espiritual de todo o modo inesgotavel. Tal
diIerença e mais original e por meio dela se entende melhor o que se esta a Iazer de modo
participativo numa teorização da linguagem. E impossivel alguem dizer que ira analisar a
linguagem com outra linguagem sem ao mesmo tempo assumir que esteja expressando-se
em participação na totalidade da linguagem que e precisamente participação de novo.
Sempre permanecera no âmbito da mesma linguagem para elaborar algo que supõe melhor,
mais logico ou mais coerente, mas nunca podera esgotar deIinitivamente o sentido de
qualquer coisa, que aqui se chama essência espiritual daquilo que se expressa no dizer
enquanto intenção de objetividade e suposição geral do mesmo dizer esquecido enquanto
condição de possibilidade que o acompanha. Para repetir, a suposição da essência
espiritual inesgotavel transluz do proprio exercicio da linguagem enquanto atividade
tambem inesgotavel pela Ionte de que bebe sem nunca poder deixar de beber enquanto
deslocamento semântico para circunscrever melhor a expressão ocorrente. A coisa
180
intentada e inesgotavel semanticamente como tambem o dizer em todas as suposições, pre-
conceitos, pre-condições que o acompanham para que possa exatamente estar em exercicio
de dizer. A suposição de inicio explicativo geral por meio do lo/goj da IilosoIia pre-
socratica sempre ja trouxe consigo o mesmo problema em Iorma de paradoxo: como se
pode propor o logoj como principio geral da totalidade suposta, se ele mesmo e o exercicio
na linguagem ocorrente que quer Iundar, portanto, a si mesmo como absoluto, apesar da
propria compreensão da sua ocorrência? Benjamin evidentemente não elimina a
contradição, mas quer tê-la presente exatamente para tematização central. Ele sabe, que por
mais soIisticadas que as elaborações no campo da IilosoIia da linguagem possam ser, elas
geralmente incorrem no esquecimento desta contradição, ou seja, esquecem que estão
participando como expressão precisamente deste modo numa totalidade, a qual sempre
inevitavelmente são obrigadas a supor no mesmo instante em que elas estão em pleno
desenvolvimento do seu discurso. Uma negatividade Iundamental e inerente a todo o dizer
ocorrente, pois toda a participação expressando conteudos por deIinição sempre sera
parcial em seu processo de mapeamento dos mesmos, sendo esta parcialidade precisamente
a Iorma de participar.
A diferenciaçào entre a essência espiritual e a essência da
linguagem, a medida que participa, e a mais original numa
investigaçào teorico-lingùistica, e essa diferença parece ser tào
indubitavel que a identidade muitas ve:es afirmada entre a
essência espiritual e a essência lingùistica forma um profundo e
incompreensivel paradoxo, cufa expressào encontrou-se no duplo
sentido da palavra L÷o(gof. (GS II-2,141).

Benjamin reporta-se, portanto, a palavra grega logoj, que desde os pre-socraticos
nos acompanha como um enigma na tentativa de explicação da totalidade que
inevitavelmente se supõe ao dizer e participar por um lado, e, por outro, a compreensão de
que o proprio dizer e participativo no todo que supõe. A deIinição da identidade que se
quer dizer quebra-se para diIerenciar-se da sua suposição, pois tudo se da como
compreensão de que o dizer e o dito so podem ser quando Iazem parte de algo que ate
nesse momento não Ioi dito deIinitivamente. Benjamin Iala do paradoxo, da contradição da
identidade do logoj que se quebra em dois no mesmo instante da sua elocução.
Compreender a compreensão so e possivel na continuidade da compreensão instaurando o
tempo sucessivo e continuo como pecado original, ja que sempre precisa imaginar um
181
ponto de reIerência Iora da linguagem para dizer algo objetivo enquanto identidade em
termos de algo enquanto algo.
O suposto da diIerenciação entre as essências (sentido intencional da linguagem e
sentido expressivo) e o que deve prevalecer em toda a investigação sobre linguagem,
apesar de ter o curioso eIeito de se dever ter consciência da proibição de esquecer a propria
renovada participação do investigador. Parece ser ja o prenuncio da propria proibição antes
do pecado original no Jardim do Eden de não comer da arvore do conhecimento do bem e
do mal, e da vida. O pecado original parece ser, nesta perspectiva, a propria invenção de
um suposto absoluto, separado Iora do âmbito da linguagem, a Iim de pôr em duvida o
dizer que esse mesmo suposto possibilita, permanecendo numa dialetica paradoxal que se
convencionou denominar como expulsão do paraiso. Os pre-socraticos continuamente
estabeleciam hipoteses teoricas da relação entre o todo e as suas partes e a critica que
apresentavam uns aos outros tratava, entre outros aspectos menores, invariavelmente dos
deIeitos do esquecimento da auto-inclusão do proponente na sua propria elaboração de
sistema IilosoIico. Benjamin certamente teve presentes as semelhanças entre os antigos
paradoxos gregos, bem como as interpretações possiveis da narrativa do Eden para
tematizar a contradição da linguagem. O artigo Sobre a linguagem em geral e a linguagem
humana Iaz jus aos esIorços de Origines na elaboração de uma sintese entre a IilosoIia
grega e a incipiente teologia cristã.
De qualquer maneira o paradoxo e insoluvel, mas e salutar enquanto alerta Irente a
ingenuidades positivistas. Todo o cabedal IilosoIico sistematico ja arrumado tem os seus
pes de barro na Ialta de recordação do aviso que a propria linguagem da na sua imediata
ocorrência de participação no apontamento de algo que nunca podera dizer
deIinitivamente. A teoria da linguagem que não contar com ele, erra desde o seu ponto de
partida e exatamente e ele que e o ponto de partida de acordo com todo a angustia
multimilenar do pensamento humano sedimentado na linguagem e por ela alimentado.
Outro recado de Benjamin e o de que a contradição permanece como impasse ou
solução da sua compreensão no centro da teoria da linguagem, ou seja, numa condição de
depois da atividade do dizer ja dito, o local em que estamos, pois nos encontramos
dependentes do ja dito de inumeros modos para então veriIicar a contradição continua
havida e, inclusive, a ocorrer inevitavelmente no nosso dizer atual. Por outro lado,
qualquer Ialante jamais podera promover algum principio enquanto resolução para a
182
construção de um discurso sem a presença do paradoxo, ou da contradição da linguagem:
sempre sera insoluvel pelo Iato de que a sua solução seria precisamente o esgotamento da
participação. Como ja visto, quem quiser resolvê-lo como se estivesse no inicio de tudo e
Iora da linguagem para solucionar a questão que e o centro da linguagem, novamente Iaria
o papel da cobra do Eden a propor o passado separado enquanto inicio de uma questão
Iicticia e inexistente: 'Teria, por acaso Deus dito?¨ (Gênesis, 3,1). O esquecimento
constitutivo na atividade da linguagem de propor sempre um inicio inexistente e a questão
da cobra que se instaura enquanto tempo na propria compreensão possivel na articulação
da linguagem. Quem sabe que esta no meio da linguagem, na participação, sabe
simultaneamente que todo o começo e uma hipotese de instauração de começo que
possibilita a sua Iundamentação e aplicabilidade a partir do esquecimento de que esta no
meio, im Zentrum, na participação, ou na comunicação não no sentido instrumental, mas
proIundamente vivencial. Por outro lado, quem explica a totalidade do universo a partir de
uma hipotese tornada absoluta, simplesmente permanece no esquecimento de que tambem
isto e a sua participação em ocorrência, e pode incorrer em qualquer tipo de retorica
deslumbrada com a realização do movimento de apenas persistente rotação sobre si.
'Mesmo assim, enquanto solução esse paradoxo tem o seu lugar no centro da teoria da
linguagem, mas permanece paradoxo e insoluvel ai onde ele se encontra no começo¨.(GS
II-1, 141).
A linguagem comunica, isto e, torna comum, visivel e compreensivel a sua essência
espiritual propria. Ela tem a sua correspondente essência que e participação no sentido
ativo como se Iosse a dinâmica que possibilita a tudo Iazer parte. E possivel entender, pelo
modo com que Benjamin diz, que a linguagem participa Iazendo parte da essência
espiritual com a capacidade, então, de expressa-la e, ao mesmo tempo, precisamente desse
modo participa possibilitando a noticia do que e, mas simultaneamente tambem participa
do todo de que Iaz parte e que inevitavelmente necessita supor em seu proprio
acontecimento.
'O que a linguagem participa? Ela participa a sua correspondente essência
espiritual¨ (GS II-1, 142). Esquecer-se de que se participa na linguagem e a queda, e o cair
no esquecimento de que se esta objetivando como se tudo Iosse instaurado a partir do nada
e desde o inicio. Todos os inicios propostos na ciência e na IilosoIia são ingenuidades
esquecidas de que são ingenuidades. Elas Iazem de conta que ha um ponto alem do mundo,
183
da historia, da sociedade, do universo, da linguagem, e que permite a descrição desde
algum inicio Iora do tempo para que o tempo se inicie seja como Ior entendido. Qualquer
proposta de tempo, de espaço, de mundo e de linguagem, sempre ja Iaz parte do que
propõe instaurando uma hipotese, da qual Benjamin diz que sobre tal precipicio ha que
Ilutuar (schweben). A linguagem não e um instrumento que se possa dominar
deIinitivamente por que dela se Iaz parte, podendo ate se dizer que somos linguagem.
'E Iundamental saber que essa essência espiritual torna-se participante na
linguagem e não pela linguagem¨. (GS II-1,142). O Ialante de uma lingua não se comunica
atraves da mesma como se pudesse ser algo outro completamente separado da lingua que
Iala com todas a sua riqueza de sentido. De algum modo o Ialante ja sempre e, ele mesmo,
a propria expressão do que esta a dizer. Por mais que tente objetivação separada de si como
se houvesse algo Iora de si que se pudesse descrever sem a participação eIetiva dele
mesmo na propria descrição, não o conseguira. O Ialante esta inevitavelmente
comprometido com a sua Iala seja qual Ior a especulação ocorrente, ja que não ha a
possibilidade da Iala humana de não dizer. A intenção de explicitação em termos apenas
objetivos da sua subjetividade mais intima e distante por compreensão soIisticada, ou
embaralhada em circunvoluções semânticas, e uma Ilor que se abre em participação diIusa
em meio a um mormaço de verão: não esta a parte do seu dizer. A parte da essência
espiritual em participação tem na essência lingüistica a sua condição de compartilhamento
do todo, de modo que nada do que ha pode separar-se da sua expressão nesse mesmo todo.
'Não ha, portanto, nenhum Ialante da linguagem quando com isso se quer apontar
aquele que se comunica por meio dessas linguas¨.(GS II-1, 142). Igual a essência da
linguagem a essência espiritual não e de Iora, ou seja, a essência espiritual esta junto a
participação da linguagem. A linguagem e parte da essência espiritual e nessa parte se
identiIicam. Não se pode, portanto pensar que a linguagem veiculasse uma essência que e
de Iora para dentro de si e para então participar. O Iora da linguagem desse modo não ha,
pelo Iato de ela ser parte eIetiva da essência espiritual.
'A essência espiritual participa |Iaz-se parte| em uma linguagem e não atraves de
uma linguagem isto quer dizer: não e de Iora igual a essência da linguagem¨. (GS II-
1,142). Tem-se, então, a tradução de uma essência na outra evoluindo para um so encontro
dinâmico. Como, porem ja Ioi lembrado, a essência espiritual não se esgota na essência
lingüistica que dela participa, pois a essência espiritual e muito mais vasta do que a
184
discursividade participante da linguagem humana. Ha que lembrar de novo: por mais que a
linguagem se dê enquanto objetivação, sempre Iara parte, isto e, participara de um todo que
no seu discurso objetivante no ritmo do tempo jamais podera dizer deIinitivamente. A
linguagem participa por estar no meio e nunca no inicio de nada ao modo objetivo, por
mais que se esqueça das hipoteses de um abismo, sobre o qual precisa Ilutuar como que
sabendo que tera de gaguejar soluções continuamente, aIundando, porem, num sem Iundo
quando esquece querendo estaquear Iundamentos sobre um sem Iundo.
'A essência espiritual e idêntica a essência lingüistica apenas a medida que e
participante¨. (GS II-1, 142). As palavras que se usam na linguagem humana, portanto, ja
perIazem o encontro com a essência espiritual a ponto de se identiIicarem. A compreensão
das palavras ja Iaz parte de um âmbito caracterizado como espiritual e lingüistico que
sempre e parte de um todo maior do que pode dizer em sua participação discursiva e
Ialante. Mas e importante que se acentue a aIirmação: todas as palavras ja são parte pela
sua expressão comunicativa a ponto de que em cada palavra ha a espiritualidade
participante, mesmo que seja numa totalidade que jamais pode alcançar com a sua
participação por meio de deIinições continuadas.
'O que e comunicavel |participante| numa essência espiritual isto e a sua essência
lingüistica¨.(GS II-1,142). As coisas têm ou perIazem uma essência espiritual da qual a
linguagem Iaz parte. Mas a linguagem participa de parte dessa essência, mas não diz a
totalidade possivel e deIinitiva. As coisas na linguagem são apenas parte delas, isto e, na
linguagem alcança-se participação apenas numa parte das coisas. Na linguagem, parte das
coisas esta deIinida, mas nem de longe tal deIinição chega a ser a totalidade do possivel
das coisas. As coisas, por sua vez, portanto, têm parte na linguagem por sua essência
espiritual.
A linguagem, portanto, participa a essência correspondente das
coisas, mas a parte espiritual destas apenas na medida em que
estiver resolvida na essência lingùistica, na medida em que e
participante.(GS II-1, 142).

A linguagem não e algo que instrumentalmente se pudesse utilizar para somente
descrever e deIinir as coisas como se Iosse separada tanto do Ialante e quanto das coisas,
Iora das coisas. Ao contrario, ela mesma, a linguagem, tambem se identiIica como a
propria participação das coisas nela mesma. A parte espiritual da essência identiIicada a
185
linguagem identiIica-se de novo com as coisas que nela são participantes enquanto ditas. A
participação enquanto linguagem tambem participa do todo que mesmo supõe e essa e a
diIiculdade da contradição.
'A linguagem participa a essência lingüistica das coisas¨. (GS II-1, 142). A linguagem e
uma coisa que aparece na participação e a participação e o aparecer. Como se poderia
duvidar de que ha o Iato da linguagem, mesmo que objetivada como coisa e que Iosse a
parte de algum Ialante? O cetico que dissesse que não ha linguagem estaria a se contradizer
de Iorma completamente estulta, pois estaria a participar do que nega que existe. Quanto
mais negar, mais ira provar exatamente o contrario.
'A aparência mais evidente disso, porem, e a linguagem mesma¨. (GS II-1, 142). A
linguagem e participação, tem o sentido da participação e so pode ser enquanto
participação. Portanto, ela não tem algo externo a si para trazer daqui para la, um o que,
um objeto a mais do que ela mesma seja, mas participa, ela mesma enquanto essência
espiritual das coisas, identiIicada com a sua propria essência. O que da linguagem e o seu
proprio Iato.
'A resposta a pergunta: o que a linguagem participa? diz, portanto: cada linguagem
participa a si mesma¨. (GS II-2,142). Benjamin ocupa-se com um exemplo curioso para
alcançar clareza neste estado de coisas: e o exemplo da lâmpada como coisa que tem a sua
linguagem, de acordo com o combinado desde o inicio de que a linguagem e geral, pois o
que ai esta Iaz parte do compartilhamento do todo que se supõe. Ha, portanto, a lâmpada
mesma e o acontecer participativo da lâmpada que e a sua essência espiritual enquanto
linguagem. Nada se saberia da lâmpada se não Iosse a sua expressão na linguagem. Mas
algo pode ser sem se expressar? Parece que não, pois o ser de alguma coisa esta
diretamente ligado a sua expressão. A lâmpada mesma, alem do que dela percebemos em
sua expressão não seria uma Iicção objetivada e separada de novo? Sabe-se que não, pois o
esgotamento cabal do sentido mesmo sendo da lâmpada nunca sera realizado.
A linguagem desta lampada, por exemplo, nào participa a
lampada [toda] (pois a essência espiritual da lampada, na medida
em que e participante, de modo algum e a lampada mesma), mas a
lampada-linguagem, a lampada na participaçào, a lampada na
expressào.(GS II-1,142).

186
A linguagem das coisas e a sua essência lingüistica. Isto quer dizer que ha o Iato de
se Ialar coisas Iazendo-as participar na linguagem e isso e a sua essência, e essência
percebida como participação.
'Pois na linguagem a questão se da assim: A essência lingüistica das coisas e a sua
linguagem¨.(GS II-1,142). Não seria tautologia uma tal aIirmação? Não seria o mesmo do
mesmo se dizer que a essência lingüistica das coisas e a sua linguagem? Mas a participação
e a continuidade da linguagem enquanto participação num todo que sempre prima pela
impossibilidade de ser dito deIinitivamente. A tautologia não se põe na Irase por essa
razão, pois a linguagem sempre Iicara aquem da identiIicação absoluta, ja que nunca sera
alcançada pela diIerença que se institui precisamente como participação, ou seja, como
linguagem. A identidade, ou o mesmo nunca poderão ser ditos pelo simples Iato de que
dizer e participação continua. A tautologia aqui se reIere a totalidade sempre suposta na
ocorrência do dizer. A indicação do e como imediação tem o sentido de acentuar a
impossibilidade de se dizer algo como algo independente do dizer. Diz-se algo como algo
dizendo, mas jamais não dizendo; mas precisamente ao dizer algo como algo, na intenção
da identidade, tal dizer ja esta comprometido com a participação. O e trata da ocorrência da
imediata participação que não pode ser esquecida na pretensão de se dizer algo como algo.
Caso houver tal esquecimento, novamente se esta nas garras da ingenuidade metaIisico-
positivista que precisa cair no esquecimento para objetivar um criterio absoluto do seu
dizer que e sempre exatamente ocorrente e instaurador de hipoteses esquecidas. Assim, o
acontecer da comunicação e a linguagem em acontecimento de participação sempre
reIerida ao dizer em dinâmica.
A compreensào da teoria da linguagem depende de aclarar essa
frase, que tambem liquida completamente qualquer aparência de
uma tautologia. Essa frase e completamente sem tautologia, pois
ela significa. isso que numa essência espiritual e participante, é
sua linguagem. Neste 'e` (igual a 'e imediato`) baseia-se tudo.
(GS II-1, 142)

Instituir a lâmpada como entidade separada da linguagem e ai começar a calcular as
relações de aproximação com aquilo que primeiramente se separou absolutamente, e
começar de um inicio Iicticio. A lâmpada na linguagem ja sempre Ioi lâmpada-linguagem e
a lâmpada mesma ainda esta em elaboração inIinita de sentido participativo. Mesmo como
invenção de lâmpada em si ela permanece reIerida a um dos aspectos da compreensão em
plena essência da linguagem em percurso participante.
187
O que numa essência espiritual e participante, nào aparece de
forma mais nitida em sua linguagem como ainda ha pouco se
disse na passagem, esse carater de ser participante e a linguagem
mesma. Ou, a linguagem de uma essência espiritual e
imediatamente aquilo que nele e participante.(GS II-1, 142).

O todo suposto so pode ser todo apenas tambem pela suposição necessaria da
participação eIetiva e compartilhada de todas as suas partes, participação que se denomina
linguagem. Por isso, a linguagem e o meio no sentido tambem de ubiqüidade participante
da essência espiritual e imediação para que o todo possa ser. O medium da linguagem, o
medial, e o seu carater de imediação e ubiqüidade participante na essência espiritual, de
inevitabilidade de participação imediatamente expressiva apontando diIerenças e
identidades em seu percurso e tendo a grande identidade como pano de Iundo sempre
suposto, mas a qual nesse percurso nunca podera deIinir cabalmente, pois mesmo qualquer
deIinição dela sera nova participação eIetivamente posta no permanentemente suposto. A
magia positiva da linguagem e primeiramente a sua eIetividade imediata do dizer, que e
uma Iorça pratica incontrolavel pelo dizer, pois qualquer dizer e eIetivo, magico,
interIerente na instituição de diIerenças constantes que propõe no ritmo do tempo. Ha
como que uma instauração involuntaria enquanto verdade a acontecer, que não se pretende,
a partir de uma objetivação, a qual constantemente se pretende como verdade. E como a
situação do paraiso: o homem ouve a voz da proibição da objetivação no esquecimento de
que seu Ialar e eIetivo, participante, criador-instaurador numa totalidade incomensuravel.
Mas a voz da proibição da Grande Lei ja sempre vem atrasada porque proibe algo que ja
desde sempre aconteceu como participação eIetiva na objetivação da linguagem mesmo
esquecida. A tentação, ou o esquecimento da construção separada sem a assunção da magia
da participação constante continua ate nova recordação envergonhada em que de novo o
homem ouve a voz que lhe pergunta sobre o lugar em que esta: Adão, onde estas? E a voz
quase sempre acontece no Iim de uma construção esquecida quando a recordação
melancolica soIre um processo de identiIicação com a ruptura do castelo de cartas: era-se
precisamente isso, sem o saber ate então, pelo Iato de esquecer da magia comprometedora
da linguagem.
Por isso, o medial e o problema Iundamental da teoria da linguagem que como
teoria geralmente esquece da sua auto-inclusão no sistema compreensivo proposto como se
Iosse objetivamente separado e Iundamentado por criterios incontestaveis. O medial
188
signiIica, como ja dito, que não ha a possibilidade do inicio absoluto, mas que ja sempre se
esta no meio da participação.
O que em uma essência espiritual e participante, nisso ela
participa mesma, isso significa, toda a linguagem participa a si
mesma. Ou mais precisamente. toda a linguagem participa a si
mesma, ela e o 'Medium` da participaçào no sentido mais puro.
O medial, isto e a faculdade de imediaçào de toda a participaçào
espiritual, e o problema fundamental da teoria da linguagem, e
caso se quiser denominar de magica a essa faculdade de
imediaçào, entào o problema original da linguagem e a sua
magia. (GS II-1, 143).

A magia da linguagem aponta para o inIinito, ou seja, para a impossibilidade de em
seu discurso dar conta do proprio inIinito, ou inicio absoluto, ou Iundamento absoluto que
propõe. A magia e o sentido da participação da parte que em sua dinâmica reverbera no
todo que constantemente pressupõe. Pode ate propor um todo suposto, mas esse mesmo
gesto de suposição e colocação de Iundamento navegara sempre em algo inIinito
pressuposto que mesmo sinaliza em sua participação. Isto, por outro lado, signiIica que a
pressuposição esta a indicar a si mesma no discurso itinerante e participativo, ja que a
participação não podera nunca nessa compreensão propor inIinito separado.
'Ao mesmo tempo a palavra sobre a magia da linguagem aponta para algo outro:
para sua inIinitude...¨ (GS II-1,143). Tudo esta na linguagem e ela não e o instrumento que
traz algo de Iora para dentro. Como a conhecida mônada de Leibniz que não tem janelas e,
portanto, da a ideia de algo que não tem Iora nem dentro, assim tambem e a linguagem
para a qual não se pode trazer conteudos de Iora para dentro, mas o que se chama conteudo
ja Iaz parte do espirito da linguagem e deve ser articulado de outro modo. Conteudos
dentro da linguagem como se Iossem carregados por ela estariam a indicar a sua
instrumentação e separação deIinitiva dos elementos para a possibilidade da objetivação. A
sua instrumentação signiIicaria a sua redução pela possibilidade de manipulação por algo
de Iora dela. Mas a incomensuravel inIinitude da linguagem não pode ter um âmbito de
Iora, pois toda a tentativa de manipulação verbal de conteudos ainda se da no âmago da
linguagem. E dai que decorre o seu aspecto magico, pois a mesma tentativa de
manipulação exterior da linguagem desde sempre esta Iadada ao Iracasso, ja que e
instauração no interior da linguagem em uso, e tal instauração nada mais e do que a
eIetivação da participação.
189
Ela e condicionada pela sua imediaçào. Pois, precisamente pelo
fato de pela linguagem nada se compartilhar, aquilo que na
linguagem se compartilha nào pode ser limitado ou medido de
fora, e, por isso, e imanente a cada lingua uma infinitude
incomensuravel toda especial. E a sua essência lingùistica que
indica o seu limite e nào os seus conteudos verbais.(GS II-1,143).

Do mesmo modo como todas as coisas partilham a sua essência espiritual na
participação pela suposição de um todo, tambem o homem que propõe esta condição total
deve tambem se auto-incluir. Sua essência espiritual expressa-se, então, em sua linguagem
especiIica Ieita de palavras, pela qual participa nesse todo.
A essência lingùistica das coisas e a sua linguagem, essa frase
aplicada aos homens exprime. a essência lingùistica do homem e
a sua linguagem. Isso significa. o homem compartilha a sua
propria essência espiritual na sua linguagem. A linguagem do
homem, porem, fala em palavras.(GS II-1, 143).

O homem compartilha a sua essência a medida que e compartilhavel, pois não e
toda ela que na sua essência lingüistica esta presente, como tambem não estava na
linguagem em geral. Caso o homem identiIicasse a totalidade da sua essência espiritual na
linguagem de uma vez por todas, então ja estaria completamente deIinido e não
necessitaria mais da continuidade da linguagem em participação, alias, não mais estaria
participando e tambem não mais Iaria parte do todo que pressupõe.
A caracteristica da participação que e a expressão ininterrupta do homem e a de que
ele nomeia todas as coisas. Não conhecemos outra linguagem nomeadora alem daquela que
e a do homem, mas apenas outras que não são nomeadoras. A especiIicidade da linguagem
do homem e a nomeação de todas as outras coisas.
O homem, portanto, compartilha a sua propria essência (a medida
que e compartilhavel) na medida em que nomeia todas as outras
coisas. Mas, conhecemos ainda outras linguas que nomeiam as
coisas? Nào se faça reparos no sentido de que nào conhecemos
linguagem alguma fora a do homem, pois isso nào e verdadeiro.
Apenas uma linguagem nomeadora nào conhecemos alem daquela
do homem, por meio de uma identificaçào de linguagem
nomeadora e linguagem em geral a teoria da linguagem despofa-
se da compreensào mais profunda. A essência lingüistica do
homem e, portanto, que ele nomeia as coisas. (GS II-1, 143).

E possivel perguntar pela razão de tal nomeação, mas a resposta ja esta dada pela
propria caracteristica da participação. O homem participa lingüisticamente nomeando, pois
190
e a sua maneira de participar. Por isso, a pergunta pela razão da nomeação equivale a
pergunta sobre com quem o homem compartilha e de que modo. Pois a sua parte e ao
modo da nomeação de todas as outras criaturas. Ha a participação de todos, desde lâmpada
ate raposa, e tal participação de todos possibilita a parte do homem que e nomear tudo.
Para que nomeia? Com quem o homem compartilha? Mas esta
questào no homem e outra em relaçào a outros
compartilhamentos (linguagem)? Com quem a lampada se
comunica? A montanha? A raposa? Aqui, porem, a resposta di:.
ao homem. Isso nào e nenhum antropomorfismo. A verdade dessa
resposta prova-se no conhecimento e talve: tambem na arte. Alem
disso. se lampada e montanha e raposa nào se comunicassem,
como ele entào poderia nomea-los? Mas ele as nomeia, ele se
compartilha a medida que ele a elas nomeia. (GS II-1, 143).

A expressão indagadora alemã wie teilt der Mensch sich mit? poderia ser traduzida
simplesmente por como o homem se comunica? E, então, desta Iorma perder-se-ia a
riqueza sugestiva com a qual Benjamin elabora toda a questão. Por isso, essa mesma
indagação deve ser acatada na sua sugestão que traz do seu imaginario original que e:
como o homem fa: de si parte? Ou. Como o homem expressa a si como parte? Ou: Como o
homem expressa a sua participaçào? Pois e conIorme a sua maneira de participação que o
homem compartilha. Por isso, compartilhar a sua essência espiritual em nomeação das
coisas, e ele mesmo em acontecimento de participação. Isso resulta em que os nomes que
da perIazem a sua Iorma de participação que, por sua vez, e a sua essência lingüistica, a
qual, por sua vez, e expressão da sua essência espiritual, do seu acontecer no todo que
sempre supõe na sua linguagem em compreensão itinerante.
Antes de se responder a essa questào, vale examinar mais uma
ve:, como o homem expressa a sua participaçào? Ha que se fa:er
uma grande diferença, colocar uma alternativa, diante da qual a
essencial opiniào incorreta sobre a linguagem com certe:a se trai.
O homem compartilha a sua essência espiritual pelos nomes que
ele da as coisas? Ou nelas? No paradoxo dessa questào esta a
resposta. (GS II-1, 143).

Os nomes ja são imediatamente a expressão da linguagem humana e não um
instrumento pelo qual o homem apresentaria a sua essência. Os nomes ja são a essência
partilhada e denotam o mais intimo compartilhamento com tudo aquilo que e nomeado.
Não e possivel aceitar que e pelos nomes, por meio deles, no uso deles como se Iosse um
terceiro elemento que a participação acontece, mas ja imediatamente neles o homem
191
expressa a sua essência espiritual. Os nomes das coisas Iazem parte do ser do homem que e
constante expressão nomeadora, de modo que nunca podera dizer que esta num outro local
separado da sua propria expressão participativa que assim o caracteriza. A totalidade do
que o homem nomeia e o seu mundo que ao mesmo tempo ele mesmo e.
Quem ai acredita que compartilhe a sua essência espiritual pelos
nomes, por outro lado nào podera aceitar que partilhe a sua
essência espiritual, - pois isso nào acontece pelo nome de coisas,
portanto de palavras, pelas quais ele designa uma coisa.(GS II-1,
144).

Quem acredita na possibilidade de instrumentar os nomes estaria a negar a sua
essência participante e comprometida no contexto do todo em que exatamente assim
participa. Benjamin denomina esta elaboração Iiccional a concepção burguesa da
linguagem, pois divide o indivisivel, ou seja, a palavra como instrumento de comunicação,
a questão de conteudo veiculada pela palavra e o destinatario receptor. Tal concepção esta
então a esquecer a drastica objetivação que comete, pois imagina que a sua teorização seja
objetiva alem e independentemente da linguagem a expressar exatamente esta opinião com
estes elementos em principio absolutamente separados.
E ele, por outro lado, so pode aceitar que estefa comunicando
uma questào a outros homens, pois isso acontece por meio da
palavra. Essa concepçào e a concepçào burguesa da linguagem,
cufa insustentabilidade e va:io deve decorrer com crescente
nitide: no que segue. Ela di:. o meio da comunicaçào e a palavra,
o seu obfeto a questào [a coisa], o seu endereço o homem. (GS II-
1, 144).

A concepção contraria a concepção burguesa e aquela que Benjamin desenvolve
enIrentando a contradição inerente a linguagem e que se nega em dividir a linguagem em
elementos pretensamente objetivos por meio de uma teoria objetiva tambem esquecida da
sua imediação como participação, como linguagem. De uma Iorma abrupta identiIica a
contradição da linguagem, que e a propria impossibilidade de uma deIinição separada sem
participação e que se expressa na constante nomeação participante enquanto essência
espiritual do homem, com o compartilhamento com Deus. O nome que e a essência
espiritual do homem compartilha com aquele que na tradição e indeIinivel e que neste
contexto ate agora Ioi elaborado como o todo sempre necessariamente pressuposto mesmo
nas varias tentativas de colocação de principios determinados enquanto suposição
deIinitiva. Tem-se ai a aIirmação da contradição que e um paradoxo em si, pois Deus ai e
192
compreendido como suposto que constantemente se anula como circunscrição objetiva
distanciando-se cada vez mais na atividade de dizer.
'A outra, pelo contrario, não conhece nenhum meio, nenhum objeto e nenhum
endereço da participação. Ela diz: no nome a essência espiritual do homem compartilha
com Deus¨. (GS II-1,144). A essência espiritual do homem expressa-se no nome, e a sua
linguagem. Sempre o homem sera caracterizado pelo comprometimento absoluto do que
diz enquanto nome seja o que Ior que estiver nomeando. Sob este ponto de vista e
interessante observar o milenar desejo desesperado de lavar as mãos para preservar a
Iicção da pura objetividade, como o expressa Pilatos no Iim do seu Iamoso dialogo com o
acusado Irente a multidão e se Iazendo de desentendido quanto ao dito no inicio da
conversa Irente a multidão: a pergunta es tu o rei? recebe a resposta tu o di:es! Por
parte do acusado trata-se da eliminação de qualquer criterio ou Iundamento Iora da
linguagem que pudesse oportunizar o grau zero de participação responsavel no veredicto
Iinal. O acusado indica o gesto de auto-absolvição Pilatos como participação ativa no
processo de julgamento. 'Deus espera na contradição da linguagem¨ e uma aIirmação ja de
Metafisica a fuventude (GS II-1, 93).
O nome tem no ambito da linguagem unicamente este sentido e
esta incomparavel grande significaçào. que ele e a mais interna
essência da propria linguagem. O nome e aquilo pelo que nada
mais e em que a linguagem a si mesma de modo absoluto se
comunica.(GS II-1, 145).

O nome e a caracteristica da linguagem do homem: e a sua essência espiritual e o
seu jeito de participação, portanto pode ser destacada como a linguagem, hierarquicamente
superior as outras linguagens existentes. Benjamin não se cansa de destacar a importância
do nome, porque a compreensão da inevitabilidade da participação do homem depende
desse conceito: o homem não conseguira desviar-se da nomeação, alias, bem entendido, o
homem e a propria nomeação como participação no todo. Caso se quisesse dizer o que a
linguagem e deIinitivamente, poder-se-ia inventar de tudo, mesmo assim toda a invenção
permaneceria na caracteristica de nomear e esse nomear seria simplesmente a continuidade
da participação. A perspectiva de uma instauração em continuidade signiIicativa como
participação Iaz-se presente, pois mesmo a colocação da linguagem participativa enquanto
nomeação e tambem percurso participativo, de modo que e exato e sempre circular quando
193
Benjamin expressa a dinâmica entre essência, compartilhamento e nome, sempre a volta ao
nome num retorno persistente: qualquer dizer e nome.
No nome a essência espiritual, que se compartilha, e a linguagem.
Onde a essência espiritual em seu compartilhamento e a propria
linguagem em sua absoluta totalidade, unicamente ali ha o nome,
e ali ha o nome unicamente. GS II-1, 145).

Ha que lembrar que a propria contradição da linguagem e elaborada enquanto
linguagem em participação, não sendo possivel, como ja Ioi indicado quanto ao aspecto
cetico, que se elimine o Iato de participar dizendo algo, porque dizer algo ja sempre e o
Iato de participar. A contradição não pode ser eliminada nem numa objetivação de
principio Iundante, nem na compreensão dela em percurso: toda a objetivação de algum
principio Iundante torna-se percurso e todo o percurso supõe um todo em que participa sem
poder dizê-lo como principio deIinitivamente, pois a linguagem e limitada a participação,
mesmo em vista da sua hierarquia superior no Iato de ser nomeadora. A participação seja
qual Ior esta no meio e e simplesmente linguagem. E este o aspecto intensivo da totalidade,
pois o extensivo enquanto inIinito desapareceu, não havendo nem Iora, nem dentro. A
totalidade intensiva so pode ser assim, ja que a preocupação extensiva esvaiu-se. A
totalidade imparcial não pode ter nem extensão, nem tempo. O tempo e a extensão
instauram-se no percurso do discurso ao modo da participação.
Isto tambem signiIica que a centralidade da linguagem humana e Iundamental, pois
todo o signiIicado ja articulado historicamente depende da linguagem, bem com o proprio
ordenamento em Iorma de tempo. Na linguagem em exercicio participativo ocorre a
instauração continuada ou não do sentido ja exposto como essência do homem. Na
continuidade da participação lingüistica do homem dando nomes a sua presença
participativa continua, pois e exatamente a sua continuidade que conIigura a expressão da
sua essência. Assim, passado, presente e Iuturo tambem estão no acontecimento
participativo da linguagem no todo. No seu dizer, este sendo participativo em
simplesmente linguagem, o homem desloca, mexe e conIigura sentidos milenares numa
concepção de tempo que recebeu. A continuidade do discurso do homem sobre tudo e
simultaneamente a continuidade da maniIestação da linguagem das coisas num encontro
que jamais podera ser objetivado, pois a propria elocução de tal objetivação seria a
continuidade do encontro. Mas o discurso do homem sobre as coisas ja e o encontro e e
este aspecto que indica a diIerença entre a linguagem do homem e das coisas. A partilha
194
dos nomes ja perIaz o encontro. Por isso, a realização desse encontro jamais podera
desIazer-se pelo erro de querer instaurar uma diIerença em que um conteudo diverso de
algum instrumento linguagem em comunicação esteja exposto em algum lugar como
objeto absolutamente separado. A participação enquanto expressão espiritual na nomeação
da a ideia de uma totalidade intensiva sempre em exercicio: dizendo o mundo, o mundo e
nomeado, a essência espiritual do homem se expressa e o encontro simultaneamente se da.
Expressando-se deste modo na nomeação do encontro, o homem vive desse encontro apos
a nomeação, ou seja, esta no nome que signiIica o encontro, ou no encontro que signiIica o
nome.
O nome como parte de herança da linguagem humana, portanto,
garante, que simplesmente a linguagem sefa a essência espiritual
do homem, e apenas por isso e que unicamente a essência
espiritual do homem e, sem resto, partilhavel entre todos todas as
essências espirituais. Isso fundamenta a diferença entre a
linguagem humana e a linguagem das coisas. Pelo fato, porem, de
a essência do homem ser a propria linguagem, por isso ela nào
pode comunicar-se por meio dela, mas somente nela. A sintese
dessa totalidade intensiva da linguagem enquanto essência
espiritual do homem e o nome. (GS II-1, 145).

A natureza esta na linguagem do homem e a nomeação Ieita e em ato nesse
encontro e a expressão do homem. A Iala da natureza, naquilo que ela expressa enquanto
sua essência esta no dizer do homem que assim nomeia esse encontro que ele mesmo e, ou
seja, a sua expressão espiritual como parte proponente de participação num todo que
precisamente nesta Iorma de participar ele e obrigado a reconhecer como condição de
possibilidade do seu exercicio. Chegar a esta compreensão e chegar a linguagem pura que
e capaz de em seu exercicio não se esquecer da contradição da linguagem sempre a
espreita para a instituição do esquecimento na objetivação, a qual e esquecimento do
acontecer em que o homem esta imerso sendo enquanto participante em linguagem
nomeadora.
Sendo o homem aquele que nomeia, depreendemos disso que a
partir dele a linguagem pura fala. Toda a nature:a, a medida que
se comunica, participa na linguagem, portanto, no homem por fim
das contas. (GS II-1, 145).

O homem e senhor da natureza na expressão que e em participação no todo ao
modo de Iomentar o encontro participativo daquilo que nomeia. A essência lingüistica das
195
coisas que nomeia e a possibilidade da sua expressão. O homem e o Iormador de mundo a
medida que nomeando Iomenta a participação no encontro como natureza. O homem esta
no nome como expressão instantânea de si mesmo, e estar no nome e estar no mundo que
se esta a dizer.
'Por isso ele e o senhor da natureza e pode nomear as coisas. Apenas a partir da
essência lingüistica das coisas ele chega por si mesmo ao conhecimento delas no nome¨.
(GS II-1, 145). Dizer o mundo nomeando as coisas de acordo com a sua essência espiritual
e na continuidade do encontro da-se a continuidade da criação. O todo, que no exercicio da
participação caracterizada sempre e suposto e inesgotavel neste mesmo exercicio, na
linguagem da nomeação e pressuposto e, precisamente como pressuposição esta presente
nessa Iorma de expressão que na linguagem so e apreensivel como a sua contradição, ou
seja, a objetivação da linguagem enquanto participação ao modo da nomeação. A
contradição e a propria criação que continua na nomeação pelo simples Iato de que, para
ser, a linguagem precisa da suposição do direito de participação em dar nomes ao que se
apresenta e encontra, o proprio direito de ser, e, simultaneamente necessita da suposição da
inesgotabilidade do seu exercicio participativo como encontro nomeante. A criação de
Deus, deste modo, nunca e completa enquanto houver nomeação na lembrança da
participação ocorrente em inIinitas proposições de objetivação na compreensão da sua
condição e do seu carater provisorios. O homem continua a nomear a si mesmo em tudo o
que continua a nomear em multiplas perspectivas. A nomeação expressa-se, então como a
linguagem das linguagens, porque abarca todas as outras.
A criaçào de Deus consuma-se a medida que as coisas recebem o
seu nome do homem, a partir do qual unicamente a linguagem
fala no nome. Pode-se denominar o nome como a linguagem da
linguagem (caso o genitivo nào denote a relaçào do instrumento,
mas do meio) e nesse sentido, sem duvida, pelo fato de falar no
nome, o homem e o falante da linguagem. Pela designaçào do
homem como o falante (isto, porem, por exemplo, e conforme a
biblia certamente o doador de nomes. 'como o homem
denominaria todos os seres viventes, assim eles deveriam chamar-
se`) muitas linguas incluem esse conhecimento metafisico. (GS II-
1, 145).

Benjamin procura especiIicar melhor o que entende por linguagem dos nomes
indicando que ela e exclamação do sentido de expressão constante daquele que assim
participa por um lado, e, por outro, e invocação de si mesma, e instauração do que ai se
196
expressa. A linguagem não pode ter para si uma explicação da sua origem, pois toda a
explicação ja se daria novamente no âmbito dela mesma com todos os seus recursos. O
principio da sua origem encontra-se nela mesma como ja participação desde sempre, ja que
ate o tempo inicia a se desenrolar a partir da contradição que lhe e inerente e que tambem
depende da sua expressão em seu percurso. E como ja vimos, o seu percurso supõe a
contradição entre objetivação e expressão a instaurar o tempo. Ausruf (exclamação,
expressão) e Anruf (evocação, instauração) na linguagem do nome e o homem que se
expressa como exclamação de si mesmo e simultaneamente e instauração do mundo
nomeado ao qual pertence. O homem pronuncia a si mesmo como exclamação de si na
simultaneidade da nomeação ao modo de instauração do mundo, agora como encontro
participativo de si com o nomeado.
Mas o nome nào e unicamente a ultima exclamaçào, mas e
tambem a propria invocaçào da linguagem. Com isso no nome
aparece a lei essencial da linguagem, pela qual pronunciar-se a si
mesmo e pronunciar todo o resto e o mesmo. (GS II-1, 145).

So a linguagem do homem e pura na nomeação universal, a qual tambem e a sua
essência espiritual e que se compreende enquanto compreensão na participação do todo.
No nome, a totalidade intensiva agora se reIere a perspectiva da expressão da linguagem
do homem que e a possibilidade de abarcar a essência espiritual de todas as coisas, e a
totalidade extensiva reIere-se a instauração, ao mesmo tempo, do mundo das coisas em
continuidade para que o encontro aconteça. De um lado a essência em sua Iaculdade de
nomeação para participação e, de outro, a essência participante em objetivação na
culminação do paradoxo aludido. De um lado o dizer em ocorrência e, de outro, o dito
pensado enquanto objetivação em validade universal. A culminância dos dois aspectos
seria a linguagem pura. A objetivação para a validação universal extensiva, em termos de
essência participante, num todo ja posto, e incompleta, melhor, sempre sera incompleta
enquanto não Ior de novo capaz de escapar da objetivação e se tornar lingüistica, isto e,
capaz de participação. Por isso, como ja visto, o todo dito nunca sera o todo deIinitivo,
porque tambem ele continua a Iazer parte na participação do homem em linguagem. A
culminância da linguagem do homem na totalidade intensiva e extensiva e a sua verdadeira
expressão, a pura linguagem a Ilutuar sobre o precipicio e não incorrendo no erro da teoria
da linguagem burguesa em sua procura por solidiIicações abstrusas.
197
A linguagem e nela uma essência espiritual apenas se
pronuncia puramente ali, onde ela fala no nome, isto significa. na
nomeaçào universal. Assim, no nome culminam a totalidade
intensiva da linguagem enquanto a essência espiritual
absolutamente capa: de participaçào e a totalidade extensiva da
linguagem como a essência universal participante (nomeadora).
De acordo com a sua essência participante [mitteilenden], ou
sefa, a sua universalidade, a linguagem e incompleta onde a
essência espiritual, que a partir dela fala, em toda a sua estrutura
nào e lingùistica, isto e capa: de participaçào [mitteilbar].
Somente o homem tem a linguagem completa de acordo com a
universalidade e intensidade. (GS II-1, 145)

A essência espiritual das coisas, na medida da sua expressão, e lingüistica como a
linguagem do homem? Se a essência das coisas realmente Ior lingüistica então se tem ai o
âmbito do encontro entre linguagem nomeante e a essência espiritual das coisas que e
tambem linguagem. Em outros termos, o que se tem e a linguagem la e ca. Um conteudo da
linguagem não ha, por que em todo o lugar a essência espiritual e participação
simplesmente, isto e linguagem em geral de novo. O que se poderia chamar conteudo
novamente ja e participação.
Frente a esse conhecimento, uma pergunta e possivel sem o perigo
de confusào, a qual, sem duvida e de maxima importancia
metafisica, mas que neste lugar pode primeiramente ser
apresentada em toda a clare:a como uma questào terminologica.
A saber, se a essência espiritual nào so dos homens (pois isso e
necessario) mas tambem das coisas e com isso a essência
espiritual em geral, deve ser denominada lingùistica na
perspectiva da teoria da linguagem. Se a essência espiritual e
idêntica com a essência lingùistica, entào a coisa, de acordo com
a sua essência espiritual, e mediaçào da participaçào, e o que
nela se participa de acordo com a relaçào medial e
precisamente este proprio Medium (a linguagem). A linguagem e
entào a essência espiritual das coisas. A essência espiritual desde
o principio e posta como capa: de participaçào, ou antes,
precisamente e posta no ambito da faculdade de participaçào, e a
tese. a essência das coisas e idêntica com a essência espiritual a
medida que a ultima e capa: de participaçào, torna-se uma
tautologia com a sua expressào a medida que. Um conteudo da
linguagem não ha; enquanto participação a linguagem compartilha
uma essência espiritual, isto e, a Iaculdade da participação
simplesmente. (Idem, 146). (GS II-1, 145).


Se não ha conteudo então tudo se da em termos de participação que se Iaz nos
meios de densidade diIerenciada: o nomeante em sua expressão lingüistica participativa e o
198
nome do participante em sua linguagem, ambos em si separados, mas unidos no âmbito do
processo de participação daquela linguagem que e nomeante. Na linguagem dos nomes ha
correspondência entre as duas esIeras perIazendo o encontro.
As diferenças das linguas sào aquelas dos meios que se
diferenciam, por assim di:er, por sua densidade, portanto, de
forma gradual, e isso na dupla perspectiva conforme a densidade
do participante (nomeante) e do comunicavel na comunicaçào
(nome). Essas duas esferas, as quais puramente separadas, mas,
mesmo assim, unificadas apenas na linguagem humana dos
nomes, correspondem-se naturalmente. (GS II-1, 146).

Nesta questão dos graus e necessario recordar insistentemente que Benjamin esta a
bater-se com a questão da objetivação. Chegar-se a um resultado que minimamente
insinuasse conteudos separados da linguagem seria o mesmo que ter perdido a batalha. Os
conteudos, portanto, devem ser compreendidos como participação expressiva de quem os
propõe. As coisas são conteudo? Benjamin resolve que não são, porque, com parte da sua
essência espiritual, estão a se expressar lingüisticamente num encontro com a nomeação da
linguagem nomeante do homem. Os antigos conteudos que dai resultariam seriam no
nome, então, vistos como diIerença entre graus em que um pode ser traduzido no outro
superior ate a linguagem dos nomes como se Iossem graus de ser em analogia com os
graus espirituais da Escolastica. Exatamente este estado de coisas permite que se Iale de
metaIisica da linguagem. Esse termo quer expressar a necessidade de se pensar para alem
da objetivação, simplesmente de acordo com a etimologia grega que desde sempre sugeriu,
primeiramente, um âmbito da Iu`sij como resultado de todo o conjunto de explicações
estabelecidas objetivamente e em que todos se compreendem pelas explicitações e
aplicações mais variadas do dia a dia e, depois, a possibilidade de um Meta, um alem do
que Ioi posto, perguntando pelas justiIicativas da Iundamentação de toda a compreensão
ocorrente. O novo que dai pode surgir e sempre revolucionario, percepção de destruição da
estrutura compreensiva de uma epoca, encarada por alguns como caos e por outros como
revelação de novos tempos.
Neste contexto, a revelação se da como resultado da percepção da contradição da
linguagem, quando a objetivação do todo suposto e percebida como tendo entrado,
enquanto conteudo separado, pela porta dos Iundos em Iorma de totalidade extremamente
reduzida pelo esquecimento da nomeação participante e impedida de deIinir por completo
qualquer todo em seu percurso de participação atenta ao seu caminho necessitado de
199
intermitentes recomeços e desvios. A revelação simplesmente se daria no se dar conta de
que todos os Iantasmas criados são Iormas de participação, resultando dai a necessidade de
uma analise atenta e minuciosa dos mesmos Iantasmas objetivados, ja que em seu sentido
de desaparição são eles os indicadores do novo rumo da participação. Para Iorçar o
entendimento da passagem da Iu÷sij para a metaIisica, Benjamin repete a aIirmação da
identidade de essência espiritual com a essência lingüistica: a esclerose instalada como
uma totalidade reduzida e apenas um recado para a sua necessaria quebra e destruição a
Iim de que o novo possa instaurar-se. A linguagem dos nomes tem o estatuto de revelação
continua: os nomes são a expressão da abertura constante, da criação continua, da
Offenbarung que signiIica processo de abertura alem da mera repetição nas pistas de
corrida da objetivação. A revelação da-se na quebra da objetivação pela linguagem
recolocando a mesma objetivação no seio da mesma linguagem simplesmente para novo
procedimento de graduação do ser. Volta-se ao local em que se esteve com todos os navios
queimados no porto.
Para a metafisica da linguagem decorre da identificaçào da
essência espiritual e lingùistica, que conhece apenas diferenças
graduais, uma gradaçào de todo o ser em camadas graduadas.
Essa gradaçào, que acontece no interior da propria essência
espiritual, nào se deixa mais incluir sob nenhuma categoria
superior, e por isso ela leva a gradaçào de toda a essência
espiritual e lingùistica conforme graus de existência ou graus de
ser, como fa a escolastica estava acostumada em relaçào as
espirituais. A identificaçào da essência espiritual com a essência
lingùistica e, porem, de tanta abrangência metafisica na
perspectiva da teoria da linguagem, porque ela condu: para
aquele conceito que sempre de novo se ergueu como que por si no
centro da filosofia da linguagem e que constituiu a mais profunda
ligaçào com a filosofia da religiào. Trata-se do conceito da
revelaçào. (GS II-1, 146).

Nas questões da linguagem tem-se a retidão do dito que se repete em seu sentido e
sua aplicação enquanto dizer resultando numa compreensão companheira sem maiores
sobressaltos. Pode ser de diIicil deciIração, mas a obstinação na Iidelidade aos mesmos
criterios de compreensão representa a garantia do entendimento Iinal. O resultado deste
movimento compreensivo e invariavelmente a objetivação mais acentuada. Apenas a
revelação do impronunciavel, a partir do ainda impronunciado no velho esquema
sistêmico-compreensivo, e que pode trazer a linguagem novamente a sua pureza na
compreensão da contradição da linguagem. O conIlito acerba-se a ponto de insolubilidade
200
quando se imagina poder programar o dizer do ainda não dito. Como seria possivel se a
propria compreensão aIerrada em toda a sua extensão a linguagem Iicaria enredada ainda
ate nas questões de sua auto-programação?
'Em meio a toda a Iormação lingüistica vige o conIlito do pronunciado |dito| e do
pronunciavel |dizivel| com o impronunciavel |indizivel| e o impronunciado |não-
dito|¨.(GS II-1, 146). O termo impronunciavel denota simplesmente a possibilidade alem
da compreensão em objetivação ocorrente. Esta palavra indica o sentido de uma ultima, ou
mais alta, ou mais proIunda, ou mais abrangente essência espiritual em termos de
derradeira totalidade intensiva em participação total.
'Na consideração desse conIlito vê-se, pela perspectiva do impronunciavel, ao
mesmo tempo a ultima essência espiritual¨. (GS II-1, 146). Quando se pensa no sentido
inverso, isto e, que a mais alta essência como possibilidade de participação na linguagem
sempre ja tenha sido dita, tem-se a seguinte tese: o dito, tudo o que ja Ioi pronunciado,
mesmo que compreendido objetivamente, ja e expressão em que esta depositado tudo o que
se quer saber e todas as possibilidades de percepção da participação. O mais pronunciado,
o mais proximo da compreensão costumeira com a colaboração de todas as areas do saber
e dos textos ditos sagrados, e exatamente o local da proIundidade do abismo de onde brota
o sentido da revelação. O cotidiano e revelação pura sem que se saiba. E proximo e
distante como a aura na volta a distância extremamente proxima da linguagem em uso
tornando simplesmente clara a relação entre espirito e linguagem.
Claro, porem, e que na identificaçào da essência espiritual com a
essência lingùistica essa relaçào da proporçào inversa entre
ambos e contestada. Pois ai di: a tese. quanto mais profundo, isto
e, quanto mais existente e efetivo o espirito, tanto mais
pronunciavel e pronunciado, como, pois, por certo se da no
sentido dessa identificaçào, ou sefa, tornar simplesmente clara a
relaçào entre espirito e linguagem, de modo que o
lingùisticamente mais existente, isto e a expressào fixada, o
lingùisticamente mais pregnante e inalteravel, em uma palavra. o
mais pronunciado sefa ao mesmo tempo o espiritual puro. (GS II-
1, 146).

A revelação deste modo estaria simplesmente na escuta da inviolabilidade da
palavra, na volta a linguagem enquanto participação e compreensão de que ate o antigo
conteudo, mesmo objetivado, e expressão participante. Por este vies trata-se de ler o
mundo objetivado como expressão caracteristica da divindade da essência espiritual. Na
201
suspensão da objetivação na compreensão da participação o mundo torna a ser nomeado. O
mundo ja pronunciado por objetivação e assim recorrentemente compreendido a ponto de
perIazer a Iorma de ser do que assim se apresenta e precisamente o livro aberto do qual e
possivel haurir o sentido em sua ocorrência.
Exatamente isso e o que o conceito da revelaçào di:, quando ela
toma a intocabilidade da palavra como a unica e suficiente
condiçào e caracteristica da divindade da essência espiritual que
nela se pronuncia.(GS II-1, 147).

Para a religião, portanto, não ha o impronunciavel, nem o impronunciado. Tudo ja
Ioi dito e pronunciado, mas ele e solicitado no nome. A religião para Benjamin indica o
retorno para a compreensão da participação eIetiva em todo o dizer. Pelo Iato de lhe ser
inerente o reconhecimento da participação na linguagem e toda a palavra ser inviolavel
para usos objetais, a religião não conhece o impronunciavel, que de qualquer modo seria
objetivação de algum alem, mas aposta no dizer a respeito do ja sempre dito. Ai esta
delineado o aspecto da revelação. A religião esta baseada, portanto, na aposta da
linguagem nomeante enquanto tradução de tudo o que ja Ioi pronunciado e esquecido na
esclerose do esquecimento objetivado. Assim ela acontece enquanto revelação continuada
num processo de Offenbarung: abertura constantemente nomeante Irente aos portões da
objetivação. Benjamin cita Hamann, o qual sempre se preocupou com os exageros da
racionalidade triunIante da sua epoca e que deIende que antes da razão sempre ja se esta na
linguagem para ediIicar em participação a ediIicação objetivada da autonomia da razão.
O mais alto ambito espiritual da religiào e (no conceito da
revelaçào) ao mesmo tempo o unico que nào conhece o
impronunciavel. Pois ele e solicitado no nome e se pronuncia na
revelaçào. Aqui, porem, se anuncia que unicamente a suprema
essência espiritual como aparece na religiào, baseia-se no homem
e na linguagem nele, enquanto toda a arte, sem exceçào da poesia,
mesmo que em sua completa bele:a, baseia-se nào na suprema
essência do espirito lingùistico, mas num espirito da linguagem
obfetal. 'Linguagem, a màe da ra:ào e da revelaçào, seu A eW`,
di: Hamann. (GS II-1, 147).

O homem na linguagem do nome pronuncia as coisas, mas tem na linguagem delas
o seu ponto de encontro para a nomeação. A linguagem do homem e sonora e completa por
ser linguagem participante em dar nomes a todas as coisas. Ja a linguagem das coisas e
muda e magica em sua comunhão em que participam materialmente. O homem articula
202
sons que são os simbolos materiais da sua participação em signiIicação espiritual. A
instauração expressiva do homem enquanto Iormador do mundo e a magia da sua
linguagem. O som e dito e o seu dizer e participação, a magia instaurativa enquanto
participação da ordem que a nomeação apresenta e dita e a propria compreensão que isso
tudo signiIica e dita na continuidade do dizer, que tambem e dito.
Entre as palavras, discursos e narrativas ja pronunciadas para veriIicação da
possibilidade de expressar melhor a essência da linguagem, Benjamin recorre a uma
tradição especiIica, Iazendo ja uma interpretação dos primeiros capitulos de Gênesis. Ele a
escolhe, porque trata da linguagem, e linguagem e a sua tradição deu-se como conservação
de um dito importante para a acentuação da centralidade do dizer humano como nomeação.
E Benjamin introduz a narrativa chamando antes a atenção para a questão Iundamental:
Deus, ou, como ate a pouco, o todo, soprou o halito no homem, sendo isso
simultaneamente vida, espirito e linguagem. O simbolismo logo indica que o homem e
participação no todo como linguagem que remete a vida e ao espirito.
Mesmo nas proprias coisas a linguagem nào e completamente
pronunciada. Essa frase tem um duplo sentido conforme o sentido
figurado e o sentido direto. As linguagens das coisas sào
incompletas, e elas sào mudas. As coisas e negado o puro
principio formal lingùistico o som. Elas podem apenas
comunicar-se mutuamente numa comunidade mais ou menos
material. Essa comunidade e imediata e infinita como a
comunidade de cada participaçào lingùistica, ela e magica (pois
ha tambem uma magia da materia). O fator incomparavel da
linguagem humana e que sua comunidade magica com as coisas e
imaterial e puramente espiritual, e para tanto o som e o simbolo.
Esse fato simbolico a Biblia expressa quando di: que Deus soprou
o halito no homem, isso e simultaneamente vida e espirito e
linguagem. (GS II-1, 147)

E imprescindivel acentuar a liberdade que Benjamin se da na escolha de textos de
apoio para elaborar a questão da contradição da linguagem: o texto de Gênesis e visto
como importante no conjunto dos textos da tradição, sem que haja imediato
comprometimento com alguma ingênua compreensão historicista. Trata-se de uso dos
aspectos descritivos de material milenar, que apresenta uma versão teatralizada da situação
humana e a importância capital da linguagem. A Biblia e linguagem pronunciada com
amplo aspecto de participação e ao mesmo tempo aborda especiIicamente a linguagem
como realidade Iundamental logo no seu inicio. Ela se considera revelação e como tal
procura apresentar uma narrativa que indica as questões Iundamentais da linguagem.
203
Quando, no que segue, a essência da linguagem e considerada na
base dos primeiros capitulos de Gênesis, entào, com isto, nào se
trata nem de perseguir uma interpretaçào biblica como meta, nem
mesmo agora de por ao pensamento reflexivo a biblia enquanto
verdade revelada obfetivamente como fundamento, mas se deve
encontrar aquilo que resulta do texto biblico quanto a nature:a da
propria linguagem, e a Biblia e antes de tudo por isso
insubstituivel, porque essas elaboraçòes no principal a
acompanham no sentido de que nelas a linguagem e pressuposta
como uma realidade final, apenas a ser considerada em seu
desenvolvimento, inexplicavel e mistica.A medida que a Biblia a si
mesma se considera revelaçào, precisa necessariamente
desenvolver os fatos fundamentais. (GS II-1, 147).

Benjamin inicia com o aproveitamento da segunda narrativa de Gênesis, que em
seu imaginario e muito mais antiga do que a primeira com que a Biblia começa, porque
põe a divindade como se Iosse oleiro conIeccionando um bonequinho de barro no qual
inspira o seu halito sagrado que Benjamin interpreta como vida, espirito e linguagem para
eleva-lo sobre o resto da natureza. Nessa segunda versão a criação do homem não e pela
palavra da divindade, mas a palavra lhe e transmitida apos a Ieitura barrenta: Deus não Iala
e so transmite ao homem a capacidade da palavra junto com seu halito signiIicando a sua
propria essência em termos de vida, espirito e linguagem, enquanto que o resto da natureza
permanece muda.
A vontade de Deus enquanto absoluta possibilidade deve ser pensada como
imediatamente criativa em que a propria ocorrência do pensar, nomear e compreender
passo a passo sugere ler e seguir todos os seus rastros.
A segunda versào da historia da criaçào, que narra sobre o
soprar o halito, ao mesmo tempo informa que o homem foi feito de
terra. Esse e o unico lugar em toda a historia da criaçào, na qual
se fala sobre um material do criador, no qual ele expressa a sua
vontade que geralmente por certo e pensada como imediatamente
criativa. Nessa segunda historia da criaçào a feitura do homem
nào aconteceu pela palavra. Deus disse e aconteceu -, mas a
esse homem nào criado pela palavra e repassada a dadiva da
palavra, e ele e elevado sobre a nature:a. (GS II-1, 147).

Na primeira versão da criação que parece mais elaborada e, portanto,
historicamente posterior, a palavra e incorporada ao homem a medida que e nomeado na
ritmica conhecida: Iaça-se ele criou ele chamou. A palavra ai e imediatamente criativa
e nomeante: ela instaura de imediato aquilo que nomeia e, por isso, a linguagem e palavra e
nome.
204
Essa peculiar revoluçào do ato da criaçào quando se dirige ao
homem, porem, nào e menos claramente marcada na primeira
narrativa da criaçào, e num contexto completamente diferente ele
garante com igual determinaçào a relaçào entre homem e
linguagem a partir do ato da criaçào. A multiforme ritmica do ato
da criaçào do primeiro capitulo de certo permite uma especie de
forma fundamental, do qual unicamente o ato da criaçào do
homem diverge. E certo que ai em nenhum lugar se trata, nem no
homem e nem na nature:a, de uma expressa relaçào ao material,
do que eles foram criados. E se a cada ve: nas palavras 'ele fe:`
e pensado um criar a partir da materia, deve aqui ser deixado em
suspenso. Mas a ritmica pela qual se reali:a a criaçào da
nature:a (conforme Gênesis I) e. faça-se ele criou ele chamou.
Em atos de criaçào individuais (I,3,I,14) aparece apenas o
'faça-se`. Nesse 'faça-se` e no 'ele chamou` no inicio e no fim
dos atos aparece cada ve: a profundamente nitida relaçào do ato
da criaçào com a linguagem. Com a criativa onipotência da
linguagem ele inicia, e no fim a linguagem, por assim di:er,
incorpora o que foi criado, ela o nomeia. Ela e, portanto, a parte
criativa, e o consumado, ela e palavra e nome. (GS II-1, 148).

Interessa a Benjamin a identiIicação de Deus com a palavra criativa e nomeadora
enquanto âmbito total e absoluto do conhecimento. Nome e conhecimento estão
relacionados de modo absoluto em participação total e enquanto Medium total. Neste meio
de totalidade de participação o homem participa nomeando as coisas, mas como parte
Iazendo-o conIorme o conhecimento.
Em Deus o nome e criativo, porque e palavra, e a palavra de Deus
e conhecedora, pois ela e nome. 'E ele viu que era bom`, isto e.
ele o tinha conhecido pelo nome. A relaçào absoluta do nome com
o conhecimento consiste unicamente em Deus, apenas ai esta o
nome, porque ele e profundamente idêntico com a palavra
criativa, o Medium puro do conhecimento. Isto significa. Deus fe:
as coisas reconheciveis no nome delas. O homem, porem, nomeia-
as conforme o conhecimento. (GS II-1, 148).

A especiIicidade do homem e que ele não Ioi nomeado como aconteceu com as
outras criaturas na criação, portanto, não esta subjugado a palavra, mas a palavra lhe Ioi
conIiada com toda a sua carga criativa e instauradora. Como palavra, Deus e criador em
instauração absoluta. O homem como palavra e conhecedor apenas em parte, e isto
signiIica que as suas palavras são reIlexo da essência criativa da palavra de Deus no nome
enquanto participação. O nome participativo, como a expressão ja diz, ativa-se na
participação analitica numa circunscrição que, se comparada, e ilimitadamente criativa
Iorça da palavra de Deus. A palavra participativa em exercicio analitico e hermenêutico
205
jamais podera prescindir em sua atividade de participação da palavra absoluta enquanto
suposto sintetico. Sempre havera uma a necessidade da suposição dessa diIerença
Iundamental.
Na criaçào do homem a triplice ritmica da criaçào da nature:a
cedeu a uma ordem completamente diferente. Nela, portanto, a
linguagem tem um outro sentido, a trindade do ato e tambem aqui
preservada, mas precisamente no paralelismo manifesta-se o
distanciamento com tanto maior vigor. no triplice 'ele criou` do
versiculo I, 27. Deus nào criou o homem a partir da palavra, e ele
nào o nomeou. Ele nào queria subfuga-lo a palavra, mas no
homem Deus livremente abandonou a palavra que lhe tinha
servido como Medium da criaçào. Deus descansou quando no
homem deixou a sua criatividade entregue a si propria. Essa
criatividade, dispensada da sua atualidade divina, tornou-se
conhecimento. O homem e o conhecedor da mesma linguagem em
que Deus e criador. Deus o fe: a sua imagem, ele criou o
conhecedor a imagem do criador. Dai e que necessita de
explicaçào a frase. A essência espiritual do homem e a linguagem.
A sua essência espiritual e a linguagem na qual houve criaçào. Na
palavra foi criado, e a essência lingùi stica de Deus e a palavra.
Toda a linguagem humana e apenas reflexo da palavra no nome.
O nome alcança tào pouco a palavra como o conhecimento a
criaçào. A infinitude de toda a palavra humana sempre permanece
como essência limitada e analitica em comparaçào com a
infinitude da palavra de Deus absolutamente ilimitada e criativa.
(GS II-1, 149).

O nome proprio que o homem recebe reveste-se de enorme importância nesse
contexto. O homem não e nomeado por Deus como as outras criaturas, mas e o unico de
todos os seres que recebe o nome proprio como que para se nomear a si mesmo na
continuidade da criatividade na nomeação de todas as coisas. O homem assim e criativo
pelo nome, ja que pela nomeação ele e Iormador do seu mundo. No modo dessa mesma
participação em linguagem o nome do homem e seu proprio destino, pois Iaz o seu nome.
Com o seu destino no nome proprio em sua participação nomeante de todas as coisas
expressa a sua comunhão com Deus, o qual, por sua vez, permanece com a sua palavra
criativa no homem assim caracterizado.
Percebe-se que Benjamin na analise do texto biblico tem a oportunidade de
corroborar e ate enriquecer com mais detalhes a sua concepção de linguagem.
A imagem mais profunda dessa palavra divina e o ponto em que a
linguagem humana alcança a participaçào mais intima na
infinitude divina da simples palavra, o ponto em que ela nào se
pode tornar palavra e conhecimento finitos. isso e o nome
206
humano. A teoria do nome proprio e a teoria sobre o limite da
linguagem da linguagem finita e infinita. De todas as criaturas o
homem e o unico que nomeia o seu igual, como entào tambem e o
unico que Deus nào nomeou. Talve: sefa intrepido, mas custa a
ser impossivel nomear nesse contexto o versiculo 2, 20 em sua
segunda parte. que o homem deu nome a todas as criaturas, 'mas
para o homem nào se havia encontrado uma afudante que
estivesse ao seu lado`. Como, entào tambem, Adào nomeou a sua
mulher logo que a recebeu. (Jaroa no segundo capitulo, Eva no
terceiro). Com a doaçào do nome os pais consagram os seus filhos
a Deus, Ao nome, que eles ai dào nào corresponde entendido
metafisicamente e nào etimologicamente nenhum conhecimento,
conforme o modo de eles tambem denominarem as crianças de
recem nascidas. De acordo com a severidade do espirito, tambem
nenhum homem deveria corresponder ao nome (conforme o seu
sentido etimologico), pois o nome proprio e a palavra de Deus em
sons humanos. Com ele a criaçào de Deus e garantida a cada
homem, e neste sentido ele mesmo e criativo, como a sabedoria
mitologica o expressa na intuiçào (que certamente nào raro se
encontra), que o nome do homem e o seu destino. O nome proprio
e a comunhào do homem com a palavra criativa de Deus. (Esta
nào e a unica, e o homem conhece ainda uma outra comunhào
lingùistica com a palavra de Deus). (GS II-1, 149-150).

Os aspectos ja enumerados das sugestões da narrativa biblica cooperam para negar
a concepção burguesa da linguagem, pois, pelo visto, a palavra nunca e apenas sinal de
outra coisa, mas ja a simples menção e constitutivamente participante no mundo do
homem, em sua Iorma de participação. O nome das coisas e dar-lhes a conhecer o seu
nome pela participação nomeante do homem. Novamente aqui deve ser ressaltado o
aspecto do encontro pela participação mutua que lingüisticamente se constitui.
Se a concepção burguesa pelo seu vies objetivante representa o esquecimento da
riqueza da dadiva da palavra, a concepção mistica tambem incorre em erro quando toma a
palavra como a propria essência da questão. A coisa em si mesma não tem palavra humana
para se nomear, ela Ioi Ieita e nomeada, mas e muda em sua magica participativa para
chegar a conhecer o seu nome pela palavra participativa nomeante do homem.
Descartada a concepção burguesa, bem como a mistica, ha que se alertar para o
engano de entender a nomeação do homem como criação espontânea. A palavra do homem
não cria as coisas espontaneamente como Deus, pois ja esta no meio da participação em
que nomeia o que Ioi criado Iomentando o encontro na Iormação do seu mundo e do seu
destino a medida que as coisas se lhe comunicam. Tal encontro participativo mutuo
continua enquanto permanecer a silenciosa e muda magia de Deus na natureza para a
207
continuidade da possibilidade da participação do homem que a nomeia de acordo com a
sua tareIa.
Pela palavra o homem esta ligado a linguagem das coisas. A
palavra do homem e a linguagem das coisas. Por isso nào mais
pode surgir a representaçào que corresponde a visào burguesa da
linguagem, que a palavra se relacione arbitrariamente com a
questào, que ela por meio de alguma convençào sefa o sinal
convencionado [posto] das coisas (ou do seu conhecimento). A
palavra nunca da simples sinais. Equivoca, porem, tambem e a
recusa da teoria da linguagem burguesa em troca de uma mistica.
Pois, conforme ela, a palavra e simplesmente a essência da
questào [coisa]. Isso e incorreto, porque a coisa em si nào tem
palavra. ela e criada a partir da palavra de Deus e conhecida em
seu nome conforme a palavra humana. Esse conhecimento da
coisa, porem, nào e criaçào espontanea, ele nào acontece a partir
da linguagem de modo absolutamente ilimitado e infinito como
ela, mas o nome que o homem da a coisa consiste na maneira
como ela se lhe comunica. No nome a palavra de Deus nào
permaneceu criativa. ela em parte tornou-se receptora, mesmo
que receptora de linguagens. Essa recepçào esta voltada para a
linguagem das coisas mesmas, das quais novamente a silenciosa e
muda magia da nature:a de Deus resplandece. (GS II-1, 150).

O encontro da essência lingüistica do homem e da essência lingüistica das coisas na
palavra humana e por Benjamin indicado como recepção e espontaneidade, lembrando com
esses termos a IilosoIia kantiana da Critica da ra:ào pura. O âmbito da recepção e da
espontaneidade parece perIazer a circunscrição em que se da o encontro da participação do
homem e das coisas participantes com sua essência lingüistica que não e sonora e
espiritual, mas muda e material como que remetendo tambem as questões da sensibilidade
discutidas nesse contexto kantiano. Assim, o que e mudo e sem nome, que e o mundo das
coisas, vem a receber o seu nome sonoro na palavra humana para a Iormação de mundo.
Essa Iormação de mundo assim entendida e o processo de tradução de uma linguagem na
outra. As coisas dão o seu recado numa linguagem muda recepcionada pelo homem e este
as traduz em suas palavras participando precisamente desse modo no todo que sempre e
obrigado a supor. A linguagem das coisas traduzidas na linguagem humana e o mesmo
processo de nomeação pelo qual o homem se deIine no todo que pressupõe.
Para recepçào e espontaneidade simultaneamente, como se
encontra nessa exclusividade da ligaçào apenas no ambito
lingùistico, a linguagem tem a sua palavra propria, e essa palavra
tambem vale para a recepçào do sem nome no nome. Trata-se da
traduçào da linguagem das coisas para a linguagem do homem.
(GS II-1, 150).
208

A tradução e de algum modo a propria linguagem, pois o vir a ser do homem
nomeante em participação ja se da como nomeação de si pela nomeação das coisas ao
modo da tradução. Se não houvesse a circunscrição onde a tradução acontece, tambem não
haveria a tradução. Assim, a linguagem superior do homem ja traz consigo a tradução de
parte da linguagem muda das coisas e essa e a sua participação ao modo de ser parte no
todo. Toda a linguagem superior ja e tradução de todas as outras. As linguas humanas
envolvidas nessa tradução primeira entrelaçam-se Iormando um continuo de
transIormações de uma a outra nas traduções promovidas. Essas transIormações, em
termos dos explicados graus de ser, não repassam conteudos simplesmente como se Iossem
a parte de uma e outra lingua, mas a lingua tradutora investe numa torção de si a exemplo
da nomeação das coisas em que se Iorma um campo comum de participação mutua
altamente criativa por ser precisamente nomeante.
E necessario fundamentar o conceito de traduçào na mais
profunda camada da teoria da linguagem, pois ele e por demais
abrangente e potente para poder ser tratado posteriormente numa
perspectiva qualquer, como as ve:es se opina. O seu completo
significado ele recebe na compreensào de que toda a linguagem
superior (com exceçào da palavra de Deus) pode ser comparada
como traduçào de todas as outras. Com a mencionada relaçào
das linguas como relaçào de Mediums de variada densidade, a
tradutibilidade das linguas e concedida de modo entrelaçado. A
traduçào e a conduçào de uma lingua na outra por meio de um
continuo de transformaçòes. A traduçào percorre continuidades
de transformaçào e nào ambitos de igualdade e semelhança. (GS
II-1,151).

A possibilidade da tradução das coisas ja se deu na criação quando o homem Iicou
responsavel pela nomeação participativa em tornar sonoro o que não tem nome na
linguagem das coisas. Benjamin expressa-se a respeito da nomeação divina de tudo como
identidade. E a garantia da palavra criativa e do nome para a tareIa de tradução posterior e
a identidade ja sempre dada, enquanto que o homem e linguagem em participação
subsistente na diIerença da continua tradução. A tradução em constante transIormação
perde o seu carater aleatorio quando e pensada no suposto da identidade, que aqui
Benjamin explicita como parentesco de toda a tradução em Deus.
A traduçào da linguagem das coisas na linguagem dos homens
nào e apenas traduçào do mudo para o sonoro. ela e a traduçào
do sem-nome no nome. Isso, portanto, e a traduçào de uma
linguagem imperfeita numa perfeita, ela nào pode fa:er nada mais
209
do que algo em favor, isto e, o conhecimento. A obfetividade dessa
traduçào, porem, tem a garantia em Deus. Pois Deus criou as
coisas, a palavra criativa nelas e o germen do nome conhecedor,
conforme Deus tambem nomeou cada coisa no fim, depois de ter
sido criada. Mas evidentemente essa nomeaçào e apenas a
expressào da identidade da palavra criativa e do nome
conhecedor em Deus, nào a soluçào pre-concebida daquela tarefa
que Deus atribui expressamente ao homem. a saber, nomear as
coisas. A medida que recebe a muda linguagem sem nome das
coisas e a tradu: para o nome em sons, o homem soluciona essa
tarefa. Ela seria insoluvel, se a linguagem dos nomes do homem e
a linguagem sem nome das coisas nào ficassem aparentadas em
Deus, dispensadas a partir da mesma palavra criativa, que, nas
coisas, teria sido a participaçào da materia em comunhào magica,
no homem, a linguagem do conhecimento e do nome em espirito
bem-aventurado.(GS II-1, 151).

A Iim de dar suporte a sua interpretação do texto biblico como documento
Iundamental para exempliIicar a importância da linguagem e as questões que na elaboração
surgem, Benjamin traz o testemunho de Hamann novamente e o pintor Mueller. Hamann
acentua a simplicidade da linguagem quando compreendida na sua tareIa participativa de
nomeação enquanto palavra viva em transIormação de si para a Iormação de mundo e
destino, e nisto a palavra viva era Deus. O pintor Mueller colabora com a ideia do
aperIeiçoamento do homem pela palavra numa ligação entre intuição e nomeação
participativa na Iormação do mundo. Na pintura de Mueller, os animais recebem um sinal
de Deus para reconhecimento, o que signiIicaria a maravilhosa comunhão de tudo com
Deus na linguagem. Essa concepção pretende ser uma explicação na evolução do
conhecimento e na compreensão geral do homem na linguagem. Tudo o que o homem
produz em ternos de conhecimento e ao mesmo tempo nomeação tradutora em serie no
todo de que Iaz parte na Iorma do grande paradoxo, ou da contradição da linguagem: tudo
o que o homem disser sera participação no todo e não o todo desde o inicio ordenando
sempre a partir de nova criação.
Haman di:. 'Tudo o que o homem ouviu no inicio, com os olhos
viu...e suas màos tatearam,...era palavra viva, pois Deus era a
palavra. Com essa palavra na boca e no coraçào a origem da
linguagem foi tào natural, tào proxima e facil como um brinquedo
de criança...` O pintor Mueller, em sua poesia ' O primeiro
despertar e primeira noites bem-aventuradas de Adào`, [152] pòe
Deus a chamar o homem para a doaçào dos nomes com estas
palavras. 'Homem da terra, aproxima-te, torna-te mais perfeito
no intuir, torna-se mais perfeito pela palavra'` Nessa ligaçào de
intuiçào e nomeaçào e pensada intimamente a participante mude:
das coisas (dos animais) em direçào a linguagem de palavras do
210
homem. No mesmo capitulo da poesia do poeta expressa-se o
conhecimento de que apenas a palavra, da qual as coisas foram
criadas, permite ao homem a nomeaçào delas a medida que essa
palavra, nas multiplas linguas dos animais, mesmo que mudas,
comunica a si mesma de acordo com o quadro. Deus da aos
animais, em serie, um sinal, a partir do qual eles comparecem
diante do homem para a nomeaçào. De uma forma quase que
sublime a comunhào da linguagem com Deus e assim doada a
criaçào muda no quadro do sinal.(GS II-1, 151-152).

Apesar de toda a identidade no grande todo, ou em Deus, a palavra das coisas e
inIinitamente distante da palavra humana, como esta tambem em sua participação
ocorrente enquanto continua nomeação tradutora esta inIinitamente distante do absoluto.
Como vimos, o nome das coisas se da ao modo da tradução numa dinâmica criativa na
linguagem humana. As linguas existentes são todas elas traduções da linguagem das coisas,
mas ja são imperIeitas, pois a tradução nomeante perIeita Ioi a linguagem paradisiaca, ela
Ioi perfeitamente conhecedora. Posteriormente iniciou-se a multiplicidade das linguagens
num estagio agora de quantas traduções da linguagem das coisas, tantas novas linguas.
A medida que a palavra muda na existência das coisas permanece
tào infinitamente distante atras em relaçào a palavra nomeante no
conhecimento do homem, como esta, por outro lado, certamente
permanece em relaçào a palavra criadora de Deus, esta dado o
fundamento para a multiplicidade das linguas humanas. A
linguagem das coisas so pode ingressar na linguagem do
conhecimento e do nome na traduçào quantas traduçòes, tantas
linguas, a saber, uma ve: logo que o homem caiu da condiçào
paradisiaca, que apenas conhecia uma lingua. (Conforme a
biblia, essa conseqùência da expulsào do paraiso acontece, sem
duvida, mais tarde). A linguagem paradisiaca do homem deve ter
sido a perfeitamente conhecedora, ao passo que, posteriormente
mais uma ve: todo o conhecimento na multiplicidade da
linguagem diferencia-se infinitamente, de qualquer modo tinha
que se diferenciar num nivel inferior enquanto criaçào no
nome.(GS II-1, 152).

A linguagem nomeante era perIeita e, deste modo, a participação do homem na
criação era tambem conhecedora dos sinais dados por Deus as coisas. Benjamin argüi que
conhecimento ja no paraiso havia, pois Deus desde o inicio ja sabia e a participação do
homem ja era a de Iormação de conhecimento a ponto de que tudo estava muito bem.
Portanto, a arvore do conhecimento deve signiIicar outra coisa do que a proibição do
conhecimento, ja que isso seria perIeitamente absurdo. Na verdade, trata-se da retirada do
nome do conhecimento, de um conhecimento sem nome, da invenção de uma entidade
211
divina Iora da participação nomeante com estatuto de absoluto separado para, por outro
lado, Iazer o papel de Iundamento para a possibilidade do julgamento. Deus e posto para
Iora da propria participação nomeante e não mais e entendido como identidade na qual e
pela qual a ocorrência da participação e possibilitada, mas sem nunca a poder deIinir.
Agora Deus deIinido e de Iora da participação e Iundamento para a separação e
aIastamento de tudo. E o esquecimento da contradição da linguagem pendendo para apenas
o lado da objetivação. O Ilutuar sobre o abismo cessou e o homem então inicia a queda no
mesmo abismo sempre a procura de novos Iundamentos. Trata-se aqui do no gordio da
compreensão da objetivação que deve ser cortado para a possibilidade da volta. O corte
seria as amarras da objetivação para a compreensão da contradição da linguagem com sua
ambivalência de participação em diIerença tradutora no suposto da identidade ja sempre
subjacente. Com a objetivação a palavra perde a sua magia tornando-se instrumento de
objetos separados uns dos outros.
Portanto, que a linguagem do paraiso tivesse sido perfeitamente
nomeante, isso tambem a existência da arvore do conhecimento
nào pode encobrir. Suas maçàs deveriam proporcionar
conhecimento sobre o que e bem e mal. Deus, porem, fa havia
conhecido no setimo dia com palavras da criaçào. E, vefa, era
muito bom. O conhecimento para o qual a cobra sedu:, o saber
sobre bem e mal, e sem nome. Em sentido mais profundo ele e
nulo [sem efeito], e esse saber e precisamente o unico mal que a
condiçào paradisiaca conhece. O saber sobre bem e mal
abandona o nome, ele e um conhecimento de fora, a imitaçào sem
criatividade da palavra criadora.(GS II-1, 153).

O pecado da queda, por incrivel que pareça e a invenção de Deus como Iundamento
de tudo por separação pela qual e colocado como garantia do julgamento sobre o bem e o
mal. E a invenção da origem absoluta para possibilitar o entendimento do tempo em linha e
instituir o passado absolutamente positivado de modo objetivo. Inventa-se Deus em Iorma
de idolo para poder condenar e esquecer que a condenação e tambem participação no todo
que sempre se supõe. A natureza perde o parentesco com o homem e torna-se um absoluto
outro no esquecimento de que tambem isso e participação. Inventam-se miriades de
justiIicativas para milhares de construções teoricas por meio da linguagem para tanto
instrumentada esquecendo-se que tambem tudo isso e participação do sentido de cada vez
mais aIastamento de uma com compreensão da contradição da linguagem em que Deus
espera.
212
O continuo esquecimento na objetivação na decadência da linguagem cumpre o
veredicto da cobra de ser como Deus em imagem, pois a imagem Iormada da divindade
separada e a projeção participativa do homem que no esquecimento dessa dobra nela se
Iixou para o julgamento.
O nome sai por si mesmo desse conhecimento. o pecado da queda
e a hora do nascimento da palavra humana, na qual o nome nào
mais vivia ileso, a qual saiu da linguagem do nome, da
conhecedora, para se tornar, por assim di:er, expressamente
magica a partir de fora. A palavra deve comunicar algo (fora de si
mesma). Este e, de fato, o pecado da queda do espirito da
linguagem. A palavra como externamente comunicante, por assim
di:er, uma parodia da palavra expressamente em participaçào na
relaçào com a expressamente imediata, a palavra criadora de
Deus, e a decadência do espirito da linguagem bem-aventurada,
da linguagem adamitica, a qual esta entre as duas [anteriores].
Portanto, no fundo de fato existe identidade entre a palavra que
conhece bem e mal de acordo com a promessa da cobra e a
palavra externamente comunicante. (GS II-1, 153).

O conhecimento sobre o bem e o mal sem a participação no nome resulta no
entendimento de Kierkegaard que o denominou tagarelice. O homem da queda e
essencialmente tagarela na segurança de si e esquecido da questão central. E, conIorme
tambem Kierkegaard, a unica solução e o julgamento de si mesmo em que pecado e castigo
identiIicam-se, pois caso se quisesse achar um juiz para o julgamento para tal queda na
objetivação, então se estaria reiterando ad infinitum o mesmo gesto. O processo da culpa e
do castigo leva a morte do pecador com a sua volta a linguagem nomeante e participativa.
'A palavra julgadora castiga o despertar de si mesma como a unica e proIunda culpa a
espera¨. (GS II-1,153). A lembrança acompanhada da compreensão da volta, do retorno a
participação, e de diIicil execução propria, uma vez iniciado o movimento de queda na
objetividade. A lei, a Grande Lei e o castigo da espera diante da porta da lei pedindo e
apresentando argumentos variados para entrar deIinitivamente com um Iundamento
absolutamente convincente, que simplesmente não existe, e por isso, morre de velho e a
mingua, ou, num processo do qual o homem nem sequer se reconhece culpado, como nos
escritos de KaIka. A espera e a continuidade da queda e do castigo, a insistente atualização
da magia da objetivação numa constante procura por novos Iundamentos, pois todos eles se
esvaem um apos o outro. A espera e a sentença continuada.
O conhecimento das coisas consiste no nome, porem, o
conhecimento sobre o bem e o mal e tagarelice no sentido
213
profundo como Kierkegaard concebe essa palavra, e conhece
apenas uma depuraçào e elevaçào sob o que tambem o homem
tagarela, o pecador, foi subordinado. o fui:o [fulgamento]. Sem
duvida, o conhecimento sobre bem e mal e imediato a palavra
fulgadora. A sua magia e outra daquela do nome, mas magia do
mesmo feito. Essa palavra fulgadora expulsa os primeiros seres
humanos do paraiso, eles mesmos a exerceram seguindo uma lei
eterna de acordo com a qual essa palavra fulgadora castiga o
despertar de si mesma como a unica e profunda culpa e espera.
Ja que a eterna pure:a do nome foi maculada, elevou-se no
pecado da queda a mais severa pure:a da palavra fulgadora, da
sentença. (GS II-1,153).

Tem-se agora dois tipos de magia: a do nome enquanto participação e a do
julgamento que se da na quebra da compreensão da imediação participante da linguagem.
Os dois tipos de magia mencionados equivalem a compreensão que recorda o
esquecimento na objetivação e a incompreensão do esquecimento da objetivação. A magia
da linguagem enquanto participação nomeante instaurador e a magia da instauração da
espera na culpa e sentença da queda em objetivação com Iundamento posto e esquecido.
Benjamin arrisca uma terceira conseqüência desse estado de coisas que e a tentativa
de entendimento da abstração da propria linguagem como queda. Abstrair da linguagem
tentando Iazer dela um objeto de analise separado da linguagem em execução e talvez
querer cumprir a tareIa mais vã de objetivação. Pois, no Iim das contas, a colocação de
bem e mal signiIicou o abandono da linguagem participativa, mas tal abandono e seu
proprio julgamento a respeito do que não existe juiz para julgar sobre bem e mal, a não ser
a eterna recorrência: a linguagem e seu proprio chão.
A eterna recorrência do igual e queda em cascata no precipicio sem Iundo a procura
por Iundamento Iazendo abstração de si enquanto linguagem nesse processo. Não se
consegue mais pairar acima desse buraco sem Iundo.
Para o contexto essencial da linguagem a queda do pecado tem
um triplice sentido (sem aqui mencionar ainda outros). A medida
que o homem abandona a pura linguagem do nome ele fa: da
linguagem um instrumento (ou sefa, um conhecimento adequado a
ele), e, com isto de qualquer modo, tambem numa parte em
simples sinal, e isso tem por conseqùência a multiplicidade das
linguas. O segundo sentido e que agora se eleva da queda do
pecado uma nova magia, que nào mais descansa bem-aventurada
em si mesma, a magia do fulgamento enquanto restituiçào da
lesada imediaçào do nome.O terceiro sentido, cufa suposiçào
talve: se possa arriscar, seria que se deva procurar no pecado da
queda a origem da abstraçào enquanto capacidade do espirito da
214
linguagem. Pois bem e mal enquanto inominaveis, enquanto sem
nome, permanecem exteriores a linguagem do nome, que o homem
precisamente abandonou no abismo da colocaçào dessa questào.
(GS II-1, 153-154).

Tudo isto signiIica que todos os Iundamentos postos são substituições do nome
verdadeiro que exigiria a compreensão continua da participação ocorrente, uma
manutenção inabalavel da compreensão da contradição da linguagem. SigniIica o desabaIo
de Kant quando conclui que as Iontes secretas do entendimento não são acessiveis ao
proprio entendimento. Kant, alem disso, coloca as ideias como Iicções que devem ser
descobertas continuamente no processo empirico, ideias que não mais se pode provar, mas
sob as quais Iundamos o nosso julgamento Isso tambem Iorça o aspecto dedutivo
esquecido da analise da colocação do Iundamento em que a dedução se da. Lembra
igualmente Platão quando Iala de steresij e metexij como dois direcionamentos contrarios
em meio aos quais numa situação medial o pensamento se da supondo uma totalidade
inapreensivel e apenas suposta como sumo bem..
Porem, na perspectiva da linguagem existente, o nome so
oferece agora o fundamento em que seus elementos
concretos enrai:am. Os elementos abstratos, porem, - assim
talve: se possa supor enrai:am-se na palavra fulgadora,
na sentença. A imediaçào (isto, porem, e a rai: lingùistica)
da participaçào da abstraçào esta dada na sentença. Esta
imediaçào na participaçào da abstraçào instituiu-se
fulgadora quando no pecado da queda o homem
abandonou a imediaçào na participaçào do concreto e
decaiu no abismo da mediaçào da mediaçào, da palavra
como instrumento, da palavra và, no abismo da tagarelice.
Pois mais uma ve: isso deve ser dito tagarelice foi a
questào sobre o bem e o mal no mundo apos a criaçào. A
arvore do conhecimento nào estava ai por causa dos
esclarecimentos sobre bem e mal que ele poderia dar no
fardim de Deus, mas como um emblema do processo ao
perguntador. Essa colossal ironia e a marca da origem
mistica do direito. (GS II-1, 154).

A queda na objetivação tem como gesto simultâneo, como ja visto, a Iormação da
imagem do Iundamento separada a oportunizar deduções. Portanto, quanto mais imagens e
Iundamentos separados em construção qual Torre de Babel, tanto mais linguas. Pela
intuição das coisas o homem a linguagem ainda se dissolvia no homem, mas no
aIastamento dessa intuição e pela Iormação de imagem separada o homem Ioi roubado de
um Iundamento que o acompanhava como condição de possibilidade sempre suposto, mas
215
em sua ocorrência nunca alcançavel e sem intenções de alcançar, pois a verdade era a
participação e não a adequação entre linguagem e coisa separada.
Apos a queda do pecado, que pela feitura da instrumentaçào da
linguagem havia posto o fundamento para a sua multiplicidade, so
podia ser mais um passo para a confusào das linguas. Ja que os
homens tinham maculado a pure:a do nome, so precisava
reali:ar-se apenas ainda o afastamento daquela intuiçào das
coisas, pela qual a sua linguagem dissolve-se no homem, a fim de
roubar o homem do fundamento comum do fa abalado espirito da
linguagem. (GS II-1,154).

A concepção da linguagem a base de sinais arbitrarios resultou na sua servidão,
pois desse modo ela Ioi rebaixada a instrumento. Como instrumento sem compromisso ela
Iavorece o seu dispêndio descuidado na tagarelice, a qual, por sua vez Iavorece a tolice da
grande construção objetiva da Torre de Babel. A torre Iaz com que as proprias coisas
tambem acabam na tolice como conseqüência da tagarelice.
Sinais devem confundir-se onde as coisas se enredam. E acrescida
a servidào da linguagem na tagarelice a servidào das coisas na
tolice como a sua conseqùência quase inevitavel. No abandono
das coisas, que perfa:ia a servidào, surgiu o plano da construçào
da torre e com ele a confusào das linguas. GS II-1,154).

A natureza que ja era muda em sua linguagem e se Iazia sonora na linguagem
humana, agora, com a maldição do campo da objetividade, a maldição de Deus, a natureza
entre em luto, pois ja não tem mais tradutor para a lingua sonora e espiritual do homem.
Antes, de acordo com a pintura de Mueller, as criaturas saltavam de alegria pelo encontro
acontecido, no qual haviam recebido o seu nome pela participação no mundo dos homens.
Agora, porem, Ioi decretada a sua separação, a interdição do encontro que a deixa em
proIunda tristeza, em luto pela morte da nomeação participativa.
A vida do homem no espirito da linguagem pura era bem-
aventurada. A nature:a, porem, e muda. Por certo e possivel
perceber nitidamente no segundo capitulo de Gênesis, como essa
mude: nomeada pelo homem tornou-se mesmo bem-aventurança
apenas de nivel inferior. O pintor Mueller fa: Adào di:er a
respeito dos animais que o abandonam apos ele os ter nomeado.
'e observou a nobre:a com que saltavam afastando-se pelo fato
de o homem lhes ter dado um nome`. Porem, apos a queda do
pecado muda profundamente o aspecto da nature:a com a palavra
de Deus que amaldiçoa o campo. Agora inicia a sua outra mude:
que indicamos como a profunda triste:a da nature:a. (GS II-
1,154-155).
216

A natureza lamenta pela morte da linguagem, pois ela mesma se torna mais muda
do que ja era antes da objetivação. A natureza iniciaria um lamento se lhe Iosse emprestada
a linguagem. Mas sem linguagem, nem isso pode Iazer, ja que não conta com mais nada
para participar quando não nomeada na linguagem humana. Por isso Benjamin diz que
resta apenas o som de um lamento junto com o IarIalhar das Iolhas das plantas. E um
lamento mudo e sensivel sem tradução.
E uma verdade metafisica que toda a nature:a iniciaria a se
lamentar se lhe fosse emprestada a linguagem. (Pelo que
'emprestar linguagem` antes de tudo e mais do que 'fa:er com
que fale`). Essa frase tem um sentido duplo. Ela significa
primeiro. a nature:a iria lamentar sobre a linguagem mesma.
Mude:. este e o grande luto da nature:a (e em favor da sua
libertaçào esta na nature:a a vida e a linguagem do homem, e nào
apenas do poeta, como se presume). Em segundo lugar essa frase
di:. a nature:a iria lamentar-se. O lamento, porem, e a expressào
mais indiferenciada e impotente da linguagem, ela contem quase
apenas o halito sensivel, e, mesmo onde rumorefam plantas, funto
soa sempre tambem um lamento. Mas a inversào dessa frase
introdu: ainda mais fundo na essência da nature:a. a triste:a
[luto] da nature:a torna-a muda.(GS II-1, 155).

No luto ha perda de algo essencial: o termino da possibilidade da participação que e
a elaboração de si na suposição do todo. Enquanto ha elaboração participativa o todo não e
alcançado pela pressuposição que representa. Mas quando não ha nem mais esta
participação a tristeza sente-se como que nomeada apenas pelo inominavel, sem nomeação
humana, mas somente idêntica ao Iundo sem Iundo da identidade absoluta, abismo so
intuido pela negatividade da suposição. Ja ser nomeado pela voz do som humano e não
poder nomear-se a si traz rastros de luto: quanto mais agora em epoca de multiplicidade
conIusa objetivada na dispersão das mais diversas linguas. Tambem a centralidade
participativa da natureza no encontro com a linguagem do homem deslocou-se,
espalhando-se na dispersão das linguas. A sobre-denominação como quebra da linguagem
participativa e a Iragmentação da linguagem do nome em todas as linguas existentes e
dentro delas as inumeras teorizações a base de criterios objetivados. A sobre-nomeação,
por sua vez, conjuga-se com a sobre-determinação que e o resultado das Iundamentações
postas como absolutas e as suas aplicações sucessivas combatendo-se caotica e
tragicamente na catastroIe em andamento, sem tradução que satisIaça.
217
Em todo o luto ha a mais profunda tendência para a mude:, e isto
e infinitamente muito mais do que a incapacidade ou aversào a
participaçào. A triste:a do luto assim se sente conhecida fora a
fora pelo inominavel. Ser nomeado mesmo que o nomeante sefa
um semelhante aos deuses ou um bem-aventurado talve: sempre
permaneça um pressentimento do luto. Porem, quanto mais ser
nomeado nào a partir da bem-aventurada, unica linguagem
paradisiaca dos nomes, mas a partir das centenas de linguas
humanas, nas quais o nome fa murchou, mas que mesmo assim
conhecem as coisas de acordo com o veredicto de Deus. As coisas
nào têm nome proprio a nào ser em Deus. Pois, na palavra
criativa Deus as chamou pelo seu nome proprio. Na linguagem
dos homens, porem, elas sào sobre-denominadas. Na relaçào da
linguagem dos homens com a das coisas ha algo que se pode
aproximadamente denominar como 'sobre-denominaçào`. sobre-
denominaçào como profunda ra:ào lingùistica de toda a triste:a
(visto a partir da coisa) e toda a mude:. A sobre-denominaçào
como essência lingùistica da triste:a aponta para uma outra
relaçào peculiar da linguagem, ou sefa, para a sobre-
determinaçào que domina na relaçào tragica entre as linguas dos
homens falantes. (GS II-1, 155-156).

Alem da sobre-determinação pelas linguas existentes separadas e comprometidas
com a objetivação como que cada uma construindo a sua propria Torre de Babel, existem
ainda outras especies de linguagem como a da plastica e da pintura, ambas sem som, talvez
mais proximas a linguagem muda das coisas e tradutora dela numa linguagem
inIinitamente superior, por meio do que talvez se possa entender a linguagem material
muda entre as coisas. Ja a poesia esta ligada a linguagem dos nomes
Ha uma linguagem da plastica, da pintura, da poesia. Assim como
a linguagem da poesia esta fundada, se nào unicamente, entào
funto em todo o caso na linguagem dos nomes do homem, assim e
bem possivel pensar que a linguagem da plastica ou da pintura
talve: sefa fundada em algumas especies de linguagem de coisa,
que nelas se exponha uma traduçào da linguagem das coisas
numa linguagem infinitamente superior, mas ainda mesmo talve:
da mesma esfera. Trata-se aqui de linguas sem nome, nào
acustica, de linguagem a partir do material, por este vies ha que
se pensar na comunhào material das coisas em seu
compartilhamento. (GS II-1,156).

Na objetivação geral continua, mesmo assim, a ideia de um todo inseparavel e em
solidariedade a Iormar um mundo, porem, e a ideia de um todo de coisas separado de quem
o diz. Novamente encontramos em Benjamin a sua ligação com a IilosoIia pre-socratica e
ate de Iorma mais nitida. A relação do todo e da parte constantemente insinuada, agora esta
dita diretamente e se esclarece em sua tematica Iundamental. As diversas versões do todo
218
nos pre-socraticos em parte padeciam da angustia de nomear o todo, esquecendo-se da sua
propria participação nomeante nesse todo, angustia que continuamente moveu com as suas
aguas os moinhos da IilosoIia. Como ja anteriormente dito, um todo separado, todo não e
e, por isso, e inseparavel. Mas a linguagem, o logoj que o diz objetivando Iaz parte do todo
ou não? A solução de nele incluir o logoj ou o nou÷j anaxagorico e nova objetivação como
cobra que morde o proprio rabo. 'Alias, o compartilhamento das coisas e certamente de
uma tal especie de solidariedade que trata o mundo em geral como um todo inseparavel¨.
(GS II-1, 156).
A teoria ou concepção dos sinais de acordo com a pintura de Mueller em que se
vêem as criaturas recebendo individualmente marcas de Deus para depois saltar de alegria
pelo Iato de ter uma identidade diante do todo, mas ainda não na linguagem do homem,
deveria ser conservada para o entendimento da linguagem da arte que exatamente procura
traduzir a linguagem da natureza. A arte de algum modo reconstitui o processo
identiIicatorio original procurando retroceder ao âmbito ainda não comprometido com a
linguagem totalmente objetivada. A arte assim seria reconhecedora de sinais que a
linguagem objetivada na realidade esqueceu ou apagou na sobre-denominação. A arte
talvez ainda Iosse o resquicio de linguagem que resta para ouvir o lamento da natureza e de
todas as coisas. Ouvir o apelo e escutar que se esta sendo visto e conclamado. Como e que
a natureza nos vê? Não queremos nem saber enquanto não Iormos prejudicamos pela sua
propria tristeza e morte.
Para o conhecimento das formas de arte vale a tentativa de
concebê-las todas como linguas e procurar a sua relaçào com as
linguas da nature:a. Um exemplo, que e natural por ser da esfera
acustica, e o parentesco do canto com a lingua dos passaros. Por
outro lado e certo que a linguagem da arte fa:-se compreender
apenas numa relaçào profunda com a doutrina dos sinais. Sem
esta toda a filosofia da linguagem permanece em geral
completamente fragmentaria, porque a relaçào entre linguagem e
sinal e original e fundamental (para o que a relaçào entre
linguagem humana e escrita apresenta apenas um exemplo bem
particular). (GS II-1, 156)

A leitura pela tradução dos sinais das coisas na arte para que as coisas e criaturas
tenham uma linguagem inIinitamente superior e possam superar seu luto de certo tambem
esta em contraposição com a linguagem objetivada, Iadada a ser instrumento apos a queda.
E evidente que as duas não coincidem.
219
Em todo o caso existe a possibilidade de uma linguagem enquanto
compartilhamento em co-participação que na contradição da linguagem leva em conta o
suposto de uma identidade total inapreensivel, sob pena de se anular precisamente como
participação se quisesse Iundamentar a sua propria eliminação; como tambem existe a
linguagem humana apos a queda no erro da Iundamentação que a elimina como
participação. Esta ultima e atual, por outro lado, em seu processo de espera e um simbolo
da não participação, do juizo e da sentença em andamento. A linguagem humana tem,
portanto, mesmo assim, um lado simbolico como que apontando para a não participação
que lhe Iaz Ialta e para o nome sempre presente como possibilidade de compreensão de
participação. Encarar a linguagem humana apos a queda enquanto simbolo e ja
compreender de algum modo a sua contradição sempre presente.
Isto oportuni:a indicar uma outra contraposiçào que perpassa a
totalidade do campo da linguagem e tem importantes relaçòes com
o mencionado sobre linguagem em sentido estrito e linguagem
como sinal, contraposiçào que de modo algum coincide sem mais
com esta. Ha, pois, linguagem em todo o caso nào unicamente
enquanto compartilhamento da co-participaçào, mas
simultaneamente simbolo da nào co-participaçào. Esse lado
simbolico da linguagem esta conectado a sua relaçào com o sinal,
mas se alastra, por exemplo, de certo modo tambem sobre nome e
fui:o. Estes nào têm unicamente uma funçào participativa, mas,
intimamente ligada a ela, muito provavelmente tambem uma funçào
simbolica, para a qual aqui nào foi chamado a atençào pelo menos
expressamente.(GS II-1, 156).

Deus e a unidade da movimentaçào da linguagem (GS II-1, 157), eis a ultima Irase
do texto que resume toda a contradição. Se Deus Ior compreendido como entidade
separada para esteios e muletas precarias na Iormação do mundo separado de quem o diz
com tudo o que signiIica, então tal compreensão promove a queda na objetivação, no
esquecimento dela e na catastroIe tragica em andamento ao modo como o anjo da IX tese
de Sobre o conceito de historia a vê com olhos arregalados. Se Deus como todo Ior
impossivel de ser dito no exercicio participante de nomeação das coisas, a compreensão na
linguagem aceita a sua limitação e se propõe a prestar atenção a Offenbarung, ao que se
revela em cada gesto sedimentado pelos milênios a Iora e a cada suspiro do cotidiano.
Apos estas consideraçòes permanece desse modo um conceito
purificado de linguagem, mesmo que tambem este possa ser
imperfeito. A linguagem de uma criatura e o Medium no qual a sua
essência se comunica. A corrente ininterrupta dessa participaçào
[comunicaçào] flui por toda a nature:a, do existente mais inferior
ate o homem e do homem para Deus. O homem comunica-se com
Deus pelo nome que ele da a nature:a e a seu semelhante (no nome
proprio), e a nature:a ele da o nome conforme a comunicaçào que
ele dela recebe, pois tambem a nature:a inteira e perpassada por
uma linguagem muda sem nome, do residuo da palavra criativa de
220
Deus, que no homem conservou-se como nome conhecedor e sobre
o homem conservou-se pairando como fui:o fulgador. A linguagem
da nature:a e comparavel a uma senha secreta, que cada sentinela
passa adiante em sua propria linguagem, mas o conteudo da senha
e a linguagem da sentinela mesma. Toda linguagem superior e
traduçào da inferior ate que se desenvolva em ultima clare:a a
palavra de Deus, que e a unidade da movimentaçào da linguagem.
(GS II-1, 157).

Na contradição da linguagem e possivel dizê-la sem contradição? Parece que o que
não da para dizer e a propria contradição, pois e impronunciavel ja que se diz que em toda
a pronuncia ela e pronunciada. E o mesmo caso da totalidade suposta que, quando
pronunciada Iaz parte de uma suposição ainda não pronunciada. Rebente-se o
caleidoscopio que sempre traz novas imagens de ordem objetiva e, nesse gesto, rebente-se
a parte objetiva, precisamente o esquecimento na contradição, e ai surge a revelação. Com
esta chave no bolso e possivel ouvir com atenção redobrada os grandes discursos que
emergem na superIicie do mundo e tentar traduzi-los de volta para a linguagem do nome. E
uma chave ambivalente e contraditoria, pois o seu usuario sabe que esta diretamente
implicado no que diz sobre o dito, pois o que diz pode ediIicar-se por um lado em estatuto
do processo, do juizo, da sentença, da queda, da tagarelice e, por outro, em indicação de
retorno ou ate ja volta a participação nomeante. O dito pode ser vario: Kant, Fichte, Hegel,
Romantismo, Goethe, Hölderlin, Proust, Baudelaire, KaIka, Marx, Kraus, Brecht e muitos
outros.
No universo, a importância de uma Iolha que cai esta em se saber ate que ponto e o
seu destino ou a sua liberdade: ela empurra ou esta sendo empurrada?















221




4. POSICIONAMENTO FILOSÓFICO: SOBRE O PROGRAMA DA FILOSOFIA
VINDOURA.


O texto de Benjamin sobre o que deva ser a IilosoIia por vir inicia com a lembrança
ou ate aIirmação de uma tareIa peculiar da IilosoIia: supõe que ela toma, capta, ou haure
(schòpft) proIundas premunições 'tiradas da epoca e de um sentimento de antecipação de
um grande Iuturo¨ (GS, II, 157). A partir das Iontes da epoca e do sentimento
antecipatorio, a sua tareIa de captação continua com o trabalho de relacionar as
premunições com o sistema kantiano para que essas mesmas premunições possam tornar-
se conhecimento. Em outros termos, a IilosoIia constata as premunições da epoca que so
poderão tornar-se conhecimento quando organizadas pelo seu encontro com o sistema
kantiano. Vai-se direto ao ponto, ou seja, sentimentos e pressentimentos gerais enquanto
Ienômenos que surgem de maneira inesperada e dispersa no tempo adquirem relevo na
paisagem da historia quando captados pela atenção IilosoIica para serem elaborados no
âmbito de um sistema, e, nele, então, desIrutarem do estatuto de conhecimento.
A questão abordada e milenar. Desde o seu surgimento na Grecia antiga ela se
repete: a IilosoIia tem algum compromisso com alguma tareIa especiIica? E mera atividade
de analise sem a suposição de um conjunto de conceitos sistematicamente organizados que
a possibilitasse e sem, ainda alem, o abrigo de uma totalidade sintetica anterior? A IilosoIia
e mera Iormação de sistema? E mera retorica sem o compromisso nem de consciência
construtiva numa totalidade ja dada e nem de processo avaliativo analitico? Qual e o
signiIicado da atividade IilosoIica?
E indicado logo no inicio do texto que a IilosoIia deve prestar atenção aos
pressentimentos existentes na epoca e ao mesmo tempo os Iiltre, analise, relacione com o
sistema kantiano. Pressentimentos a solta sem uma teoria sistêmica em que Iossem
incorporados, ou com que Iossem medidos e ordenados em Iavor de pelo menos uma parca
222
compreensibilidade, poderiam talvez levar ao obscurantismo irracional, ao pavor, ou ao
entusiasmo a comungar com a simples Ialta de pretensão de rumo.
O que são tais pressentimentos? Facilmente se depreende que são os Ienômenos
culturais nas mais diversas areas. Por que Benjamin os chama de pressentimentos? Porque
todas as aIirmações culturais aparecem em Iorma de explicações, descobertas que trazem
algo do passado a luz. Basta ver o termo utilizado para pressentimentos, que e Ahnungen,
com o sentido primeiro de ancestralidades que do passado se eIetivam como candidatas a
instauração de Iuturo. Tais pressentimentos, por sua vez, merecem a atenção da atividade
IilosoIica que exatamente nisso tem o seu sentido, ou seja, a tematização do que se
apresenta como Ienômeno dessa natureza, Ienômeno rico de sentido e não apenas
Ienômeno, mas ja experiência tornada historica.
Não se consegue deixar de ligar imediatamente a aIirmação sobre tal tareIa da
IilosoIia com um dos veredictos de Kant, que resume parte da sua posição IilosoIica, isto e,
da aIirmação de que os Ienômenos dados na sensibilidade em geral permaneceriam cegos
caso não houvesse um sistema conceitual organizador, o qual, por sua vez, seria vazio se
nada lhe Iosse Iornecido como atividade de sistematização.
Como ja Ioi dito, de acordo com essa tareIa, a IilosoIia deveria observar os Ienômenos sui
generis que em cada epoca surgem, coleta-los e elabora-los como Ienômenos de acordo
com o modelo do sistema kantiano. A relação com o sistema kantiano proporcionaria a
continuidade historica, isto e, não aconteceria a Ialta de entendimento dos Ienômenos
enquanto Iatos dispersos e, quem sabe desconexos na historia, pois ele seria o unico capaz
de decisivo alcance sistematico (Band II-1, 157). Alcance sistematico signiIica a
inevitabilidade de suposição de alguma conIiguração sistematica geral para a propria
compreensão seja possibilitada. Para Benjamin, algum vislumbre de sistema e possivel e
ate algum sistema provisorio descoberto e capaz de explicar a intenção de sedimentação de
determinada realidade. O que não se recomenda e a entronização deIinitiva e deIesa
intransigente de algum sistema absolutizante e plenamente objetivo, sob pena de recaida no
essencialismo. Benjamin Iala sobre o modelo kantiano e não de uma imitação pura e
simples. Como se conIigura a relação do modelo com o que o autor tem em mente? E a
perspectiva da transcendentalidade, da suposição sempre inevitavel e incontornavel de um
criterio a ser tematizado para toda a objetivação que se da comumente na linguagem e, ao
223
mesmo tempo, a suposição Iundamental de que qualquer absoluto assim o e apenas pela
sua expressão em dizibilidade, o que sempre conIigura a contradição da linguagem.
Esse alcance se deveria ao Iato de que o sistema kantiano não privilegia
imediatamente a extensão e a proIundidade do conhecimento por si mesmos, mas de que
estas se expressam enquanto justiIicação. E a questão da justiIicação necessaria e ao
mesmo tempo inutil enquanto absoluto. Alias, Platão e Kant teriam a exclusividade na
acentuação da 'justiIicação¨do conhecimento como sendo 'extensão e proIundidade¨ isto
e, identiIicaram-nas sem bani-las da IilosoIia.
Os dois conceitos, 'extensão e proIundidade", são o que se pode querer e ter apos a
ingenuidade da vontade por Iundamentação ultima e apos a descoberta da contradição da
linguagem em termos de objetivação inevitavel. Extensão e proIundidade descrevem o
proprio abismo a que toda a Iundamentação esta sujeita.
Benjamin julga que Platão e Kant dimensionam o abismo com respectivamente o mundo
das ideias e o sistema transcendental e se dão provisoriamente por satisIeitos com as
metaIoras Iinais.
E preciso acentuar que aquilo que em Kant eram os dados imediatos dos sentidos
apanhados pela capacidade receptiva do sistema categorial para que Iossem transvertidos
em conhecimento justiIicado racionalmente, agora em Benjamin e ampliado em termos de
pressentimentos e premunições, que surgem como Ienômenos no âmbito da historia e
necessitados de elaboração por justiIicação, numa visão de conjunto denominada sistema
capaz de promover continuidade compreensiva. Não se tratam mais de meros dados
oIerecidos a capacidade receptiva da sensibilidade de Iorma igual em todas as epocas, mas
ja de vagos sentimentos elaborados a partir de vivências historicas concretas e mutantes de
epoca em epoca.
Os dados da sensibilidade mudam de conIiguração e acentuação de epoca em epoca
e assim não ha como Ialar deles como dados trans-historicos. A obra de arte na era da
reprodutibilidade tecnica trata exatamente desses resultados do artigo sobre Kant para
mostrar como a sensibilidade muda ampliando-se pelos meios da tecnica.
A alocação de tais Ienômenos e o simples Iato de estes surgirem no panorama da
historia parece constituir, numa primeira visada, as proprias condições do que se denomina
historia: de um lado, um Iator sistêmico continuo em condições de elaborar Ienômenos que
224
surgem e, de outro, os Ienômenos que na epoca pululam e que, quando merecedores de
analise sistematica, têm o devido direito de Iazerem parte de um ordenamento em termos
de conhecimento.
Portanto, para haver conhecimento devera haver justiIicação, argumentação,
esclarecimento sobre o que se quer dizer, por meio de descrição do acervo de Ienômenos
que se dão em Iorma de pressentimentos de rumos possiveis, e não mera valorização dos
mesmos por crença não relacionada e, assim, injustiIicada por não ter merecido qualquer
sistematização. Conhecimento sem o processo exigente de justiIicação extenso e profundo
não seria resultado da luta pela objetivação da certeza inscrita na propria elocução do dizer,
mesmo como expressão, mas mero consentimento ao Iortalecimento de ditames, quem
sabe, de dogmas e de crenças multiIormes e em descontrole.
Entre os pressentimentos variados encontrar-se-ia tambem aquele que anuncia um
desenvolvimento ilimitado e ousado da IilosoIia e, por estar relacionado exatamente com
filosofia, requereria a contrapartida de uma luta tenaz por certeza a partir do processo de
justiIicação. A propria IilosoIia como procura por verdade e unidade por intermedio do
processo justiIicante apareceria no cenario da historia tambem como pressentimento, mas
acompanhado sempre da exigência de assumir o seu vies de sistematização ja ocorrente por
ocasião das suas argumentações. Haveria, portanto, o perigo de tambem a IilosoIia se
perder no ilimitado e na ousadia sem reIerência, sem relação e sem solução de
continuidade, possivelmente na barbarie. Contra isso seria necessario que se ative a luta
pela 'certeza, cujo criterio e a unidade sistematica ou a verdade¨. (GS II-2, 158).
A verdade seria a unidade sistematica sempre vislumbrada e pela qual se luta por
certeza, isto e, a luta pela certeza do conhecimento teria por meta relaciona-lo com a
sistematicidade ja subjacente, o que equivaleria a verdade. A verdade, portanto, não e
considerada como uma posse que se pudesse apresentar, ou um estagio que ja se tivesse
alcançado. Ela e o pressuposto de um ideal sistematico a ser descoberto e que move toda a
luta pela certeza do conhecimento por meio da procura das condições de justiIicação ao
molde de Platão e Kant.
Como se vê, os conceitos de pressentimento, sistema, criterio, justiIicação,
conhecimento, certeza e verdade aos poucos vão tomando importância na elaboração da
IilosoIia Iutura em termos de apresentação de rigor racional, como que conIigurando uma
previa deIesa contra qualquer ataque do que posteriormente se va dizer de inovador e que
225
talvez pudesse ser interpretado como caminho livre para o relativismo inconseqüente e
para o caos teorico. A acentuação do valor IilosoIico da justiIicação, identiIicado em
Platão e Kant como representação de extensão e proIundidade, parece indicar ja a
exigência de explicitação caracterizada por um processo de exibição continuada a procura
de maximo rigor conceitual na alocação dos Ienômenos que surgem na historia, os quais,
por sua vez, eles mesmos tambem a perIazem quando elaborados pela atividade IilosoIica.
Mas o autor constata que o sistema kantiano tem deIiciências quanto a capacidade
de completa consecução da tareIa preIigurada. Ha criticas a Iazer. O impedimento de uma
aceitação cabal do sistema kantiano em si e deIinido como sua deIiciência de uma
verdadeira consciência de 'tempo e de eternidade¨, ou seja, a realidade com a qual Kant
queria elaborar as condições de certeza do conhecimento e considerada como de grau
inIerior, 'talvez da classe mais inIerior¨ (GS II-1, 158). Assim como toda a teoria do
conhecimento, tambem a de Kant teria dois lados, dos quais um apenas recebeu a devida
aclaração |explicação, Erklàrung|. De um lado, estaria o movimento da pergunta pela
certeza do conhecimento que e permanente e, de outro, a pergunta pela 'dignidade de uma
experiência que era passageira¨ (GS II-1, 158).
Se a experiência e a constante percepção de Ienômenos que surgem
concomitantemente com a sua elaboração visando a Iormação de conhecimento pela tareIa
da procura por uniIicação, e possivel que se possa ver a experiência e o conhecimento
como passageiros, pois elaboração sistematica de Ienômenos e esIorço sem conclusão
deIinitiva. Imaginar que se pudesse chegar a alguma elaboração deIinitiva por meio dos
Ienômenos de apenas uma epoca talvez Iosse o equivoco. Cada epoca teria, portanto, os
seus Ienômenos a exigir elaboração continuada bem como, então, haveria experiência
continuada e não deIinitivamente Iixada como conhecimento absoluto e Iinal. Existiria,
portanto, a possibilidade de avaliação das experiências de outras epocas como a de Kant,
que teria sido reduzida e pobre para uma IilosoIia verdadeiramente consciente do tempo e
da eternidade.
A totalidade do tempo e o tempo passageiro indicam a suposição de totalidade em
cada evolução temporal de cada epoca, e a decretação de um tipo de experiência para o
todo elimina o todo suposto na experiência, o que talvez seja o erro cometido por Kant, ou
seja, o de não levar em conta, na experiência da sua epoca, a totalidade da experiência
226
possivel decretando então apenas a experiência do Iluminismo como unica possivel
universalmente.
O entendimento de experiência parece apontar para a existência de sedimentação de
conhecimentos anteriormente ja elaborados a desIrutar o status de senso comum que
acompanha a todos como pressuposto.
Fica em aberto, por enquanto, o que e que o autor entende por 'verdadeira
consciência de tempo e de eternidade¨. Talvez possamos arriscar a interpretação provisoria
de que a eternidade represente o suposto movel do Iato descrito como a existência da
constante pergunta por certeza do conhecimento pelo criterio da verdade e da unidade, e o
tempo, por sua vez, seja entendido como o local panorâmico de aparecimento caotico de
Ienômenos ainda não conIigurados e pendentes de algum ordenamento sistematico. A
eternidade equivaleria ao absoluto suposto sistematico total, sempre presente em qualquer
atividade de sistematização discursiva em seqüência temporal e contingente.
O interesse assumidamente universal da IilosoIia sempre e pela validade intemporal
do conhecimento e, ao mesmo tempo, pela certeza de uma experiência temporal. Eis ai,
uma indicação Iundamental para o entendimento da questão da tareIa: o interesse pela
certeza do que seja experiência e do que não possa ser. Quem constitui validamente o que
pode ser considerado como Ienômeno a ser elaborado em termos de experiência? Quem
poderia possuir o monopolio de decisão quanto ao que possa Iazer parte do acervo de
experiências de uma epoca? Não poderia a reunião de um determinado numero de
experiências ja acusar unilateralidade, ou pobreza, ou repressão, ou Ialta de atenção mais
acurada? Fenômenos epocais apanhados, descritos e justiIicados para Iazerem parte da
experiência perIazem uma das proprias condições para que exista conhecimento
sistematizado. Mas a questão e: como se da o encontro entre capacidade sistematica e o
que surge no seio da historia? O sistema se sustenta por justiIicação, mas o que resta e a
pergunta a respeito do que não se consegue justiIicar para então não poder Iazer parte do
que Ioi promovido como justiIicado. Portanto, o ponto critico parece ser a experiência,
sobre a qual se pode perguntar: quem tem certeza dela? O que ela e? Como pode ser
descrita? Em todo o caso, a experiência de uma epoca e temporal e não pode ser
eternizada.
A inconsciência desse Iato teria conIundido Kant. Mesmo que nos Prolegomena
tenha tido a intenção de depreender os principios da experiência a partir das ciências,
227
especialmente da Iisica matematica, na realidade isso não teria acontecido, pois a
experiência da epoca não se assemelhava com tais ciências. Ainda permanecia vigente o
velho conceito de experiência, relacionado não so com a consciência pura, mas, ao mesmo
tempo, com a consciência empirica que Kant dividia com seus contemporâneos, no âmbito
limitado a sua epoca, em Iorma da concepção de mundo do esclarecimento, não muito
diIerente dos seculos anteriores da Modernidade.
De que constava a pobreza da experiência da epoca de Kant? A resposta direta de
Benjamin e a de que o esclarecimento não reconhecia 'autoridades` que pudessem
Iornecer conteudo superior a experiência. Certamente não autoridades as quais se devesse
submeter sem critica. Em todo o caso, autoridades que poderiam ter Iornecido a
experiência da epoca uma importância metaIisica maior e cuja Ialta teria inIluenciado o
pensamento kantiano de modo a limitar o seu conceito de experiência tornando-o pobre.
Tratar-se-ia, em suma, da reconhecida marca do esclarecimento e da modernidade em geral
que e 'a cegueira religiosa e historica¨.(GS II-1, 159).
De que cegueira se trata quando a religião e a historia são nomeadas como se a
simples menção bastasse? Parece evidente que não se possa esperar que a resposta a
pergunta seja a indicação de alguma religião empiricamente constituida junto com alguns
dados esquecidos da historia, pois a questão parece exigir uma explicitação bem mais
ampla e sistematica. Trata-se de que o esclarecimento e a modernidade são crentes e não
sabem disso: ha uma crença ingênua em uma razão super-historica vista como Iato
incontestavel sem ulterior justiIicação. Caso a razão se exerça como justiIicação
continuada a construir o estatuto de si, de qualquer modo não poderia deixar de justiIicar as
condições de seu proprio exercicio, que são as determinações dos aspectos religiosos
secularizados e historicamente assim transIormados. As autoridades não reconhecidas pelo
esclarecimento, mas mesmo assim a inIluenciar de Iorma não transparente a propria
construção das condições de possibilidade da crença na razão como inicio e principio
absoluto, transIormaram a intenção de clariIicação racional em cegueira quanto ao que lhe
antecede. Ao alcançar os seus resultados epocais, o proprio processo de justiIicação se
anularia em sua intenção de extensão e proIundidade caso supusesse ter chegado a verdade
enquanto unidade sintetica Iinal. A razão justiIicada como derradeiro Iundamento exibe o
esquecimento de que ela mesma ainda pode ser objeto de justiIicação a inclui-la numa
sintese mais ampla que deve pressupor. A analise constante que a razão promove deveria,
228
portanto, Iazer pressupor a anterioridade de sinteses ja Ieitas que aparecem em Iorma de
Ienômenos, bem como de sinteses supostas e não tematizadas que perIazem as proprias
condições, o proprio estatuto da razão em seu exercicio de justiIicação discursiva
continuada. A crendice racional ingenuamente cega, porque crente apenas em si, e Ieita da
Ialta de reconhecimento da religião enquanto sintese de dados determinantes, mas
reprimidos, ou ainda não descobertos, e da historia que narra a transIormação semântica e
conceitual desses mesmos dados e, ao mesmo tempo, sempre inaugura certa interpretação
sobre si mesma.
A propria atividade de justiIicação ativada por determinado sistema deve pressupor
balizas que possibilitaram tal sistematização por um lado, e, por outro, deve supor que o
conjunto de Ienômenos, arrolados sob essas condições para Iazerem parte da experiência,
não pode ser considerado deIinitivo. A atividade justiIicante deveria permanecer entre duas
Irentes, ou seja, uma vez, aquela que e Ieita da constante justiIicação das suas proprias
condições que consegue estabelecer pela percepção e nomeação de Ienômenos para a
elaboração pelo sistema que de si vislumbra e, outra vez, o resto que não Ioi ainda
nomeado nem das condições de sistematização e nem do que ainda não Iaz parte do
sistematizado. O processo de justiIicação aparece, ele mesmo, como constante
possibilidade de descrição dos mais variados Ienômenos, bem como das condições da
propria descrição sistematizada.
Benjamin julga de extrema importância a decisão sobre quais os elementos do
pensamento kantiano deveriam ser assumidos e promovidos, quais deveriam ser
'transIormados e quais rejeitados¨. (GS II-1, 159). Não quer simplesmente incentivar a
utilização aplicada do sistema kantiano em si, mas, pela preservação da sua tipica, visa a
elaborar epistemologicamente a Iundação de um 'conceito superior de experiência¨. (Idem,
160). Kant mesmo nunca teria negado a possibilidade da metaIisica, mas apenas exigido a
apresentação dos criterios de uma tal possibilidade. A elaboração de uma metaIisica Iutura
enquanto experiência superior, tendo por base a tipica kantiana, seria a exigência e a tareIa
da IilosoIia.
Isso parece ser a propria marcha da metaIisica, isto e, não nega-la, pois isso ja
implicaria em ma metaIisica objetivada como nomeação doutrinaria de uma divindade
erigida como criterio para o que se diz, mas sim a constante Jerwindung, em termos de
uma superação no acompanhamento do compreendido na procura do que supõe ao ser
229
assim. A metaIisica e o bater constante as portas da linguagem, um observar as escadas
pelas quais se subiu e se jogou Iora, uma construção de escadas ao reves para descer as
proIundidades e extensões de onde se veio.
Os conceitos de experiência e metaIisica convidariam a uma revisão de Kant em
Iavor da IilosoIia Iutura. Mas apenas isso não basta, pois o conceito de conhecimento de
Kant tambem apresentaria deIiciências causadas pela ja mencionada vacuidade da
experiência da epoca. Seria, portanto, necessaria a criação de um novo conceito de
conhecimento, bem como de uma nova representação do mundo. A teoria do conhecimento
de Kant não inclui a metaIisica, pelo Iato de que 'ela mesma traz em si elementos
primitivos de uma metaIisica inIrutiIera, que exclui qualquer outra¨ (GS II-1, 160).
E preciso indiciar que isso ja e repetição da acusação da pobreza epocal
anteriormente abordada, ou seja, metaIisica idêntica em seu parentesco com a religião, em
suas relações com o tema da totalidade e da Iormação do mundo.
Alias, para a teoria do conhecimento qualquer elemento metaIisico e um germen
doentio que se expressa exatamente quando acontece o isolamento do conhecimento 'da
experiência em sua total liberdade e proIundidade¨ (GS II-1, 160). A IilosoIia se
desenvolve quando liquida tais elementos metaIisicos da teoria do conhecimento e se
remete a uma experiência metaIisicamente mais pleniIicada. Ha, portanto, uma relação
direta entre a experiência epocal pobre demais para levar a verdade metaIisica e uma teoria
do conhecimento ainda incapaz de indicar suIicientemente 'o local logico da pesquisa
metaIisica¨, (GS II-1, 161), se bem que a expressão kantiana metafisica da nature:a tenha
o sentido da pesquisa da experiência a base de principios garantidos pela teoria do
conhecimento.
Mas a insuIiciência epistemologica em relação as questões da experiência e da
metaIisica localiza-se, em primeiro lugar, na teoria do conhecimento como elementos de
metaIisica especulativa em termos da concepção ainda não superada de sujeito e objeto em
geral. Em segundo lugar, na precaria superação da relação do conhecimento e da
experiência com a consciência empirica. Mesmo que Kant e os neokantianos tenham
superado a natureza de objeto da coisa em si como causa das sensações, permanece ainda
'por eliminar a natureza de sujeito da consciência conhecedora¨ (GS II-1, 161), a qual ai
esta como analogia da consciência empirica.
230
Na teoria do conhecimento tais elementos permanecem como rudimentos
metaIisicos e pedaços de uma experiência rasa daquele seculo. Por detras de tudo isso ha
uma mitologia que promove a representação de um eu corporal-espiritual que
individualmente recebe sensações para, por meio delas, Iormar as suas representações. Tal
mitologia e semelhante a qualquer outra como, por exemplo, do que se sabe de povos de
cultura primitiva que se identiIicam com plantas e animais, ou de dementes que em sua
percepção se identiIicam com objetos, ou de doentes que culpam outros seres por sua
doença, ou ate de videntes que aIirmam captar em si mesmos as percepções dos outros. A
experiência kantiana, no que se reIere a representação de recepção de percepções,
assemelha-se a qualquer outra metaIisica e mitologia, so que moderna e inIrutiIera para a
religião.
Qual e a questão? A experiência, reIerida a consciência individual do homem
corporal e espiritual e não concebida como 'especiIicação sistematica do conhecimento¨
(GS II-1, 162) de qualquer modo sempre sera mero obfeto do verdadeiro conhecimento e,
ainda, apenas numa perspectiva psicologica, isto e, todas as consciências conhecedoras
empiricas são especies de consciências dementes, entre as quais ha meramente diIerenças
de grau de valor, cujo criterio, porem, não pode ser a correçào |a certeza| de
conhecimentos. Uma das tareIas principais da IilosoIia vindoura, por isso, sera a
determinação do verdadeiro criterio para a diIerenciação de valor das Iormas de
consciência:, pois 'aos modos de consciência empirica correspondem outras tantas
especies de experiência¨. (GS II-1, 162). Comparados ao que se reIere a verdade, tratam-se
de Iantasia e alucinações. 'Pois, uma relação objetiva entre a consciência empirica e o
conceito objetivo de experiência e impossivel¨. (GS II-1, 162). A genuina experiência deve
consistir na consciência transcendental (teoria do conhecimento) sem ligação com qualquer
coisa relacionada ao que e subjetivo.
Benjamin esta a indicar que o transcendental e tambem uma experiência, talvez por
elaboração da reIlexão IilosoIica ao modo de Kant, portanto, não um dado absoluto como
conhecimento anterior a qualquer conhecimento empirico, mas a depuração das condições
pelas quais todas as experiências da epoca se dão. Consciência empirica e conceito de
consciência psicologica se identiIicam. O autor ainda menciona a Escolastica como tempo
a ser examinado para poder talvez elucidar a relação entre conhecimento puro e conceito
de consciência psicologica.
231
Ha que se perguntar se ainda serviria o conceito de consciência. Pois a consciência
transcendental e de especie diIerente da empirica restando para a IilosoIia uma tareIa
problematica central, ou seja, o de veriIicar a relação da consciência empirica psicologica
com o âmbito do conhecimento puro. Nessa questão deparamo-nos com o ponto logico
(GS II-2, 163) de muitos problemas abordados recentemente pela Ienomenologia: 'A
IilosoIia consiste em que na estrutura do conhecimento se encontra a da experiência e a
partir da qual deve desenvolver-se¨.
Benjamin esta a dizer que a propria IilosoIia se desenvolve como experiência ja
Iazendo parte do conhecimento puro de que se necessita para a continuidade do proprio
exercicio IilosoIico. Então, em outros termos, e compreensivel que o exercicio de analise
IilosoIica tambem depende de tudo o que se põe de lado como sendo errado e ainda como
sendo alem do discursivo, pois ha sempre algo maior na propria compreensão Iinita e de
que o homem Iaz parte como consciência empirica. A experiência e uma totalidade de
determinações da tradição com cuja plenitude a consciência psicologica nunca atina.
A IilosoIia e o cavoucar experiencial a procura dessas determinações sedimentadas
historicamente e alocadas como se Iossem teologicas, ou ate o prestar atenção e
permanecer na escuta dessas noticias e sugestões provindas não do nada, mas do esquecido
e reprimido que aparece como que do nada. Trata-se da organização tradicional construtiva
e a ser aplicada, que se apresenta e aparece como instauração historica. A consciência
empirica estaria como que mergulhada, ou a navegar numa experiência a distância
determinante maior, a qual por sua vez Iaz parte do conhecimento. A IilosoIia seria a tareIa
do desenvolvimento reIlexivo, ciente da sua Iinitude. Ciente da Iinitude, porque a propria
programação e tentativa de conservação de racionalidade, visualização historica e
percepção disso. Ha ciência da participação numa totalidade que nunca se podera deIinir
por mais ensaios de totalidade que se empreenda e se aplique na ação concreta a partir da
compreensão que se tem. O conhecimento e uma estrutura em que esta tambem a
experiência. A IilosoIia desenvolve-se como experiência em conhecimento, ou ate e o
proprio desenvolvimento possivel como atividade de desconstrução da ingenuidade
objetiva e dos Iantasmas que nos comandam nas produções de objetivação e exercicio
compreensivo maquinal. Tal estado de coisas expressa a ideia de que ja sempre somos
compreensão inevitavel em andamento comprometidos com bonecos que desconhecemos a
exemplo do mito da caverna.
232
Essa experiência circunscreve entào tambem a religiào, a saber,
enquanto a verdadeira religiào pela qual nem Deus nem o homem
sào sufeito ou obfeto da experiência, mas assim que essa
experiência consiste no conhecimento puro que somente a filosofia
pode e deve pensar Deus enquanto sua essência. (GS II-1, 163).

Surge, então, a pergunta: por que somente a IilosoIia? Talvez porque apenas ela
enquanto atividade sui generis de escuta e atenção necessita do suposto da totalidade
enquanto tareIa sempre a deIinir; porque apenas ela como Ienomenologia esta preparada
para escutar e dispor-se a escuta do que esta a vir a ser, entendendo-se ela mesma como vir
a ser. A propria ideia de divisão entre subjetividade e objetividade a Iazer parte da auto-
compreensão e suspensa enquanto deIinitiva, permanecendo apenas como experiência
aplicada da modernidade.
A IilosoIia enquanto disposição a itinerância compreensiva e não Iixada para
propositos de mera aplicação debruça-se sobre as diIiculdades de deIinição de si como
compreensão, como trans:endentale Schein, como ponto logico absoluto a ser
constantemente elucidado. Capta-se como compreensão de que e tareIa de compreender
por meio da linguagem, ou seja, como circulo a querer constantemente produzir o
transcendental de si como na ideia veiculada pelo mito do paraiso, como ponto cego
sempre anterior e condição de qualquer dizer, mesmo que seja o dizer do seu suposto,
como o nada de que tudo provem e que parece que a IilosoIia pode pensar como sendo
exatamente Deus, o inominavel, indeIinivel, o proibitivo e a propria proibição. A religião
enquanto suposição de ligação e relação de todas as determinações anteriores sem
possibilidade de esgotamento semântico cumpre o papel de indicação da Iinitude humana.
A religião e a aposta de uma relação ja existente e a determinar, e Iaz parte da experiência
do homem, isto e, ela e indicadora da sua divida, da sua Iinitude, incompletude, e o salva
das varias crendices do esquecimento mecanizado.
E necessario notar que, do mesmo modo que Deus, o homem tambem não pode ser
sujeito ou objeto da experiência. Qual seria o estatuto do homem, então? Visto pelo lado
negativo, o homem não pode ser suporte, ou Iundamento pelo Iato de que a experiência e
algo que lhe transcende, mas de que Iaz parte (e a questão do organismo em Kant e em
todos os românticos; a questão da Natur de Hoelderlin, como interpretação do paragraIo 45
da Critica do Jui:o de Kant e motivo de celeumas entre Fichte, Schelling e Hegel com
Hölderlin a respeito da possibilidade de um Iundamento que geneticamente pudesse ser
233
responsabilizado pelo todo que ha); e não pode ser objeto exatamente pelo Iato de Iazer
parte do processo de Iorma possivelmente ativa em participação. Visto pelo lado positivo
trata-se da perspectiva da instauração e do saber disso.
O autor Iala da verdadeira religião, na qual nem Deus, nem o homem são sujeito, ou
objeto, portanto, não susceptiveis de deIinição cabal por proposições, mas apenas como
possibilidade inevitavelmente sempre suposta de totalidade e de si. Em outros termos,
Deus seria o conhecimento puro apenas pensado pela IilosoIia, ja que Deus seria a essência
do conhecimento puro, mas sem possibilidade de objetivação como se Iosse a expressão do
Sou-o-que-sou veto-testamentario, ou lo/goj enquanto atividade deIinidora sem deIinição.
A IilosoIia tem a tareIa de pensar Deus e o homem exatamente como possibilidade? Ha
que atentar para o Iato da junção entre homem e Deus como percurso e possibilidade de
percurso em junção com a categoria da relação. Da-se a lembrança de que toda a sugestão
de totalidade concreta e encarada como ensaio de abertura para muito mais. Assim, a teoria
do conhecimento vindoura devera deixar de lado as entidades metaIisicas de sujeito e
objeto procurando investigar a genuina esIera do conhecimento (GS II-1, 163). -
Um novo conceito de conhecimento e de experiência seria constituido, mas sem
que ambos se reIerissem a consciência empirica. Por outro lado, exatamente por isso
deveria permanecer o Iato pleno de sentido de que as condições de conhecimento Iossem
as da experiência.
Tal novo conceito de experiência, Iundado em novas condições de conhecimento,
constituiria propriamente o ponto ou lugar logico, bem como a possibilidade logica da
metaIisica.
Tem-se a impressão de que o apelo a logica tem a intenção da justiIicação possivel
de acordo com a posição programatica do autor. Em outros termos, seria a apresentação da
ideia de que pelo entendimento novo do que seja experiência inevitavelmente haveria novo
conceito de conhecimento, ja que ambos se relacionam intimamente. O conceito novo de
entendimento de experiência programado procura liquidar a ideia da existência de
sensações imediatas que pudessem existir sem a interIerência ja havida dos ditames da
historia e da cultura. Sentimentos e sensações ja estariam nesse caso proIundamente
comprometidos com o que se pensou e acumulou emocionalmente no seio da sociedade,
tanto que o imediatismo natural das sensações seria uma especie de delirio e loucura como
ja Ioi anteriormente expresso. A possibilidade de determinar as sensações como
234
historicamente determinadas temos ja em Marx, e ela da azo a muitas inIerências quanto a
importância da estetica. Pelo Iato de haver determinação cultural naquilo que o homem
sente, todos Ienômenos da cultura recebem dai a sua importância, pois parece insondavel a
totalidade de possibilidade de rumo e novas emergências que socialmente podem acontecer
no coletivo civilizacional e cultural. Por isso, o corpo do homem não e apenas produto de
adaptação animal, mas tambem o proprio processo cultural em andamento. Toda a IilosoIia
empirica seria assim apenas uma expressão de uma epoca aIeita a crendices tomadas por
absolutas. Mas o ponto zero historica e culturalmente neutro das sensações nunca e
alcançado e experienciado, pois ja sempre ha corpo aIetado pela cultura.
Kant sempre teve a metaIisica como problema e a experiência como unico
Iundamento, porque o seu conceito de experiência, como ja visto, excluia a possibilidade
da metaIisica. Pela preocupação de Kant com a metaIisica nos Prolegomena, poder-se-ia
inIerir que o Iator de distinção da metaIisica não e a ilegitimidade dos seus conhecimentos,
mas o seu poderio universal ao relacionar imediatamente, por meio de ideias, a totalidade
da experiência com o conceito de Deus.
O raciocinio e de que se a ciência assim concebida e algo suspeito, ou ate crendice
levando a humanidade ao desastre, então o conhecimento propalado pela modernidade
tambem não e tão seguro, cuja caracteristica de certeza viria a ser a sua pior expressão. O
conceito de Deus tem o poder da abertura, e conhecimento legitimo a relacionar
imediatamente ideias e experiência. Ideias regulativas, quem sabe, a possibilitar o
ordenamento da propria experiência enquanto compreensão. Para Benjamin ha a
necessidade da liquidação do historicismo ingênuo, mas ao mesmo tempo tambem a
inevitabilidade da experiência organizada sistematicamente como condição de
possibilidade para dizer o que se diz.
O acerto das elaborações compreensivas ate aqui parece conIirmar-se quando
Benjamin aIirma que com tudo isso não se possibilita Deus, mas a experiência dele e a sua
doutrina. Deus como limite, ou nada, ou impossibilidade de deIinição, ou espaço silencioso
em que a experiência se da, ou condição absoluta que se da como expressão da
dizibilidade: seria essa a experiência religiosa? Uma experiência que Iala da totalidade das
determinações e que nunca consegue chegar a si como totalidade compreensiva ou mundo
como totalidade objetivada, mas em expressão constante. InIerimos que todo o artigo sobre
235
a IilosoIia vindoura tem subjacente a si a contradiçào da linguagem como criterio de
relação e avaliação dos caminhos IilosoIicos possiveis.
Portanto, na elaboração da IilosoIia vindoura trata-se da tareIa da criação de um
conceito de conhecimento que relacione o conceito de experiência exclusivamente com a
consciência transcendental e com isso possibilite não apenas experiência mecânica, mas
tambem, de Iorma logica, experiência religiosa.
ConIorme Benjamin, ha sinais de evolução no proprio neo-kantismo. Um dos
problemas centrais do neo-kantismo, porem, Ioi o de liquidar a diIerença entre a intuição e
o entendimento. Com essa mudança no conceito de conhecimento, logo se promove
tambem uma mudança no conceito de experiência. Por certo a redução de toda a
experiência a experiência cientiIica não Ioi intentada tão exclusivamente por Kant como no
neo-kantismo. Certamente havia em Kant uma tendência contra a Iragmentação e divisão
da experiência em setores cientiIicos particulares e na metaIisica 'se deve encontrar a
possibilidade de Iormar um continuo sistematico da experiência¨ (GS II-1, 164).
InIelizmente o neokantismo desenvolveu uma mudança do conceito de experiência
na perspectiva da Iormação extremamente mecânica do relativamente vazio conceito de
experiência iluminista em curiosa correlação com o conceito de liberdade, o qual, por isso,
tambem devera ser alvo de reIormulação.
Poder-se-ia ate deIender, conIorme Benjamin, o ponto de vista de que com a
descoberta de um novo conceito de experiência, enquanto um possivel ponto logico da
metaIisica, a diIerença entre natureza e liberdade suspender-se-ia. Mas nesse conjunto de
reIlexões apenas se trataria de um programa de pesquisa e não de provas a esse respeito.
Ha, porem que se dizer que e inevitavel a reIormulação da transição entre doutrina da
experiência e doutrina da liberdade, mas isso não pode redundar em amalgama de
liberdade e de experiência. A tricotomia tipica do sistema kantiano deve ser preservada,
mesmo que se tenham duvidas, por exemplo, sobre se a etica deve relacionar-se ainda com
a segunda parte do sistema, ou sobre se a causalidade por liberdade deve ser entendida de
outro modo. Em geral, a tripartição de todo o âmbito da cultura pelo sistema kantiano e
algo que o distingue sobremaneira dos seus antecessores. Por outro lado, a dialetica Iormal
apos Kant não deixa abertura para uma não-sintese de dois conceitos predeterminados
como tese e antitese, o que do ponto de vista sistematico cada vez mais se exigira, ja que
uma outra relação e possivel entre as mencionadas tese e antitese.
236
Mesmo que a tricotomia kantiana deva ser preservada para a divisão da IilosoIia,
esquemas particulares do sistema ja merecem reparos, como por exemplo, da Escola de
Marburg que ja iniciou com a eliminação da diIerença entre logica transcendental e estetica
e o que se pode complementar com a revisão total da tabua das categorias. Exatamente
nisso se pode aspirar a uma transIormação do conceito de conhecimento, angariando um
novo conceito de experiência, pois as categorias aristotelicas são arbitrarias e Kant as
direcionou unilateralmente para a experiência mecânica, alem de apresenta-las
isoladamente e numa desconexão, que Iaz pensar na possibilidade de relaciona-las a uma
doutrina das ordens ou liga-las logicamente com conceitos originais anteriores. Uma
doutrina geral dos ordenamentos seria viavel, a qual incluiria não so a mecânica, mas, por
exemplo, tambem os conceitos Iundamentais da geometria, ciência da linguagem,
psicologia, ciência natural descritiva. Alem disso, seria preciso atentar para a necessidade
de tematizar as soluções do vir a ser do proprio conhecimento a Iim de encarar o problema
sobre Ialso e sobre erro, a sua estrutura e o seu ordenamento logicos, bem como do mesmo
modo sobre o verdadeiro. (GS II-1, 167). 'O erro não deve mais ser explicado a partir do
errar, como a verdade tambem não mais a partir do correto entendimento¨. (GS II-1, 167).
Na IilosoIia moderna em geral surge o reconhecimento de que o ordenamento categorial
possa ser por graduação multiIorme e tambem não so por experiência mecânica, para que a
arte, o direito, a historia e outros âmbitos ainda pudessem orientar-se pela doutrina das
categorias. Mas no âmbito da logica transcendental surge um dos maiores problemas, ou
seja, o das Iormas de experiências cientiIicas (biologia) que Kant la não tratou e a questão
e sobre por que não. Alem disso, ainda restaria a pergunta pela relação da arte com a
terceira parte do sistema e da etica com a segunda.
O conceito da identidade, desconhecido por Kant e não mencionado na tabua das
categorias, talvez tenha papel importantissimo como principio supremo e como apto para
Iundamentar, alem da esIera do conhecimento, o uso da terminologia de sujeito e objeto.
'A dialetica transcendental na versão kantiana ja indica as ideias de que consiste a unidade
da experiência¨. (GS II-1, 167). Como ja visto, para um conceito de experiência mais
proIundo, continuidade e unidade são imprescindiveis, o que se consegue pelas ideias
numa perspectiva não vulgar e não meramente cientiIica, mas metaIisica. A convergência
das ideias com o conceito supremo do conhecimento deve ser demonstrada.
237
A doutrina kantiana com seus principios relacionou-se com uma ciência, Irente a
qual pode exercitar-se em suas deIinições. O mesmo acontecera com a IilosoIia moderna,
sendo que a sua transIormação e a sua correção de orientação por um conceito de
conhecimento unilateralmente matematico-mecânico dever-se-a promover como relação do
conhecimento com a linguagem, como ja no tempo de Kant, Haman o Iazia.
Para Kant, o Iato de que todo o conhecimento tem a sua expressão na linguagem, e
não em Iormulas e numeros, Iicou em segundo plano. Na reIlexão sobre a essência
lingüistica do conhecimento chegar-se-a a produção de um conceito de experiência capaz
de abranger sistematicamente setores que Kant não conseguiu incluir. O setor a ser
mencionado por primeiro e o da religião. Resumindo a exigência
...a base do sistema kantiano produ:ir um conceito de conhecimento
que corresponda a um conceito de experiência, da qual o
conhecimento e doutrina. Em sua parte geral uma tal filosofia
poderia ela mesma ser denominada teologia, ou seria anteposta a
esta, caso incluisse elementos historico-filosoficos. (GS II-1 168).
Experiência e a variedade unitaria e continuada do
conhecimento. (GS II-1, 168).

No pos-escrito ao mesmo artigo, Benjamin continua com a sua programação de
pesquisa, chegando aos seguintes resultados.
A relação entre IilosoIia e teologia deve ser clariIicada melhor. Trata-se
primeiramente da relação entre os conceitos de teoria do conhecimento, metaIisica e
religião. A IilosoIia tem um aspecto critico e um aspecto dogmatico, teoria do
conhecimento e metaIisica. Essa divisão signiIica simplesmente que se pode construir uma
doutrina a partir do que primeiramente de Iorma teorico-critica e instituido como conceito
de um conhecimento, sendo diIicil mostrar o local em que termina a parte critica e inicia a
parte dogmatica, 'pois o conceito de dogmatico somente quer indicar a transição da critica
para a doutrina, dos conceitos gerais Iundamentais para os particulares¨.(GS II-1, 169) O
total da IilosoIia e, portanto, teoria do conhecimento critica e dogmatica. A parte
dogmatica da IilosoIia não se identiIica com as ciências particulares, de modo que surge a
pergunta pelos limites entre IilosoIia e ciência particular. O termo 'metaIisico¨ quer dizer
que não ha esse limite e a cunhagem de 'experiência¨ para 'metaIisica¨ signiIica que na
parte metaIisica ou dogmatica da IilosoIia a experiência esta contida virtualmente. Qual e
então a relação entre IilosoIia e religião? Primeiramente se deve constatar que se trata da
238
relação entre IilosoIia e doutrina da religião, ou seja, da relação entre conhecimento em
geral e conhecimento da religião. FilosoIicamente a questão da existência da religião, da
arte, etc., so pode ter relevância em termos do conhecimento IilosoIico de tal existência.
'A IilosoIia pergunta absolutamente sempre pelo conhecimento em que o conhecimento da
sua existência e apenas uma modiIicação da pergunta pelo conhecimento em geral, se bem
que incomparavelmente distinta¨. (GS II-1, 170) Em seus questionamentos, a IilosoIia em
geral nunca podera vir a topar com a unidade do ser-ai |Dasein|, mas apenas sempre com
novas unidades de legalidades |Geset:lichkeiten|, cujo integral e exatamente Dasein.
O conceito original, o conceito genetico, na perspectiva da teoria do conhecimento
tem Iunção dupla. Primeiro, ele se especiIica desde a Iundamentação do conhecimento em
geral ate os conceitos de conhecimentos separados e modos de experiência. E este o seu
lado mais Iraco em seu sentido metaIisico: não chega a constituir uma totalidade concreta
de experiência e nem um conceito de existência. Mas por outro lado, ha uma unidade da
experiência, a qual o conceito de conhecimento se reIere de modo imediato como doutrina
em seu desdobramento continuado. Esta totalidade concreta de experiência, o objeto e o
conteudo desta doutrina, e a religião. Mas essa religião e dada a IilosoIia apenas como
doutrina. A Ionte do Dasein encontra-se na totalidade da experiência e apenas na doutrina
(religião) a IilosoIia, como Dasein, topa com um absoluto e, com isso, com a continuidade
na essência da experiência. Talvez tenha sido essa a negligência do neokantismo.
Em perspectiva puramente metaIisica o conceito original se expande de modo
imediato a totalidade da experiência, diIerentemente do âmbito das suas especiIicações nas
ciências. 'Que um conhecimento seja metaIisico signiIica rigorosamente: por meio do
conceito genetico do conhecimento ele se reIere a totalidade concreta da experiência, isto
e, ao Dasein¨. (GS II-1, 171). O conceito de existência IilosoIico deve legitimar-se Irente
ao conceito de doutrina religioso, e este, por sua vez, Irente ao conceito genetico na
perspectiva da teoria do conhecimento. Devem cumprir-se as exigências de unidade virtual
de religião e IilosoIia, bem como a integração do conhecimento da religião na IilosoIia, e
por Iim, a integridade da tripartição do sistema.
Não se pode deixar de conjeturar sobre o que isso possa signiIicar. Um ponto logico
enquanto experiência capaz de suspender a diIerença entre natureza e liberdade não e nada
desprezivel. Haveria mais indicações a esse respeito no texto, mesmo que o autor recue em
sua sugestão ao dizer que se trata apenas de um programa? Ja anteriormente (GS II-1, 161
239
e163) havia mencionado o ponto logico que ultimamente a Ienomenologia haveria
abordado, e isso quanto a relação entre o conceito psicologico de consciência e o conceito
da esIera do puro conhecimento. Juntando as duas menções do ponto logico metaIisico
talvez se pudesse inIerir que se trata de uma posição Ienomenologica (Husserl) a Iruir o
que surge de alem da imediata crença no mundo assim posto para a compreensão
costumeira. Tratar-se-ia da pergunta pela metaIisica e de tudo o que ela supõe quando
surge, isto e, a insatisIação quanto ao que Ioi explicado sobre a natureza e sobre o homem
que dela Iaz parte, admiração, interesse, percepção da mudança de si em relação aos
supostos descobertos sobre a propria compreensão nas explicações que são eIetivadas para
o entendimento do mundo. A metaIisica assemelha-se com a atividade IilosoIica de modo
muito proximo. A metaIisica não pode mais ser entendida como o criterio divinizado em
Iorma de metaIora na qual tudo se explica. Mas exatamente quase o contrario disso, ou
seja, o indiciamento do que se alocou como Iundamento irrepreensivel, como chão que da
certeza para toda a corrida de elucubrações Iuturas e, assim, a entronização provisoria ate a
queda da coroa entronizada para proIundezas maiores, ou deslocamentos de linguagem
quase ao modo de Wittgenstein em seus jogos de linguagem, mas sem a deIinição ultima de
jogos, pois tambem Wittgenstein não se da conta da contradição da linguagem em que
sempre novo Deus espera como e dito em Metafisica da fuventude (GS II-1, 92).
MetaIisica, assim, e sempre sinal de impasse, de passagem, de ponte que liga algum lugar a
lugar nenhum por enquanto, a terra desconhecida, ao abismo mais proIundo e extenso, ou a
permanência na oscilação entre busca de Iundamento ultimo e a sua destruição pela
descoberta de que se trata de constante expressão do inominavel que são assim se
denomina.














240










5. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA TAREFA DO TRADUTOR: A
TAREFA DO TRADUTOR.


Benjamin detecta problemas IilosoIicos na atividade de tradução. Não se trata
primeiramente de questões de pratica convencional de tradução, mas do sentido mais
proIundo de qualquer tradução. Os problemas a que alude são diretamente relacionados
com os resultados de Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens. Trata-se da
seguinte questão: como se pode traduzir a dimensão da linguagem, que, de acordo com a
contradição da mesma, não comunica, não repassa um conteudo, não transmite algo alem
de si mesma? A linguagem que participa imediatamente apenas a si mesma e passivel de
tradução? Se a linguagem não deve ser vista como sistema de sinais de algo transmissivel,
como e que se poderia traduzir a sua imediação, que impõe limites intransponiveis para
tanto? Como ja visto em Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens ha a perda
da imediação da linguagem interpretada como queda vindo a ocorrer a multiplicidade das
linguagens comunicativas, todas elas na intenção desastrosa de sinalizar algo alem de si
enquanto objeto separado. Em cada linguagem historicamente alocada ainda existem os
vestigios da linguagem em imediação expressiva, Iragmentos de verdade de uma unidade
primeira. A questão e, portanto, a de como e possivel traduzir esses resquicios de uma
linguagem para a outra, sem cair sempre de novo nas tentações da objetivação. A tradução
assim considerada desde o inicio e imbuida de uma tareIa que e exatamente a descrita, ou
seja, a recuperação do que Ioi perdido e esta a se perder.
Sob esta otica, Benjamin aIirma que na elaboração de qualquer obra não se deve
levar em conta alguma consideração ou cuidado quanto ao leitor, pois não tem relevância
para a Iunção e a tareIa da linguagem. A obra de arte não precisa minimamente levar em
241
conta o conhecimento de qualquer receptor pelo Iato de que não pode haver estrategia de
conhecimento ou intenção competente na transmissão de algum conteudo. A obra não deve
prestar-se a comunicação no sentido costumeiro e, por isso, não e necessario o
conhecimento, ou a captação do que comunica. Ela esta excluida de qualquer relação
comunicativa e, assim tambem de qualquer relação de sujeito-objeto.
A questão então e sobre o que, então, numa construção lingüistica pode ser
reconhecido alem do seu carater comunicativo. Alem de todo o teor comunicativo quanto a
conteudo concerne a linguagem o teor não predicativo que, então, se apresenta como a
tareIa precipua da tradução. Esta tareIa tem como alvo o âmbito da linguagem dos nomes,
o teor de verdade da propria obra, tudo isso bem alem do que a intenção dos meros sinais.
O teor do conteudo, isto e, o teor coisal |Sachgehalt| pertence totalmente as preocupações
de comunicação intersubjetiva com todas as suas variantes, e deve ser estritamente
diIerenciado do teor de verdade |Wahrheitsgehalt|, que supõe 'a existência |Dasein| e a
essência do homem em geral¨ (GS IV, 9), o que, por sua vez, não pode ser objeto de
tematização cientiIicista. A tradução não deve, portanto, ter a intenção de repassar
conteudos articulados por linguagem proposicional.
Pois, o que 'di:` uma obra poetica? O que ela comunica? Muito
pouco aquele que a compreende. O seu essencial nào e
comunicaçào, nào e proposiçào. Mesmo assim, aquela traduçào
que quer comunicar nào poderia transmitir nada alem do que a
comunicaçào portanto, algo inessencial. Isto, portanto, entào
tambem e um sinal de reconhecimento da ma traduçào. Mas o que
na obra poetica permanece alem da comunicaçào e mesmo
tambem o mau tradutor concorda que se trata do essencial nào
vale em geral como o inconcebivel, misterioso, poetico? Aquilo
que o tradutor somente pode restituir a medida que tambem
poeti:a? Dai de fato provem um segundo indicio da ma traduçào,
que entào se pode definir como uma transmissào de um conteudo
inessencial. (GS IV, 9).

A dimensão do inconcebivel, misterioso e poetico e a mesma daquela dos nomes.
Mesmo com essa identiIicação, resta a pergunta como e que então a parte essencial da
linguagem se parece para que se pudesse ter segurança numa eventual tradução, pois
ambas as dimensões estão presentes na linguagem, tanto a meramente inIormativa de
conteudos, como a que e caracterizada como poetica. Na obra original a ser traduzida as
duas dimensões não se distinguem a primeira vista e, por isso, os cuidados no trabalho de
tradução nesses termos são imprescindiveis. Em primeiro lugar deve-se depreender da
242
propria questão que uma tradução não interessada em conteudos, mas em algo que
acompanha essa dimensão material trata na verdade de uma Iorma e que e identiIicada
como sendo a tradutizibilidade da obra. Ha que acentuar que se trata, então, da obra e não
do tradutor: a obra de arte e traduzivel ou não, algo que a propria constituição dela decide.
Tudo depende da possibilidade de se a verdade inscrita na obra e traduzivel ou não, e isso
quem decide e a obra, pois e ela que por sua propria Iorça aspira e leva a tradução. E certo
que a obra não se transIorma em algum sujeito para si mesmo, mas que simplesmente a
obra, assim como e, exige a sua tradução de acordo com a sua essência (GS IV, 10). Em
sua constituição pratica, a obra e uma construção Iinita como outra qualquer e, portanto, e
historica. Desse modo a dimensão do incondicionado, do poetico, do misterioso em seu
teor depende de uma lingua Iinita e historica, estando ela em constante perigo de
desaparecer. A tareIa, então, e impedir que esse desaparecimento aconteça, pois na
atividade da tradução o tradutor mesmo se envolve com a vida da obra como se Iosse a sua
propria. A necessidade da tradução decorre do encontro acontecido entre tradutor e obra e
tal teor vital de verdade exige atualização e renovação, pois signiIica a Iorma de existência
mesma da obra. Mas ha que acentuar mais uma vez que não se trata de traduzir a obra
original assim como Ioi historicamente constituida, mas aquilo que constitui a sua verdade
em termos de um sentido que exige traduzibilidade sucessiva. E a verdade da qual aqui se
Iala não depende do conhecedor que a pudesse manipular como se Iosse objeto.
A verdade enquanto sentido da obra original de algum modo ja esta presente no
tradutor, pois o conhecimento que o mesmo dela tem e questão da critica que em relação a
ela promove. A conexão entre obra original e sua tradução e questão do seu signiIicado e
da sua possivel critica.
A relaçào pode ser denominada como natural e, mais
precisamente, uma relaçào de vida. Assim como as expressòes de
vida estào intimamente conectadas com o vivo sem que lhe
signifique algo, assim emerge a traduçào do original. Sem duvida,
nào tanto da sua vida, mas mais da sua 'sobrevivência`. Pois a
traduçào e posterior ao original e designa, nas obras
significativas, o estagio da sua continuidade de vida, as quais
nunca encontram os seus tradutores escolhidos na epoca do seu
surgimento. (GS IV, 10).

O recado da citação e no sentido de que a necessidade da tradução decorre da
essência da obra que deste modo exige a continuidade da sua existência. A historia, neste
caso, e vista por Benjamin como um processo que não pode ser comparado com a mera
243
permanência na dimensão temporal. Ela e considerada como um acontecer constante Ieito
de ações, mudanças e movimentos. Por isso, quando a vida e mencionada na citação, trata-
se do processo historico em que as essências são aIetadas e aIetam. A vida das obras e
participação num processo que e comparavel a vida humana, pois Iazem parte do proprio
vir a ser ja desde que Ioram instauradas no acontecer da historia, o que, por sua vez,
signiIica que jamais podem ter o carater de puro objeto manipulavel por alguem. As obras
têm, portanto, uma vida historica que aIeta a sua evolução, ou seja, a medida que o
processo de desdobramento do seu teor de verdade acontece pelas traduções Ieitas, esse
mesmo teor não pode ser objetivado de uma vez por todas. A ideia e a de que o saber
misteriosamente poetico da obra não pode ser evidenciado por proposições interessadas em
objetivação e, deste modo, ele e inesgotavel, podendo somente ser revivido por constantes
atualizações e novas apropriações. A obra não permanece a mesma, e a razão disso e a de
que, com a sua dimensão poetica, ela não e recebida pelo tradutor como um objeto do qual
se pudesse distanciar, mas, pelo contrario, o saber que ela traz esta proIundamente
imbricado com aquele que sabe. Se em cada tempo atual a obra deve tambem ser
atualizada por sua propria exigência, então esse saber não pode ser isolado da situação
historica concreta em que e traduzida e o signiIicado desse teor em seu desenvolvimento
ativa-se de Iorma descontinua na historia, a exemplo da vida do homem que se transIorma
constantemente permanecendo, porem, na sua identidade.
Os tempos em que a obra continua a se desenvolver pela Iorma descrita são por
Benjamin denominados de tempos de Iama. Os tempos de Iama, porem, denotam algo
mais, isto e, que a tradução e apenas uma das expressões possiveis da obra. A tradução
como que segue a Iama da obra constituida de muito mais do que a tareIa tradutora. (GS
IV, 11).
A realização do desenvolvimento da obra no que concerne a tareIa da tradução
tangencia questões tanto de linguagem como de historia do uso da mesma, e as
preocupações de Benjamin, portanto, devem ser entendidas a partir da sua interpretação do
pecado original. Na exempliIicação da historia do paraiso o teor de verdade e relativo a
linguagem dos nomes numa presença constante. Mas a queda na comunicabilidade de
conteudos objetivados levou ao esquecimento e ao seqüente desconhecimento atual de tudo
isso, de modo que agora a verdade das obras de arte necessita atualizar-se continuamente
como Ioi descrito. A presença pura e imediata da verdade original em unidade Ioi
244
substituida pela linguagem objetivadora numa Iunção meramente semiotica que nesse vies
se Iragmenta continuamente. A tareIa da tradução deve ser o movimento contrario que e o
da recuperação da unidade perdida quando na Iragmentação alucinante ela ressalta a
dimensão do poetico. A verdadeira tradução, portanto, e sempre um passo no sentido da
reconstituição do que as proprias linguas em Iragmentação supõem, ou seja, uma
identidade expressiva original que representa a propria condição de possibilidade delas.
Deste modo a tradução Iaz acontecer algo extremamente importante, que e a suposição de
que todas as linguas têm um Iundo de semelhança apesar da sua diIerenciação em termos
semioticos. Alem de tratar do desenvolvimento da obra original, a tradução, portanto,
indica uma mudança de relação entre as linguas, chamando a atenção para o que elas têm
de semelhante e impondo, assim, uma cesura ao movimento de Iragmentação inIinita. O
suposto de identidade aventado e o Iato de que e possivel a expressão em desenvolvimento
de um teor de verdade idêntico, apesar dos diIerentes sistemas de designação pelas linguas
historicas. Pela tradução, as linguas Iinitas entram em relação com a linguagem dos nomes
que perIaz uma unidade virtual. As linguas Iinitas reunem-se em torno dessa linguagem
como que em torno de um lugar vazio. E por este motivo que Benjamin deduz a
impossibilidade de uma tradução que Iosse comum a todas as linguas, pois se trata de uma
tentativa intermitente, de um germen de apresentação de um signiIicado, o qual permanece
oculto, mas ao mesmo tempo determina a relação entre as linguas na tradução. Trata-se de
uma
convergência peculiar. Ela consiste em que as linguas nào sào
estranhas entre si, mas, abstraindo todas as relaçòes historicas,
sào a priori aparentadas entre si naquilo que querem di:er, mas
nunca estào em condiçòes de di:er. (GS IV, 12).

Quando a tradução costumeira intenta a reprodução de um determinado conteudo e
uma lingua para a outra, Benjamin da a entender a sua impossibilidade. O conhecimento de
que Iala não procura a objetividade, pois não se realiza com a reprodução de alguma
realidade a parte. A tradução, por isso, não pode pretender expressar o mesmo igual ao
original por meio de proposições. Em suma, e um saber não proposicional que aparece,
pois aquele que sabe não pode ser apartado do seu saber em situação. Esse saber em
situação enquanto modo de ser do teor de verdade e que perIaz a vida da obra, proibe, por
isso, qualquer semelhança de conteudo objetivado entre original e tradução.
245
O carater dinâmico e historico da linguagem, conIorme Benjamin, deve ser
auscultado das palavras em si mesmas quando desenredadas de todas as suas relações. De
um lado rechaça a ideia de que a mudança da linguagem provenha do seu uso pratico nas
necessidades sociais, como tambem a ideia de que o signiIicado seja elaborado unicamente
pelo sujeito capaz de relativizar e ir alem de qualquer sentido ja constituido como se este
Iosse objeto. O sujeito Ialante sempre ja Iaz uso de palavras cujo sentido posteriormente
pode compreender de Iorma mais ampliada, reduzida, ou ate diIerente, e, no instante da
elocução, a consciência de qualquer modo esta enredada nas aplicações das palavras em
termos de objetivação nas lides do cotidiano em geral. E possivel se dizer que as palavras
têm um signiIicado em si mesmas que aos poucos, alem do uso imediato, pode ser
entrevisto por interpretações tradutoras sucessivas. E por isto que a vida das obras deve
Iormar uma elaboração continua de descontinuidade entre original e tradução, o que
analogicamente tambem traduz as relações entre presente e passado, isto e, somente pela
tradução do presente o passado se atualiza para Iazer parte do que atual. Sobre a tradução
se pode dizer:
Ela esta tào distante de ser a igualdade muda de duas linguas
mortas que, como a questào mais propria de todas as formas,
precisamente lhe cabe prestar atençào aquele amadurecimento
tardio das palavras estranhas nas dores de parto das proprias.
(GS IV, 13).

O parentesco das linguas não e de ordem genetica e nem a linguagem dos nomes
deve ser entendida como a linguagem original no sentido historico.
Alem do parentesco historico, onde pode ser procurado o
parentesco de duas linguas? De qualquer modo, nem na
semelhança de obras poeticas, nem naquelas nas semelhanças das
suas palavras. Antes de tudo, todo o parentesco das linguas alem
do historico consiste no fato de que em cada uma delas enquanto
totalidade apenas algo e considerado de cada ve:, a saber, o
mesmo, mas o que, mesmo assim, a nenhuma delas e dado
alcançar individualmente, a nào ser pela totalidade das suas
intençòes confuntamente confugadas. a linguagem pura. (GS IV,
13).

A linguagem pura que na citação e mencionada não e de cunho instrumental na
indicação de objetos, mas e a linguagem dos nomes ainda não conspurcada por proposições
que pretendem objetivação absoluta. O homem caido na compreensão meramente voltada a
comunicação de objetos perdeu inexoravelmente a linguagem pura, a qual, porem,
246
permanece como ideia regulativa enquanto ideal de toda a Iala e de todo o conhecimento.
A linguagem proposicional procura constituir o mundo das coisas. As proposições que
objetivam o saber conceitual têm a pretensão de se relacionar entre si como a realidade que
supostamente captam como num mundo paralelo e como num total de estados de coisas.
Assim, neste aspecto todas elas diIerem entre si tendendo a Iragmentação cada vez maior.
Mas a unidade que as supõe, o mesmo teor de verdade, a mesma ideia Iorma um pano de
Iundo que a totalidade do conhecimento proposicional com que se expressam nunca pode
ser realizado. São, portanto, diIerenciadas quanto ao saber proposicional que decai na
objetivação, mas tem a sua unidade suposta pelo seu teor não proposicional. Benjamin
explica:
Enquanto todos os elementos individuais, as palavras, frases,
relaçòes das diferentes linguas se excluem, essas linguas se
complementam em suas intençòes mesmas. Captar mais
precisamente essa lei, fundamental para a filosofia da linguagem,
esta na intençào de diferenciar o visado da forma de visar. Em
'Brot` e 'pain` o visado certamente e o mesmo, ao passo que na
forma de visar nào e. Na forma de visar esta, pois, a ra:ào de
porque ambas as palavras significam ao alemào e ao francês algo
diferente, de porque para ambos elas nào sào substituiveis, e ate,
por fim, aspiram excluir-se mutuamente, de porque, porem, elas
quanto ao visado, tomado por absoluto, significam o mesmo e o
idêntico. (GS IV, 13).

Na Iorma de visar não trata da Iorma diIerente quanto a um conteudo, como se
esperaria na linguagem proposicional em que se utilizam diversos signiIicantes para o
mesmo signiIicado. A relação e outra e se resolve como expressão, da que cada linguagem
e capaz para visar um incondicionado que lhe e condição de possibilidade. A Iorma de
visar de cada lingua e a Iorma imperIeita de uma reIerência Iinita a uma ideia. O conceito
de pão em alemão e em Irancês e substituivel quando estes visam o mesmo objeto a Irente,
mas não e substituivel quando se leva em conta o carater de experiência que nunca pode
reIerir-se a um objeto simplesmente. O teor de experiência expressa um signiIicado que
nunca podera ser captado deIinitivamente, pois subjaze a cada uma das experiências
particulares e sempre diIerentes entre si. Não se podera dizer de Iorma predicativa o que e
o pão em si mesmo, mas as Iormas de visar reIerem-se diIerentemente a uma coisa so:
todas elas realizam a totalidade de uma perspectiva em que a coisa se da, mas precisamente
em cada perspectiva de modo diverso.
247
Cada uma das perspectivas e uma versão da totalidade, mas não a totalidade
mesma. Na Iorma de visar o que aparece não e algo diIerente, mas e o idêntico que aparece
diverso. As perspectivas não são meramente partes Iragmentadas de um inIinito, mas são
expressões diversiIicadas do mesmo. Com essa Iorma de pensar ja não mais se esta na
linguagem de intenção proposicional que so se reIere a objetos. Por isso e que na Iorma
diversa de visar e possivel vislumbrar a complementação que cada uma signiIica para a
outra em relação e a partir da suposição da linguagem pura. Nas linguagens individuais em
que não ocorre a complementação para a percepção mais imediata do visado, ha um longo
processo de mutação vocabular para emergir da linguagem objetal. O visado
constantemente suposto permanece velado nas linguas.
Quando, porem, estas crescem de tal modo ate o fim messianico
da sua historia, e, entào, a traduçào, a qual se inflama na eterna
sobrevivência das obras e na infinita revivescência da linguagem,
que sempre de novo pode promover a prova sobre aquele sagrado
crescimento da linguagem, ou sefa, quào longe o que nela esta
oculto se encontra afastado da revelaçào, quào presente lhe
podera se tornar o saber sobre essa distancia. (GS IV, 14).

Em todas as linguas encontra-se a verdade, mas de Iorma velada. O sentido da
complementação por intermedio da tradução e a redução das linguas em direção ao visado,
a restituição da linguagem do paraiso.
Ha um evidente entrecruzamento entre a concepção de linguagem e de historia em
Benjamin. Os elementos do estagio Iinal de uma revelação total estão proIundamente
incrustados em cada atualidade (GS II, 75). Do mesmo modo os elementos da verdade sem
a intenção da objetivação estão encobertos pelos conteudos elaborados pela subjetividade
da consciência que se quer exclusivamente autônoma. Fragmentos da linguagem dos
nomes estão inscritos na discursividade da linguagem proposicional.
De acordo com o dito, as traduções so poderão existir onde acontecem as diversas
Iormas do visar e, neste sentido, toda a tradução e provisoria. A linguagem pura e
expressão da experiência da qual, entre outros, decorrem tambem as convicções religiosas.
A doutrina religiosa, por sua vez, pode constituir uma experiência que promove a
germinação de uma linguagem superior. A tradução procura aproximar-se dela, ou ate a ela
se aliar quando elimina o vies do ajuizar do conhecimento: o ajuizar intermitente a base de
criterios absolutizados e uma caracteristica Iundamental do conhecimento objetivador e
proposicional. E claro que com tudo isso a obra original a ser traduzida perde o seu carater
248
de comunicação, mas, por outro lado, se eleva a altura superior da linguagem, sem, porem,
chegar a linguagem dos nomes da linguagem pura visada pelo tradutor. Acresce-se a isso
que tal esIorço em alcançar o visado apresenta uma diIerença entre a palavra poetica do
original e a tradução. Ao visar exclusivamente o teor de verdade contido no original, o
tradutor elabora outra relação entre âmbito do saber e âmbito da linguagem, entre teor e
conteudo. (GS IV, 14s). Quando a tradução tem como alvo pura e exclusivamente o
poetico, abandona o âmbito discursivo em que o original se encontra.
Benjamin compara a unidade de proposição e Iormas de saber conjugadas no
original com a unidade de uma Iruta e a sua casca, as quais, quando separadas como no
caso da tradução que privilegia uma das partes, são comparaveis a um manto real que
jogado ao longe não permite conclusão alguma sobre a Iigura que vestia. A tradução não e,
portanto, construção de identidade entre ela mesma e a obra original e, então, o seu estatuto
e o de signiIicar 'uma linguagem superior a ela e, com isso, permanece em relação ao seu
teor inadequada, violenta e estranha¨. (GS IV, 15).
Para precisar melhor a diIerença quanto a elaboração de linguagem entre o autor
original e o tradutor, Benjamin apresenta a imagem do primeiro na condição de estar em
meio a linguagem como numa Iloresta na montanha. A linguagem para o autor e algo que
surge como natureza agreste e o seu trabalho e o da orientação no sentido de encontrar a
sua propria linguagem. O autor tem ao seu dispor todo o matiz concreto de todo o material
da linguagem repassado pela tradição, de modo que a intenção dele em relação a
linguagem e intuitiva. (GS IV, 16). A tradução, porem esta Iora dessa Iloresta, pois ela se
encontra
frente a ela e, sem a adentrar, ela chama o original para dentro,
para dentro daquele unico lugar, onde a cada ve: o eco da
linguagem propria consegue promover a repercussào de uma obra
da linguagem estranha. (GS IV, 16).

O autor da expressão as suas proprias experiências, enquanto que o tradutor
transIorma a obra quando transverte o seu teor para uma linguagem estranha. A tradução,
portanto, e transIormação, a qual não pode ser posta na conta do tradutor como sujeito que
sabe, mas da propria linguagem que produz os seus multiplos ecos. Esta tambem e a razão
de não poder haver metodo de tradução enquanto um caminho predeIinido.
249
Nào ha musa da filosofia, tambem nào ha musa da traduçào.
Tacanhas, porem, como os artistas sentimentais a querem elas
nào sào. Pois ha um gênio filosofico, cufa caracteristica mais
propria e o desefo por aquela linguagem que se manifesta na
traduçào.(GS IV, 16).
Pode uma tradução do teor de uma obra ser Ieita a contento sem a transmissão do
seu conteudo? A obra em todo o caso apresenta uma so linguagem, a qual correspondem
duas Iormas de saber. Não poderia acontecer que as condições de tradução são destruidas
quando se deixa de restituir o sentido a Iim de traduzir apenas o que se reIere a linguagem
pura? De que Iorma o saber não predicativo esta oculto na predicação das linguagens
historicas? Como pode ser compreendida uma linguagem que com os seus meios
insuIicientes procura antecipar a linguagem pura? A contradição da linguagem retorna e
retoma os seus direitos de modo avassalador. A tradução como a obra, portanto,
permanecem na contradição da linguagem entre objetivação e expressão. Pela tradução as
palavras não são simplesmente reduzidas a sua condição de lexia, mas são utilizadas em
novo contexto de tal Iorma que se torna, então, possivel que a linguagem possa visar a
linguagem pura.
No reino intermediario entre linguagem historica e linguagem pura esta a tradução
com a sua tareIa, o que lhe possibilita levar as linguagens Iinitas pelo caminho da
complementação. Benjamin compara esse processo de complementação ja abordado como
a junção de cacos para a reconstrução de um recipiente quebrado, isto e, num trabalho
aIanoso de recolha, as palavras merecem um ordenamento numa disposição especial para
visar o mesmo saber, o mais Iundamental.
A concepção de tradução de Benjamin, portanto, parte da suposição geral de que,
alem do sentido predicativo na denominação de objetos, ha bem perto dele e, mesmo
assim, inIinitamente longe, sob ele oculto ou, mais detalhadamente, por ele reIratado e
mais poderoso do que toda a comunicação, algo ultimo, decisivo.
Alem do comunicavel, permanece em toda a lingua e suas
formaçòes algo nào-comunicavel, algo que, dependendo do
contexto em que e encontrado, e simboli:ador ou simboli:ado.
Simboli:ador apenas nas formaçòes finitas das linguas,
simboli:ado, porem, no vir a ser das proprias linguas. E aquilo
que no vir a ser das linguas procura apresentar-se, elaborar-se
ate, isto e aquele nucleo da propria linguagem pura. Mas se este
nucleo, sefa oculto ou fragmentado, mesmo assim esta presente na
250
vida enquanto o proprio simboli:ado, ele simboli:ado so reside
nas formaçòes. Se esta ultima essência, que e a propria linguagem
pura mesma, nas linguas se encontra presa apenas ao lingùistico
e suas mudanças, entào ela esta comprometida com o sentido
pesado e estranho. Livra-la deste sentido, tornar o simboli:ador
no proprio simboli:ado, recuperar ao movimento da linguagem a
linguagem pura formulada, e esta a poderosa e unica capacidade
da traduçào. Nessa linguagem pura, que nada mais visa e nada
mais expressa, mas que enquanto palavra inexpressiva e criadora
e o visado por todas as linguas, toda a comunicaçào finalmente,
todo o sentido e toda a intençào encontram uma camada em que
estào destinadas a extinçào. (GS IV, 19).

A tradução, portanto, movimenta a linguagem em direção contraria ao da
subjetividade que se quer autônoma na produção de proposições: a Iorma do saber que
amealhou esta Iadado a extinção. A tareIa da tradução e livrar o verdadeiro da sua
disIormidade enquanto realidade em paralelo, livrar os seus elementos inscritos na
linguagem Iinita. O processo de tradução nesses moldes e caracterizado como processo de
restituição da unidade perdida, de retorno ao ser. Para promover o retorno da
multiplicidade das linguas a unidade suposta, a causa da dispersão e da Iragmentação deve
ser conhecida e superada. Conhecida ela e pela contradição da linguagem e a tradução e o
movimento de superação.
Nào e do sentido da comunicaçào que ela [a traduçào] tem a sua
consistência, comunicaçào a respeito da qual a tarefa da
fidelidade e precisamente emancipar-se. Na linguagem propria,
contudo, se confirma liberdade por causa da linguagem pura.
Aquela linguagem pura que no estranho esta exilada deve ser
salva na linguagem propria, libertar pela recomposiçào a
linguagem presa na obra e a tarefa do tradutor. (GS IV, 19).

A comunicabilidade deve ser superada na tradução: esta e a tareIa. Imbuida dessa
tareIa, por sua vez, ha que transcender a linguagem discursiva.
Quanto menos valor e dignidade a sua linguagem tem, quanto mais
for comunicaçào, tanto menos ha o que ganhar com isso na
traduçào, ate que a completa preponderancia daquele sentido, muito
longe de ser alavanca para uma traduçào sem forma, a frustra.
Quanto maior a obra vem a ser, tanto mais ela mesma permanece
ainda intradu:ivel no contato maximamente fugidio do seu sentido.
(GS IV, 20).

Benjamin da um exemplo da diIiculdade na relação entre tradução e original. Ele
expressa que a diIiculdade e como que uma tangente tocando um circulo apenas num
251
determinado ponto, e que a lei da sua continuidade ao inIinito e ditado pelo contato. Do
mesmo modo a tradução toca Iugidiamente o original num inIinitamente pequeno ponto
para, então, seguir a lei da Iidelidade da liberdade do movimento da linguagem num
percurso proprio. (GS IV, 20). Benjamin tambem considera as traduções tardias de
Hölderlin como modelo e arquetipo de transposições que não almejavam conteudos
conceituais da linguagem. Mas ai reside o perigo do silêncio. As traduções de SoIocles por
parte de Hölderlin Ioram as suas ultimas. 'Nelas o sentido cai de abismo a abismo ate
ameaçar perder-se nas proIundezas sem Iundo da linguagem¨. (GS IV, 21). Fato e que,
depois destas traduções, Hölderlin emudeceu na loucura. Em todo o caso, parece haver o
perigo do emudecimento quando a linguagem perde completamente qualquer alvo de
comunicação. Mas, de acordo com Benjamin, ha um paradouro proporcionado pelo texto
sagrado 'em que o sentido deixou de ser o divisor de aguas para a linguagem caudalosa e a
revelação caudalosa¨.(GS IV, 21). No texto sagrado as diversas Iormas de saber não estão
em conIlito. E numa conIiança mutua entre original e tradução ai se uniram a literalidade e
a liberdade na versão da tradução interlinear.
Pois em qualquer grau todas as grandes obras, mas maximamente
as sagradas, contêm entre as linhas a sua traduçào virtual. A
versào interlinear do texto sagrado e o arquetipo e o ideal de toda
a traduçào. (GS IV, 21).

Numa tradução interlinear as palavras e as Irases do original tornam-se citações na
escrita de vida do proprio tradutor, pois do texto emerge a verdade que, por um lado, ja o
inclui na obra e, por outro, ao mesmo tempo, atualiza a mesma na concretude da vida.















252







6. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA ARTE E NA FILOSOFIA: ORIGEM
DO DRAMA BARROCO ALEMÄO.


Não e ocioso sempre relembrar que e preciso recomendar cuidado Irente a
linguagem de Benjamin: não ha nenhuma palavra que não esteja cuidadosamente
escolhida, ja que o assunto e exatamente a apresentação do pensamento IilosoIico. No
texto Origem do drama barroco alemào encontra-se uma seqüência de Irases lapidares,
cada uma como que resumindo um assunto ja amplamente discutido e a espera da
criatividade do leitor para inscrever-se num dialogo ja iniciado.
De acordo com a tese de que a contradição da linguagem e o ponto Iocal a ser
compreendido para a compreensão da atividade IilosoIica de Benjamin, examinaremos os
elementos sob este prisma.
'E proprio da escrita IilosoIica deparar-se sempre de novo a cada expressão com a
pergunta sobre a apresentação¨. (GS I-1, 207). A escrita IilosoIica soIre com a consecução
da sua apresentação a cada novo acontecer de si. A apresentação escrita vem a se constituir
numa questão talvez pelo Iato de se conceber o pensamento e a Iala como anteriores
acontecimentos mais imediatos. O pensamento necessita da escolha cuidadosa das Iormas
literarias em que possa ser mais bem apresentado, o que ja supõe preocupação a respeito
dos eIeitos e da Iorma do que se pensou. O pensamento, antes imediato, e agora
acompanhado dos cuidados estrategicos da apresentação exigindo uma relativa
sistematicidade pedagogica que antes não tinha. O pensamento aprisionado em
considerações valorativas quanto a sua melhor apresentação escrita certamente pode soIrer
interrupções e desvios em seu percurso. Quando primeiramente apenas parece acontecer
em cadeias de raciocinio sem intenção, agora na apresentação e pressionado a obediência
aos ditames de um dizer melhor: aspectos pedagogicos, teleologicos, sistematicos, de
253
justiIicação, de crença de acerto e de calculo quanto a eIeitos lhe são impostos.Por isso, se
diz:
'Certamente em sua Iorma acabada sera doutrina, mas ao mero pensamento não e
dado o poder de lhe conIerir tal Iorma integral¨. (GS I-1, 207). A doutrina e a Iorma
acabada da apresentação, pois ja e um arteIato, cujo conjunto engloba em si os aspectos
antes mencionados, na suposição de poder responder a todas as possiveis objeções. A
doutrina apresentada, enquanto suposição de acerto didatico completo, desenha a intenção
de uma determinada totalidade compreensiva, que acredita ser inatacavel a partir da sua
exterioridade, ja que os seus limites externos são completamente invisiveis para ela. Tal
determinada totalidade compreensiva, didatica e doutrinariamente estabelecida, recorre
necessariamente somente aos seus proprios esteios, considerados inabalaveis por ela, e a
sua repetida auto-alimentação pela sua movimentação em busca da preservação estrategica
de si. O pensamento realizado didaticamente na Iorma da doutrina tem ja a pretensão da
completude e lhe restam, então, apenas os modos de dizer o mesmo. 'A doutrina IilosoIica
consiste em codiIicação historica¨. (GS I-1,207).
A codiIicação historica da doutrina IilosoIica podera ter dois aspectos. O primeiro e
o de que a doutrina enquanto tal representa ja os eIeitos dela mesma no tempo: e narrada
repetidamente e interpretada de modo que o seu cerne não soIra solução de continuidade a
ponto de se converter em compreensão burocratizada insistentemente. Ela necessita de tal
codiIicação historica, ja que so pode sobreviver como comprometida acentuação do
conjunto de esteios supostos que procuram lhe garantir continuidade compreensiva: precisa
ser dita, apresentada continuamente e re-acentuada.
A doutrina IilosoIica remete ao conjunto de elaborações de pensamento, questões
Iundamentais surgidas em termos de perguntas e ensaios de resposta desde o seu inicio na
IilosoIia grega ate agora, e tentativas de sistematização experimentadas, a ponto de Iormar
um repertorio de constante reIerência do proprio pensamento em curso, como tambem de
re-elaboração criativa e re-contextualização necessaria. A doutrina IilosoIica entende-se,
portanto, reIerida a sedimentação do pensamento humano, ou codiIicado em textos, ou
elaborado e apanhado em compreensão no dialogo pratico da vida. Tal doutrina
eIetivamente colabora na pre-Iormação do pensamento atual e, por isso, em grande parte
nele se reconhece nas questões mais proIundas que exigem maior atenção em sua
254
ocorrência subterrânea atual, maior diIiculdade de articulação lingüistica e, por isso
mesmo, maior diIiculdade de apresentação.
Tais elementos e diIiculdades de apresentação das questões da doutrina IilosoIica
indicam o envolvimento direto de quem com eles se relaciona de Iorma criativa, ja que esta
tratando de seu proprio pensamento, da sua propria linguagem, daquilo que mesmo e no
conjunto dos resultados de tal codiIicação historica. O grau de diIiculdade apresenta-se,
então, principalmente no impedimento da pretensão de construção objetiva, como se Iosse
unicamente um conteudo a parte da linguagem usada precisamente na sua apresentação.
Não e possivel relacionar-se com o conjunto do repertorio IilosoIico como se Iosse para
selecionar, somar e dividir elementos para o uso instrumental em alguma empreitada ja de
inicio construtiva e objetivamente pre-elaborada. Alem disso, como ja indicado, o uso do
repertorio IilosoIico e imediato no comprometimento do proprio pensamento e da
linguagem em atividade de analise. 'Assim, ela tambem não pode ser conjurada more
geometrico¨. (GS I-1, 207).
Ja que assim e, a doutrina não pode ser invocada como um conhecimento
objetivado que ao longo do tempo tende a permanecer o mesmo, sem parecer necessitar de
interpretação e sempre renovada atualização. Apesar da codiIicação historica a doutrina
necessita a cada vez da sua apresentação pela linguagem, perIazendo uma totalidade de
compreensão por parte de quem a expõe ao modo do comprometimento com ela. A
matematica e a geometria em sua Iorma de linguagem especializada pretendem ter chegado
a um grau de objetivação não mais sujeita as variações do pensamento em re-elaboração no
curso da historia. O seu estatuto pretendido e o da objetivação absoluta para a produção de
certeza a respeito do proprio discurso. A sua verdade e a verdade da certeza evidenciada na
repetição igual dos seus processos de aplicação. O caminho enquanto metodo a ser seguido
e atraves do passo ja sistematizado por codiIicação sem permissão de desvios, sob pena de
ocorrência de erros em seu Iluxo automatizado. Desse modo não pode haver problema de
apresentação descritiva reiterando os seus percursos necessariamente pre-determinados.
O conhecimento objetivado, portanto, não tem o problema da apresentação pelo
Iato de ja estar pronto e ao dispor da possivel aplicação pratica. Ele subsiste sob as
condições da combinada adequação as coisas e promove seguramente a certeza da
compreensão que se reitera recorrentemente a base de principios aceitos e assim
estabelecidos. A abstração matematica aqui não e vista como linguagem ordenadora sujeita
255
a apresentações interpretativas, mas como mecanismo teorico Iixo capaz de ser repetido
inIinitamente nas aplicações adequadas as coisas. Não se trata, portanto, do que acontece
no âmbito da linguagem em geral, no qual, mesmo expressando doutrina historicamente
codiIicada, ha espaço de manobra suIiciente para apresentação diversiIicada de acordo com
nuances interpretativas.
O termo verdade, portanto, na circunscrição da linguagem não serve como
signiIicado de certeza na adequação das palavras as coisas conIigurando conhecimento. A
verdade expressa na linguagem não e conhecimento produzido na intenção de adequação
do termo a algo exterior a si.
Quào nitidamente a matematica prova que a total eliminaçào do
problema da apresentaçào, conforme qualquer didatica
severamente obfetiva o reivindica, e o signum do genuino
conhecimento, assim de modo decisivo igualmente se da a sua
renuncia aquele ambito da verdade, que as linguas visam. (GS I-
1, 207).

Portanto, o ordenamento didatico da apresentação como e possivel enquanto
pretensão nas ciências em geral e na matematica, nunca sera capaz de incorporar a
totalidade do que acontece nas especulações IilosoIicas a base da doutrina elaborada por
seculos de historia. O metodo na filosofia e diIerente da apresentação didatica. A
apresentação da IilosoIia como pensamento deve ter um caminho, ou seja, um metodo,
diIerente da doutrina em repetição recitativa ou das convencionais certezas do
conhecimento exempliIicado pela matematica. 'Aquilo que nos projetos IilosoIicos e metodo
não e absorvido no seu ordenamento didatico¨. (GS-I, 207).
O pensamento IilosoIico enquanto propriedade projetiva segue por um caminho
impossivel de ser apanhado por qualquer estrutura sistematica que se entenda como Iixada
e capaz de recorrência continua. O seu acontecer e esoterico a ponto de obrigar a reIlexão
exatamente da sua apresentação diIerenciada. O esoterismo e o seu carater de
acontecimento inedito a exigir constante reIlexão quanto a sua expressão escrita, pois não
pode ser concebido e não pode considerar-se pronto para alguma produção em serie como
se Iosse algo plena, absoluta e abstratamente codiIicado e, assim, sujeita a apresentações
more geometrico. O descarte da caracteristica de imprevisivel acontecimento enquanto
esoterismo em relação a algo capaz de recorrência não lhe e possivel, sob pena de deixar
de ser exatamente o que e: diIerença em relação a qualquer recorrência. A negação de que
256
seria esoterismo (metaIisica) lhe e proibida pelo Iato exatamente de ter consciência da
impossibilidade da sua repetição e da experiência da sua diIerenciação Irente ao
conhecimento ja posto e capaz de reiteração: e vitima de insuIiciência estrutural. Por outro
lado, no caso de o pensamento IilosoIico querer enaltecer-se do seu esoterismo estaria
julgando a si mesmo e deixando novamente de ser o que deve ser, ou seja, acontecer
imprevisivel e, por isso, esoterico, pois a vangloria traz consigo intenções de estrategia e
supõe produto teorico acabado a espera de aplicação. 'E isso nada mais signiIica que um
esoterismo lhes e proprio, que não conseguem descartar, lhes e proibido de negar e o qual
os julgaria ao ser gloriIicado¨. (GS I-1, 207).
Apesar dos seus aspectos de repetição, a doutrina não permite a intenção da
dicotomia explicita e deIinitiva entre sujeito e objeto, pois o sujeito inclui-se a si mesmo no
que propõe objetivamente como conjunto de pensamento apresentado didaticamente. A
doutrina apresentada procura ser o desenho daquele que a expõe, o qual, por outro lado, e
consciente disso. O apresentador expõe a doutrina como imediatamente ligada a si
enquanto expressão da sua propria posição. Desde o ensaio esoterico sem compromissos
com alguma estrutura didatica, mas no imediato da expressão de pensamento, ate a Iorma
acabada da doutrina como codiIicação das sucessivas recepções historicas, ha vigência da
coincidência entre a aIirmação da consciência de ser e o conteudo aIirmado de Iorma
objetivada na linguagem. O apresentador apropria-se do conteudo aIirmado para que seja a
expressão de seu ser em compreensão do mesmo. O conteudo aIirmado revela-se como a
compreensão consciente e apropriada de quem o apresenta. O conteudo apresentado
aIirma-se como testemunho consciente da compreensão do apresentador.
O estado de coisas assim explicitado não ocorre com o conceito de sistema do
seculo XIX, pois procura ser uma especie de rede a incluir todas as perspectivas, menos a
posição nele auto-incluida do apresentador. E curioso observar como a insistência da
objetivação sistematica e pertinaz na sua abordagem do dito em termos de conhecimentos
independentes da compreensão de quem os apresenta e absolutos quanto a certeza da sua
validade. O conjunto sistematico e considerado como um universo em que tudo se ajeita a
maneira da logica, mas no qual seu apresentador não se inclui enquanto compreensão ativa
como quem o promulgou para dele Iazer parte exatamente enquanto arauto e expressão de
si. A possibilidade de que o sistema conIigurado possa ser doutrina vivenciada e o que o
seculo XIX ignora. O apresentador observador neste caso se compreende como segundo
257
elemento apartado do sistema que aponta em termos de solução para a integração de todos
os conhecimentos. 'A alternativa da Iorma IilosoIica, estabelecida pelos conceitos da
doutrina e do ensaio esoterico e aquela que o conceito de sistema do seculo XIX ignora¨.
(GS I-1, 207).
O sistema entendido como rede tecida com conceitos e entre conceitos para apanhar
a verdade como se Iosse objeto separado e proprio da modernidade. Os conhecimentos,
nesse caso, ocupam a Iunção de capturar e enredar uma verdade vista como mera
objetivação enquanto alvo a ser constantemente alcançado por conquista. O pretenso
resultado e a posse da verdade pelos conhecimentos como se ela Iosse coisa e manipulavel
a qualquer hora. Neste raciocinio, os conhecimentos cumprem a tareIa de serem
instrumentos e possuidores da verdade, completamente separados e independentes de quem
os propõe. Uma tal verdade e presa nesse caso pelos conhecimentos instrumentados para a
sua captura em Iavor das mais diversas aplicações, ou seja, a verdade como adequação. A
verdade, como Ioi dito, não e aquela entendida pela linguagem que e a participação
(Mitteilung) inevitavel num todo que pressuposto.
Enquanto ele |conceito de sistema| determina a filosofia, esta
corre o risco de se acomodar num sincretismo que procura
capturar a verdade numa teia de aranha estendida entre
conhecimentos como se de fora ela voasse em sua direçào. (GS I-
1, 207).

Com o tema da verdade Benjamin aborda a condição pre-reIlexiva desse termo em
relação a arte. A verdade não pode ser capturada nem pelos encantos da consciência e nem
pelas capacidades autônomas da mesma, e a abordagem de um saber que não se pode
comunicar de modo meramente discursivo e precisamente a tareIa do IilosoIo. O IilosoIo,
alem de ter a tareIa da tematização de um saber pre-reIlexivo, tambem se torna critico de
arte quando este saber ai aparece. Portanto, pelo Iato de que 'aquele âmbito que as linguas
visam¨ não permitir nenhuma abordagem no sentido da objetivação positiva por
intermedio de conceitos e proposições, e que a escrita IilosoIica tem de se 'deparar a cada
expressão de novo com a pergunta sobre a apresentação¨. Ja que o caminho de uma
explicação por proposições diretas e objetivas esta de antemão vedado para a abordagem
desse assunto, então, a Iorma da apresentação indireta e necessaria para tanto. Benjamin
quer mostrar indiretamente o teor intrinseco de uma Iorma de arte que não pode ser objeto
de abordagem direta. A apresentação desse modo e uma tentativa de abordar um saber que
258
de outra maneira permaneceria sem possibilidade de tematização, e a Iorma de Iazê-lo e
reunir e dar atenção aos elementos das obras em que uma determinada ideia subjaze, ou se
cunha, ou transparece. A diIiculdade esta em que se pode Ialar sobre uma ideia, sem,
porem, capta-la de todo a maneira da predicação direta, como more geometrico. A IilosoIia
neste caso se vê obrigada a superar o modo dominante dos axiomas cientiIicos que
secularmente neste dominio Ioram consagrados. A racionalidade triunIante desde seculos
isola as condições de validade Iazendo-as provir de principios que se reputam inatacaveis
pelo Iato de ter seus esteios garantidos por um Iundamento ultimo e inatacavel. Principios
e Irases ai tentam Iormar-se num agrupamento em que um se reIere ao outro como se Iosse
uma conjuração Iormando uma rede para a captação da verdade para a produção de um
saber proposicional como construção livre de contradições. E essa concepção de verdade
enquanto certeza proposicional que agora e relativizada por Benjamin, a medida que toma
por impossivel a separação absoluta do dizer em relação a alguma realidade objetal
desvinculada da linguagem. Nesse caso, a verdade não e resultado exposto e separado por
meio de uma mediação instrumental da linguagem, mas no âmbito da propria linguagem
imediatamente inteligivel. Para a inteligibilidade da verdade no sentido de Benjamin ha
que perceber a possibilidade do uso de conceitos não no sentido de produção positiva de
objetos separados, mas o que neles se expressa pelos mesmos conceitos. Aquilo que não
pode ser objeto do entendimento objetivador deve poder ser acessivel ao pensamento Iinito
enquanto percepção de dizibilidade, isto e, na situação e no procedimento dêiticos. A
atenção que a IilosoIia da a essa situação Iaz com que pareça esoterica Irente a toda a
atividade esquecida na produção de proposições na intenção de objetivação absoluta. A
questão da apresentação que Benjamin aborda decorre da interpretação da queda
paradisiaca, apos a qual não e mais possivel captar a verdade em si e diretamente, porque o
homem a partir dai inevitavelmente toma linguagem como mera comunicação para
denotação do que considera objetos então completamente separados de si mesmo. Por isso,
a IilosoIia, enquanto tareIa de mostrar a verdade nas coisas que são, entra em choque com
o conceito de ciência tradicional e com qualquer outra IilosoIia que se compreenda na
obrigação de produzir sistemas Iechados, nos quais se regride a compreensão de verdade
enquanto decorrência logica entre Irases ate chegar aquela que a tudo Iundamenta e que
não necessita de ulterior Iundamentação. Tal compreensão leva a redução de tudo a
racionalidade dos procedimentos, processo comum em todas as ciências. Grande parte da
atividade IilosoIica segue nessa trilha na tentativa de encontrar o principio maximo do
259
saber alem de toda a ciência, na ilusão de que algum dia a IilosoIia possa Iundamentar a si
mesma de modo absoluto. E exatamente esse aIã que Benjamin rejeita. Mesmo que a
IilosoIia vise o incondicionado, o conhecimento de que aqui se trata so e possivel a partir
da experiência. A experiência possibilita um conhecimento que e acessivel na sua
apresentação, a qual, por sua vez, não se reduz a mediação de prova racional, mas supõe
ser imediatamente inteligivel e de algum modo participavel pela linguagem. A ediIicação
doutrinal da IilosoIia Ioi trabalho de seculos, num movimento que não pode ser reduzido
ao more geometrico que a razão como num passo de magica pudesse reconstruir de modo
recorrente. A doutrina da IilosoIia não esta simplesmente ao dispor do pensamento como
se Iosse um objeto a sua Irente, pois ele exatamente dela depende enquanto codiIicação
historica. A codiIicação historica da doutrina IilosoIica reivindica uma constante
apresentação em que a verdade não esta implicada como dedução ou ordenamento por
principios, pois de antemão ha que se dar conta do Iato de que a atualidade do pensamento
e proIundamente aIetada precisamente pelo corpo doutrinal do que ja Ioi estabelecido nos
caminhos de um sincretismo IilosoIico. Mas tal sincretismo doutrinal que aIeta o
pensamento da atualidade tambem não pode ser tecido de modo atilado como uma rede
para apanhar uma verdade que vem de algum lugar de Iora. Uma rede deste tipo suporia
novamente a construção conexa de um sistema Ieito das partes desconexas elaboradas
desde o passado distante a Iim de apanhar toda a verdade possivel e subsumir todo o
particular que pudesse aparecer. Tal procedimento conIiguraria um 'universalismo
instruido¨ (GS I-1, 207) que, a partir do que ja sabe e resolveu quanto a aceitação de
criterios para a coesão do sistema, se exercita na pratica de Iazer a mediação para novos
conhecimentos. Uma IilosoIia expositiva em apresentação não pode entender-se como
possuidora de um sistema arrecadado passo a passo da historia do pensamento para a
ediIicação intencional deIinitiva da verdade absoluta, mas deve precisamente romper com
tal intenção.
O sistema invariavelmente aparece como um mundo objetivamente elaborado pelo
pensamento de um sujeito. Ao inves disso, a IilosoIia que se expõe na apresentação ativa-
se na Iorma do tratado em que a verdade emerge de modo não intencional. Ela não procura
mais captar sistematicamente o multiplo particular numa generalidade do principio e do
conceito e renuncia ao mesmo tempo a elaboração do conhecimento de modo Iixamente
argumentativo. Quer-se mostrar a verdade em seu ser, mas não como algo pensado e a ser
provado atraves de proposições. Tem-se, portanto, uma diIerenciação em relação ao
260
conceito de verdade em que a posição de Benjamin e a negação de que a mesma possa ser
captada pelo pensamento e explicitada conceitualmente por proposições.
Esse exercicio impos-se em todas a epocas, as quais se deram
contas da essencialidade indescritivel da verdade, numa
propedêutica que, por isso, se pode designar com o termo
escolastisco de tratado, porque ele contem, mesmo que de forma
latente, a indicaçào dos elementos da teologia, sem os quais a
verdade e impensavel. (GS I-1, 208).

Os elementos da teologia que na citação são mencionados reIerem-se a um
incondicionado impensavel como conteudo e inacessivel ao conceito, ou seja, são o que
Benjamin promulga como sendo as ideias. O saber relativo as ideias, alem de diIerenciar-
se do saber por proposições objetivas, tambem não permite sistematização, de modo que
sistema e tratado não se conjugam. O sistema exige conexão argumentativa em que a
verdade então aparece em Iorma de proposições, enquanto que a ideia procura expor as
coisas de tal modo que uma verdade indizivel diretamente em termos objetivos mesmo
assim se torne inteligivel. Tal verdade e exposta, portanto a maneira do desvio, a maneira
indireta, e isso como conseqüência da queda paradisiaca, que se movimenta em direção da
pretensão de Iundamentação competente e da expulsão em direção ao proprio vicio na
procura de Iundo, o qual a cada vez se apresenta como Ialso. O tratado, por isso, procura
metodicamente o desvio, mas, mesmo assim, na condição de ter de utilizar conceitos para o
ordenamento do seu proprio percurso a Iim de que um teor |Gehalt| intrinsecamente
imanente possa aparecer. Benjamin compara esse mesmo metodo com um mosaico, e com
essa imagem procura distancia-se da Iigura do sistema. O tratado em seus desvios nunca
podera apresentar a verdade num Iôlego so, mas, apenas apos muitas tentativas, a soma dos
caminhos Iaz surgir a imagem requerida.
Renuncia a intençào em seu movimento continuo e a sua primeira
caracteristica. Incansavel, o pensamento começa sempre de novo
e minuciosamente volta a propria coisa. Esse tomar folego sem
cessar e a forma mais propria da contemplaçào. Pois, ao
considerar um mesmo obfeto nas varias camadas de sua
significaçào, ao mesmo tempo ela recebe ao mesmo tempo um
impulso para o seu sempre constante recomeço, bem como uma
fustificaçào para o seu ritmo intermitente. Assim como o mosaico
nào perde a sua mafestade na fragmentaçào caprichosa de suas
particulas, assim tambem a contemplaçào filosofica nào teme
perder o seu impeto. Ambos sào formados de elementos isolados e
disparatados, nada poderia manifestar mais poderosamente o
impeto transcendente sefa da imagem de santos, sefa da verdade.
(GS I-1,208).
261

Benjamin assim deixa claro como pensa a diIerença entre sistema e tratado. O
caminho a verdade e vedado justamente ao logos de intenção deIinidora e, para não se
perder nesse caminho largo de queda livre, a reIlexão interrompe a continuidade de
conceito a conceito para voltar a propria coisa. O tratado, deste modo, se elabora de
pedaços de pensamentos em justaposição a Iim de tornar inteligivel aquilo que
discursivamente em ligações diretamente objetivas e inconcebivel. A renuncia a
argumentação diretamente explicativa e em seu lugar um procedimento de imediação
expositiva tem por conseqüência o impeto da apresentação. O tomar Iôlego da reIlexão tem
precisamente o sentido de interromper o Iluxo da intenção de instrumentação e
comunicação de algo Iora, e de assim voltar ao encontro das coisas em que sujeito e objeto
estão intrinseca e diretamente conjugados. Pelo tomar Iôlego da reIlexão a separação e
superada num passo em direção a unidade paradisiaca perdida. Na contemplação, por sua
vez, o saber proposicional passa ao segundo plano e essa inversão tem conseqüências. Na
primeira versão da introdução ao texto sobre o drama barroco Benjamin diz:
Pois nào ha passagens entre os estratos de sentido. O que os
separa e o crescente desaparecimento do teor coisificado
[Sachgehalt], na qual uma consideraçào interpretativa deve ver o
vaso do teor de verdade [Wahrheitsgehalt]. Quanto mais vitreas
as paredes desse vaso (para continuar na imagem) se mostrarem,
tanto mais visivel sera o teor de verdade nele contido. (GS I-3,
927).

O sentido e o de que as coisas articuladas pela consciência supostamente produtora
das coisas se tornam transparentes para o teor de verdade nelas mesmo contido enquanto
autêntico ser. Apos a queda, a unidade inIinita não pode mais ser reconhecida de modo
perIeito e, por isso, ela aparece em sempre diIerentes camadas de sentido que, por sua vez,
não são reIeridas ao teor de objeto enquanto proposições sobre ele para a sua maior
Iixação. As camadas de sentido se explicam pelo Iato de que o inIinito no Iinito so pode
maniIestar-se de modo Iinito e elas, então, correspondem aos pedaços de pensamentos que
compõe o mosaico da verdade, mas, sem duvida, de modo Iragmentado no decorrer dos
tempos. A verdade não pode apresenta-se como um conjunto de proposições em Iorma de
sistema. Mas qual e a essência e a identiIicação da verdade? Para tanto Benjamin apresenta
as ideias: 'Caso a apresentação quiser aIirmar-se como autêntico metodo do tratado
IilosoIico, então ela deve ser exposição de ideias¨.(GS I-1, 208). A diIiculdade da
262
objetivação da verdade e a de que as ideias não são objetivaveis, pois pertencem a um
âmbito inteligivel alem de toda a predicação possivel e intenção de manipulação racional.
Benjamin recorre a Platão e a sua conhecida teoria das ideias, mas não deixa de modiIica-
la a seu modo. A verdade que agora corresponde as ideias torna-se a elocução do nome de
Deus, do todo alem de tudo, que garante a identidade entre mundo real e ideal a ponto de
promover a unidade entre espirito e materia e a unidade do multiplo. O tratado desse modo
lembra e reitera os resultados de 'A linguagem em geral e a linguagem dos homens¨, mas
tambem a IilosoIia dos pre-socraticos e seus principios do ser que permanecem em seu
estatuto sem se tornarem conteudos da consciência. O principio, ou Deus não e mais
reduzido aos resultados da capacidade da razão, mas se maniIesta em todos os processos da
natureza em geral. A natureza deixa de ser cartesianamente a res extensa, a substância
extensa, morta e manipulavel pela res cogitans, a substância pensante enquanto
Iundamento no individuo consciente, mas inclui tanto um quanto o outro. Desse modo
estamos diante da recusa e rejeição do conceito de natureza da modernidade. Assim, o
homem com todas as suas capacidades não so esta colocado na circunscrição da natureza
com todo o seu pensamento historico e a pletora de sentido que ja elaborou, mas tambem
diante de uma evidência, isto e, a participação numa ultima verdade que no exercicio do
seu ser deve supor inevitavelmente. Por este vies chega-se a concepção de experiência de
Benjamin, quando procura eliminar a dicotomia de racionalidade e sensibilidade e quando
em decorrência pensa o pensar como pensamento ja sempre Iazendo parte da natureza. Tal
identidade na ideia, por sua vez, não pode ser pensada como um agrupamento sistematico
de conhecimentos a base de Iundamento absolutamente seguro em alguma parte do
inIinito, pois mesmo este gesto esta incluido no que se deve supor. Por esta razão tambem
a verdade não pode ser um objeto do conhecimento, pois este sempre supõe a divisão entre
subjetivo e objetivo, em que algum subjetivo particular põe-se a si mesmo como substância
primeira capaz de tudo ordenar a seu gosto.
E necessario reconhecer, portanto, duas Iormas de saber, isto e, conhecimento e
verdade. Conhecimento da-se por conceitos enquanto ações de pensar que pretendem
reconhecer algo como algo em Iorma de proposições sobre a natureza e supõe um sujeito
dela separado.
Conhecimento e um ter. O seu obfeto mesmo se determina pelo
fato de ele dever estar contido na consciência mesma - mesmo que
sefa transcendental. Cabe a ele o carater de posse. Para essa
263
possessào a apresentaçào e secundaria. Ela fa nào existe
enquanto algo em exposiçào. (GS I-1, 209).

O conhecimento e, portanto, considerado como um produto separado de quem o
produz e, desse modo, lhe e vedada a possibilidade de exposição. Em vez da apresentação
ele e positivado como objeto. Nesses termos, a verdade deve ser compreendida numa
imediação que esta alem da atividade do sujeito da consciência que intenta produção do
conhecimento como se Iosse a verdade derradeira.
Metodo, para o conhecimento um caminho de conquistar o obfeto
e sefa por produçào na consciência para a verdade e
apresentaçào dela mesma e, por isso, lhe e concedida ao modo de
forma. Nào e apropriada a esta forma uma correlaçào na
consciência, como o metodo do conhecimento o fa:, mas um ser. O
principio de que o obfeto do conhecimento nào se coaduna com a
verdade sempre de novo sera comprovado como uma das mais
profundas intençòes da filosofia em sua origem, a doutrina
platonica das ideias. (GS I-1, 209).

Com Platão, Benjamin deIende o ponto de vista de que não ha passagem do
conhecimento para a verdade, pois a ideia não da acesso a linguagem predicativa. Trata-se
de ontologia, pois a ideia e o Iundamento do proprio ser das coisas tambem nelas
imediatamente imanente, e não a razão para conhecimento delas como que separadas. 'O
ser do objeto vive do ser da ideia. Essa determinação da ideia enquanto ser deIine ao
mesmo tempo a verdade enquanto ser¨. (GS I-3, 928). Sendo, portanto, o conhecimento
caracterizado como ligação proposicional de sujeito e predicado com a possibilidade de
apenas captar estados de coisas, ele nunca podera captar o absoluto pelo qual exatamente
se expressa.
A verdade não como resultado de proposição, mas como ser e a condição para que
se Iaça experiência, pois e desse modo que no Iinito o inIinito se encontra. E o que
acontece de Iorma inconsciente na expressão da arte, enquanto que na IilosoIia o mesmo se
da de modo reIlexivo na apresentação. Na IilosoIia, portanto, a verdade não e elocução de
conhecimento, mas apresentação, exposição, mostra do seu ser. Não sendo um apanhado
de proposições, ela Iorma na sua exposição uma imagem do ser apresentando a imediata
unidade do que pode ser objetivado, mas de modo nenhum na intenção de reduzir a
multiplicidade a alguma generalidade. O tratado neste caso e o modelo para se conseguir
visualizar a relação entre unidade e multiplicidade de acordo com o exemplo do mosaico.
264
O mosaico não Iorma uma soma de uma multiplicidade geral para chegar a uma verdade
unitaria, mas ele se apresenta de tal modo que cada Iragmento representa a verdade a seu
modo de maneira diversa, ou seja, de uma maneira em que os Iragmentos se completam
exatamente pela diIerença para Iorma o quadro geral.
Os proprios Ienômenos são a razão da unidade, mesmo que so a partir da sua
conjunção a Iigura da verdade surja. O contrario se da no âmbito do conhecimento, pois
decorrente da estrutura reIlexiva das proposições e possivel perguntar pela razão dos
conhecimentos, sem, porem, poder por em duvida o Iundamento no qual se esteiam. O
curioso e que o principio possibilitador da unidade do conhecimento não pode ter intenções
proposicionais, sob pena de ter que levar adiante a sua procura por Iundamento. O
Iundamento e posto e sancionado por aplicações sucessivas, mas um Iundamento ultimo
não se encontrara por ser a propria contradição do proprio pensamento proposicional, ou
seja, o Iundamento ultimo não consegue Iundamentar-se a si mesmo apesar de dever Iazê-
lo. (GS I-1, 209 s). Benjamin estriba-se em Platão que considera um mestre para lhe
garantir as convicções a respeito da verdade, isto e, que nem o sujeito pode ser principio do
saber, nem que a respeito desse principio possa saber-se algo jamais, mas que a verdade e
um incondicionado. Em conseqüência disso, a verdade enquanto ideia deve ser considerada
antecedente a qualquer principio, de modo que ela não e capturada por nenhum grupo de
conceitos, mas apenas dada a contemplação curiosamente não no conhecido ceu platônico
e, sim, precisamente nos Ienômenos, no encontro entre o homem e as coisas. A verdade e
inalcançavel para o conhecimento e para tanto a Iigura de Socrates e paradigmatica nos
dialogos de Platão. Socrates pergunta de tal modo os seus interlocutores que a Ialta de
Iundamentação dos pretensos saberes vai ao Iundo. Desta Iorma a ironia socratica expõe a
incompatibilidade do conhecimento humano em relação a verdade divina. Essa verdade o
homem não comanda, mas a soIre em sua propria pele. No Svmposion esse
comprometimento passional chama-se Eros. Socrates diz que apenas sabe as coisas sobre o
Eros (177 D) como que desistindo dos saberes da razão por serem sempre insuIicientes.
Socrates apenas sabe que não sabe como que indicando a impossibilidade do homem saber
a verdade divina, mas ao mesmo tempo soIre a ânsia erotica de juntar-se aos deuses. O
Eros assim e considerado uma Iorça cosmica pelo Iato de juntar novamente o que antes ja
estava unido. O Eros aspira a unidade superior que inclui em si ate o que e Iinito. Nessa
exempliIicação se percebe que a concepção sobre o principio das oposições de Heraclito e
incorporada por Platão para explicar a junção do separado, bem como tambem a relação
265
entre verdade e beleza. A unidade dos contrarios de Heraclito acrescida da concepção da
ordem harmônica de Pitagoras da a Platão a solução de que a união dos contrarios aparece
enquanto beleza. Beleza e então a aparência sensivel da ideia, da verdade. Em
conseqüência surge no homem a ânsia de captar esta unidade do divino e do humano, o que
vem a ser a IilosoIia. A relação que Platão Iaz entre verdade e beleza e imprescindivel para
toda a tentativa IilosoIica ligada a arte, mas e tambem 'insubstituivel para a determinação
do conceito de verdade¨ (GS I-1, 210). A verdade e denominada bela e se aproximar dela e
o intuito de Eros. Mas mesmo neste caso chega-se a um impasse pelo vies proposicional,
pois a beleza como aparência sensivel da verdade, permanece um misterio indemonstravel
como a propria ideia tambem sempre e. O IilosoIo e precisamente surpreendido e
enternecido pelo Eros sem poder decidir por si mesmo se segue a beleza ou não: e sempre
seduzido . Desse modo a ocupação com a IilosoIia e a arte não pode ser objeto de
Iundamentação e legitimação, sob pena de se auto-condenar. Mas a procura compromete
na imediação da sua Iorça levando o IilosoIo a liquidar a separação de teoria e pratica a
ponto de se tornar religião sem igreja. Nunca, porem o Eros consegue alcançar a beleza
para, então, possui-la. O caminho do homem e o caminho do meio, da mediação entre
extremos, isto e, entre a ignorância sem perguntas, porque não consegue nem Iazê-las e do
saber, que não mais conhece perguntas, porque ja tem todas as respostas. O movimento da
historia e o caminho do meio e que tem a verdade como rumo, mas não como resposta.
Esta e tambem a razão de porque a apresentação expositiva no tratado não tem limites. A
beleza da ideia e inalcançavel e, mesmo assim, merece a perseguição do entendimento.
Ela, porem, Ioge preservando a sua inocência no altar da verdade.
Eros a segue em sua fuga, nào como perseguidor, mas como
amante, de tal modo que a bele:a foge de ambos para manter a
sua fulguraçào. dos inteligentes por terror e dos amantes por
medo. E apenas este pode testemunhar que a verdade nào e
desnudamento, que aniquila o segredo, mas revelaçào, que lhe fa:
fustiça. (GS I-1, 211).

A Iulguração da beleza indica a sua determinação de não poder ser objetivada,
Iixada conceitualmente. Por isso, quando a inteligência do entendimento a persegue para
deIini-la, ela Ioge de terror, pois ela e a verdade em Iorma de sensibilidade que jamais
podera ser objetivada. A Iulguração, ou o aparecer |Schein| e o modo mais proprio da
verdade e ela o Iaz desocultando-se em Iorma de beleza. A beleza torna o inteligivel visivel
266
por vislumbre para aquele que respeita a intocabilidade da verdade sem querer reduzi-la as
questões do entendimento. Platão descreve a verdade como o teor |Gehalt| do belo.
Mas ele nào se manifesta no desvelamento e sim num processo
que pode ser caracteri:ado como um incêndio do involucro, que
penetra na esfera das ideias, como uma queima da obra, durante
a qual sua forma atinge o ponto mais alto da sua intensidade
luminosa. (GS I-1, 211).

O que queima no processo de chegar ao âmbito da verdade e o teor coisal
|Sachgehalt| da obra, as realidades como produto da comunicação instrumental, tudo o que
se reIere ao vies proposicional. De acordo com a imagem da citação depreende-se que a
verdade não se esconde atras das Irases, mas se encontra imediatamente presente. A chama
do incêndio e simbolo da verdade, ou ideia que esta ligada ao mundo real, sem poder
existir apartado dele. Este e o paradoxo da arte em que a verdade se conjuga com a
sensibilidade em objetos que podem ser resultado dos produtos do entendimento. A
estrutura ôntica do cosmos e entrevista e pressentida no paradoxo da arte. Tambem a
IilosoIia assim se parece.
Tudo o que os IilosoIos disseram no sentido da objetivação por proposições não
pode ser conIundido com o teor de verdade que seus textos contêm. Em Hegel certamente
a ideia da dialetica e intocavel. Tanto as obras de arte, quanto os sistemas IilosoIicos
podem ser considerados como imagens da ideia, da verdade.
Se a tarefa do filosofo e exercitar-se no profeto descritivo do mundo
das ideias, de tal modo que o empirico por si mesmo nele penetra e
nele se dissolve, entào ele assume a posiçào mediadora entre o
pesquisador e o artista.(GS I-1, 212).

A Iulguração da beleza garante a presença da verdade, a qual por sua vez não e
acessivel a linguagem proposicional objetivadora. A tareIa da IilosoIia, então, e
precisamente a de possibilitar a verdade por exposição. Mas a sua tareIa não e nem a do
artista puro e nem cientista declarado. Não se pode imaginar que no culto a beleza a ideia
ira aparecer por si mesma, nem pode querer usar a linguagem proposicional para algo que
ja lhe antecede. O IilosoIo desse modo esta entre a intuição artistica e o conceito na
intenção cientiIica, de acordo, alias, com as palavras de Goethe escolhidas como distico no
inicio do texto 'Origem do drama barroco¨:
267
Ja que nem no saber e nem na reflexào um todo pode ser
relacionado, porque aquele falta a dimensào interna e a este a
dimensào externa, temos que pensar a ciência necessariamente
como arte se dela esperamos alguma forma de totalidade. E nào
temos de procurar esta forma no geral, no excessivo, mas, como a
arte sempre se apresenta em cada obra totalmente, assim tambem
a ciência deveria manifestar-se toda ve: em cada obfeto. (GS I-1,
217).

Platão resolveu a questão da tematização indireta para apanhar o lado expressivo da
linguagem, ou seja, da relação entre intuição e conceito, por meio do dialogo, enquanto
Benjamin se Iaz valer do tratado. No tratado, portanto, a ideia não aparece como na
imediação da verdade por meio da Iulguração da beleza num misto de intuição e
sensibilidade, mas numa estrutura conceitual, permanecendo numa situação em relação a
arte que e de parcial semelhança e diIerença. A Iorma do tratado e semelhante a arte,
porque como ela não pode enunciar a verdade ao modo de proposições, e e separada,
porque de qualquer modo necessita da utilização de conceitos para exposição da ideia. Por
um lado, a IilosoIia não pode ser reduzida a um apanhado de pensamentos, por outro,
apenas com os pensamentos chega a determinada unidade.
O pesquisador dispòe do mundo para a dispersào no ambito da
ideia a medida que no conceito ele a divide por dentro. Ele se liga
ao filosofo pelo interesse na extinçào da mera empiria, ao artista,
porem, liga-se pela tarefa da exposiçào. (GS I-1, 212).

A verdade na IilosoIia de qualquer modo dever ser estruturada conceitualmente,
mas de maneira que ela transcende a apresentação estruturada, pois o que e a ideia não
pode ser Iormulado positivamente. Mas, mesmo assim, a ideia e pela IilosoIia veiculada de
outro modo do que na arte, pois nela a compreensão se da na atividade da consciência
como se pudesse penetrar a existência sensivel da verdade, sem, porem, agora se conIundir
colocando as suas determinações acima dela. Apenas desta maneira e numa determinada
disposição os conceitos podem constituir-se nas pedrinhas de mosaico para em conjunto
Iazer aparecer a imagem da verdade. Tal unidade, porem, não pode conIigurar um sistema
ao modo de generalidade em que os conceitos entre si Iormam uma conexão dedutiva e,
por outro lado, não pode apresentar-se simplesmente como um apanhado descontinuo e
desconexo de conhecimentos particulares. 'A coesão sistematica mais não tem em comum
com a verdade senão aquela outra exposição que procura certiIicar-se por conexões de
conhecimentos¨ (GS I-1, 213).
268
Os conceitos no tratado têm o carater Iuncional da mediação para, no processo do
conhecimento, livrar os Ienômenos e reIeri-los a verdade, sem, portanto enredar-se em
conexões dedutivas de intenções sistematicas. O sistema como que enreda os Ienômenos
numa conexão relacional em que todos os elementos necessitam determinar-se
mutuamente. O tratado, pelo contrario, na sua visada ao incondicionado, procura a
superação precisamente desse modo de relação que se da em Iorma de conexão
argumentativa.
De que modo diIerente do que uma conexão ha de se pensar a unidade da verdade?
A solução se da quando se recorda da ligação existente entre o inIinito, que e a ideia, e o
Iinito, que são os Ienômenos. Por si mesmo uma unidade ja e propria ao multiplo não
apenas enquanto soma, de tal modo que precisamente na sua limitação deve transparecer a
mesma unidade que ja esta dada. Pois, o Iinito apenas se da, ou e, porque nas suas
multiplas aparições enquanto diversidade de entes ja aparece um ser que permanece
idêntico a si. Mas ha que se dizer imediatamente que tal ser idêntico a si seja inacessivel a
compreensibilidade do entendimento, pois tambem ele e Ienômeno que ai se inclui, de
modo que se trata de se compreender o mero aparecimento do ser que se vislumbra numa
imediação nunca totalmente deIinivel.
O conceito tem ao mesmo tempo uma Iunção analitica e uma Iunção sintetica, pois
ele tem a Iaculdade de dividir o que esta unido e novamente unir o que esta disperso a Iim
de apresentar os elementos de qualquer obra. Na primeira versão da introdução ao texto
sobre o drama barroco Benjamin explica:
Essa autêntica unidade do verdadeiro nào e mais dissolvivel em
elementos, mas apenas desmontavel em partes. Essas partes,
porem, as ideias, sào daquela nature:a peculiar que pode ser
indicada pelo exemplo de uma lenda. Ela trata das pedras que
cobrem o Sinai. Como Salomon Maimon relata, estas estariam
cunhadas com o desenho de uma folha (arvore), cufa estranha
nature:a seria logo se constituirem em cada bloco de pedra que
por sua ve: tivesse sido quebrado de um grande bloco e assim ate
ao infinito. As ideias sào tais partes da verdade, nas quais
unicamente a regra das mesmas esta cunhada, intata, mesmo que
em tamanho minusculo. Pensar a sua fusào nào seria menos
absurdo do que a fusào final das pedras, que, alias, antes de tudo
sào notaveis pelo fato de que elas cobrem o Sinai ao modo de uma
unica estrada. A divisào, porem, continua e e possivel ao infinito.
Os conceitos, aquelas elementos intermediarios, pelo lado das
ideias constituem as suas partes, pelo lado dos fenomenos os seus
elementos. Eles salvam os fenomenos fustamente pelo fato de que
269
na divisào em elementos lhe concedem participaçào no ser das
ideias enquanto partes delas. (GS I-3, 934).

A exempliIicação tem o intuito de Iazer ver que o inIinito cunhou no sensivel as
suas impressões de modo a se tornar visivel. Nesse movimento a cada conceito e atribuida
uma multiplicidade de Ienômenos e a cada ideia uma multiplicidade de conceitos. Mas a
relação entre elementos e conceitos e diIerente da relação entre conceitos e ideias, pois os
conceitos não entram em nenhuma relação na apresentação da verdade pelo Iato de a sua
unidade ser diIerente da unidade da ideia. A imagem das pedras no Sinai corrobora a
questão. Cada pedra quebrada traz em si a estrutura e a inIormação do bloco maior, mesmo
que apresente Iorma muito diIerente. Assim tambem cada conceito contem em si a ideia e
cada ideia, por sua vez, a unidade original de que proveio, de modo que o uno se maniIesta
no Ienômeno menor e mais insigniIicante. Por meio desta concepção Benjamin exempliIica
o carater epistemologico da exposição, ou apresentação. Quando diz que os Ienômenos não
estão contidos nas ideias, esta a indicar que enquanto objetos assim elaborados pela
consciência não podem estar, pois, de acordo com o pensamento tradicional os conceitos
recolhem as caracteristicas do que e dado, as quais, reunidas, constituem objeto. Deste
modo, pelas indicações tradicionais, o conceito se correlaciona com o objeto ditando-lhe os
limites quanto a extensão e conteudo. Benjamin propõe uma relação diIerente: as ideias
não se reIerem as qualidades dos Ienômenos e tambem não constituem as suas leis
abstratas. Nesta questão ele segue igualmente a compreensão do ser de Platão no sentido
de que a origem do ser não pode ser ela mesma um ente e que, por isso não pode mais ser
objeto de predicação. A presença do inIinito no Iinito se da num regime de representação
da ideia no Ienômeno. Benjamin a compara com a relação que ha entre as constelações e
as estrelas. A conIiguração não e dada, mas surge pelo trabalho dos conceitos que ordenam
as coisas nesta Iorma de constelação, a qual, por sua vez, representa a Iorma inteligivel de
ser dos Ienômenos que a constituem, ou seja, e mostrada por uma imagem de Iorma não
discursiva. Na constelação as coisas não estão sujeitas ao poder dos conceitos, pois o seu
ser não e elaborado por um juizo de conhecimento, mas, com a ajuda dos mesmos
conceitos as coisas são libertadas para a apresentação de si como de Iato são. Benjamin
Iala de 'interpretação objetiva¨ (GS I-1, 217) como sendo um procedimento em que as
coisas Ialam por si mesmas maniIestando o seu teor ao modo de uma auto-exposição da
verdade. A concepção deve ser entendida no sentido de que a ideia se maniIesta
imediatamente de Iorma Iisionômica no mundo das coisas, em alguns dos elementos dos
270
objetos que mediante os conceitos são então coordenados. Mesmo assim, a reunião e o
ordenamento dos elementos dos objetos não obedece a costumeira Iorma abstrativa de
enIileirar o particular de acordo com caracteristicas, ou notas comuns, mas de acordo com
uma conexão estrutural. Deste modo, o pertencimento mutuo não se da de acordo com uma
regra geral, mas visa uma estrutura comum e Iundamental. Como no exemplo citado, os
elementos mais diIerenciados das coisas cumprem o seu papel na estrutura a ponto de que
nessa ordem de constelação o particular e conservado. Desse modo a unidade que a ideia
expressa pode ser realizada pelo que e unico e ate pelo que e oposto, diIerentemente da
ordem estabelecida pelo conceito na ordem do entendimento, que sempre pauta pelo que e
comum para abarca-lo sob seus cuidados.
O mundo e a elocução da palavra de Deus, a unidade alem que ate as ideias
expressam e, nele mesmo, o oposto, o singular e o reverso não so existem, mas, de acordo
com a evidência da ideia, tambem comprovam a validade da interpretação IilosoIica em
sua eIetividade. Tais elementos perIazem a Iiguração em seus extremos e são de especial
valor para a interpretação IilosoIica.
Como formaçào do confunto, no qual o unico e extremo se
encontra o seu igual a ideia esta circunscrita. Por isso, esta
errado compreender as indicaçòes mais gerais da linguagem
como conceitos, em ve: de entendê-las como ideias. O geral e a
ideia. Em vista disso, o empirico e tanto mais penetrado, quanto
mais precisamente pode ser compreendido como extremo. (GS I-1,
215).

Em tudo isso ha uma inversão em que a verdade se torna real e eIetiva, mas
tambem que a realidade objetivada não e imediatamente a verdade. Enquanto elocução da
palavra a ideia e empiria no momento da elocução e e idêntica ao mundo Iisico, sem antes
nunca ter sido, pois não ha o inIinito enquanto inIinito, mas somente no Iinito. Esse estado
de coisas, porem, ainda não quer e nem pode indicar o Uno, pois se assim Iosse, ja teria
sido vitima do ordenamento conceitual proposicional ativado pela consciência, que
simplesmente o teria degradado a uma substância. As ideias são a origem do ente: num
continuo mutante elas acontecem como estruturas. Pelo Iato de não haver um mundo das
ideias separado, a propria ideia não tem oportunidade de se mostrar em algo outro que não
Iosse o mundo dos Ienômenos. Portanto, a ideia e origem de algo com o qual ela e idêntica,
mas ao mesmo tempo não e ela mesma. Elas se apresentam na conIiguração dos elementos.
271
As ideias nào sào dadas no mundo dos fenomenos. Surge,
portanto, a questào sobre o se tipo da nature:a ha pouco
abordada, e se e imprescindivel a entrega de toda a
responsabilidade sobre a estrutura do mundo das ideias a famosa
intuiçào intelectual. Se em qualquer parte se torna
angustiantemente nitida a fraque:a de que todo o esoterismo da
filosofia participa, entào e na 'visào`, prescrita aos adeptos de
todas as doutrinas do paganismo neoplatonico enquanto maneira
de conduta. O ser das ideias de modo algum pode ser pensado
como obfeto de uma intuiçào. Pois mesmo a sua mais paradoxal
circunscriçào como intellectus archetipus nào consegue definir a
peculiar doaçào previa |Gegebensein| da verdade que enquanto
tal nào consente qualquer tipo de intençào, muito menos se ela
mesma aparecesse como intençào. (GS I-1, 215).

O ser das ideias, portanto, não pode ser objeto da consciência. E quando Kant e
Fichte concebem a intuição como produto da consciência, Benjamin percebe nisso a
intencionalidade subjacente da objetivação que ele mesmo se dispõe a criticar, pois
novamente a consciência seria posta como o Iundamento ultimo, sem se auto-incluir nas
mesmas aIirmações e reduzindo tudo de novo a simples objeto depurado conceitualmente.
Por isso, ele acentua a verdade como doação previa |Gegebensein| a tudo que se possa
dizer e deIinir. Mesmo com a denominação da intuição intelectual como intellectus
archetipus não se deixa enganar quanto as intenções de poder da consciência. A intuição
como Iorma de conhecimento intuitivo malogra quanto a imediação do dado, inclusive da
consciência, e, por conseqüência, quanto a imediação da verdade. A intuição em geral
enquanto ocasião dos Ienômenos originais não e ainda o verdadeiro, mas e o local de onde
o nome emerge. Como da percepção intuitiva surge o nome, que abriga o teor de verdade
da imagem surgida, assim tambem acontece na elaboração do tratado em que a ideia se
torna compreensivel no nome. Em sua imediação o nome e origem dos Ienômenos
empiricos perIazendo o seu ser e, deste modo, o tratado em sua conIecção tem o sentido de
ser a exposição do nome.
Como algo referido as ideias o ser da verdade e diferente do modo
de ser dos fenomenos. Portanto, a estrutura da verdade exige um
ser que em sua falta de intençào se iguala a simplicidade das
coisas, mas que em constancia lhe seria superior. A verdade se
estabelece nào como um opinar [meinen] que pela empiria
encontrasse a sua determinaçào, mas como a força que cunha a
essência dessa empiria. O ser afastado de toda a fenomenalidade,
de quem e propria essa força, e o |ser| do nome. (GS I-1, 216).

272
A diIiculdade da questão se da pelo Iato de que não ha como dizer novamente o que
signiIica o nome ja que o nome e o que sempre ja signiIica. Caso se quisesse indicar o que
o nome signiIica, dever-se-ia apontar simplesmente para a exposição e permanecer calado,
pois e a apresentação expositiva que primeiramente da acesso a um saber que não depende
da elaboração intencional nem do entendimento, nem da intuição. Precisamente esse modo
de ser sem intenção dos nomes e que carrega junto de si a possibilidade da doação previa
das ideias.
Elas [ideias], porem, nào sào dadas numa linguagem original,
mas numa percepçào original, na qual as palavras possuem a sua
nobre:a nomeante sem perdê-la para a significaçào descobridora.
(GS I-1, 216).

Essa curiosa expressão demonstra a preocupação de Benjamin em justiIicar em sua
concepção de linguagem a inclusão das ideias platônicas enquanto sentido como que
nivelado a signiIicação da propria linguagem. A signiIicação descobridora, ou ate
nomeante, são as palavras-ideias que por serem ideias não perdem o seu garbo e estatuto
de doação previa. Desta Iorma as ideias são palavras e conceitos de palavras endeusados,
portanto palavras de Deus que em sua elocução tornam o mundo objetivo possivel (GS I-1,
216). Esta justiIicativa deixa evidente que Benjamin concebe toda a questão dita
epistemologica da Origem do drama barroco alemào como a continuidade Iiel ao que
elaborou no texto de A linguagem em geral e a linguagem dos homens, apesar da junção
das ideias platônicas interpretadas ao seu modo. A nobre:a nomeante e a significaçào
descobridora, alem disso, remetem para a recordação da interpretação do Gênesis ja Ieita
no texto sobre a linguagem, que acentua de modo inequivoco a dimensão anterior a
separação de sujeito e objeto, na qual o homem se encontra na natureza numa imediação
inacessivel ao seu entendimento e na qual emerge a Iaculdade de nomear, então, com a
participação ativa das proprias coisas. Esta dimensão, por sua vez, e inacessivel a
predicação a base do conhecimento das coisas, porque e suposto de qualquer predicação.
Todas as linguas historicas têm, portanto, como que duas dimensões: a dimensão
proposicional que ja se da na intenção do conhecimento dos objetos pela atividade da
consciência, e a dimensão do nome agora indiretamente perceptivel pela apresentação
expositiva no tratado quando liquida ritmicamente a intenção de separação de sujeito e
objeto. As linguas em suas palavras, então, são ao mesmo tempo logos enquanto
predicação ordenadora por parte da consciência e nome enquanto saber não predicativo
273
expressivo e, por assim dizer, teologico pelo Iato de restar inIinitamente um suposto que a
tudo possibilita. A contradiçào da linguagem desse modo possibilita o conhecimento das
coisas como se Iossem absolutamente separadas de quem usa a linguagem de modo
instrumental e, ao mesmo tempo, a percepção do comprometimento absoluto do Ialante
com o que diz ja que lhe e impossivel dizer-se, dizer as coisas e dizer a propria
consciência, sem a linguagem pela qual precisamente se identiIica como ser humano. A
IilosoIia enquanto apresentação expositiva tem como tareIa tender para a elucidação do
nome nas coisas, apesar da contradição da linguagem. A tareIa da IilosoIia enquanto
exposição esta, portanto, diretamente reIerida a recordação contemplativa do que ja Ioi
elaborado e do que ai Iala. A capacidade do silêncio na recordação contemplativa e a tareIa
da IilosoIia na escuta do dito, no ouvir do nome.
'Porque a IilosoIia não se pode dar o direito de Ialar ao modo da revelação, isso
pode unicamente acontecer pelo recordar-se que remete antes de tudo a uma percepção
original¨. (GS I-1,217). O saber original ao modo da linguagem dos nomes pre-reIlexiva
não e acessivel a IilosoIia e, por isso, ela se expressa atraves da apresentação expositiva no
tratado prestando atenção aos conceitos e as palavras em geral quanto ao que sugerem em
termos de recordação. O saber original se da a perceber indiretamente por desvios quando
o homem compreende que não e a sua memoria em atividade transitiva a responsavel pela
recordação, mas o acalento dela, que as proprias palavras lhe proporcionam. A recordação
encontra-se velada nas proprias palavras a espera da verdade.
Para expressar esse estado de coisas Benjamin aventura-se na aIirmação de que o
pai da IilosoIia não e Platão, mas sim Adão quando ainda não conhecia as limitações da
consciência. A razão disso e que se pode compreender que mesmo Platão sempre esteve
exposto a contradição da linguagem e que a Iigura de Adão e a indicação da Iigura humana
a respeito da qual se supõe que num primeiro momento tenha estado livre dela da Iala
paradoxal. A recordação como sugestão que as palavras indicam trazem simultaneamente a
noticia da novidade alem das repetições da linguagem proposicional e a restituição do que
Ioi perdido nas brumas do esquecimento de algo que esta imediatamente presente.
Nesta renovaçào reconstitui-se novamente a percepçào original
das palavras. E assim a filosofia no transcurso da sua historia,
que tantas ve:es foi obfeto de deboche, e uma luta pela exposiçào
de algumas poucas e sempre as mesmas palavras das ideias.[...]
Estas estào completamente isoladas para si, o que meras palavras
nunca conseguem. E assim as ideias reconhecem a lei que di:.
274
todas as essências existem em completa autonomia e intocaveis
nào somente pelos fenomenos, uma ve: que tambem o sào entre si.
Como a harmonia das esferas nas revoluçòes dos astros que entre
si nào se tocam, desse modo a existência do mundus intelligibilis
consiste na distancia intransponivel entre essências puras. Cada
ideia e um sol e se relaciona com seu igual como exatamente sois
se relacionam entre si. A relaçào sonante de tais essências e a
verdade. (GS I-1, 217).

A imagem das esIeras celestes que não se tocam entre si em suas revoluções tem o
sentido de apresentar as ideias enquanto responsaveis pela conIiguração do real que se da
de acordo com uma ou com outra na sucessão da historia. As essências enquanto ideias
estão isoladas umas das outras como periodos historicos estão, caracterizando-se de
determinado modo diIerente um em relação ao outro e conIigurando em sua totalidade o
ceu da historia. A visibilidade de uma constelação so se da plenamente a partir de outra,
constituindo-se então em diIiculdade maior a percepção precisamente daquela em que o
homem se encontra relacionado com as coisas que são. Migrar de uma constelação a outra
somente por simples vontade racional e impossivel, pois a mesma e parte constituinte da
atual. Resta a relação sonante entre as essências que tem o signiIicado da vibração da
linguagem Iormando em sua contradição como que a moldura de toda a imagem. Sobre a
verdade ser a relação sonante entre os sois ha que compreender que somente pelo
aIastamento recordativo das objetivações de realidade em esquecimento recorrente e
possivel visualizar a imagem de si no local em que sempre se esteve. O som das palavras
noticia os ecos distantes da imediação em que tudo se conIigura. A proximidade aparece
como o mais distante e o distante como o mais proximo e, por isso, a verdade e inacessivel
ao Ialante em sua imediação discursiva e em sua solidão numa estrela so: ele deixa de
ouvir a relação sonante entre todas as epocas, pois se trata de atentamente ouvir.
No sentido exposto o Trauerspiel, ou seja, o jogo ou a representação do luto,
enquanto tratado ou ensaio IilosoIico-artistico e uma ideia que vem a tona apenas na
escuta, na atenção recordativa aos diversos elementos e na sua exposição detalhada. Por
isso, Benjamin primeiramente apresenta opiniões sobre o Barroco que intentavam a
classiIicação dos materiais precisamente da Iorma que Benjamin acha impossivel como,
por exemplo, a tematização de Burdach em termos de nominalismo, ou ao modo de
verismo, sincretismo e indução, ou a maneira de gêneros de arte em Croce. Contrapondo-se
evidentemente a esta Iorma de abordagem, Benjamin aventa a possibilidade de
275
circunscrever todo o material a disposição por meio da ideia em vez de insistir em
classiIicações por conceitos.
'O que, porem, tais nomes enquanto conceitos não conseguem, eles realizam
enquanto ideias, nas quais não e o homogêneo que chega a garantia, mas o extremo a
sintese¨. (GS I-1,221). Benjamin pretende reIormulação, ou ate a substituição dos
conceitos historicos gerais por ideias. Onde os conceitos costumeiros apenas viam
multiplicidade sem nexo, a ideia supõe unidade das diIerenças e ate a necessidade dos
extremos, pois o primeiro criterio não e a classiIicação por conceitos no sentido
proposicional.
E de outro modo que a ideia se relaciona com o ambito das
classificaçòes. Ela nào determina nenhuma classe e nào contem
em si aquela generalidade na qual consiste a respectiva classe
conceitual no sistema de classificaçòes. (GS I-1,218).

A unidade do que a ideia possibilita e uma Iorça inteligivel que sustenta a variedade
do sensivel para que ele possa ser e, por isso, ela inclui em si o singular e o estranho. A
diIerença que se estabelece entre a classiIicação conceitual e a ideia em ultima analise se
reIere a uma concepção diversa do ser, exatamente pelo Iato de que a ultima acentua a
necessidade do extremo e do estranho que Iorça a consciência a perceber a sua propria
inclusão quando no processo de classiIicação como que os põe de lado na tentativa de
inaugurar um âmbito do não-ser descartavel. A ideia não se da imediatamente no Ienômeno
para que a consciência possa implementar o manuseio cientiIico da classiIicação para
dividir e descartar uma materia a disposição. A imediação distante da ideia que conjuga
toda a realidade não pode deixar de incluir a propria atividade redutora da classiIicação e,
por isso, a ideia mesma não pode simplesmente ser deIinida como Iorma que a materia
mesma da a si. Esta tambem e a razão de porque se pode dizer que a unidade das coisas e
metaIisica, pois toda a realidade inclui o perceptor e ja sempre e conjugada por uma ideia a
ser descoberta pelo processo possivel da recordação.
O ser reduzido as determinações categoriais e aos sistemas de classes merece a
desconIiança e a discordância de Benjamin, e tambem por isso se expressa no sentido de
que as classiIicações historico-literarias não conseguem se legitimar. Os conceitos de
gênero determinam as obras literarias conIorme caracteristicas exteriores, enquanto que, no
caso inverso, e o teor das mesmas e que se torna responsavel pela ideia que as conjuga.
276
Como ja visto, nem a ideia nem o teor de verdade podem ser objeto de proposições
articuladas pela consciência, o que leva exatamente a decisão de diIerenciar Trauerspiel
|drama, representação de luto| e tragedia, que de acordo com o sistema de classiIicação
costumeiro podem ser considerados do mesmo gênero, mas não de acordo com o seu teor
|Gehalt|. Esse teor e capaz de reunir as obras num determinado gênero, porque ele se
expressa em seus elementos Iormais por meio dos conceitos. O que deste modo ele reune
dando unidade as epocas e aos gêneros literarios são as ideias que pela recordação da
experiência aIloram, podendo neste movimento haver correspondência entre ideias
historiograIicas e historico-literarias. O metodo, portanto, não pode seguir a ingenuidade
do verismo. A metodica 'pelo contrario, deve partir de intuições de ordem superior do que
aquela que o ponto de vista de um verismo cientiIico apresenta¨. Deve antes de tudo ser
decidido
se a ideia e uma abreviatura indesefada ou se, pelo contrario, em
sua expressào linguistica funda o verdadeiro teor cientifico. Uma
ciência que apela para o protesto contra a linguagem das suas
investigaçòes e um absurdo Ao lado dos sinais da matematica, as
palavras sào o unico meio de exposiçào da ciência, e elas mesmas
nào sào sinais. (GS I-1,222).

A concepção durante todo o tempo deIendida por Benjamin e a de que antes dos
dados cientiIicos ordenados via indução e dedução ha a ideia que tudo abarca e que não se
averiguou, permanecendo completamente deslocada a questão de 'como na realidade Ioi
|?|¨ (GS I-1, 222). Essa pergunta conduz ao imponderavel, dado a multiplicidade dos Iatos
que não mais consente a Iormação de alguma unidade. Tal multiplicidade tenta-se, então,
arrebanhar numa visão sincretista pela qual paradoxalmente o que e deIinido aparece de
Iorma isolada. Tanto Croce como Burdach permanecem na concepção de ser de Aristoteles
quando determinam o universal e o particular como pertencentes a uma esIera por meio de
classiIicações por classes conceituais. Precisamente esta Iorma de classiIicação Benjamin
substitui pela ideia.
Critica como tambem criterios de uma terminologia, a amostra da
doutrina das ideias filosoficas sobre a arte, nào se forma sob o
criterio externo da comparaçào, mas de modo imanente num
desenvolvimento da linguagem das formas da obra, que fa: brotar
o seu teor as custas do seu efeito. (GS I-1,224).

277
A linguagem das Iormas e elaborada pelos elementos das obras pelos quais as
ideias se exprimem e que são possiveis de serem ordenadas conIorme o exemplo do
mosaico. O gênero, então, se transIorma em ideia, que não mais permite a sua articulação
proposicional positiva, do que decorre a inclusão e junção de elementos diIerentes entre si,
Iormando a unidade como no mosaico. E possivel aIirmar-se que, diante da ideia, as
proprias obras se tornam secundarias, pois o teor que perIaz a ideia pode estar representado
nelas apenas de modo Iragmentario e, mesmo assim, Iormar o mosaico. Caso, porem, uma
obra tiver um teor bem diIerente de todas as outras, então ela pertence a outro gênero.
'Uma obra signiIicativa ou ela Iunda um gênero ou o suprassume e reune ambos no mais
perIeito¨. (GS I-1, 225). Uma obra, por si so signiIicativa e diIerente de todas as outras,
estaria a expressar outra ideia.
De acordo com a sua concepção declarada, Benjamin inicia a sua investigação do
drama barroco determinando a Historia como o seu teor. Em decorrência disso, ordena os
elementos Iormais num mosaico que evidencia ou deixa transparecer a ideia da Historia.
Como se sabe, o teor e que e o Iator de identidade e não as notas externas. Em geral se
supunha que o conceito devesse estar de acordo com as obras, ou ainda, que ele devesse
pautar-se por elas. Agora, porem, e o contrario, pois as obras seguem a ideia. O conceito
não consegue gerar as obras, no que precisamente diIere da ideia, pois esta vem a ser a
origem da ideia. Como se da isso?
A verdade e incondicionada e na obra se maniIesta em imediação não apreensivel
por proposições objetivantes, por isso a obra mesma tem o seu Iundamento em si mesma, e
não apenas num sujeito que se julga meramente produtor. Surge aqui novamente a ideia de
participação, a qual permite pensar a ideia como ser que Iunda a coisa, assim que o ser do
objeto vive do ser da ideia, pois dela participa. A ideia enquanto razão de ser e
simultaneamente a origem das obras. O conceito de origem no texto do drama barroco
parece assemelhar-se ao que no texto de A linguagem em geral e a linguagem dos homens
Ioi compreendido como tradução, ou seja, que o conhecimento da verdade equivale a
tradução da palavra de Deus em processo de enunciação, ou ideia, para a palavra humana,
ou nome, que no barroco vem a ser o luto. Mas todo o texto sobre o barroco parte da
premissa de que o nome se da pela experiência, a qual se encontra indiretamente nas obras
e, assim, tem acesso a linguagem de acordo com as proprias possibilidades da sua
contradição sempre ocorrentes. Portanto, o ser das coisas encontra-se na obra e, como ja
278
Ioi dito, e a tareIa da IilosoIia critica proporcionar indiretamente na experiência a
recordação compreensivel pela apresentação expositiva.
A IilosoIia em sua tareIa critica, portanto, não pode esquecer o seu proprio
comprometimento na atividade de escuta e recordação, bem como não pode esquecer-se do
Iato de que a obra tambem não e um produto que se pudesse desvincular da atividade da
sua realização. Isto signiIica que a origem que se maniIesta na obra não e externa, pelo Iato
de ser ideia que se maniIesta. Desta maneira, o autor não pode ser considerado como
alguem que simplesmente esta alienado enquanto externo e distante da sua obra, pois
tambem ele e maniIestação da ideia a ponto de o seu trabalho de escrita das palavras
encontrar-se bem alem da sua consciência: a atividade de escrita da obra e, em ultima
analise, a realização da ideia. A experiência historica em que a ideia esta inscrita preIigura
a obra, que no autor depois ira desenvolver-se. Mas a ideia presente na experiência
historica ainda e imperIeita pelo Iato de não se evidenciar ao ser humano. Tornar evidente
a ideia na recordação por meio da apresentação expositiva e a atividade IilosoIica.
Essa Iorma de vir a ser, deste modo ja sendo ser, não se possibilita pelo vies do
nexo causal que signiIicaria a recaida na reduzida Iundamentação de tudo pela consciência.
O nexo causal tem o seu valor na explicação de relações e eIeitos multiplos de objetos na
ciência, enquanto que o signiIicado do conceito de origem indica o surgimento das obras
de modo não-causal.
Origem, apesar de ser certamente categoria historica, mesmo
assim, nào tem nada em comum com surgimento. Com origem nào
se quer di:er nenhum devir do surgido, mas antes o que surge do
devir e passar.(GS I-1, 226).

Essa estranha expressão de Benjamin contem uma das questões centrais da sua
concepção de linguagem e historia. E evidente que o homem conta com a origem como
categoria historica para a narrativa de Iatos e episodios, relacionando-os em termos de
causa e eIeito. O mundo historico da compreensibilidade normal não existiria sem esse
modo de pensar. A concatenação dos acontecimentos na historia desenvolve-se pela
explicação em termos de causa e eIeito. Mas estas categorias dão exatamente a dimensão
da queda no mundo objetivo e separado daquele que assim explica, comprometendo-se,
quanto a contradição da linguagem, exatamente com o esquecimento do proprio
envolvimento imediato com a explicação. Acontece simplesmente que a imediação distante
279
e, ao mesmo tempo, proxima demais diIiculta a recordação do proprio comprometimento
da explicação na tentativa de evocar entidades alem da linguagem para cumprirem com o
papel de Iundamento. Por isso, o signiIicado do termo origem indica que a consciência, no
uso aplicativo dessas categorias, desde ha muito esta numa situação de dependência que
jamais conseguira explicitar por proposições, pois a explicitação supõe algo que não pode
ser explicitado, apesar de toda a proximidade. Ursprung, origem, ou, salto original esta
precisamente naquilo de que e origem, tanto que o surgido não e diIerente da origem. Na
expressão em linguagem teologica, a origem e a elocução da palavra de Deus, ou,
diIerentemente, a ideia e o mundo Iinito. Em sentido de autocriação o mundo Iinito tem a
sua origem na ideia e e por este motivo que a origem nada tem a ver com surgimento, pois
o que surgiu necessariamente esta separado do que surgiu de acordo com as categorias de
causa e eIeito. A origem e inIinita e não pode ser a causa do devir e do passar, mas a
propria percepção do devir e do passar tem a origem como suposto em si mesmo. Qualquer
explicação pelas categorias de causa e eIeito neste caso sempre se daria obedecendo ao
estatuto do a posteriori, que em sua ocorrência deve supor um a priori enquanto total
inIinito que necessita supor de modo incontornavel.
A origem se locali:a no fluxo do devir como um redemoinho e
arrasta para o seu ritmo o material do surgimento. O original
nunca se da a conhecer na condiçào manifesta e bruta do fatico, e
o seu ritmo unicamente se evidencia a uma visào dupla. Ela quer
ser reconhecida como restauraçào, reconstituiçào por um lado e,
por outro, precisamente por isso, como incompleto e inacabado.
Em cada fenomeno de origem se determina a forma com a qual
sempre de novo uma ideia se confronta com o mundo historico,
ate que alcance a plenitude na totalidade da sua historia. A
origem, portanto, nào se destaca dos fatos, mas se refere a sua pre
e pos-historia. As diretri:es da contemplaçào filosofica estào
esboçadas na dialetica imanente a origem. Nela se comprova
como em todo o essencial o que e unico e o recorrente se
condicionam mutuamente. (GS I-1, 226).

No exemplo, a ideia e simbolizada pelo Iluxo que e inIinito em relação ao Iinito que
em determinada epoca contem. O Iatico que surge na ideia, mostrando a sua conIiguração
na epoca e na obra, contesta o seu inIinito, sem, porem, poder negar a sua atividade que
jamais se deixa limitar. O inIinito e o Iinito em realização constitui o decorrer da historia,
da qual não se pode prognosticar o seu Iim, pois o inIinito apresenta-se sem limitação.
Cada Ienômeno e acompanhado pela presença de um inIinito enquanto ideia e que e
atividade vislumbrada na recordação a partir da experiência. O redemoinho que acontece e
280
um trecho do proprio Iluxo em que parte deste se acelera de Iorma circular provocando em
si a gênese do Iinito em si mesmo, na qual o inIinito como que se movimenta de Iorma
diversa interrompendo a identidade do Iluxo numa estrutura temporal. O movimento
circular do redemoinho e ao mesmo tempo o seu ritmo original que da a Iorma ao que
surge e na qual o eterno Iluxo enquanto ideia se torna visivel em todos os diIerentes
Ienômenos Iisicos, mas idênticos entre si quanto ao seu teor. O redemoinho, portanto, em
sua aceleração Iorma a sua circunscrição temporalmente como se o inIinito promovesse
limitação e determinação dentro de si em seu Iluxo. O redemoinho não e uma Iormação
rigorosamente Iechada em si mesma a ponto de a sua Iorça e o seu movimento ser menor
em sua periIeria, adequando-se a seqüência do Iluxo geral e soIrendo a sua interIerência.
Do mesmo modo são Iormadas as epocas historicas que no Iluxo geral não tem limites
temporais ritmicos rigorosamente deIinidos, cabendo ao centro do redemoinho esboçar
mais nitidamente todo o movimento. Por isso e que, no exemplo, a pre e pos-historia são
citadas como que a indicar que se trata daquilo que acontece na beira do redemoinho em
que ele tange ao seu proprio passado e Iuturo, pois os seus elementos são Iormados do
material em que esta a acontecer de Iorma acelerada tornando-se mais visiveis. Assim,
elementos Iormais do drama barroco podem ser encontrados em todas as outras epocas,
mas não de Iorma tão explicita como na epoca determinada para tal. Pre e pos-historia que
pertencem a mesma origem ja apontam, como que virtualmente, para a epoca de torvelinho
que se dara ou que ja Ioi num tempo acelerado. Estes mesmos Ienômenos da pre e pos-
historia de modo algum carecem de importância, pois dão muito maior visão ao que
acontece no centro do redemoinho. Por outro lado, o inIinito incondicionado so pode ser
apresentado na inIinita signiIicação da ideia enquanto atividade sem barreiras, que assim se
expõe em sua visibilidade de redemoinho, de modo que a quantidade de Ienômenos
originais, com que no redemoinho a ideia se apresenta, e tambem necessariamente sempre
incompleta.
A historia filosofica enquanto ciência da origem e a forma, que,
dos extremos distantes e dos aparentes excessos do
desenvolvimento, permite a emergência da configuraçào da ideia
enquanto totalidade determinada pela possibilidade da
coexistência significativa desses contrastes. A exposiçào de uma
ideia nào pode de maneira alguma ser considerada bem sucedida
enquanto o ciclo dos seus possiveis extremos virtualmente nào
tiver sido percorrido. Esse percurso permanece virtual. (GS I-1,
227).

281
A virtualidade desse percurso, que sempre deve permanecer, indica que o ciclo dos
Ienômenos extremos e inIinito. A ideia maniIesta-se no Ienômeno e mesmo que ele seja
extremo e estranho devera de algum modo ser identiIicado como nela corretamente
alocado, a Iim de complementar a sua Iisionomia, o seu quadro, o mosaico geral. Isso Iaz
com que o Ienômeno possa ser de carater unico, extremo e estranho, mas, ao mesmo
tempo, imprescindivel por ser exatamente assim. A IilosoIia tem, portanto, por tareIa
tambem o indiciamento da totalidade no particular, sob pena de Iracassar em sua razão de
ser. E quanto a este aspecto que Benjamin critica Hegel quando este, de acordo com a
logica do seu sistema, descreve as relações essenciais do mesmo enquanto maniIestação da
ideia na realidade, mas não consegue realizar a sua intenção no mundo dos Iatos. Por isso,
autêntica de Iato e a concepção quando consegue expor o conteudo de todos os Ienômenos
de Iorma imediata enquanto relacionados na ideia, sem, portanto, absolutizar o
procedimento de deduções logicas, as quais necessariamente não alcançam a totalidade dos
Ienômenos. Pelo exposto, depreende-se que as ideias enquanto origens não podem ser
qualiIicadas como causas que estivessem alem do que surgiu, mesmo que estejam na base
do ente tendo-o como ocasião da sua maniIestação. De acordo com o exemplo do
redemoinho, as ideias estão contidas naquilo de que são origem, numa contradição que se
assemelha a contradição da propria linguagem e ao mesmo tempo identiIicando a sua
tensão interna, ou, a sua expressão enquanto ritmo diIerenciado. Elas, portanto, não
Iormam um mundus intelligibilis a parte, mas existem junto com os Ienômenos Iaticos.
Elas Iormam um numero limitado, que consegue abarcar a multiplicidade das ocorrências
na historia. Caso as ideias existissem em numero ilimitado, não haveria mais a
possibilidade da atividade IilosoIica do reconhecimento enquanto recordação, pois numa
Iragmentação inIinita nada mais e possivel reconhecer. Por outro lado, o aparecimento da
ideia enquanto origem de determinada totalidade se evidencia tambem como expressão no
Ienômeno individual, mesmo que de modo Iragmentado. As ideias são parte da verdade e
os Ienômenos parte das ideias. Como no exemplo das pedras do Sinai ou na concepção das
mônadas de Leiniz, cada Ienômeno tem a sua inscrição na totalidade do processo pelo Iato
de serem unidades que em si carregam a estrutura do todo. Mesmo que em espaço e tempo
as coisas sejam percebidas como separadas umas das outras, isto apenas se constitui num
eIeito de superIicie, pois no todo o Iragmentario Iorma uma unidade implicita e encoberta.
Essa Iorma de perceber a totalidade, por sua vez, de novo não e tributaria da explicação por
causa e eIeito, pois esta e reIerida a Iorma de saber proposicional tipica do entendimento e
282
que, por isso, jamais alcança a ideia. Tal concepção leva Benjamin a negar que haja
historia da arte elaborada pelo calculo de eIeitos e de causas. A obra de arte em si não teria
historia e o nexo relacional entre as obras seria o da intensidade por meio precisamente da
interpretação para a conIiguração da ideia. Haveria uma relação entre as obras em termos
de historia dos materiais e das Iormas, mas que não consegue reIerir-se ao essencial delas,
que e o seu teor. Aquilo que na obra se expressa esta alem dos Iatos que se pudessem
condicionar mutuamente ao modo de causa e eIeito. Existe a historia reIerida as
explicações de causa e eIeito, da qual a obra de arte Iaz parte, mas, como sempre, existe
tambem uma dimensão alem dessa articulação proposicional que e incondicional e que
precisamente se Iaz presente nas obras enquanto o seu teor e, neste caso, quanto a sua
origem. A origem não tem historia e essa origem identiIica as obras, pois e nelas que a sua
expressão se da, de modo que apenas interpretativamente o acesso a elas e liberado.
A ideia e monada e isso significa em poucas palavras. cada
ideia contem a imagem do mundo. E atribuida a sua exposiçào
nada menos do que elaborar a imagem do mundo em sua forma
abreviada. (GS I-1, 228).

Benjamin compara esse estado de coisas com o calculo inIinitesimal de Leibniz
pelo qual a totalidade e calculada com o aporte de inIinitas pequenas grandezas e, como se
sabe, supõe a inexistência de espaço vazio entre elas. Novamente o exemplo do mosaico
vem a tona, no qual tambem não se conta com o espaço vazio entre uma peça e outra para,
por Iim, Iormar a imagem.
Tudo o que e limitado tem a sua origem no incondicionado e, deste modo, a propria
historia elaborada e Iormalizada pela razão no uso de proposições com intenção de
objetivação absoluta deve poder ser ela mesma algo mais do que apenas uma concatenação
de objetos e acontecimentos Iinitos. A origem ja contem a propria historia em sua
explicação costumeira por meio da pretensa autonomia da consciência em elaborar Iatos
dela separados. A origem ja contem de antemão todo o devir, mas, por outro lado, o
individual contem em si a totalidade do devir ao modo da signiIicação das mônadas de
Leibniz.
O percurso permanece virtual. Pois o que foi captado pela ideia
da origem tem a historia somente ainda como um teor, e nào mais
um acontecer que pudesse afeta-lo. Conhece historia
primeiramente de forma interior, a saber, nào mais no sentido
imponderavel, mas no sentido que se refere ao ser essencial, o
283
qual permite caracteri:a-la como a sua pre e pos-historia.(GS I-
1,227).

Na concepção da ideia de origem, que ja traz consigo a compreensão do ser ativo e
em totalidade, a historia caracterizada pelo vies de causa e eIeito e uma imagem, um teor
um mosaico para a contemplação, e não mais diretamente o acontecer bruto que pudesse
aIeta-la. Alem da historia articulada por proposições na intenção de objetivação, encontra-
se a ideia de origem que tem a historia como que por dentro, pois engloba e assume o
comprometimento com toda a Iorma de explicação possivel. Nessa condição o olhar do
pesquisador, ou IilosoIo, tem a possibilidade de se tornar muito mais abrangente,
visualizando pela compreensão a pre e pos-historia da epoca em que esta, pois, do
contrario, pelos calculos de causa e eIeito a historia resulta precisamente imponderavel. A
ideia de origem e mais competente para a interpretação do devir do que a mera
classiIicação indutiva ou dedutiva por notas comuns. Por isso, tambem a narrativa historica
em seqüência e em suposta correção logica por proposições pode ser vista como uma
possibilidade, mas que nunca e capaz de sobrepujar a descoberta do aspecto Iisionômico do
teor que se maniIesta na imediação do Iatico, que, por sua vez, e apenas acessivel pela
experiência na recordação. Nesta perspectiva torna-se evidente que a percepção da pre e
pos-historia de uma epoca ou de uma obra não necessita obedecer ao sistema causal, mas a
origem, a qual esta ligada do modo mais ou menos distante pelo vies da historia de
explicação causal. Esta historia, dependente da articulação da consciência numa explicação
causal, Benjamin considera como a historia pura, enquanto que a historia sob o ponto de
vista da ideia, que em seu teor se maniIesta nos Ienômenos originais, ele identiIica como
historia natural, a qual inclui a pre e pos-historia. O conceito de historia natural quer
expressar a dimensão tratada ate aqui como a que esta alem da atividade da consciência, de
acordo com o Iato de que o teor da obra sempre vai alem daquilo que o proprio autor pode
e quer comunicar: a pretensa subjetividade autônoma do autor em sua obra o ultrapassa
tanto no momento da criação, como, tambem, posteriormente no aspecto da recepção. A
historia pura, assim, identiIica-se com a dimensão do conhecimento dependente das
concatenações causais, enquanto que a historia natural reIere-se a verdade, isto e, ao teor
que se maniIesta nas produções do conhecimento. O teor de verdade e reunido no recinto
das ideias (GS I-1, 227) em que o objeto e preservado de seu passamento total.
Quando esse ser redimido e registrado na ideia, entào a presença
da inautêntica, isto e, da pre e pos-historia da historia natural
284
permanece virtual. Ela nào e mais pragmaticamente efica:, mas,
precisa ser lida como historia natural no consumado e sossegado
status da essência. Com isso, de um novo modo a tendência de
toda a formaçào dos conceitos filosoficos se redefine no antigo
sentido. constatar o devir dos fenomenos em seu ser. Pois o
conceito de ser da ciência filosofica nào se satisfa: no fenomeno,
mas somente na absorçào da sua historia. (GS I-1, 227).

A IilosoIia não pode se dar por satisIeita em Iundar o ser pela Iundamentação de
que a consciência imagina ser capaz. Ela não pode querer organizar o ser a partir da sua
capacidade organizatoria. A inovação que Benjamin aqui reputa antiga e a escuta dos
Ienômenos, uma atividade em que ate a suposta Iundação na consciência esta incluida. A
historia dos Ienômenos que a IilosoIia precisa absorver e inclusive a historia de todas as
tentativas de Iundamentação havidas na historia pura em termos de causa e eIeito. A
absorção e a contemplação e o exame reIlexivo, sob o aspecto da contradição da
linguagem, de todas estas Iormas de expressão do ser nas peripecias da linguagem atraves
dos tempos. A historia natural não e mais pragmaticamente eIicaz, porque o seu
movimento e de retorno em direção da recordação para a Iormação da imagem, da ideia em
que, na passagem de uma a outra, a verdade se Iaz ouvir como relação sonante entre
constelações para aquele que e capaz de ouvir com atenção. Ja no citado Fragmento
teologico-politico a concepção era a de que ha uma tensão entre a Iorça historico politica
enquanto ordem do proIano a procura da construção para o seu declinio na Ielicidade, e o
movimento messiânico que na imediação deste mesmo proIano representa uma Iorça
contraria, Iorça de recordação e que percebe o
o ritmo desse mundano em desvanecimento, desvanecendo-se em
sua totalidade, desvanecendo em sua totalidade espacial, mas
tambem temporal, o ritmo da nature:a messianica, e felicidade.
Pois messianica e a nature:a a partir da sua eterna e total
passagem.(GS II-1, 275).

A IilosoIia e a atividade que percebe as duas dimensões da historia: a do Ienômeno
articulado enquanto objeto pelos recursos da racionalidade da sua mitica autonomia, e a
como quase paisagem, como ideia, como recordação, como retorno ao local onde sempre
se esteve exatamente a Iazer parte da ideia e da paisagem e onde os nomes se dão. A
continuidade do texto de Origem do drama barroco alemào e a execução da apresentação
expositiva dos elementos em Iorma de mosaico para que a ideia possa maniIestar-se.
285
A percepção e a angustia da contradição da linguagem acompanha Benjamin em
toda a sua escrita, agora em Iorma de compreensão do comprometimento com o sistema de
explicação pela categoria da relação ao modo de causa e eIeito, e a possibilidade do
tratado, que por interpretação de ensaio a ensaio, vai maniIestando a ideia que perpassa
todo os elementos materiais, a obra pronta, o autor e o virtual leitor.









































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7. A CONTRADIÇÄO ENTRE A DILUIÇÄO TOTAL E A OB1ETIVAÇÄO
DELIRANTE: AO SOL


No texto Sobre o programa da filosofia vindoura, Benjamin, nos rastros de Kant,
estipula que as condições do conhecimento são as mesmas que possibilitam a experiência.
Nesse texto apresenta tambem a exigência da inclusão das preocupações quanto a
experiência religiosa e quanto a linguagem. A ligação de linguagem e experiência parece
ter sido uma ocupação central em seus esIorços IilosoIicos. A imagem de pensamento do
texto Ao sol, datada de 15 de junho de 1932, indica a possibilidade de se perceber a
mencionada preocupação de junção entre linguagem e experiência. O texto Ioi redigido
mais ou menos seis meses antes da Doutrina do semelhante, este ja uma tentativa de
reIormulação e adaptação da sua IilosoIia da linguagem a perspectiva materialista. A
imagem de pensamento Ao sol apresenta serias diIiculdades de interpretação pelo Iato de
que esta imagem procura evocar uma Iigura de pensamento IilosoIico-lingüistica. Alem
disso, apresenta um quadro teorico conceitual, mas que não tem a pretensão de se explicitar
claramente em termos proposicionais. A intenção Iundamental do quadro e postular a
experiência enquanto impossivel de ser captada por uma consciência que se quer por si
mesma autora de uma relação autônoma com o mundo e, ainda, tornar plausivel a abstrata
concepção da tradução da linguagem das coisas na linguagem dos homens como uma
relação de conhecimento concreto.
Kant entende a experiência como resultado das elaborações da intuição sensivel e
do entendimento, de modo que o mundo da experiência e o mundo sinteticamente
constituido por conceitos do entendimento e assim constituido apenas pela consciência. O
mundo e produzido pela consciência e para a consciência. Essa concepção de Eu e de
consciência Benjamin rotula como resquicios da mitologia. Não concorda com a
representação de que haja um 'Eu que por meio dos sentidos recebe as sensações e sob
287
cujo Iundamento Iorma as suas representações¨ (GS II-1, 161). Ele põe em questão o
dualismo kantiano, por um lado, de sensações recebidas, e, de outro, de capacidade
espontânea de articulação das mesmas pelas categorias do entendimento. Caso se trate de
mitologia, como e que deve ser, então, a relação com o mundo, na qual não são as
sensações que devem prestar-se a intuição e o entendimento, e nem o entendimento de
pensar? Surge o problema da percepção pelo Iato de que se revoga a separação de intuição
e pensar. Benjamin indica de algum modo que deve tratar-se de uma percepção que supera
os limites do meramente sensivel, mas na qual ao mesmo tempo possam ser recebidos
conteudos espirituais, na qual a materia não e simplesmente materia e a qual e capaz de
trazer o espirito a participação enquanto palavra em elocução. O desaIio esta em Iormular
o conceito de uma intuição que seja mais do que mera percepção no sentido de uma junção
unica de sensibilidade e mundo, Iazendo surgir um sentido em que o inteligivel se Iaz
perceptivel diretamente e não mais pela intermediação imaginaria de um pensamento
abstrato. O conceito de experiência de Benjamin, porem, indica a anulação da separação de
intuição e pensamento e a substituição deles pela percepção. Capta-se o mundo
imediatamente de acordo com uma concepção de identidade entre real e ideal. Assim a
linguagem pode tornar-se orgão da experiência, na qual ela pode expressar a percepção.
No Fragmento 17 lemos: Wahrnehmen ist lesen |Perceber e ler| (GS V-32|. A
percepção constitui-se, portanto, em leitura direta. No Iragmento 'Psychologie¨
|Psicologia| de 1917/18 Benjamin Iormula primeiramente a pergunta Iundamental da
psicologia: 'como surgem no homem Iormas espirituais de comportamento?¨ (GS VI, 65).
Na pergunta ja se encontra a concepção de que o homem dever ser considerado como
essência espiritual a parte da sua corporeidade. E contra esta tese que Benjamin postula a
identidade de espirito e materia, alma e corpo, pois ja desde sempre os comportamentos
psicologicos apenas são acessiveis como comportamentos corporais: 'Vida espiritual
estranha....não e captada, mas vista na corporeidade que lhe pertence como vida
espiritual....A psicologia, por assim dizer, ....e uma ciência descritiva, e não explicativa¨.
(GS VI, 65). A ultima ressalva aponta para uma diIerenciação que Benjamin tambem mais
tarde Iara entre conhecimento enquanto conexão expressiva e conexão causal:
Marx apresenta a conexào causal entre economia e cultura. Aqui
interessa a conexào da expressào. Nào se trata de apresentar o
surgimento economico da cultura, mas a expressào da economia
em sua cultura. Trata-se, em outras palavras, da tentativa da
captar um processo economico como fenomeno compreensivo, do
288
qual surgem todas as forma de vida das passagens (e nesse
sentido do seculo 19). (GS V-1, 573)

Benjamin, portanto, desde cedo ate as suas ultimas produções não pretendeu
estabelecer a conexão expressiva como algo provindo do interior, como se acontecimentos
que se dessem na consciência pudessem revelar-se em paralelo externamente no corpo. A
pretensão de Benjamin e o contrario, ou seja, explicitar a compreensão de que se ha de
suspender o paralelismo que sempre signiIicou a dicotomia de consciência e mundo, alma
e corpo. Neste modo de compreensão da psicologia, a linguagem torna-se ponto Iocal da
percepção. Na psicologia, então, a linguagem se torna como que orgão da percepção e ao
mesmo tempo objeto. A ponto de se poder dizer que no homem a linguagem olha para si
mesma, pois o homem e linguagem e ele consegue perceber-se nessa imediação. O que
aparece no corpo enquanto perceptivel ja se identiIica com a capacidade que torna possivel
percebê-lo. O nome ja e imediatamente percebido na imagem, ou na Iigura, pois nela não
ha algo sensivel que Iosse captado pelo pensamento para articulação posterior, isto e, ela
não e um conteudo de pensamento, mas nome e percebido são idênticos. O nome e algo
sensivelmente evidenciado. No Iim do Iragmento Psicologia tal estado de coisas e assim
explicado:
Pelo fato de a linguagem ser o canone da percepçào e o homem
percebido ser o obfeto da psicologia, a relaçào da figura humana
com a linguagem e o obfeto da psicologia. Esta e oculta enquanto a
moralidade permanece problematica (Quando falo com uma pessoa
e surge em relaçào a ela uma duvida em mim, entào a sua imagem
[figura] se turva, eu ainda a vefo, mas nào posso mais percebê-la).
(GS VI, 66).

E necessario lembrar que a palavra percepçào não traduz a imagem da palavra
alemã wahrnehmen utilizada por Benjamin, pois esta remete etimologicamente ao processo
de tomar por verdade, como a signiIicar que a verdade se da na imediata ocorrência da
percepção, sem a ideia de separação de sensação e pensamento. A correta compreensão
desse teor Iacilita o entendimento dos conceitos de Iigura e imagem, que são centrais na
IilosoIia de Benjamin. O termo Iigura denota a unidade do inteligivel e do empirico no
mundo da percepção. Uma Iigura não se constitui como se Iosse algum objeto empirico
reconhecivel, mas acontece como ato de percepção que não tem extensão temporal, pois
interrompe o Iluxo do devir e então, na imagem, se Iorma enquanto Iigura. Desse modo a
Iigura não e nem conteudo do pensamento, nem a conexão do pensamento com sensações,
289
mas como que uma unidade de signiIicado intuida: não representa um sentido, mas o
expressa na imediação do seu acontecer. A imagem e a unidade original da percepção pela
interrupção do Iluxo do devir estabelecido na mecanicidade do cotidiano. Ha que, porem,
acentuar imediatamente o aspecto relacional deste estado de coisas, pois a compreensão de
algo substancial sempre esta a espreita: 'a existência individual do homem |e| a percepção
de uma relação em que se encontra, mas não uma percepção de um substrato, de uma
substância de si como o corpo sensivelmente apresenta uma igual¨. (GS VI, 79).
O mundo objetivado das coisas corresponde ao mundo da consciência, ao passo que
Iiguras e imagens não se deixam Iixar conceitualmente de modo deIinitivo. De acordo com
o paradigma da consciência existem coisas, porque o entendimento Iixa em categorias e
proposições aquilo que e meramente intuido, mas, na acepção elaborada, a Iigura, ou a
imagem existe sempre alem do controle da consciência, reIutando constantemente ser por
ela apanhada e identiIicada na tentativa meramente proposicional. O teor ideal das coisas
pode ser percebido unicamente de Iorma imediata pela percepção. A Iigura e a imagem
constituem-se em compreensão como modos de aparecer, como Ienômenos do real que
nesse processo exsudam de modo imediato algo inteligivel. A Iigura e ja linguagem
Iormada, intuição captada, processo de percepção lingüistica como imediação de
experiência. O vir a ser e o alvo de interesse, vir a ser que se capta exatamente na sua
interrupção Iormadora de imagem. O que nesse processo e conhecido e captado depende ao
mesmo tempo do modo pelo qual aquele que capta e interrompe inclui a si mesmo e se
compromete. E possivel dizer que desta maneira o conhecimento, ou a verdade e parte do
acontecer e não algo abstrato que estivesse alem do tempo para uma contemplação
extasiada e para ser instaurada como Iundamento e estatuto de justiIicação da normalização
dos juizos em geral.
Na imagem, portanto, o acontecer e sem mediação, e nessa imediação o homem se
encontra numa circunscrição que não se deIine nem pelo mundo objetivo e nem pela esIera
do pensamento da objetivação, nem na sintese de ambos, mas lhe e revelada a realidade
alem da consciência e da mera percepção sensivel. O estado, ou o acontecer da imediação
na percepção da imagem e como que anterior a tudo aquilo que pode ser dito depois de
modo reduzido em termos de coisas ou conceitos. E e exatamente por isso que o teor
|Gehalt| da imagem so pode ser captado de modo não-predicativo.
290
A imagem e o vir a ser interrompido em seu Iluxo. O Iluxo da historia
costumeiramente e entendido como se acontecesse por conexões causais. Se a imagem e a
interrupção deste Iluxo, alem ou aquem das conexões causais da historia, então o
surgimento da imagem não pode ser explicado causalmente, mas somente e possivel
apontar um simples acontecer concreto e expressivo em si. O ser que se diz
conceitualmente, como ja visto, e dependente da atividade do entendimento que
sinteticamente propõe-se a elaborar dados dos sentidos. Ao contrario disso, a imagem não
se deixa ordenar por nenhum sujeito, pois ela surge quando a consciência de algum modo
se perdeu no devir, e e ela que, enquadrando o sujeito, se lhe Iaze perceptiva conIigurando
o homem em seu proprio acontecer. O surgimento da imagem como interrupção pode
mudar no tempo, mas não esta sujeita ao Iluxo do tempo: ela se da no agora da sua
reconhecibilidade de acordo com a quinta tese do texto Sobre o conceito de historia (GS I-
2, 691). Neste sentido o modo de vir a ser de uma imagem e o da Iorma abreviada de todo
o transcurso da historia que nela se torna sobremaneira intensivo como que na dinâmica de
uma mônada, que numa compreensão Iulminante, desloca signiIicados para novas
conIigurações. De acordo com a contradição da linguagem, ha sempre a ânsia da procura
por um ser duradouro que garanta a validade de uma verdade intemporal, mas, numa ironia
paradoxal, essa meta esta sempre Iadada ao Iracasso pelo Iato de ter de se ater as condições
das proposições dos nexos causais historicistas, conIiantes na substancialidade da
consciência com a sua sugestão de ter estabelecido um tempo continuo e sem os sustos dos
deslocamentos pelas imagens. Ainda em seu ultimo texto, em Sobre o conceito de historia,
Benjamin aborda esta questão do seguinte modo:
O historicismo contenta-se com estabelecer um nexo causal entre
diversos momentos da historia. Mas nenhuma realidade de fato e,
a titulo de causa, um fato fa historico. Tornou-se tal, a titulo
postumo, graças a acontecimentos que podem estar separados
dela por milênios. O historiador que parte dai cessa de desfiar a
sucessào dos acontecimentos como se fosse um rosario. Ele
aprende a constelaçào que sua epoca passou a integrar com uma
epoca anterior bem determinada. Funda assim um conceito de
presente como tempo agora no qual foram encravadas lascas do
tempo messianico.(GS I-2, 704).

Sabemos que o conhecimento do mundo das coisas e repetivel a exaustão, mas a
imagem de que aqui se trata aparece apenas num exato momento e ponto sem extensão
alguma. Ela e unica precisamente enquanto não proposicional e pode ser relacionada com o
291
termo aura. Na percepção de uma paisagem rural não são percebidos apenas os animais, os
passaros, as plantas, a variedade de cores, o aroma, o azul do ceu, mas, ao mesmo tempo,
tambem o percurso de vida numa apreciação que jamais se repetira de modo igual como
naquela hora e naquele local em que se conjugavam recordações de ontem com saudade de
Iuturo. A imagem auratica Iormada e unica e Iugidia e, precisamente por isso, diIerencia-se
Iundamentalmente da repetição e dos retornos programados de uma imagem a ser
idolatrada. O idolo se torna coisa enquanto objeto reproduzivel a exaustão e, por isso,
reproduzivel e aquilo que e objetivavel, que e aproximado e Iixo para ser preso a
proximidade e disponivel a qualquer hora. A proximidade requerida como condição
espacial exige coisiIicação de um mundo Iisico e manipulavel pelos recursos da
consciência que se quer autônoma. No mundo moderno a percepção para construção da
objetivação por proximidade signiIica maior diIiculdade de compreensão da experiência
em imediação perceptiva. A aura e escamoteada continuamente num mundo alucinado pela
intenção de repetição da reprodução em massa de todas as Iormas perceptivas.
Curiosamente Benjamin tematizou o termo aura pela primeira vez no texto de Pequena
historia da fotografia (GS II-1, 368). Depois do seu desenvolvimento tecnico, a IotograIia
representa a realização do pensamento objetivador quando intenta dominar as coisas por
meio da reprodução colocando-as ao dispor daquele que percebe. A IotograIia produz
proximidade trazendo as coisas para a circunscrição dominadora do sujeito, exatamente
para o espaço em que a consciência pode deitar a mão nelas. ConIorme Benjamin, esta e a
mesma estrutura do jornalismo, pois tambem ele trata de um saber em que a experiência
desapareceu. A intenção da imprensa consiste
em isolar os acontecimentos do ambito em que pudesse di:er
respeito a experiência do leitor. Os principios da informaçào
fornalistica (novidade, concisào, compreensibilidade e, antes de
tudo, falta de conexào das noticias individuais entre si) cooperam
para esse resultado como a paginaçào e a administraçào da
linguagem. Karl Kraus nào se cansava de comprovar como o habito
de linguagem dos fornais aleifa a imaginaçào dos seus leitores (GS
I-2, ¯10).

Os resultados das estruturas do saber objetivador e que produzem a separação de
imagem e reprodução, distância e proximidade, linguagem comunicativa e linguagem
enquanto expressão participante, experiência de percepção imanente e mera vivência na
repetição do igual previa e Iixamente organizado. A reprodução e a inIormação jornalistica
caracterizam-se pelo Iato de que o seu conteudo pode ser objetivado. Enquanto mero
292
sistema de sinais, tambem a linguagem pode ser utilizada para a apresentação de
proposições, como tambem ser reproduzida ao bel prazer. Mas como ja visto, a experiência
na imagem se torna intuicionante e reconhecivel no nome, na linguagem, sem se deixar
coisiIicar. A experiência e algo que se tem, mas do que não se pode dispor como se Iosse
um objeto, pois o seu saber no âmbito da percepção esta distante da situação de manipular
e combinar objetos em que o sujeito se encontra na imediação do seu esquecimento
cotidiano e atareIado.
Na relação Ieita entre experiência e aura, ha que compreender que a aparição
auratica e entendida enquanto unica e irrepetivel e não emerge somente porque o homem
capta e interrompe o devir, mas porque na percepção da imagem aquele que percebe perde
a sua condição de observador neutro e distanciado: desaparece a diIerenciação entre sujeito
e objeto. A imagem não denota uma reprodução IotograIica que Iosse resultado do
perceptor, mas ela ocorre aparecendo quando este se torna uma unidade com o proprio
acontecer. Aquilo que esta alem ou aquem da separação de si mesmo e de mundo
supostamente completamente objetivado e a experiência.
No texto Ao sol somos inicialmente conIrontados com um homem que numa
paisagem de uma ilha do Mediterrâneo Iantasia sobre o desejo de conhecer mais
proIundamente todos os objetos que encontra, pois ja não se da mais por satisIeito com a
sua mera denominação por rotulação individual.
Di:em que ha de:essete especies de figos na ilha. Dever-se-ia
conhecer seus nomes di: para si mesmo o homem que se pòe a
caminho ao sol. Sim, dever-se-ia ter visto nào somente os capins e
os animais que dào rosto, som e cheiro a ilha, as formaçòes da
montanha e os tipos de solo que vào do poeirento amarelo ate o
marrom violeta, com as largas superficies de estanho no meio
mas, antes de tudo, dever-se-ia saber os seus nomes. (GS IV, 417).

A descrição especiIicada dos objetos enumerados não satisIaz o homem. Ha a
sensibilidade da visão de se ver um determinado conjunto como se Iosse um rosto, e a
capacidade de diIerenciação pela visão dos animais, plantas e montanha, pela captação do
odor, da cor e do som da paisagem. Ha tambem conhecimento geologico sobre montanha,
solo e seus materiais especiIicos. A objetividade e os conhecimentos cientiIicos estão a
postos: o que poderia estar Iazendo Ialta? A resposta e que ele prescinde de algo anterior:
dever-se-ia saber os seus nomes. Os nomes, então, não são nem as designações utilizadas,
nem as representações e nem os conceitos, e eles devem expressar uma condição que esta
293
alem do que e captavel sensivelmente e possivel de ser sintetizado pelo pensamento. Do
texto 'Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens¨ e possivel recordar que a
natureza pode e deve ser reconhecida como palavra expressa e, no Iim da presente citação,
nota-se uma ruptura que aponta para essa direção, numa mudança de perspectiva:
Nào constitui cada regiào a lei de um encontro sem repetiçào de
plantas e animais e, portanto, cada denominaçào de lugar um
codigo sob o qual flora e fauna se encontram pela primeira e
ultima ve:? (GS IV, 417).

Na totalidade do devir os encontros nunca se repetem de modo igual, e esta e a lei
Iundamental. Plantas, animais e terra estão num encontro bem determinado e irrepetivel
exatamente agora, mas a lei que rege tais encontros e a anti-lei, ja que e a lei do irregular
ate a impossibilidade da repetição da mesma conIiguração. A anti-lei trata de liqueIazer
imediatamente as pretensões de ordenamento espacial e organização temporal dos
encontros em repetição, pois qualquer estruturação não comporta encontros de primeira e
ultima vez. A desistência de qualquer ponto de partida para a Iixação de algum substrato
que pudesse justiIicar o conhecimento anteriormente ostentado apresenta-se na ironia de
que a denominação de lugar pudesse constituir um codigo, uma ciIra, uma chave para a
elucidação objetiva de tal encontro. De acordo com essa anti-lei as coisas, plantas e
animais perdem a condição de objetos assim reconhecidos pela repetição de acordo com os
criterios de identidade e diIerença. E total o desmanche da conIiabilidade no processo de
ordenamento por estruturas administradas pelo pensamento: ao inIinito tudo e sem
repetição, tudo e sem lei e tudo sempre e pela primeira e ultima vez. Quando visto bem de
perto, o conhecimento ordenado não e possivel e a Iarsa da consciência unicamente
ordenadora perde todo o seu encanto e a sua magia. A ciência e a tecnologia em
objetivação e Iuncionamento são um milagre a ser ainda desvendado ou uma catastroIe
esquecida de si, porem, mesmo nelas nada se repete, pois ja a cada volta em torno de um
circulo a numeração, o tempo e o lugar são outros.
Mas o que e unico, conjugado e sem repetição e aparição perceptivel enquanto
imagem. Entre a organização de um espaço geograIico Iuncionalmente sinalizado pela
linguagem e a completa dissolução na indistinção absoluta, ha a possibilidade dos
encontros de primeira e ultima vez, a possibilidade do acontecimento da percepção
Iundamental da imagem no sentido de que a propria percepção Iaz parte da paisagem que
percebe num agregado unico. A imagem enquanto encontro irrepetivel se relaciona com o
294
lugar em que se da como na relação existente entre a designação e o nome. A designação
comprometida com as intenções de autonomia da consciência da lugar ao nome que desde
sempre a possibilitou. O nome atras do sinal não Iorma uma nova classe de palavras. Trata-
se sempre da mesma palavra: por um lado, a palavra na intenção de designar algo outro no
sentido de representar uma grandeza deIinivel e objetivavel, que e o lugar como espaço
Iisico a conter objetos determinados e identiIicaveis, e, por outro, o nome enquanto
expressão da reunião que nesse mesmo local acontece. Conceito, isto e, sinal, pertence a
uma ordem do saber enquanto o nome e de outra ordem e ambas tratam de realidades
diIerentes. Apesar disso o mundo das coisas designadas e o mundo da imagem e o mesmo
mundo, como o sinal e o nome pertencem a mesma linguagem. O nome e perceptivel numa
imediação que Iica inIinitamente alem ou aquem da percepção apenas direcionada e
interessada na constituição de objetos Iixos. Entre a Iixidez designativa e a abertura ao
caos, emergem a imagem e o nome circunscrevendo uma reunião em que o eu da
consciência se dilui para Iazer parte da ocorrência da experiência. Como se diz a
experiência que não se deixa designar supondo indeIinidamente a condição anterior a
qualquer designação? Qual a alternativa entre a elaboração designativa e o silêncio diluido
num espaço indiIerenciado e num tempo embotado na imobilidade absoluta?
O viajante em seu caminho chega a outra paisagem na ocorrência do seu
pensamento e Iormula a hipotese:
Mas o agricultor certamente tem a chave da escrita cifrada. Ele
sabe os nomes. Mesmo assim nào lhe foi concedido expressar algo
sobre o seu lugar. Os nomes nào o teriam tornado num homem
laconico? Entào a opulência da palavra cabe apenas aquele que
tem o saber sem os nomes, mas a plenitude do silenciar aquele
que nada mais tem do que os nomes? (GS IV, 417).

Por que o camponês haveria de ter a chave dos nomes, a chave da escrita ciIrada? O
agricultor e aquele mesmo que mais adiante no texto aparece como alguem que desde
seculos anda pelos caminhos da ilha, plantando e colhendo nos seus campos. E uma
indicação de que em todos os seus gestos ha uma experiência que não pode ser reduzida
imediatamente a um conjunto de proposições para descrição objetiva. O viajante e
estrangeiro e se movimenta pela primeira vez naquele solo, mas o agricultor e da ilha, e
durante toda a sua vida Iez parte daquela paisagem em que ha muito cunhou os seus
caminhos deixando rastros bem deIinidos, que testemunham a sua união com aquela
natureza. Convivio duradouro, então, perIaz uma relação de mundo qualitativamente
295
diIerente que engloba o seu perceptor: e a experiência. O tempo de convivência Iaz surgir
um saber que e o do nome que a propria vida Iaz transparecer. Do chão da tradição nasce a
experiência que e a outra Iorma de saber, pois capta o mundo de uma Iorma que a sensação
historicamente alheia ao lugar não percebe e o entendimento não consegue elaborar. A
tradição possibilita uma interação com o mundo Irente ao que a consciência e uma
atividade extremamente reduzida: ela não pode ser conduzida pela consciência. Aquilo que
e resultado do exercicio no tempo secular não pode ser objetivado por um entendimento
com intenções de manipulação. Alem da separação de sujeito e objeto estende-se uma
conexão de compreensão entre o eu e o mundo na imanente realização pratica da vida em
geral, a qual não se pode reIerir como se Iosse um objeto a sua Irente. Assim, a experiência
e uma Iorma de saber não imediatamente proposicional. O camponês em sua situação e
parte integrante da totalidade de um mundo articulado como experiência e do qual não
mais pode tomar distância para uma veriIicação objetiva. Mas exatamente esta situação lhe
da a chave da escrita ciIrada sobre a paisagem de que Iaz parte. Com essa chave ele e
necessariamente lacônico a respeito de si mesmo enquanto paisagem, porque nesse
encontro da e na paisagem teria de usar o todo da linguagem para a tradução sonora e
objetiva do que esta a acontecer a ele e ao seu entorno. A linguagem do nome que conhece
e em que se encontra Iaz com que tenha cuidados quanto a tagarelice, pois, sobre qualquer
coisa que disser, ele sabe que ressoara como eco em seu ouvido pelas conexões do seu
entorno em que esta inapelavelmente enredado. Portanto, o camponês sabe que qualquer
elocução sua não e apenas a atividade de um entendimento constituido solitariamente para
a produção de objetividades especiIicamente direcionadas, mas que signiIica ja a
maniIestação expressiva e total de tudo que o constitui enquanto cercania de que mesmo
Iaz parte na condição de Ialante. O camponês e lacônico pelo Iato de se perceber
coadjuvante naquela sinIonia em execução em que percebe que a sua contribuição de vida
deve ser bem executada na interpretação da peça orquestral ja em pleno andamento: a
solidariedade imediatamente imanente não lhe pesa como uma contribuição Iorçada a ser
contabilizada em termos de acertos e erros por criterios explicitos de algum agente externo
com arrogante e Iicticia autoridade para tanto. Esta experiência caracteristica do camponês
Ialta ao estranho que se movimenta na circunscrição da linguagem proposicional esquecida
da sua condição expressiva. A opulência do seu discurso que parece a propria clareza que
tudo torna proximo constitui-o em estranho no meio em que se encontra, pois as suas
palavras soam completamente estranhas na intenção de uso enquanto instrumentos de
296
descrição positiva no processo de objetivação que promove. As suas palavras são
instrumentos ativados para a ediIicação do conhecimento de uma subjetividade que se
considera autônoma e inIinitamente divorciada do que manipula. A opulência da sua Iala
instrumental não tem o estatuto dos nomes e isso Iaz com que seja estranho a si mesmo e a
suas palavras.
Certamente, aquele que assim no caminho medita reflexivamente
nào provem daqui, e quando em casa sob ceu aberto lhe vieram os
pensamentos, fa era noite. Apenas com estranhe:a tra: a memoria
que povos inteiros fudeus, indianos, mouros edificaram o seu
sistema doutrinal sob apenas um sol que parece impedir-lhes o
pensar. (GS IV, 417).

A estranheza do viajante e o motivo de ele não conhecer os nomes. A meditação
reIlexiva de um eu preocupado e abalado por essa sensação de estranheza que lhe acontece
parece ser um sinal indicando o isolamento dessa atividade e da solidão em que se
encontra. A meditação reIlexiva como exercicio de autonomia para auto-certiIicação de si
enquanto eu centrado e manipulador e atrapalhada sob o ceu aberto da noite em que os
pensamentos lhe vêm. Quem parecia manejar pensamentos de repente se vê a ter de
reconhecer em sua noite que os pensamentos lhe vêm sem convite e impositivos,
arrebentando o casulo em que estava encapsulado e obrigando-o a se dar conta da
existência de um ceu aberto muito mais alem. A noite do eu Iaz-lhe surgir a estranheza do
sol sob o qual judeus, indianos e mouros construiram o seu ediIicio doutrinal, as suas ilhas
em que expressam o seu ser. Nesse gesto, a noite do ocidente do pensamento IilosoIico
reconhece a sua estranha diIerença em relação ao sol do oriente. O sol assume o seu antigo
e natural paradigma de luz do conhecimento, so que aos judeus, indianos e mouros ele
parece ter impedido o pensamento objetiIicador. Eles Iorjaram as suas doutrinas sob o
calor do sol assumindo-as como a luz da sua expressão imediata em seu ser assim, sem a
constituição Iiccional da possibilidade de um centro de outorga de luminosidade e
validação absoluta. Na noite do eu ocidental o viajante da-se conta da sua estranheza ao
perceber pensamentos lhe advirem sob ceu aberto: trata-se de uma luz desconhecida que se
revela a alguem como que divorciado da natureza e prisioneiro da sua propria
subjetividade. Estranhas lhe parecem as ediIicações doutrinais que não Ioram produzidas
por uma racionalidade em busca da certeza dos seus proprios Iundamentos. O sol queima
penetrando com a sua luz a escuridão do eu encapsulado e atrapalha pondo em duvida as
produções do entendimento solitario.
297
Esse sol esta lhe queimando as costas. Resina e tomilho
impregnam o ar, no qual ele, puxando folego, crê sufocar. Um
:angào bate em seu ouvido. Mal ele tinha percebido a sua
proximidade e fa o turbilhào do silêncio novamente o levou
embora. A mensagem de muitos veròes a que renunciara
distraidamente pela primeira ve: presta atençào a ela e ai ela se
interrompe. (GS IV, 417).

Debaixo do sol os orientais Iorjaram as suas doutrinas de que são expressões, e esse
sol a queimar as costas do viajante lhe indica que toda a elaboração IilosoIica do ocidente
tambem o inscreve na expressão do que e, sem a possibilidade de realização da separação
absoluta de um centro articulador do conhecimento do ser. A ardência do sol como que
Iunde o eu na sua pretensão de isolamento complementando os odores da resina e do
tomilho que arrastam o seu corpo a imanência da terra obrigando-o a resIolegar e se
aperceber da proximidade do chão. Puxado para a quietitude da planura a Iim de Iazer
parte da paisagem, inicia a perceber a transIormação que nele se opera, pois um zangão
depois de bater no seu ouvido vai-se embora lhe trazendo a enormidade do silêncio que
agora o cerca. Nisso ha uma mensagem que pela primeira vez escuta e tenta elabora-la
descritivamente, mas oscila entre permanecer rente a terra e prestar atenção para uma
descrição positiva e competente. A oscilação se da na escuta da mensagem do entorno,
entre a sua elaboração discursiva para a manutenção do eu e a escuta interruptora
simplesmente: a mensagem pode virar escuta numa relação de imediação tradutora.
'A vereda quase apagada torna-se mais larga; rastros conduzem a uma carvoaria.
La atras no nevoeiro se esconde a montanha para a qual os olhares do escalador se
dirigiam¨. (GS IV, 417). A vereda do conhecimento objetivo quase apagada torna-se
paradoxalmente mais larga. Apesar de os primeiros rastros indicarem a pretidão de uma
carvoaria, o olhar daquele que sobe vê a montanha ainda distante depois do cinza de um
nevoeiro. A proximidade da representação objetiva tornou-se rastro de carvão, o que
instiga naquele que sobe, isto e, no viajante, a visão e a sede da distância alem do nevoeiro.
A aura do proximo e do distante acontece. A proximidade e a objetivação Iaceira que se
torna rastro do que sempre supôs e sempre tera de supor em seu exercicio: o distante
essencial que não esta ao dispor do saber proposicional. A aproximação de ambos num
amalgama Iaz desaparecer a distância entre o si mesmo e o mundo: a atenção e a percepção
consciente do mundo como externo empalidecem.
298
Algo frio se torna perceptivel em sua face. Ele o toma por uma
mosca e ai bate. Mas e apenas a primeira gota de suor. Logo vem
a sede. Ela nào vem do palato, mas da barriga. Dai ela se
espalha por toda a parte instruindo o corpo, grande quanto e,
para ser capa: de aspirar e beber por todos os poros o mais
miseravel sopro.(GS IV, 417).

O corpo começa a reivindicar os seus direitos. Ainda algo externo parecendo uma
mosca parece arriscar-se a uma interIerência indevida no curso dos pensamentos em Iusão
com os arredores. Quando bate contra o rosto para se desIazer do que imagina estar
atrapalhando escandalosamente as suas ultimas resistências ao desmonte do controle
externo, percebe que e seu proprio corpo a se integrar no mapa orgânico da natureza: e
uma gota de suor. Primeiramente completamente absorto em reIlexões, logo começa a
sentir no corpo a necessidade proIundamente exigente de maior integração.
Independentemente de qualquer resolução da vontade de teorizações para a construção
autônoma de si mesmo de modo separado, surge a sede que vem bem de dentro de si
expressando o seu comando a toda a extensão do corpo ate aos limites dos poros da pele,
que, na verdade, limites não são, pois pela sucção de qualquer brisa indicam dependência,
integração e reunião anteriores a tudo. O eu não perde somente o controle sobre o que
arbitrariamente estipulou como exterior, mas tambem sobre a interioridade corporal, bem
como a resolução imperiosa do mando da dependência e da reunião ja sempre anterior a
quaisquer decisões. Os costumeiros caminhos do dominio das sensações pela consciência
estão interditados a ponto de não ser mais possivel localizar ao certo a sede, pois o corpo
tomou por si mesmo as redeas como centro de sensações. Um alheamento cada vez maior
cresce ate a perda do controle sobre o que esta a acontecer.
'Ha muito, a camisa ja escorregou do seu ombro e, quando ele a puxa para si a Iim
de se proteger da ardência do sol, e como se manejasse uma capa molhada¨. (GS IV, 317).
A roupa tem a Iunção de preservar a diIerença entre mundo externo e corpo, mas ja nem
sentira a sua queda dos ombros e somente a sensação de ardência do sol tem a Iorça de
ativa-lo para que instintivamente se proteja com algo que agora lhe parece uma capa
molhada do suor provindo do seu corpo e que nela depositou: recolhe ao corpo o que o
corpo exsudou numa nova Iorma de integração. Cada vez mais se Iorma uma
indiIerenciação entre interno e externo. Tanto que a tematização das sensações oscila não
respeitando mais qualquer limite entre as sensações que supostamente avisam exterioridade
e as que notam interioridade. Corre solta a divagação entre tudo e todo, entre externo e
299
interno, sem mediação, porque a percepção da imersão numa totalidade suposta se
consumou. A camisa molhada repassa ao viajante a inutilidade da proteção que prometia
ser para a conservação de limites. Por isso tudo, o salto de um assunto ao outro
acompanhando percepções e pensamentos podem dai por diante suceder num Iôlego so,
sem causar a impressão de serem desconexos e deixando de causar maior estranheza e
sobressalto.
Amendoeiras numa descida profetam a sua sombra aos pes do
tronco. Amêndoas sào a rique:a da terra. Nenhuma fruta da ao
agricultor mais remuneraçào. Nesta epoca e a unica madura, e
andando e agradavel alongar o braço ate os ramos. (GS IV, 418).

No limiar, a percepção da projeção da sombra das amendoeiras mescla-se com a
notação racional econômica a respeito da vantagem da remuneração possivel pelas
amêndoas e, então, volta para a sensação de agradabilidade em colhê-las na sua parcial
madureza alongando o braço ao que as arvores ao natural oIerecem. O braço que se alonga,
a amendoeira com ramos e Irutos, o aproveitamento econômico, o agricultor e a epoca de
amêndoas quase maduras Iormam um quadro so. O viajante deglute as Irutas deslocando
consigo parte da arvore em Iorma de amêndoas e cascas na mão.
'Apenas com muito custo a mão se separa das cascas descaroçadas. Leva-as
durante algum tempo consigo, deixa que sejam levadas numa corrente que as arrasta para
diante¨. (GS IV 418). As cascas não têm mais valor econômico e, mesmo assim,
permanecem na mão como se esta tivesse sentimento e impulso proprios, como se ela
estivesse desligando-se da centralidade da vontade orgânica que supõe comando
Ierreamente insistente, ou ate como se as proprias cascas na palma da mão pudessem
decidir os seus destinos externando o desejo de viagem mais longa na decisão de serem
atiradas na corrente de um corrego para levar muito mais adiante a noticia da arvore
generosa. A consciência deixou de guiar as ações, a mão deixou de reagir por suas
sensações solitarias e quem comanda o processo e o conjunto de casca, mão e
distanciamento possivel pelas aguas do corrego. Na desistência da pretensão absoluta da
centralidade da vontade ha, assim, uma reunião do proximo e do distante que elimina a
pretensão do observador Iazendo com que o viajante Iaça parte do acontecer geral da
arvore, da amêndoa com seu caroço e cascas, do burburinho das aguas do corrego, da
proximidade e da distância que se resumem num atimo de tempo. Joga-se Iora os limites
cascudos dos Irutos que se Iormaram para proteger o que posteriormente e deglutido? Ou
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as cascas quebradas enquanto limites desIeitos exigem maior expansão dos seus horizontes
na correnteza de um corrego? DiIicilmente a consciência enquanto nucleo se desIaz dos
seus limites. Mas quando acontece o rompimento das suas barreiras, quais são as aguas que
as levam e qual e o corpo que deglute o seu caroço avaliando a sua madureza e diluindo-o
em si mesmo? A quebra dos limites da consciência e o processo da sua destruição ou da
ampliação dos seus horizontes? Da arvore de que nasceu como caroço e casca, a
consciência sabe da ilha e da paisagem de que Iaz parte como expressão?
Os caroços estào maduros, mas nào completamente, o suco neles
e mais fresco do que depois, quando a sua pele e marrom e nào
mais se pode tirar. Agora eles têm a cor do marfim como queifo de
cabra e espartilho de mulher. O seu gosto e de marfim. Quem os
tem entre os dentes ouve, impassivel, fontes rumorefarem na
folhagem das figueiras. Mas os figos estào cravados, verdes e
duros, mal visiveis nos eixos das folhas. (GS IV, 418).

Os objetos agora não são mais coisas simplesmente a Irente para serem analisadas,
mas são imagens que se mesclam com as sensações e recordações do viajante a ponto de
este intuir a sua essência. Essa essência não e nem deIinivel, nem exatamente descritivel
por uma linguagem que primasse pela apresentação dos seus Iundamentos conscientemente
postos para a produção de absoluta objetivação, mas apenas se deixa captar pela indicação
signiIicativa dos nomes. Alem das associações meramente subjetivas acontece a integração
perceptiva em que se revela a essência da coisa mesma ao modo de imagem intuitiva por
meio das sensações. O tornar-se uma unidade com as coisas conhecendo-lhes os nomes na
imediação intuitiva ocasiona um continuo de quase alucinação no viajante: os caroços não
tão maduros, com o seu suco perceptivel ao paladar, com a cor visivel na sua pele, com o
seu som entre os dentes Iazem ouvir Iontes rumorejantes nas Iigueiras. No rumorejar das
Iigueiras diretamente ligado ao ruido da mastigação de caroços de amêndoas, o som da
origem se Iaz tempo agora para indicar a reunião da integração de tudo: a origem do Iundo
dos tempos esta presente na diversiIicação das sensações, pensamentos e palavras que
simultaneamente ocorrem Iazendo parte do processo em andamento. As sensações, os
pensamentos e as palavras não são nem posteriores e nem anteriores ao que ha, mas se
integram numa participação em que uma Iigueira dita e uma das perspectivas possiveis da
sua propria essência original enquanto tradução continua da origem de tudo. A linguagem
do viajante nesse momento não e nem a validação e nem a verdade da Iigueira, mas a
propria continuidade de um dos seus aspectos enquanto percepção tradutora. Na origem, a
301
Iigueira participa irradiante de todas as sensações que possibilita para receber a marca da
linguagem humana que tambem passa a integrar. A percepção inicialmente Iragmentaria e
balbuciante do viajante ao sol Iaz adivinhar o que se quer dizer com a linguagem
paradisiaca em que o dom de Ialar era a doação dos nomes como participação da propria
essência do homem em meio a criação. A sensação, o pensamento e a palavra humana não
são mecanismos de triagem organizada entre si para a produção de verdades absolutas com
que se Iez a noite do ocidente, mas o compartilhamento numa reunião em que
simplesmente o merito das coisas se apresenta Iazendo rumorejar a origem em nominação
expressiva. Assim acontece que a natureza recupera sua original vivacidade na capacidade
da participação da sua nomeação. Amêndoas quase maduras, mas Iigos ainda verdes e em
parte escondidos, isto e, para quem iniciou a viagem de volta na quebra da sua auto-
limitação, ha promessa de continuidade de muito mais caminho de se andar. O sentido
pode tornar-se doação mutua num sentimento de mutua dependência numa relação
original.
Chegou o momento em que parece que apenas as arvores vivem.
Nos pinheiros as cigarras tinem, o seu :umbido ressoa desde os
campos poeirentos. Eles agora se encontram apos a colheita com
a expressào tosca daqueles que se desfi:eram de tudo. A sombra,
o seu ultimo bem, se encolhe reunida aos pes das altas medas.
Pois e a hora do recolhimento.(GS IV, 418).

A imagem signiIicativa se Iortalece cada vez mais e a distância entre o eu e o
mundo se desvanece IluidiIicando-se na vastidão da paisagem com a perda da sua Iixidez.
O mundo das coisas mortas objetivadas da lugar a imagem viva e perceptivel provinda de
todas as direções. O pensamento objetivador costumeiramente articulado em proposições
positivas da lugar a uma unidade tambem inteligivel no nome que se sabe em vasta
dependência. Os campos apos a colheita se assemelham precisamente ao viajante que
perdeu todos os bens que Iormavam a couraça limitada do seu eu, que agora se estende, se
expõe e se integra na vasta nudez do se espalhar no todo. A unica coisa que resta aos
campos e ao viajante e a sombra do que Ioi aos pes dos montes de palha. Na hora da
reunião, o orgulho da consciência autônoma perdeu o seu aguilhão, as sensações estão sob
o Ieitiço da distância e as imagens se impõem ao viajante.
'Os proprios bosques dispõem-se em torno dos cimos como se o ancinho do verão
os tivesse recolhido¨. (GS IV, 417). As imagens conseguem ludibriar o tempo, pois no
momento da sua emergência permanecem paralisadas impondo-se as sensações e ao
302
pensamento a ponto de Iazerem parte do quadro. Por isso, não e possivel identiIicar uma
percepção racional objetivadora com uma percepção de imagem. Ambas constituem
Iormas diIerentes de saber, pois na imagem o observador nela se dilui na percepção de uma
dependência que o torna imanente ao quadro, enquanto que no processo racional acontece
o esquecimento Iundamental dessa mesma dependência na procura e na aIirmação de um
Iundamento separado do todo que se expressa para a Iixação de um mundo de objetos
como se pudesse estar em paralelo com o mundo da linguagem. Na imagem de pensamento
'A distância e a imagem¨ Benjamin compara a condição da primeira Iorma de saber com o
prazer do sonhador: 'Acaso o prazer pelo mundo das imagens não se alimenta da sombria
teimosia contra o saber?...Assim, interromper a natureza na moldura de imagens
esmaecidas e o prazer do sonhador¨. (GS IV, 427). Da aparência de sonho ao perceber
parece ser apenas um passo: a Iorma de saber que possibilita a percepção visual da imagem
e traduzida acusticamente no nome. A intencionalidade da capacidade do entendimento se
desvanece na abrangência total da realidade da imagem, os objetos do conhecimento não
mais existem e a natureza compartilha os seus segredos quando o homem se desIaz das
grades da sua egolatria em que esta preso por um esquecimento que o alucina.
Apenas vimeiros encontram-se isoladamente nos restolhos e a sua
folhagem brilha em preto e branco como prata de tule. Nenhuma e
mais embandeirada e, mesmo assim, quebradiça, rica em acenos
quase nào mais perceptiveis. Mesmo assim um deles acerta o
transeunte. (GS IV, 418).

Quem ingressa no mundo dos nomes recebe acenos. O viajante tem a vaga
impressão de que a Iolhagem das arvores lhe acena, tanto que a de uma delas ate o acerta.
Ele esta na situação de perceber que a natureza tambem o percebe e procura a partilha da
comunicação. Recorda-se do que realmente ja lhe aconteceu quando se tornou uma
unidade com uma arvore e ouviu a sua linguagem.
Jem-lhe a mente o dia em que sentiu funto com uma arvore.
Naquele tempo bastava apenas aquela a quem ele amava ela
estava na relva bem indiferente a ele, e a sua triste:a ou o seu
cansaço. Ai ele escorou as costas num tronco e este o ensinou a
sentir. Quando o tronco iniciava a balouçar com ele aprendeu a
tomar folego e a expirar quando o tronco balouçava de volta.(GS
IV, 418).

A recordação do luto e da tristeza pela indiIerença e perda da amada de outrora se
junta a sensação da experiência havida de sentir-se arvore a balouçar recebendo acenos em
303
dialogo com os arredores. Uma outra imagem de pensamento de Benjamin, 'A arvore e a
linguagem¨, evoca algo semelhante quando passa a entender e Ialar a linguagem da arvore
como se com ela estivesse unido por conubio desde todos os tempos. (GS IV, 425). Sentir
junto com a arvore e entender a linguagem dela como se Iosse um casamento parecem
lembrar a Ielicidade erotica paradisiaca em que o cumprimento da Ielicidade e imediato e
constante. Perder tudo, como um campo em epoca de colheita e como o viajante em
situação de diluição das costumeiras objetivações Iixas em que estava enredado, leva ao
sentimento de perda e de renuncia que Iavorece o sentir-se unido a arvore. A aspiração ao
conhecimento dos nomes desse modo constitui-se de um desejo erotico de Ielicidade
imediata, isto e, sem a intermediação do pensamento racional voltado a Iins que
insistentemente apenas se tem como instrumento e nunca como consumação. O
pensamento instrumentalizado somente para a Ielicidade Iutura torna-se vitima da
impotência de se isolar na ganância de tudo querer e de nada usuIruir num esquecimento
embotado de que ja esta em plena situação de participação. A surdez ao recado original dos
arredores como que arremessa a consumação da Ielicidade a negatividade inIinita. O saber
dos nomes enquanto tradução de uma relação completamente diIerente de si mesmo e com
o entorno e um saber imediatamente pratico que não se ativa na posse intentando a
dominação doentia da natureza para a consecução de Iins julgados imprescindiveis. O
Eros, do qual se trata, certamente procura Iazer a religação do eu com o mundo, mas
evidentemente num sentimento de unidade paradisiaca que não elimina qualquer um dos
polos em questão: aspira uni-los sem os misturar. Na imagem, a sincronia dos movimentos
de arvore e homem lembra a execução de uma notação musical em que ha consonância
sem intenção, numa dependência de um em relação ao outro. Esta mesma sincronia dos
movimentos e uma convivência em que simultaneamente se processa a tradução em
aprendizado mutuo num dialogo de imagens. A movimentação da arvore e articulação
muda compreendida não como sinais, mas como a sua expressão imediata. Como no texto
de 'A linguagem em geral e a linguagem dos homens¨, a essência da arvore participa a si
mesma ao seu modo para neste aspecto ser traduzida na expressão da linguagem do
homem, o que, por sua vez, e a expressão deste.
Sem duvida, tratava-se apenas do tronco cultivado de uma arvore
ornamental e de modo inimaginavel a vida daquele que poderia
aprender com esta arvore rachada, a qual, ainda mais fendida,
desenvolve-se triplamente a partir do chào e funda um mundo
inexplorado que se reparte na direçào de três pontos cardeais.
Nenhuma vereda torna-o acessivel. (GS IV, 418).
304

Daquela vez tratava-se de uma arvore ornamental, sendo que agora recebe o aceno
de uma arvore rachada que se desenvolve de três partes desde o chão. Que aceno estaria ela
a dar? De que mundo invisivel as suas raizes de dentro do chão ela expressaria para que o
viajante de agora o percebesse enquanto imagem? Perceber-se no subsolo para sugar a
seiva da terra e possivel aprender? Como se transIorma o inorgânico em orgânico? Como
seria a completa desistência na diluição de si mesmo numa escuridão vital e original
propiciando, numa Iermentação e germinação primeira, a continuidade da vida em todas as
direções sob a luz do sol? Que mundo abissal e inexplorado e esse que a partir de si Iunda
os outros? O que e que vem antes de tudo para que o que esta sendo seja? O viajante
percebe que para la não ha vereda, mas apenas a vereda da oscilação do ja ser.
Experimentar o ensinamento da imagem da arvore Iendida em três direções ja iniciaria por
se perceber sugando a seiva desconhecida da terra a partir de três direções. São pontos
cardeais, civilizações, povos? E a duvida sobre a proveniência de toda a divida que o
constitui enquanto emergência de sensação, pensamento e palavra na integração suposta? E
a impossivel vereda a ser trilhada, pois leva ao abismar-se sem solução na proibição de
qualquer reconhecença. O Iundamento da participação sempre de novo sera participação, e
a insistente procura alucinada leva ao esquecimento de que qualquer construção e apenas a
continuidade de uma paisagem ja sempre a vista. Onde o eu se perde: e no reconhecimento
da sua proveniência diluida e esparsa, ou e no esquecimento crente da atividade de uma
razão autônoma? Na indecisão oscilante, a solução e seguir caminho. Mas qual?
Mas enquanto indeciso ele segue outro caminho que a cada
momento ameaça trai-lo, ora fa:endo mençào de se perder
enquanto senda, ora de interromper-se diante de uma touceira de
espinhos, como homem tem a si novamente nas proprias màos,
quando os blocos de pedra se escalonam em terraços e marcas de
veiculos ai impressos indicam uma casa de campo na
proximidade. (GS IV, 419).

No mergulho mistico de uma participação sem reIerências a perda de si e iminente
e as touceiras de espinhos são varias. Ter-se ainda na mão como homem e o reconhecer de
que o discurso sobre inicio absoluto e esquecimento de que o mundo ja sempre Ioi e de que
sempre se esta no meio. Ver blocos de pedra que escalonam terraços e marcas de veiculos
e o sinal da civilização, a qual se pertence e de que se participa, mas, tambem, que a
propria civilização e um modo de ser com as suas raizes no Iundo da terra e dos tempos. O
305
eu, que se perde na diluição total para alem da linguagem dos nomes ou no esquecimento
de uma razão que se intenta absolutamente auto-centrada, por Iim encontra a sua
identiIicação da oscilação entre a proximidade e a distância. Ter-se ainda na mão como
homem signiIica, para o viajante, o reconhecimento dos rastros da cultura que o aIeta. A
casa de campo na proximidade e a realização do viajante a andar a procura do
conhecimento dos nomes.
Nenhum som acusa a vi:inhança dessas povoaçòes. Em sua
periferia o silêncio do meio-dia parece duplicado. Mas agora
rareiam os campos para desbloquear a regiào para um segundo, um
terceiro caminho, e, enquanto ha tempo os muros e as eiras
esconderam-se atras de cumes da terra ou de folhagem, no
abandono dos campos abre-se a encru:ilhada que funda o meio.(GS
IV, 419).

Na menção do meio-dia como um momento especial Benjamin parece reIerir-se a
Nietzsche como o Iaz na imagem de pensamento Sombras curtas, onde Iinaliza dizendo
que o meio-dia e 'a hora de Zaratustra, do pensador no meio-dia da vida`, no jardim de
verão`¨. 'Pois o conhecimento contorna as coisas com maximo rigor como o sol a pino¨.
(GS IV, 428). E a hora em que o tempo parece parar e em que o mundo parece ter
alcançado a perIeição pelo Iato de não estar atras de algum alvo. Os objetos são vistos sem
as suas sombras, perIeitamente delineados, mas tambem o conhecimento como
participação no meio do mundo e perIeitamente delineado para não deixar sombra de
duvida. Então se Iaz silêncio dos discursos delirantes de sistemas que a tudo pretendem
englobar e a paz reina no deixar acontecer de uma calmaria geral no meio-dia da vida. Na
oscilação de ca para la entre diluição total e objetivação delirante Iaz-se a experiência do
meio da vida em plena contradição da linguagem, que indica participação constante no
mesmo instante em que objetiva. O que, porem, possibilita esse meio e a experiência.
Nào se apresentam como calçadas e estradas postais, mas tambem
nào como picadas e sendas, entretanto, ai esta o lugar em que os
caminhos se encontram em campo aberto, nos quais desde seculos
agricultores e suas mulheres, crianças e rebanhos vêm andando
de campo em campo, de casa em casa, de pastagem em pastagem
e muito raramente acontecia que no mesmo dia nào voltassem
para dormir sob o seu teto novamente.(GS V, 419).

As veredas que se apresentam não são mais trilhas de caça de animais, simples picadas e
sendas, mas caminhos ha muito trilhados. Apesar de Iazerem parte da paisagem não pertencem
mais a natureza original, pois contam parte da historia secular da atividade de seres humanos. E
306
assim são os caminhos da experiência, a qual indica o meio entre a perda da identidade
caracteristica humana, diluindo-se completamente como so uma das suas vozes, e a assunção da
Iala humana como expressão tradutora numa seqüência de milênios de historia. A eIetividade de
experiência ja havida não permite que o homem se desligue da natureza e da historia e nem que se
dilua por completo a ponto de desistir da propria capacidade da recordação. Os caminhos da
experiência conservam o meio como ambiente entre a linguagem e a natureza como se
precisamente eles Iossem o Iundamento em que polos opostos se unem, mas sem perder as suas
caracteristicas, ou seja, sem prescindir da aIirmação das suas diIerenças. Nos caminhos da
experiência não ha a perda na mitiIicação da razão autônoma e nem o Ieitiço de uma imersão total
na natureza. Corresponde a ideia de experiência uma determinada unidade no tempo, uma
totalidade historica em que a compreensão e a linguagem se dão. Neste sentido e que os
agricultores a caminho sempre voltam a casa, pois Iazem parte da paisagem e da historia dos seus
proprios caminhos ha muito experimentados. E e este tambem o sentido do meio-dia como o meio
dos tempos. O meio-dia sob o sol a pino indica o meio do tempo da historia e o meio entre natureza
e homem.
A situação do viajante e tambem a do meio a partir da sua experiência na ilha, pois
primeiramente, como homem de razão acostumado com a proximidade dos objetos, sem entender a
linguagem dos nomes e separado da natureza, então atravessa pela distante sensação de vertigem de
perder a sua identidade numa saudade de união erotica em que ai lhe acontece a experiência da
unidade, que tudo liga e relaciona. Percebe, porem, a tempo que a união não elimina as diIerenças:
ha unidade entre o si mesmo e o mundo, mas, ao mesmo tempo, preservação de cada um dos polos.
O chào aqui soa oco, o som com o qual ele responde ao passo fa:
bem aquele que esta a caminho. Com este som terra coloca a
solidào a seus pes. Quando chega a locais que lhe sào agradaveis,
ele sabe que foi ela que os indicou, ela lhe destinou esta pedra
para assento, esta depressào como ninho para os seus
membros.(GS IV, 419).

O viajante chega assim a compreensão de que chão não e apenas uma metaIora,
mas Iundamento que o carrega na união geral ate onde consegue perceber. Quando antes
imaginava que unicamente as decisões proprias no estrito sentido racional conduziam-no
pelo caminho da vida, agora percebe uma diIerença Iundamental. As suas decisões ja
Iazem parte de todos os caminhos no chão que o carrega. A unidade da natureza ha muito o
esperou, notou e contou com ele. Toda a sua situação de vida não Ioi e não e apenas um
Iragmento de espaço e tempo completamente isolado da movimentação que percebeu e
percebe ao derredor, na proximidade e na distância. Tem a nitida sensação necessaria de
307
que a totalidade do ser tem em si inserido o todo do seu proprio signiIicado e que deste
modo a solidão, que o acometia enquanto um eu preocupado com a Iixação separada de si
e de objetos de todos os conhecimentos, não tem mais razão de ser. Inapreensivel e esse
estado de coisas a razão do viajante com as suas aspirações de autonomia e Iundamento
articulador, e mesmo esta compreensão lhe e concedida na mesma medida em que ele
desiste das suas investidas meramente intencionais. O som da terra oca lhe revela a
existência do inIinito de possibilidades de ser no regaço de uma união que desde sempre o
carregou. O som da terra lhe e um aceno indicando locais agradaveis em que o
compartilhamento em sua compreensão e mais propicio. E a natureza que reivindica ser
compreendida. Na condição do meio-dia da vida, a reunião de si mesmo no abrigo do ser
leva-o a condição de êxtase que se extroverte como cansaço, mas agora sem a vertigem do
aIundamento na totalidade como quando em contato com a amendoeira e a Iigueira. O
recado do cansaço e o de que agora consegue oscilar ate a perda do controle consciente do
seu corpo e continuar mecanicamente trajetos do seu caminho liberando e deixando
alongar-se ao derredor distante a Iantasia que dele como que se desprendeu.
Mas ele fa esta cansado demais para se deter, e, enquanto perde o
dominio sobre os seus pes que o levam ligeiro demais, ele se da
conta de como a sua fantasia dele se desprendeu e, escorada
contra aquela larga encosta que ao longe acompanha o seu
caminho, ela inicia a dispor dele com vontade propria. Ela
desloca rochedo e cumes? Ou ela os toca apenas como se fosse
um bafefo? Ela nào deixa pedra sobre pedra ou deixa tudo como
era? (GS IV, 419).
A Iantasia encarna a encosta ao longe e a encosta dele dispõe para resolver questões
da paisagem geral. Sujeito e objeto uniram-se num saber que lembra um desmaio da
vontade do eu carregado de intenções, cuja proveniência desconhece, Iestejam a unidade
do mundo não como ele e, mas como seria na situação da perIeição. Tanto o mundo Iactual
e eIetivo como tambem o verdadeiro por antecipação são revelados ao viajante, agora
capaz de uma atenção abrangendo espaço geograIico, tempo historico e experiência de
percurso de vida ja navegado. A historia da procura por Iundamentação pela instituição de
instâncias primeiras, alem do ser que imediatamente e em expressão total, e o seqüente
isolamento Irente a objetos de si mesmo absolutamente separados leva o viajante a
compreensão do desvio Iundamental, da queda primeira, ou da Ialta original cometida e
sentida a cada segundo na contradição da linguagem entre o conhecimento dos nomes e a
sinalização instrumental das coisas. A compreensão do acontecimento da aspiração a
certiIicação do Iundamento racional para a explicação de tudo por meio de juizos leva o
308
viajante a entender o juizo sobre si mesmo. E esta compreensão e Iorça messiânica em si
mesma pelo aceno da origem enquanto sentimento de unidade que reivindica tambem o
pensamento e a palavra. A propria historia do homem traz consigo a imagem da
consumação possivel pelo seu reverso: onde ela e vista apenas como a eIetivação da
vontade construtora e Iormadora de mundos intencionalmente planiIicados para os Iins de
Ielicidade tambem administrada, a sua queda no antigo abismo aparece com nitidez, como
tambem a possibilidade de romper com a repetição se apresenta enquanto compreensão do
sentido expressivo das Iundamentações Iicticias ocorridas. No 'Fragmento teologico-
politico¨ a questão e colocada em termos de politico-proIano e teologico:
A ordem do profano deve ser erigida com base na ideia da
felicidade. A relaçào dessa ordem com o messianico e um dos
ensinamentos essenciais da filosofia da historia. E, precisamente,
a partir dela se determina uma concepçào mistica da historia,
cufo problema permite ser exposto numa figura. Quando uma seta
designa o alvo no qual a dinamis do profano age, uma outra
indica a direçào da intensidade messianica, sem duvida assim a
procura por felicidade da humanidade livre aspira distanciar-se
daquela direçào messianica, mas, como uma força por sua
direçào e capa: de promover uma outra direcionada em caminho
contraposto, assim tambem a ordem profana do profano em
relaçào a vinda do reino messianico. O profano, portanto,
certamente nào e uma categoria do reino, mas uma categoria da
sua silenciosa aproximaçào, e, sem duvida, uma das mais exatas.
(GS-II, 203).

A Iantasia não deixa pedra sobre pedra ou deixa tudo como era? A Iantasia e de
cunho compreensivo quando, voltada ao passado numa dimensão pratica, Iorma o reverso
da historia autônoma da razão alocando-a na unidade da expressão do ser. Do mesmo
modo a Iantasia e de cunho epistêmico quando descobre a possivel unidade alem da prisão
Ierrea conIigurada na realidade do presente enquanto algum absoluto posto. Por intermedio
dela a constelação Iormada pode se abrir a novas possibilidades na relativização dos seus
Iundamentos separados e esquecidos como expressão a ser descoberta. A Iantasia deslinda-
se da subjetividade Iantasmagorica e doentia por auto-reIerência crônica e se torna capaz
de acontecer captando a disIormidade congênita de um mundo visto como mera elaboração
por Iundamentação racional. Na relação erotica de se misturar com o mundo, Iormar com a
natureza uma unidade e acompanhar a oscilação ate o êxtase da quase auto-diluição, libera-
se a Iantasia do exilio da subjetividade Iixamente centrada. A Iantasia se escora na encosta
la ao longe adivinhando possibilidades por si mesma, o que libera a existência das suas
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limitações para aspirar tambem a unidade alem de toda a consciência possivel, a unidade
da verdade em expressão sempre parcial, ou seja, o inalcançavel objeto de desejo de Eros,
conIorme ja Platão. Mas essa especie de diluição não destroi desertiIicando tudo, não cria
um mundo completamente novo a partir do nada, mas tangencia o verdadeiro que ai
sempre ja estava, mas encoberto. A Iantasia liberta o verdadeiro das Iormulações de
Iundamento Iixos e disIormes da realidade parcial em relação ao todo. Quando concepções
de mundo se alocam teorica e praticamente enquanto realidade, a Iantasia pode recoloca-
las na direção da sua verdadeira dimensão, isto e, para alem das possibilidades parciais que
se Iixaram como unicas no esquecimento do que exatamente as possibilita.
Entre os chassidistas ha uma sentença sobre o mundo vindouro,
que di:. la tudo estara preparado como entre nos. Como a nossa
sala agora e, assim ela tambem sera no mundo que vira, onde a
nossa criança agora dorme, ai ela tambem dormira no mundo
vindouro. O que neste mundo tra:emos sobre o corpo, nos tambem
estaremos vestindo no mundo que vira. Tudo sera como aqui
apenas um pouco diferente. Assim o sustenta a fantasia. E apenas
um veu que ela estende sobre a distancia. Tudo podera
permanecer como esta, mas o veu flutua e imperceptivelmente ha
deslocamento embaixo dele. (GS-I, 419).

O mesmo mundo pode ser visto de duas maneiras bem diversas. Uma maneira e a
realidade nua e crua como construção maquinal de acordo com uma conIiguração de
criterios que administram a compreensão na aplicação, no ajuizamento, na organização
ordenada de todos os Ienômenos em termos de serventia ou não, e de utilidade atual. A
outra maneira e a percepção da Iantasia que, vendo a distância como que atraves de um veu
Iormado de realidade, relativiza a redução do absoluto Iixado para se compreender
enquanto expressão do inominado que exatamente enquanto expressão se nomeia. E apenas
um veu que a Iantasia estende sobre a distância. A pretensão de Iundamento, sempre apto a
construção de certezas para todas as divisões entre bem e mal, a vista desse veu se
transverte em expressão Ilutuante sobre o abismo em que as hipoteses construtivas podem
recordar os caminhos que ja Ioram e, por isso, ja ha muito são.
Uma nova percepção, portanto, toma conta do viajante quando ha o encontro na
união do si mesmo e da natureza, mas com a adução da percepção de que a Iantasia se
separa da consciência e se escora na encosta ao longe, tornando-se como que independente.
Ai ja ocorre o desaparecimento da imagem pelo Iato de que ela aproximou-se por demais e
se perdeu em nova objetividade. Pela proximidade demasiada da Iantasia, a imagem se
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desvanece ocultando novamente a imagem. Vê-se a imagem a distância como que atraves
do veu da realidade proxima objetivada. Algumas obras de Salvador Dali produzem
exatamente esse eIeito: olhados de perto apresentam muitas Iiguras da realidade proxima
por vezes completamente desconexas entre si, mas, quando vistas a distância com olhar
disperso, Iazem aparecer uma imagem, isto e, o seu pano de Iundo subjacente como se
Iosse a ideia que a tudo conjuga, tudo une, tudo relaciona. Na obra 'Espanha¨ do mestre ha
na proximidade objetiva primeiramente um cenario geral cinza-escuro com pessoas
incluidas, o qual da a impressão de distância, mas, quando olhado a distância aparece em
proximidade distante a Iigura de uma mulher escorada num movel. O mesmo eIeito
proporciona um quadro seu em que aparece a Iigura de Cristo distante-proximo a englobar,
resumir e reunir, como se Iosse a ideia geral, uma serie de pequenos cenarios proximos,
salientes e completamente disparatados entre si. Na proximidade o veu torna-se
intransparente pela positivação de cada coisa detalhada, indicando que a verdade não se
deixa captar como objeto do conhecimento. Pode-se compreender que o veu e a propria
realidade proxima objetivada de tal modo que o pano de Iundo que a possibilita so e visto
como eIeito de visão de conjunto a distância e num reconhecimento em que o proprio
sujeito, que se julgava a parte, tem a possibilidade de se entender como parte da
emergência da imagem. Na imagem de pensamento 'Perto demais¨ Benjamin elabora a
descrição do eIeito de se ter chegado perto demais da imagem.
Em sonho na margem esquerda do Sena diante de Notre Dame. La
estava eu, mas nada ali havia que se parecesse com Notre Dame.
Uma construçào de tifolos erguia-se apenas com os ultimos
degraus do seu maciço acima de um alto revestimento de madeira.
Mas eu la estava, dominado, mas fustamente diante de Notre
Dame. E o que me dominava era saudade. Saudade fustamente da
Paris na qual eu aqui no sonho me encontrava. De onde, portanto,
essa saudade? E de onde este seu obfeto totalmente desfigurado,
irreconhecivel? Em suma. no sonho eu dele me havia
aproximado demais. A inaudita saudade que aqui me sobreveio no
coraçào do que era almefado nào era aquela que da distancia
impele a imagem. Era a saudade feli: que fa ultrapassou o limiar
da imagem e da posse apenas ainda sabe da força do nome, do
qual vive o que e amado, se transforma, envelhece, refuvenesce e,
sem imagem, e o refugio de todas as imagens. (GS IV, 370).

A saudade neste caso não se satisIez com a percepção desejosa do seu objeto enquanto
imagem, mas quis ainda possui-la e, exatamente por isso, promoveu o seu desaparecimento em
troca dos objetos desIigurados agora a sua Irente. O que a distância e visivel enquanto quadro
imagetico, no qual o observador mesmo esta incluido, não mais e reconhecivel na proximidade
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objetal. Mas a saudade, que no sonho mesmo assim permanece, Iaz ver a incompletude de uma
construção de tijolos para preservar a indicação da distância. O Eros nunca podera alcançar o que
almeja e, por isso, a saudade inaudita permanece intensa, mesmo na posse do objeto e sua Iixação
logo em Irente. Mas, apesar de tudo, toda a signiIicação da imagem migra para o nome. O teor
inteiro da imagem se dilui e se concentra ao mesmo tempo no nome sonoro enquanto expressão de
todo o percurso ocorrido. Mesmo não sendo mais imagem, o nome zela pelo velamento do que e
amado e nessa condição se conserva. Uma mesma palavra, portanto, pode aparecer como conceito,
mas tambem se metamorIosear em nome na compreensão ocorrente como recordação de imagem
em que sujeito e objeto aparecem unidos. O conceito de Notre Dame trata, como de costume, de
um objeto a vista de todos, mas a experiência do acontecimento da imagem do sonhador e
semelhante ao que o viajante ao sol tambem captou. O viajante tambem oscila entre objeto,
imagem e transIiguração aos nomes que lhe conservam a revelação.
E uma mudança e uma permuta, nada permanece e nada
desaparece. Dessa tecedura, porem, desprendem-se os nomes de
uma so ve:, sem palavras eles penetram o caminheiro, e, enquanto
os seus labios os formam, ele os reconhece. Eles emergem, e de
que necessita mais essa paisagem? (GS IV, 420).

O aparecimento dos nomes lembra uma permuta, uma mudança, uma tecedura, um
reconhecimento, uma emergência, em suma, uma imediação que mais parece doação que
se da por revelação e em que o receptor esta evidentemente implicado. Benjamin, porem,
tem outros modos de tematizar o mesmo. Logo no inicio da imagem de pensamento 'San
Giminiano¨ diz:
Achar palavras para o que se tem diante dos olhos quào dificil
isso pode ser' Quando, porem, elas vêm, batem como pequenos
martelos contra o real ate que tenham extraido dele a imagem
como de uma chapa de cobre. (GS I, 364).

Dai se depreende mais seguramente que não ha a minima possibilidade de perceber
a imagem no sentido de reprodução de uma realidade a parte. Achar palavras sobre alguma
coisa ja existente como algo separado e diIerente de achar palavras para algo em que o
observador e parte integrante do processo que acontece. A imagem não e algo nem que
pudesse servir de vocabulo para o real, nem ocupa o seu lugar e nem se coloca no lugar
dele. Não e tambem apenas a realidade separada que ai e elaborada ao modo da linguagem,
mas uma realidade ja trabalhada com os olhos de quem vê. Não e uma realidade objetiva
que estivesse a Irente, mas algo irredutivelmente novo e dinâmico que surge e que repassa
por tradução essa carga ao nome de Iorma sonora. Com o exemplo do martelo e claro que
312
Benjamin não quer dizer que se trata de um esIorço de algum eu manipulando instrumentos
num trabalho intencional para a produção competente de nomes. Na imediação da
dinâmica em descrição surgem simplesmente novos modos de percepção do derredor que
desvelam no mundo costumeiro objetivado um momento de imagem certamente sempre
presente e realizado no cotidiano, mas a respeito do qual os atores ainda nada atinaram.
Esse enigma que acompanha a realidade positivada so se pode descobrir a medida que 'nos
o reencontramos no cotidiano graças a uma otica dialetica que reconhece o cotidiano como
impenetravel e o impenetravel como cotidiano¨ (GS II, 307).
No começo do caminho do viajante ao sol havia o seu desejo de alcançar aquele
saber não proposicional de que o camponês da ilha dispunha. Mas a sua estrutura de
compreensão não permitia tal saber, pois para tanto haveria de ter primeiramente a
experiência da reconciliação entre o eu e a natureza, da não separação entre espirito e
natureza, da relativização do si mesmo que se põe como Iundamento de toda a objetivação
para um saber positivado. Um saber dessa ordem e avesso ao conhecimento do
entendimento solitario, propondo em seu lugar o mundo da unidade, da criação em seu
estado original. No caminho dessa experiência o mundo das coisas objetivadas pela
atividade do entendimento e deixado de lado e o viajante descobre o mundo das imagens.
A medida que vão desaparecendo os limites de si mesmo e mundo, a sua percepção vai
mudando. No Iim desse processo ate a imagem desaparece e acontece a sua tradução em
Iorma de nomes em que as coisas participam dinamicamente na linguagem do viajante: a
partir da sua mudez enquanto imagem, elas agora Iazem parte da sua linguagem sonora de
Iorma dinâmica. O costumeiro objeto meramente separado a Irente do sujeito para ser
simplesmente por este manipulado não mais existe e, em seu lugar, ha o que sensivelmente
aparece enquanto algo puramente signiIicativo que na tradição da literatura teologica e
compreendida como a elocução do nome de Deus. Desse modo não se trata da signiIicação
de coisas independentes que se produzem a partir de um material como que previamente
sempre existente ao modo de natureza morta, mas de um acontecer que conIigura a
experiência de uma relação superior de vida. Para tanto, porem, e necessaria tambem a
duração, o tempo paralisado, motivo pelo qual o viajante no conhecimento dos nomes
somente retrospectivamente se da conta do ocorrido. Retrospectivamente o viajante se
apercebe de todo um conjunto de vida em que estava e esta imerso, o qual não se deixa
captar na sinalização continuada de objetos simplesmente. A experiência do nome e,
portanto, sempre historica de um modo especial: ela suspende o acontecimento costumeiro
313
em seu Iluxo objetivado impondo uma cesura a continuidade da experiência assim como e
normalmente concebida. A experiência de que agora se trata não e carregada da intenção
de transmitir saberes ao modo de dominação de dados, Iatos e relações de causa e eIeito,
mas impõe a paralisação da Iorma de saber em termos de adequação de palavra e objeto
oIerecendo outro modo de compreensão em que ate o pensamento suspende a sua dinâmica
normalmente instituida:
Nào e so movimentar o pensamento que e proprio ao pensar, mas,
igualmente, imobili:a-lo. Ali onde o pensamento se imobili:a
repentinamente em uma constelaçào saturada de tensòes, ai ele
comunica a essa um choque que fa: com que ele proprio se
cristali:e em monada.(GS I-2, 691).

Na situação de recordação não se pode pensar na contraposição kantiana entre
receptividade e espontaneidade, pois essa diIerença ja se considera eliminada pelo Iato de
que os nomes emergem da unidade para serem traduzidos em Iorma de palavras sonoras
que conservam sua Iorça de instauração primordial. O viajante agora não so se ocupa com
o nome de Iigos e amêndoas que perIazem as relações de vida do agricultor, mas e
arrebatado ao enlevo de visualizar os nomes relacionados com as conexões da sua propria
vida.
Em cada imensa distancia la adiante eles passam sem deixar um
rastro sequer. Nomes das ilhas que ao primeiro olhar elevaram-se
do mar como grupos de marmore, das escarpas, que tornam o
hori:onte amolgado, das estrelas que no barco o surpreendiam
quando na prematura escuridào se pòe de guarda. (GS IV, 420).

O viajante se apercebe da sua propria experiência, que nele acorda o desejo e a
saudade sempre comandados por Eros a lhe imprimir uma Iorça peculiar: a Iorça
imediatamente pratica dos nomes em Iorma de recordação, a qual leva a antecipação do
Iuturo, pois por esse tipo de experiência o Iuturo e inegavelmente pautado por tal
recordação. O desejo na paralisação de tudo e a saudade do universal tangenciam o
incondicionado e o inIinito unicamente capazes de superar o atavismo da prisão de uma
razão que se quer especializada na consecução de metas em grande parte ainda veladas em
sua razão ultima e suspeitamente certiIicadas na gloriIicação da instrumentação de tudo.
Apos a recordação dos nomes junto com o silêncio das cigarras, da sede que passou
e do dia dissipado, o viajante aos poucos sai do seu estado de êxtase recordativo num
mundo da Iantasia. Os sons que surgem, porem, agora são sons como se Iossem noticias do
314
todo provindas das proIundezas e de todos os lados em Iorma de chamados distantes: o
viajante ainda esta no limiar da grande experiência. Como que acordando de um sonho
para o sonho da consciência, precisa de tempo para se orientar acusticamente ate que, com
os sons, o eu recobra o dominio do corpo e da mente. No Iinal e apesar de tudo ainda
permanece a oscilação entre lirios objetivos que Ilorescem no canto da sebe de cactos e o
desejo e a saudade representados nas mulheres imensas e Ilutuantes.
O canto das cigarras emudeceu, a sede passou, o dia se dissipou.
Das profunde:as sobem ruidos. Latido de càes, a queda de uma
pedra, ou um chamado distante? Enquanto o ouvinte ainda
procura distingui-lo, em seu interior reune-se tom por tom a
penca de campanulas. Agora ela amadurece e intumesce em seu
sangue. Lirios florescem no canto da sebe de cactos. Ao longe, nos
campos entre oliveiras e amendoeiras, passa um carro, mas
silenciosamente, e quando as rodas desaparecem atras da
folhagem, entào mulheres gigantescas parecem flutuar imoveis
sobre a terra imovel com o rosto voltado para ele.(GS IV, 420).




























315


8. COMPLEMENTAÇÄO À CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: ~DOUTRINA
DO SEMELHANTE¨

O texto Doutrina do semelhante Ioi escrito em 1933 e se constitui no ultimo
trabalho de Benjamin diretamente ligado a questão da linguagem e que mereceu uma re-
elaboração ainda no mesmo ano, a qual leva o titulo Sobre a faculdade mimetica. (GS II-1,
211-213). O artigo conserva os resultados basicos de A linguagem em geral e a linguagem
dos homens, mas com a complementação de algumas questões, principalmente pelo
conceito de semelhança. Numa carta a Gershom Scholem datada de 28.2.1933 Benjamin
explica que as preocupações sobre a questão da semelhança e o texto surgiram para
constituir uma reIlexão teorica para a primeira parte da Infancia berlinense por volta de
1900 (GS VII-1, 385), intitulada Lofias e que aborda o tema da recordação
O titulo do artigo Doutrina do semelhante causa espanto por si mesmo. Para um
IilosoIo como Benjamin, desde sempre considerado antidogmatico, o uso do termo
doutrina da o que pensar. Não e possivel imaginar que o titulo expresse um dever ser com
base em algum dogma conhecido e estabelecido para a implementação de um comando em
Iorma de principio a ser deIendido ao modo de ordenamento de semelhanças. E necessario,
portanto, que desde o inicio não se entenda o termo doutrina no sentido de dogma. Trata-
se, no titulo, antes de tudo da veriIicação e indicação de que o homem desde sempre Iaz
uso da semelhança em sua Iala e em sua compreensão.
O raciocinio em geral por semelhança esta presente na Iorma com que o homem
apresenta a si mesmo e ao mundo que expressa em sua linguagem. A veriIicação de que
eIetivamente o homem usa a Iorma da semelhança para o ordenamento do seu mundo e da
sua compreensão leva a curiosidade sobre a origem e a condição de possibilidade desta
pratica. A curiosidade que surge direciona-se a um âmbito ainda oculto de cujas raizes
cresce e IrutiIica a arvore dos Irutos da semelhança e da diIerença no uso da linguagem. A
doutrina do semelhante remete, portanto, a um suposto que inevitavelmente ja comanda o
acontecimento da compreensão e da Iala humana.
316
Uma circunscrição comandando processos e, ao mesmo tempo, oculta para a
propria compreensão, da noticias da sua existência pela sua aplicação pratica o que, por sua
vez, apresenta a diIiculdade da sua descoberta. A doutrina caracteriza-se por ser um
suposto conhecido pela sua aplicabilidade no decorrer de toda a compreensão, mas um
pressuposto desconhecido no que tange a sua origem e a sua justiIicação. A diIiculdade
que se apresenta e a do argumento circular, pois como pode a compreensão visualizar os
seus suportes a não ser por si mesma como compreensão ocorrente? E por essa razão que
logo na primeira Irase do artigo e mencionada a diIiculdade da compreensão do saber
oculto.
A compreensão que se da enquanto ja aplicação em percepção por semelhanças
deve procurar lançar o seu olhar não para semelhanças ja existentes, mas para o âmbito de
reprodução dos processos que as possibilitam e que de alguma Iorma esta oculto. O olhar
pode dirigir-se em primeiro lugar para a natureza, na qual e possivel perceber o
engendramento de semelhanças pelo mimetismo com que os organismos procuram
conIundir-se com membros de outra especie por motivos de adaptação e de sobrevivência.
E o homem, porem, 'que tem a suprema capacidade de produzir semelhanças¨. (GS II-1,
104). A produção de semelhanças pelo homem no sentido ontogenetico pode ser
identiIicada nas brincadeiras com que as crianças imitam pessoas em suas proIissões, bem
como 'moinhos de vento e trem¨. (Idem). Por que Iazem isso? Alguns indicios
Iilogeneticos na historia e no tempo presente podem dar uma ideia: antigamente o
raciocinio por semelhanças ocorria com muita Ireqüência como experiência de comparação
entre o macrocosmo e o microcosmo. Hoje, de Iorma inconsciente, os homens são
determinados de inumeras maneiras pela compreensão por semelhança, mas so se dão
contas de alguns casos, como, por exemplo, entre os rostos das pessoas.
Alem da inconsciência de agora condicionada pela naturalização que o processo
Iilogenetico impõe, ha que contar tambem com a possivel transIormação dessa capacidade
de produção compreensiva por mimetismo, e ate com o deslocamento da mesma de uma
area para outra, constituindo-se este mesmo deslocamento numa evolução bem
determinada. A capacidade de perceber correspondências magicas entre os Ienômenos
possivelmente soIreu uma metamorIose que a astrologia pode mostrar quando tenta pôr em
relação as constelações e a totalidade espiritual de um ser humano aninhando-o numa
totalidade cosmica. Rapido como o raio e no momento especiIico do nascimento de
317
alguem, o astrologo percebe semelhanças entre as constelações e conjunções dos astros,
ligando deste modo tal percepção a uma dimensão temporal e relacionando-a com a vida
Iutura do recem-nascido. Mas o que antes na historia era uma percepção sensivel pela
visão do olho primitivo, agora se deslocou para uma semelhança não sensivel, ou extra-
sensivel, no modo de prognosticar do astrologo, pelo Iato de ele não mais conseguir
perceber sensivelmente a semelhança entre uma constelação e um ser humano. O zodiaco
tornou-se um cânone de percepções não sensiveis a semelhança da linguagem. Benjamin
chama a atenção para o Iato de que 'apesar da precisão de todos os seus instrumentos de
observação, o astrônomo neste caso Iracassa¨. (GS II-1, 207).
O astrônomo esta reIerido as ciências empirico-analiticas em geral e em sua
atividade não pode valorizar uma impressão não sensivel, pois trata de ordenar os
Ienômenos da natureza exatamente pelas notas sensiveis dos objetos e Ienômenos em geral
para que possam ser percebidos adequadamente, calculados em sua trajetoria pela
matematica e relacionados ordenadamente pelos conceitos de causa e eIeitos. Todos os
seus objetos são por ele considerados em sua existência separada da consciência, que
utiliza instrumentalmente a linguagem e o calculo para a construção de uma representação
das movimentações exteriores. E como se tudo estivesse dividido em dois em que,
conIorme Descartes, uma res cogitans analisa, observa, calcula uma res extensa, a qual,
por sua vez, Iica a mercê de quaisquer manipulações para um determinado Iim.
Ja o astrologo não pode estar reIerido a estrita questão cientiIico-empirica, pois
elabora as suas soluções pela interpretação a base de esquemas que lhe Iora transmitidos
como signiIicação secular e os quais não se dispõe a reduzir a objetos para analise mais
acurada. O seu saber e instantâneo enquanto elocução de sentido sob o pano de Iundo de
sistemas de semelhanças sensivelmente percebidas em algum ponto da historia, mas que
agora se deslocam para a signiIicação não sensivel das palavras de diagnostico e
prognostico de acordo com a epoca do nascimento. A caracteristica da elaboração
astrologica e a suposição de que o ser humano na totalidade das suas maniIestações esta no
seio da natureza como sua igual recebendo as suas inIluências num grande encontro do
universo e, portanto, numa situação de dependência em tudo o que individualmente e e
Iara. Reportando-se a essa doutrina de semelhanças que uma vez eram percebidas como
marca sensivel entre astros e nascimento, o astrônomo produz semelhanças em seu
discurso interpretativo.
318
O conceito de semelhanças não sensiveis reIere-se, portanto, ao que na nossa
percepção sensivel não mais existe em reIerência a relação entre uma constelação e uma
vida humana, mas que permaneceu deslocando-se para a linguagem. Um modelo que
sempre estamos a utilizar e precisamente a linguagem, pois a parte sensivel do som das
palavras veicula a signiIicação de semelhanças, sem que, quem sabe, tenhamos ainda a
capacidade de nos aperceber desse Iato. E certo que a linguagem, 'como e evidente para os
mais perspicazes, não e um sistema de signos convencional¨ (GS II-1, 207) e, por isso, não
pode ser considerada como mero instrumento intermediario entre o homem e a natureza,
como ja Ioi sobejamente acentuado em A linguagem em geral e a linguagem dos homens.
Para acentuar esse encontro producente de semelhanças em que o homem se aloca no seio
da natureza percebendo-a como sua igual, Benjamin chama a atenção para as teorias
onomatopeicas, mas, conIorme diz, 'em sua Iorma mais crua e mais primitiva¨ (Idem). A
chave para a compreensão de que todas as palavras e todas as linguas são onomatopeicas
deve identiIicada no desaparecimento dessa percepção de modo cruamente sensivel e na
simultânea conservação dessas semelhanças por deslocamento esquecido na memoria dos
tempos. Descartando a ideia de que a linguagem seja um sistema arbitrario de signos,
podemos perceber a intenção subjacente de todas as linguas diIerentes de tornarem as
palavras semelhantes a algum objeto a Irente. Ordenando-as em torno de um signiIicado,
podemos perceber a intenção de cada uma das linguas em se tornar semelhante a ele, mas
agora não mais de modo sensivel e, sim, em sua signiIicação não-sensivel.
De acordo com Benjamin, esse movimento intencional ver-se-ia tambem na relação
entre a Iala e a escrita. Esta semelhança não-sensivel e a mais diaIana, mas, mesmo assim,
por mais diIicil que seja, deve manter-se a suposição da sua existência, pois em parte e
corroborada pelos indicios que a graIologia descobre, ao desvendar imagens e quebra-
cabeças que o inconsciente do autor deixa naquilo que escreve. 'Ao lado da linguagem, a
escrita tornou-se, assim, um arquivo de semelhanças não-sensiveis, de correspondências
não-sensiveis¨ (GS II-1, 213). Esta e precisamente a caracteristica magica da linguagem,
pois indica a ligação imediata e proIunda entre ela e a natureza a partir do que nomeia. A
contradição da linguagem pode ter o seu inicio exatamente nesse esquecimento do que ha
de magicamente semelhante entre palavra e coisa reduzindo a linguagem constantemente a
instrumento de comunicação. Uma vez havendo a contradição da linguagem Ieita pela
imbricação dessas duas dimensões, e possivel pensar que o lado semiotico esteja hoje
representando indiretamente a dimensão magica que alerta para o encontro de natureza e
319
homem pelo tornar-se semelhante. E por esse Iato que a dimensão semiotica pode ser
considerada como carregando imediatamente consigo a dimensão magica da linguagem,
sendo isso, porem, amiude esquecido nas proprias teorias da linguagem, as quais propõem
desde o principio a separação por representação, a divisão entre natureza e linguagem. A
concepção de Benjamin vai no sentido de compreender o semiotico carregando
internamente em si mesmo o lado esquecido, o lado magico da ligação por semelhança,
isto e, a dimensão semiotica alienada ja em si mesma seria expressão do esquecimento da
dimensão magica que em si sustenta.
Esse lado magico - se assim se quiser - tanto da linguagem como
da escrita nào acompanha de modo desconexo a outra dimensào,
ou sefa, a semiotica. Pelo contrario, tudo o que e mimetico na
linguagem e uma intençào fundada, que em geral so pode
aparecer em algo estranho, precisamente a dimensào semiotica,
comunicativa da linguagem enquanto a sua base. (GS II-1, 208).

O que se reputa como pura dimensão semiotica, na verdade seria o Iuncionamento
do codigo de semelhanças esquecido, que na velocidade do relâmpago Iaz a junção de som
de palavra e coisa. O deslocamento e a velocidade do processo impede de percebê-lo
sensivelmente a ponto de ha muito tempo estar automatizado levando aos enganos sobre a
signiIicação da propria linguagem. 'O aluno lê o abecedario e o astrologo lê o Iuturo nas
estrelas¨. (GS II-1, 209). No astrologo vislumbram-se ainda as duas dimensões
separadamente, mas no aluno e como se houvesse apenas a sinalização da escrita. A leitura
a partir dos astros, visceras e acasos pode ter sido a Iorma de leitura em tempos ancestrais
e, por algumas mediações, como e o caso das runas em sua escrita cheia de misterio, o
antigo talento ate clarividente da mimese, deslocou as suas Iunções para a linguagem numa
vagarosa evolução milenar. A linguagem, então, seria o meio no qual estão conservadas
estas capacidades de modo não-sensivel. 'Em outras palavras: escrita e linguagem são o
elemento a Iavor de quem a clarividência delegou as suas antigas Iorças¨. (GS II-1, 209).
Instantaneamente, como num raio, as semelhanças das coisas hoje relampejam
Iormando a semelhança entre coisa e palavra, tanto na leitura como na escrita. A leitura
somente semiotica, denominada proIana por Benjamin agora, deve dar-se conta da
dimensão magica que em si carrega.
O talento de ver semelhanças e decorrente da ancestral necessidade de tornar-se
semelhante e de se comportar assim. Essa capacidade era extremamente desenvolvida em
320
relação ao pouco que nos resta hoje em nosso mundo perceptivel sensivelmente, isto e,
perdemos a grande capacidade sensivel de perceber semelhanças e, por deslocamento,
substituimos a mesma pela Iala e pela escrita numa Iorma automatizada da linguagem dita
apenas semiotica.

8.1. Sobre a faculdade mimética

Nesse texto, Benjamin repete muito das Irases e dos pensamentos, mas promovendo
algumas acentuações a mais em relação a Doutrina do semelhante.
Primeiramente reIere-se ao mimetismo existente na natureza para logo em seguida
ressalvar que a maior capacidade em produzir semelhanças e a do homem. InIerimos logo
de inicio, portanto, que o homem não so percebe sensivelmente de modo passivo as
semelhanças ocorrentes na natureza, mas que ativamente nela inIlui produzindo
semelhanças, ou seja, o ser humano esta proIundamente relacionado a natureza com todas
as suas Iaculdades de percepção atentas as semelhanças que ela lhe participa, como
tambem ele ativamente interIere em seu curso nomeando semelhanças.
Esta capacidade, conIorme Benjamin, tem uma historia Iilogenetica e ontogenetica.
Pelo vies ontogenetico os brinquedos das crianças são elucidativos, pois demonstram
naturalmente a Iaculdade mimetica em seus brinquedos em que imitam seres humanos e
tambem arteIatos da civilização, como moinho de vento e trem.
Que proveito, porem, teria isso? A resposta esta no aspecto Iilogenetico da questão.
Em primeiro lugar, a lei da semelhança em tempos de antanho era muito mais abrangente
regendo microcosmo e macrocosmo e as correspondências naturais serviam
constantemente de estimulantes para a propria repetição no homem. Ao longo do tempo,
porem, a Iorça mimetica do homem como tambem os objetos se transIormaram, conIorme
se pode perceber na Iunção mimetica das danças que se metamorIosearam ao sabor dos
tempos, a ponto de tambem a capacidade de reconhecer semelhanças se modiIicou
enIraquecendo-se no seu sentido original. Pouco resta de semelhanças, correspondências e
analogias na cultura de hoje. Mas não signiIicaria isso uma transIormação por mero
deslocamento? Pela mediação da astrologia, das danças e dos ritos religiosos chegamos a
linguagem que e o local para onde tudo se deslocou e ainda com o acrescimo de produzir
321
semelhanças, com a diIerença de que tais semelhanças se tornaram não-sensiveis. A
linguagem de algum modo sempre esteve ligada a essa questão sem muita consciência
disso, o que nos indica a Iormação das palavras por onomatopeia. Benjamin repete os
argumentos e exemplos do artigo da Doutrina do semelhante, que são os das palavras de
diversas linguas que tentam assemelhar-se ao objeto em torno do qual se encontram, e da
graIologia com a sua capacidade de descobrir imagens do inconsciente do escritor.
Tambem a relação entre a dimensão de semelhança não-sensivel com a dimensão semiotica
da linguagem e abordada, mas por outro exemplo:
Pelo contrario, todos os elementos mimeticos da linguagem
podem apenas aparecer semelhantemente a uma chama numa
especie de portador. Esse portador e o semiotico. Assim, a
conexào de sentido das palavras ou frases e o portador em que,
como um raio, as semelhanças aparecem. (GS II01, 213).

Como a dimensão semiotica não pode ser apenas um sistema de signos, mas deve
incluir a semelhança percebida como recado da natureza e ao mesmo tempo a capacidade
da mesma linguagem em produzir semelhanças, mesmo que esse vies seja sensivel e esteja
esquecido como semelhança não-sensivel, pode-se imaginar uma imbricação, ou ate
amalgama, em que o primeiro a aparecer e o portador semiotico para deixar que o segundo,
a chama apareça como recordação, ou como aura, apesar de Benjamin nesse texto não
Iazer esta identiIicação. 'Ler o que nunca Ioi escrito`. Essa leitura e a mais antiga¨. (GS II
-1, 213). A linguagem como a mais alta expressão do comportamento mimetico e o mais
perIeito arquivo de semelhanças não-sensiveis.
Desse modo a linguagem seria o mais alto grau de
comportamento mimetico e o mais perfeito arquivo da semelhança
nào-sensivel. um meio para o qual sem resto as antigas forças da
produçào e da percepçào mimetica transmigraram ate
conseguirem liquidar a percepçào da magia.(GS II-1, 213).

Na linguagem Ialada e escrita e possivel ouvir e ver de Iorma não-sensivel toda a
sensibilidade havida desde sempre. Alem de todos os aspectos de produção de
objetivações, a linguagem e tambem o local e a ocasião da recordação. A contradição da
linguagem retoma constantemente os seus direitos no surgir do esquecimento das duas
dimensões da linguagem, mas se aquieta contemplativamente quando emerge a recordação.
A chama da magia da linguagem possibilita o vislumbre das imagens que se tornaram
sonoras. O nome continua sendo uma transposição tradutora da linguagem muda das coisas
322
para a linguagem humana com a complementação do envolvimento direto de um encontro
em que ambos se identiIicam, e o mesmo, isto e, Iormam uma ideia que o encontro
conIigura. O acontecimento do encontro, porem, e sempre imponderavel no aIã da vida,
mas pode ser preparado e esperado na escuta silenciosa e atenta do dito e do dizer, pois ele
se da precisamente na compreensão do homem desse acontecer.
Como ja havia sido a opinião expressa na 'Origem do drama barroco¨, na
recordação se torna possivel perceber o nome das coisas, uma participação imediata, mas
inacessivel ao entendimento objetivador. A percepção da participação se aloca e se
deposita na memoria como que entrando pela porta dos Iundos da consciência para aIlorar
em determinado momento enquanto recordação. A recordação neste processo recebe a vida
vivida em imagens, precisamente o teor do que ja Ioi elaborado e que no momento presente
se reveste de um imenso signiIicado.
Assim os cortes no fundo de um prato de estanho narram a
historia de todas as refeiçòes em que esteve presente, e do mesmo
modo a forma da cada regiào contem, a formaçào das dunas e
rochedos, com escrita natural a historia da terra, cada seixo
arredondado que o oceano expele, ela iria narrar a uma alma,
que nele estaria tào acorrentada como a nossa no nosso cerebro.
Di:-se que consta em Lichtenberg, Escritos I p.223.
Certo e que a infancia assim nos acorrenta as coisas. Sim, talve:
ela atravessa o mundo das coisas em estaçòes de uma viafem, de
cufo tamanho nào temos nem ideia. Nào poderia ser que ela inicia
pelo mais distante? (GS JII, 792).

Alma e cerebro acorrentados dão a medida da compreensão de Benjamin, que ele
corrobora na sua citação, de que mundo e o eu, ou o si mesmo permanecem unidos. A
recordação da experiência da mais tenra inIância põe diante dos olhos do homem a
percepção da sua mutua dependência. Essa compreensão e tambem a concepção
Iundamental da experiência que traz a luz uma unidade relacional superior a mera
separação de sujeito e objeto, pois as coisas na recordação Iormam uma condição de teor
inteligivel que não pode ser atribuido a atividade produtora do sujeito da consciência. A
inIância e a vida que no presente se oculta de modo Iragmentado deixando rastros na
memoria. A citação de Lichtenberg tem o sentido de atribuir o teor da vida as imagens em
recordação, pois na sua imediação não se constituem como apenas metaIoras, mas Ialam
por si mesmas na linguagem que as reconhece. A propria linguagem traz consigo as coisas
de Iorma transIormada: precisamente em linguagem humana, que não e instrumento, mas
323
ja nova participação no todo que tudo supõe. Imagens de experiências de unidade
recordadas transIormam-se, portanto, em linguagem sonora com um signiIicado não
primeiramente comprometido com proposições de objetivação para separação de sujeito e
objeto. Trata-se da recordação de se estar acorrentado as coisas como a alma esta
acorrentada ao cerebro: e a Iaculdade de se tornar semelhante. O saber oculto, que o
semelhante abriga, igualmente não e acessivel ao simples entendimento intencionalmente
articulador, pois ele indica precisamente o saber oculto que so se desoculta pelo clarão do
relâmpago da recordação ligando presente e passado distante, mas contido no atual. Por
isso e que Benjamin aIirma que 'trata-se, porem, de chegar a tal conhecimento menos pela
prova de semelhanças encontradas, mas mais pela reconstituição de processos, que
produzem tais semelhanças¨. (II-1, 204). A semelhança e assim uma Iorça objetiva que na
sensibilidade e percebida de modo imediato e que se transIere, preservando-se, como ja
visto, na linguagem de maneira não sensivel. Sendo uma Iorça objetiva que envolve o
sujeito e o objeto, tambem por isso o encontro na semelhança não pode ser atribuido a uma
consciência que a tivesse ao seu dispor na linguagem. A indicação da contradição da
linguagem novamente se Iaz ver sob este aspecto, ou seja, de que a linguagem em sua
magia mimetica liga-se ao nome, e o seu lado semiotico a objetivação separada. Poder-se-
ia perguntar sobre como se da a tradução do nome elaborado nas coisas para a linguagem
dos homens, isto e, sobre como se da a percepção da linguagem das coisas. A resposta
seria exatamente a mesma de sempre, ou seja, de que nessa questão Iundamental não se
trata de consciência que explicasse, mas precisamente de uma Iaculdade que, alem de ser
Iatica, e a suposição da unidade primordial, que tanto se impõe pela impossibilidade de
Iundamentação por causa e eIeito, quanto pelo acontecer sempre emergente de uma
totalidade que assim se expressa e que se da no vislumbre da recordação Iazendo-se sonora
na linguagem.
Na semelhança e a totalidade da vida que de Iato se mostra, a unidade do eu com o
mundo, a que a pretensão de objetivação esta na contramão. A curiosa pretensão
costumeira de objetivar a semelhança Iorçada no rito das IotograIias de documentação de
idade produz um sentimento de agonia, estranheza e mal-estar:
O talento que possuimos de enxergar semelhanças nada mais e do
que um rudimento fraco da antiga e poderosa coaçào de se tornar
semelhante e se comportar como tal. Ainda os nossos pais a
exerciam sobre nos. Nunca de forma tào penosa como funto ao
fotografo. (GS JII-2, 793).
324

Forçar a semelhança programaticamente produz precisamente a sensação contraria
da unidade com o derredor. Mesmo assim, porem, uma IotograIia tirada a contragosto na
inIância possibilita a recordação de deslocamento ou ate desIiguração a que se estava
sendo empurrado em direção da vida adulta e do esquecimento. O teor da vida vivida
permanece de qualquer maneira na IotograIia pela recordação de quem a vê, trazendo a
memoria a unidade de vida que em grande parte se perdeu. A recordação não e, pois, um
ato intencional e voluntario, mas depende de novo das correspondências que se Iormaram
entre o presente e o passado, pois so agora no presente o adulto compreende todo o
signiIicado que as coisas do passado lhe conIiaram participando ativamente da sua vida.
Na recordação, porem, as coisas estão em Iorma de linguagem e não mais como eram em si
mesmas. Em Escavar e lembrar de Imagens de pensamento Benjamin da uma ideia da
relação entre recordação e linguagem:
A linguagem inequivocamente estabeleceu que a memoria nào e
um instrumento para a averiguaçào do que passou, mas antes um
medium. Ela e o medium do vivido como a terra e o medium em
que as velhas cidades se encontram soterradas. Quem procura
aproximar-se do seu proprio passado soterrado, deve proceder
como um homem que cava. Antes de tudo nào deve recear de
novamente sempre voltar para o mesmo estado das coisas
espalha-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o
solo. Pois estados de coisa nada mais sào alem de camadas que,
pela cuidadosa pesquisa, entregam [extraditam] aquilo que
recompensa a escavaçào. A saber, as imagens que desprendidas e
soltas de todas as conexòes mais primitivas, encontram-se como
preciosidades nos recintos austeros da nossa compreensào
posterior como torsos na galeria do colecionador. E certamente
e util proceder na escavaçào de acordo com planos. Mas mesmo
assim e imprescindivel o corte da pa cuidadoso e tateante na terra
escura. E logra a si mesmo quanto ao melhor aquele que apenas
fa: o inventario dos achados e nào consegue indicar o local exato
no solo de hofe, no qual ele conserva o antigo. Assim verdadeiras
recordaçòes devem proceder muito menos informativamente do
que indicar exatamente o lugar em que o pesquisador delas se
apoderou. No sentido rigorosamente epico e rapsodico, a
recordaçào deve dar ao mesmo tempo uma imagem daquele que
se recorda, como um bom relato arqueologico nào so deve indicar
as camadas, das quais os seus obfetos descobertos provêm, mas
antes de tudo aquelas que era necessario atravessar antes. (GS
IJ-1, 400).

Na citação Benjamin novamente indica as duas dimensões da contradição da
linguagem. Estados de coisa, Iatos em geral, são conteudos de conhecimento objetivaveis
325
que aquele que se lembra ainda pode manter como objetos como se Iossem externos num
sentido proposicional. Mas ha uma outra Iorma de saber ligada a linguagem que e
exatamente o tesouro da escavação e que não contem conhecimentos objetivaveis. Esse
saber não podendo ser transmitido pela linguagem de modo proposicional esta, contudo,
nela oculto. Os objetos lembrados estão agora no meio da linguagem, mas não no estatuto
de objetos e, sim, no modo de construções signiIicativas que são os nomes. O
comportamento mimetico primeiramente se apresenta como Ienômeno na criança, a qual
percebe a sua imediação na unidade de si mesma e todas as coisas. Posteriormente essa
experiência de semelhança e transIormada para aIlorar no medium da linguagem enquanto
saber não proposicional em Iorma de recordação. A experiência de semelhanças que se deu
e que permanece indelevel, mas oculta sob as camadas de sentido ja articulado ao modo de
proposição, so pode aparecer indiretamente a consciência e ao arrepio das suas intenções e,
como ja vimos, 'A sua percepção em todo o caso esta relacionada a uma relampejar. Ela
passa Iurtivamente, e talvez possa ser recuperada, mas não pode propriamente ser captada
como outras percepções¨. (GS II-1, 206). Bem mais tarde, nos apontamentos para o seu
trabalho sobre as passagens da cidade de Paris Benjamin assim se expressa, demonstrando
que a contradição da linguagem aIlora em cada uma das suas abordagens:
O que diferencia as imagens das essências da fenomenologia e o
seu indice historico. (Heidegger procura inutilmente salvar de
forma abstrata a historia para a fenomenologia por meio da
historicidade). Estas imagens devem ser absolutamente separadas
das categorias 'cientifico-espirituais`, do assim chamado habitus,
do estilo, etc. E que o indice historico das imagens nào apenas di:
que elas pertencem a uma determinada epoca, mas antes de tudo ele
di: que elas apenas num determinado tempo chegam a legibilidade.
E, com efeito, esse chegar 'a legibilidade` e um determinado ponto
critico do movimento em seu interior. Todo o presente e
determinado por meio daquelas imagens que com ele sào
sincronicas. todo agora e o agora de uma determinada
reconhecibilidade. Nele a verdade esta carregada de tempo a ponto
de ruptura. (Este rompimento, nada alem, e a morte da intentio,
portanto, a morte que coincide com o nascimento do genuino tempo
historico, o tempo da verdade). Nào e assim que o que passou lance
a sua lu: sobre o atual, ou o atual lance a sua lu: sobre o que
passou, mas imagem e aquilo em que o fa sido reune-se qual
relampago com o agora numa constelaçào. Em outras palavras.
imagem e a dialetica em repouso. Pois, enquanto a relaçào do
presente com o passado e puramente temporal, a relaçào do fa sido
com o agora e dialetica. nào de nature:a temporal, mas imagetica.
Apenas imagens dialeticas sào genuinamente historicas, isto e, nào
imagens arcaicas. A imagem lida, isto quer di:er. a imagem no
agora da reconhecibilidade tra: no mais alto grau o carimbo do
326
momento critico, perigoso, que esta na base de todo o ler. (GS J-1,
577).
Nào e assim que aquilo que passou fogue a sua lu: sobre o presente
ou que o presente fogue a sua lu: sobre o que passou, mas imagem e
aquilo em que o que passou se reune com o agora, como um raio,
numa constelaçào. Em outras palavras. Imagem e a dialetica no
repouso. Pois enquanto a relaçào do presente com o passado e
puramente temporal, continuado, a relaçào daquilo que foi com o
agora e dialetica. nào e percurso, mas imagem, de modo brusco.-
Apenas imagens dialeticas sào autênticas (isto e, nào arcaicas)
imagens, e o lugar em que sào encontradas e a linguagem. (GS J-1,
576-577).





































327



9. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM EM APLICAÇÄO: FRANZ KAFKA.


O presente estudo trata de Fran: Kafka, artigo em que Walter Benjamin procura
identiIicar no texto do escritor o pano de Iundo da contradição da linguagem. O artigo
sobre Franz KaIka Ioi escrito entre maio e junho de 1934 e encontra-se em GS, II-2, 409-
438.
Potemkin. O que poderia signiIicar a narrativa de Benjamin sobre o primeiro
ministro da Russia, Potemkin, que soIria de depressões tão graves a ponto de não
despachar por longos periodos para o desespero dos outros Iuncionarios do governo?
Chuvalkin, um Iuncionario subalterno, consegue que Potemkin assine em gestos absortos e
maquinais a totalidade dos papeis, mas, para o desespero de todos, veriIicam depois todos
que Potemkin assinara trocando o seu nome pelo do subordinado Chuvalkin.
No inicio, a primeira leitura, a narrativa parece não render sentido algum. Mas ha
uma possibilidade quando se leva em conta o conjunto do texto. Potemkin e o prototipo do
anão teologico a sustentar uma imensa maquina administrativa, ele e todo poderoso
Iuncionario e guardião dos criterios dos deuses, e simbolo e Iundamento da movimentação
das aplicações pela maquinaria que determina de modo basilar a compreensão existente e o
ordenamento da vida. Ele e a Iigura que, como parte do Iundamento responsavel pela
aplicação e justiIicação da ordem geral, por vezes entra em depressão e, então, como
resultado disso, deixa de despachar suspendendo a sua Iunção de criterio e justiIicativa
para toda a processualidade social repetitiva e rotineira. Na sua situação de depressão e
melancolia, em que se pergunta pelas condições, sentido e razão de ser da maquina,
Potemkin sabe perceber muito bem que a totalidade Iunciona com o apoio das suas partes,
estas representadas por todos os outros Iuncionarios que entendem a crise do cheIe no
comando e do todo com ele comprometido. Ele tambem sabe de Chuvalkin que este ainda
permanece na continuidade do costume e do uso do criterio de sempre, exigindo que o
mesmo continue a Iuncionar normalmente. Chuvalkin e daqueles que não chega nem a
328
lembrar da possibilidade da pergunta por justiIicação e validade do existente, e não
consegue entender o acontecimento da duvida sobre os criterios com que a maquina
administrativa, da qual e parte integrante, costumeiramente Iunciona. Para ele a maquina e
a mesma de todos, e quem assina os despachos que direcionam os processos praticos e
compreensivos deve Iazê-lo necessariamente de acordo com o costume. Nem de longe
Chuvalkin vislumbra qualquer duvida assim como Potemkin a soIre. Em sua ingenuidade
natural, ele exige que o criterio da hierarquia seja preservado e cumprido sem qualquer
hesitação mesmo nas brumas de uma melancolia depressiva, a qual põe em duvida o
sistema que assegura a cada um a sua Iunção social.
Assinando o nome de Chuvalkin, Potemkin responsabiliza-o pela crença no
Iundamento que ele mesmo representa. Potemkin da uma lição a todos, mesmo aos outros
Iuncionarios que em ansiedade aguardam e depois se desesperam com a troca de nomes. E
nisso Potemkin tem razão, pois os Iundamentos de qualquer crença compreensiva em
Iuncionamento pratico são postos pelos que por eles agem em aplicações Iuncionais
diversas. A objetivação original e doutrinaria pela entronização da divindade justiIicadora
e requerida pela totalidade dos Iuncionarios mesmo que entendendo a crise da sua
justiIicação e, muito mais por Shuvalkin, que continua na situação constrangedora de uma
positivação ingênua, sem sequer imaginar que possa haver duvidas quanto a sua crença.
Potemkin, na narrativa, da a sua lição a todos assinando os papeis com o nome de
Chuvalkin e, com isso, identiIicando-se com ele, pois no Iundo ele sabe que ambos são o
mesmo na perspectiva do estado e na dimensão da duvida e da reminiscência quanto a
precariedade da justiIicação da maquina em Iuncionamento, isto e, de tudo o que esta a
acontecer, mas que apenas na eIetividade objetivada da contradição da linguagem não
podem trocar de Iunções. A maquina em posição de exercicio aplicativo, que todos são
enquanto compreensão concreta, não desiste da sua objetividade Iuncional. A precariedade
da justiIicação do sistema mostra-se quando as convicções são abaladas pela pergunta
sobre o sentido da sua legitimidade, validade e razão de ser.
Na narrativa, portanto, Potemkin como primeiro ministro encarna a imagem do
Iundamento para a justiIicação de toda a compreensão administrativa do reino
compreensivo. Se aquele que representa o Iundamento entra em depressão, toda a
maquinaria administradora da vida tambem para. A crise do Iundamento aIeta a todos os
que de algum modo estão envolvidos como Iuncionarios atentos a maquina que despende
329
vida organizada administrativamente, menos alguns incautos, estes por sua vez conIiantes
na eternidade da eIiciência da imagem decisiva subjacente.
Benjamin explica: 'O zeloso Chuvalkin, para quem tudo parece tão Iacil e que
acaba voltando de mãos vazias e K., de KaIka¨. (GS II-2, 410). Em ultima analise entende
que Kafka pode ser identiIicado com Chuvalkin, porem, enquanto alguem que percebe ser
administrado e comandado por seres todo poderosos, instalados nos sotãos da
compreensão, juizes invisiveis de sistemas encastelados que por vezes parecem aIundar
quando descobertos, mas que a toda hora podem ressurgir na plenitude do seu poder. A
vida, bem como todas as coisas na expressão de sua organização Iuncional noticiam a
ordem imposta desde a distância dos tempos de esquecimento. Tais seres parecem estar
constantemente cansados pelo trabalho de sustentação a que estão obrigados, isto e, a
sustentação do cotidiano em todas as suas circunvoluções de repetição possivel. Eles estão
presentes nas palavras e nos gestos mais ordinarios do dia a dia, os quais, por sua vez, tem-
nos por base incorporada ao seu movimento e geralmente invisivel por Ialta de atenção. E
para a compreensão desses dados que Benjamin relata a opinião de Lukacs, do qual aIirma
que pensa em periodos historicos: 'para construir hoje uma mesa decente e preciso dispor
de gênio arquitetônico de um Miguel Ângelo¨. (GS II-2, 410). De acordo com a
sensibilidade de hoje, uma mesa exige a expressão da positivação estetica dos gênios do
passado que assim nela estão presentes. Em vez de calcular apenas periodos historicos
como Lukacs, KaIka contaria com a presença de periodos cosmicos: 'Caiando um pedaço
de parede, o homem precisa pôr em movimento periodos cosmicos¨. (GS II-2, 410). Isso
signiIica que em qualquer gesto, mesmo na inconsciência de um agora eIetivo, ha o
comprometimento com criterios, deuses, mitos e Iormas ancestrais que reivindicam a sua
sobrevida eternizando-se no mascaramento das repetições concretas do que vem a ser
considerada a realidade positiva.
Lukacs pensa em apenas periodos historicos, porque esta reIerido ao regime de
explicação pelas categorias de causa e eIeito para a compreensão competente e normal de
uma historia linear em processo, ou ainda, comprometido com justiIicações para o acerto
do dizer teorico por meio da produção de evidências de acordo com pressupostos
esquecidos, mas que, sem duvida, são elementos de relação da totalidade que supõe,
totalidade objetivada por discurso proposicional. KaIka, por sua vez, pensa em periodos
cosmicos, porque torna presente, justapõe, contrapõe e põe em seqüência principios
330
arcaicos embutidos na linguagem e nos gestos contemporâneos. Mas esses principios não
estão so embutidos como algo a mais, mas ele os vê como comandos em ação na
Iragmentação multiIacetada dos comportamentos atuais ativados em compreensão pela
linguagem que a tudo carrega. A racionalização apenas escamoteia arcaismos, que no sabor
do envolvimento com a luta pela conservação de posições atuais, são esquecidos. A propria
luta e esquecida pelo Iato de que e justiIicada pelo processo racionalizado em que o mero
aspecto teleologico a procura do sucesso na implementação prevalece, mesmo quando se
apresentam razões subjacentes e ordenadoras primordiais intentando a sua negação. As
razões teleologicas dirigidas a um Iuturo distante e apenas conIessadas superIicialmente,
por sua vez, escamoteiam seu comprometimento imediato com causas que as acompanham
como arcaismos, ou são representações e disIarces dos mesmos.
Os pais são os representantes presentes mais imediatos das mencionadas Iorças
cosmicas e arcaicas em ação concreta, e precisamente essa proximidade diIiculta a
identiIicação pela naturalidade com que as suas determinações se apresentam na rede
tecida da compreensão geral no uso rotineiro. São terrivelmente eIicientes.
Benjamin chama a atenção para o relato de KaIka sobre o gesto do Iilho ao querer
cobrir o pai na cama com a coberta no intuito de o tranqüilizar. O pai, completamente
possesso, não aceita de modo algum esse gesto condenando o Iilho ao aIogamento. O pai
repele com a coberta o Iardo do mundo.
Como se 'repele o Iardo do mundo?¨ (GS II-2, 411). Repelindo o Iardo das
cobertas com que o Iilho o quer proteger. Com a proteção, o pai entende que o recado do
Iilho e o de que todo o esquema, o sistema e tudo o que Ioi, e agora apenas parte do
passado irreversivel, pertence a antiga geração do pai que e agora objetivado e identiIicado
exatamente como parte de toda a obra esquematica e sistematizada. O Iilho impinge
responsabilidade ao pai por tudo o que Ioi dito e Ieito como se ele, como Iilho, pudesse
livremente objetivar separando a sua propria pessoa da construção compreensiva que esta a
elaborar. O pai percebe que deste modo o Iilho quer liquida-lo como inIluência essencial e
continuada de si mesmo para todo o sempre numa objetivação historicista. O mundo e o
Iardo da compreensão objetivada e tal Iardo do mundo assim percebido, explicado e
repassado e a coberta, a cobertura velada que o pai não quer aceitar. O Iilho, ao cobrir o
pai, tenta na objetivação aIastar e eliminar a inIluência do pai, o mundo do pai, a genetica
cultural milenar. Mas não e possivel cobrir, renegar, reprimir de todo o pai, pois ele sempre
331
e uma Iorça na compreensão Iora do alcance do seu poder de a eliminar. O Iilho nele deve
perceber-se afogado, como, alias, na narrativa de KaIka o Iilho realmente corre em pânico
apos a reprimenda e se aIoga, curiosamente saltando da ponte, local sempre aludido como
oIerta simbolica de ligação entre margens separadas e limites interpostos.
'O pai e a Iigura que pune¨. (GS II-2, 412) e tal aIirmação indica as diretrizes
implantadas na consciência do Iilho e que inevitavelmente o determinam. O pai e a
sinalização da totalidade da compreensão do Iilho. O Iilho, conIorme diz o pai, e inocente,
mas a verdade mais proIunda e que ele se constitui num ser diabolico que constantemente
procura instituir a alternativa de si pela objetivação do passado, seja de que modo Ior. O
pai pune pelo Iato de praticar o mesmo que quer negar ao Iilho: a separação de vida e obra.
'A culpa os atrai¨ (GS II-2, 412), ou seja, os Iuncionarios da justiça e os pais nunca
permitem a separação que os Iilhos procuram Iazer quanto ao processo proposicional
intentando indicação Iora da linguagem e do acontecer. As rotas ja estão predeterminadas e
a navegação por desvios em caminhos de Iuga e proibida. Não e possivel a separação
unicamente objetiva de vida e obra, pois ambas estão vinculadas como expressão mutua
como no caso da linguagem: a objetivação não pode jamais chegar ao estatuto de
independência do seu proprio acontecer.
O pai produz a objetivação de si no Iilho procurando aIoga-lo por identidade
absoluta, por extensão, por Iormação de copia. No exemplo classico da narrativa de
Gênesis tambem entre Abraão e Isaak periodos cosmicos entram em choque. O normal
seria a morte de Isaak em sacriIicio ao deus da objetivação identiIicante, ja que a
construção objetiva de Abraão e seu Iilho Isaak que assim seria anulado em sua maldade
de ediIicar a alternativa objetiva de si. Abraão, em vez disso, anulou a sua imagem
objetivada como construção, ou seja, a compreensão da posse como possibilidade, ou
ainda, a separação do Iilho como simples obra objetivada e não acontecimento de si
mesmo.
A culpa os atrai, porque ninguem melhor do que eles conhece a culpa da
objetivação. Matar a imagem do carneiro em si mesmo num sacriIicio em Iavor da vida do
Iilho que expressa o seu proprio acontecer e para muito poucos. O sistema vigente
patriarcal aIoga, mata, e queima milhares de Iilhos culpados em todos os acontecimentos
tendentes a inovações sem a descoberta do pai: pai descoberto e, por sua vez, pai posto e
indiciado como a propria agua em que o Iilho se percebe aIogado. Pai em processo de
332
cobertura e sistema religioso em vigência de solidiIicação sem a abertura para o choque
inevitavel e o pressentimento do sacriIicio sempre iminente. O Iilho que consegue encobrir
o pai para acalma-lo, sem que este se revolte, esta a institui-lo a socapa erigindo-o como
determinante em todos os seus gestos de vida. O Iilho que consegue cobrir o pai
objetivando-o não pode ouvir a revolta do mesmo descobrindo-se para a sua propria
descoberta de, exatamente, Iilho a se aIogar no pântano da tradição.
Como Abrãao substitui a morte do que considera a sua construção objetivada, que e
seu Iilho, pelo carneiro, para que Isaak seja compreendido como expressão inevitavel de si,
assim o pai de KaIka revolta-se com o gesto de objetivação encobridora do Iilho Iazendo
com que entenda que com isso seria precisamente sacriIicado na inconsciência do processo
de que e vitima.
O que resta? Resta o rito da liquidação da separação entre agente e objetivação. O
carneiro e a imagem do poder incondicional e inevitavel que se estabelece na relação entre
pai e Iilho, entre homem e tradição. De qualquer modo 'O pai sobrevive as custas do Iilho
como um parasita¨. (GS II-2, 412). 'Nunca os Iilhos viram o local da luta surda que os
Iilhos encetaram contra os pais¨. (GS, II-1, 91). Não ha como desligar o acontecer da
reivindicação dos ancestrais nos Iilhos de agora, conIorme Benjamin tambem explica na II
Tese de Sobre o conceito de historia (GS I-2, 691):
'Um dos traços mais surpreendentes da alma humana, ao lado de
tanto egoismo nos detalhes, e a inapetência de todo e qualquer
presente relativamente a seu futuro`. Essa reflexào de Lot:e nos
leva a perceber isto. a imagem de felicidade que acalentamos e
inteiramente marcada pelo tempo ao qual nos remeteu
inapelavelmente o curso da nossa propria existência. A felicidade
que nos poderia apetecer existe apenas na atmosfera que fa
respiramos antes, funto a pessoas com quem poderiamos ter
falado, a mulheres que se poderiam ter doado a nos.Em outras
palavras, na imagem da felicidade vibras, inseparavel dela, a
representaçào da libertaçào. Da-se o mesmo com a concepçào de
passado que a Historia constitui. O passado leva consigo um
indicador que o fa: referir-se a libertaçào. Nào somos nos
bafefados por um sopro do ar que envolvia os antigos? Nào soa
nas vo:es a que damos ouvidos o eco dos agora fa emudecidos?
Nào têm as mulheres que cortefamos irmàs que nào chegaram a
conhecer? Se assim e, ha um compromisso tacito entre as
geraçòes passadas e a nossa geraçào. Entào, fomos esperados na
Terra, entào, foi-nos atribuida, como a cada uma das geraçòes
anteriores, uma debil força messianica, força essa que o passado
reivindica. Nào e facil desembaraçar-se dessa reivindicaçào. O
materialista historico sabe disso.
333
O passado acompanha-os passo a passo com todos os seus rastros que aqui e ali
reconhecem e então percebem que o são. Ha um constante processo de pendência e queda
no que se denomina pecado original como positivação desmembrada da obra que o homem
e quando pendura partes dela em cabides Iantasmaticos que lhe parecem sustentar a ilusão
de uma separação objetiva pela contradição da linguagem, alem de espelharem o
esquecimento da ocorrência que esta a ser. Pecado, culpa, castigo e acusação Iormam o
circulo de um processo sempre pendente no âmbito do esquecimento da contradição da
linguagem.
O mesmo raciocinio se desloca para a questão do pai como Iuncionario
representante de deuses e Iundamentos desconhecidos. O pai e primeiramente semelhante a
Potemkin que e capaz de se ver representado na assinatura de Chuvalkin, e este, por sua
vez, e semelhante ao Iilho que permanece no sistema tentando encobertar a verdadeira
tareIa de Potemkin. De Iorma alguma Chuvalkin deixara de cumprir a sua Iunção social
determinada ha muito tempo: exigira que a maquina Iuncione conIorme o desde sempre
combinado, para o que e necessario o encobrimento. Potemkin em sua depressão da o
recado inverso, isto e, de que sempre Chuvalkin Iara parte da maquina não se deixando
nunca cobrir de todo com o manto da objetivação: a maquina e enquanto atividade de
relação da totalidade dos que nela são, crêem e assim compreendem.
A administração e a Iamilia têm contatos multiplos. Trata-se das decisões numa
administração nesses periodos cosmicos, nessas paragens que nunca desaparecem. As
decisões são timidas, isto e, nunca são compreensões com movimentos bruscos capazes de
interIerir no processo, talvez ate interrompendo-o. As decisões são burocratizadas e
prestam-se a tudo como as moças devassas descritas em O castelo de KaIka. Figuram o
leque de possibilidades previstas na propria burocracia milenar, que inclui o envolvimento
sentimental e sexual, a sua construção e posterior Iuncionamento. As decisões cosmicas
envolvendo milênios são encontradas a todo o instante em seu caminho. Em vão tenta
salvar-se. No castelo as prostitutas não são belas, pois desde sempre elas Iazem o jogo do
sistema adaptando-se a qualquer inovação programada em termos de objetivação: elas são
o cotidiano costumeiro articulado numa linguagem em uso. Ao contrario disso, belos são
sempre os acusados. Os acusados são sempre aqueles que querem desvendar e com isso
interromper o sistema em seu Iluxo dando noticias de possibilidades alem dele e, assim,
pondo em perigo os esteios da totalidade reduzida em que o proprio sistema se
334
Iundamenta. 'So pode ser o processo movido contra eles, que de algum modo adere ao seu
corpo¨. (GS, II-2, 413). Os acusados são sempre simultaneamente acusadores, pois não se
adaptam a redução de vida imposta e, assim, são tambem arautos da beleza que e
precisamente a sua verdade em ação e que advem dando noticias de mais alem do que a
mera repetição que o cotidiano impõe. Acusados por suas ações, eles no Iundo perguntam
por Iundamentos distanciando-se do automatismo com que os mesmos Iuncionam
praticamente e se indignam, são outsider, diIerentes de uma massa obedecendo a
comandos gerados por criterios que desconhece.
Quem alguma vez vislumbrou um mundo alem da transparente administração geral
não mais consegue voltar impunemente ao imediato do exercicio de aplicação das ações
burocratizadas, pois a mudança e Iatal. A visão dos objetos relacionados desmantela-se
espalhando os mesmos pelo chão e a emergência da melancolia não permite qualquer
esperança em Ielicidade programada, mas apenas o sentimento de uma novidade de antigos
comandos presentes ja ha muito tempo, porem, raramente entrevistos, pois a imersão na
aplicabilidade dos mesmos ja substituiu a vida e instaurou uma compreensão automatizada.
A esperança de absolvição não constitui esperança alguma, mas talvez maior tedio e
sentimento de impotência Irente a Babel em construção. 'Nenhuma esperança aos
acusados, mesmo quando subsiste a esperança de absolvição¨ (GS II-2, 413): isto quer
dizer que mesmo quando absolvidos, Iatalmente continuarão culpados e acusados por se
situarem numa circunscrição a qual não mais podem voltar e a ela pertencer.
Benjamin menciona que KaIka disse a seu amigo Max Brod: 'Somos pensamentos
suicidas que surgem na cabeça de Deus¨. (GS II-2, 412). A pergunta por Iundamentação
indica a crença de que Iundamentação e possivel e isso sempre e exercitado nas
proposições da linguagem. Mas sabe-se que ao mesmo tempo a Iundamentação posta nem
de longe atende a todas as questões, perguntas e duvidas, e que a investigação continuada
na busca de Iundamento mais proIundo deve acontecer simultaneamente, proibindo a
decisão deIinitiva em Iavor de qualquer um deles para justiIicar um determinado sistema.
Cavoucamos sem parar e sempre encontramos apenas a nos mesmos que nos expressamos
na procura por Iundamentação: somos eternos retirantes do nosso chão. E nessa conclusão
qualquer divindade desaparece porque tem de desaparecer: o seu estatuto e o de procurada
por alguem que precisamente pela procura se deIine e nesse aIã nunca podera encontra-la
objetivamente, ja que agora sabe que a queda e exatamente a objetivação do que jamais
335
podera ser objetivado. Mas como podera não se Iazer parte do chão em que sempre de
algum modo se esta a acontecer? 'No Gênio Deus Iala e escuta a contradição da
linguagem¨ (GS II-1, 9) enquanto somos pensamentos suicidas na sua cabeça Iazendo
parte dele, mesmo numa compreensão itinerante. Por isso, 'Ha esperança inIinita, mas não
para nos¨. (GS, II-2, 412). A esperança e para aqueles que ja sabem o que podem esperar e
crêem de acordo com um Iundamento posto e que lhes parece inquestionavel. Mas para
quem se tornou migrante contestando em seu aIastamento compreensivo qualquer
circunscrição Iixa, acusado de destruir todos os Iundamentos e, alem de tudo, ainda vive ao
sabor da burocracia instituida, não ha esperança alguma. Ha tanto tipo de esperança quanto
o numero de Iundamentos ja postos e praticados, mas para quem chegou ao Iundo do poço
da melancolia e vê todos os ordenamentos como apenas jogos acirrados com regras
impostas como vida, resta apenas a atitude da visão dos objetos dispersos do anjo
melancolico de Duerer. Max Brod na citação de Benjamin chega a ideia de que o mundo e
o pecado original de Deus, ou seja, se tudo e visto a partir do ponto de vista ingênuo de
uma criação objetivada dele separada, então, ele mesmo e a propria contradição. Mas Brod
não percebe que essa solução e precisamente a objetivação dele mesmo na contradição da
linguagem, um equivoco que KaIka não cometeria.
Pode talvez existir esperança para os seres Iora de qualquer ambiente Iamiliar e
Benjamin pinça-os da obra de KaIka mencionando-os: 'o vigarista desmascarado, o
estudante, os loucos, criaturas inacabadas ainda em estado de nevoa, os que ainda não
abandonaram de todo o seio da natureza, em suma, os inabeis e os inacabados¨. (Idem,
414). Poder-se-ia dizer que eles ou ainda estão a procura, ou estão completamente
incapacitados por embotamento total. Quem podera dizer? Porque ao dizer isto ou aquilo
os que são pensamentos suicidas na cabeça de Deus chegam ao mesmo patamar a que ja
chegaram: não tem mais direito de instaurar a origem deIinitiva e o exercito de explicações
necessario para a sua manutenção.
"O mundo mitico...e mais jovem que o mundo de KaIka¨. (GS II-2, 415) Para
KaIka o mito ja seria o parar da reIlexão pelo estar imanente a ele aceitando o que explica
em processo de auto-compreensão. Mas o mundo para o qual regrediu, o qual descobriu e
elaborou em esIorço compreensivo e bem mais antigo do que apenas o desvelamento da
organização mitologica. Os poderes miticos ja Ioram descobertos e inaugurados enquanto
materiais de justiIicação para Iundamentação e agora, na atualidade, ate se prestam para
336
Iazer parte de um repertorio, uma seleção que possibilita ir mais adiante, mais ao Iundo do
passado na compreensão presente. Para os pensamentos suicidas na cabeça de Deus os
mitos são Iormas e teorias a serem empregadas com astucia pela razão. Assim, alem dos
judeus e dos chineses, tambem Ulisses e ancestral de KaIka: o grego vence os poderes
miticos reconhecendo-os pela razão e vencendo-os pela astucia. Chegou a perceber que a
arma mais terrivel das sereias não era o seu canto, mas o seu silêncio. Ulisses, conIorme
KaIka e de acordo com a interpretação de Benjamin, ja sabia que os mitos comandam,
organizam e batalham no silêncio e que se trata de prestar atenção a esse silêncio, essa
invisibilidade, essa naturalidade com que os ordenamentos são aceitos como se Iosse a
regra eterna da vida. Perceber o comando silencioso do canto ordenador mitico e ter
descoberto o seu poder de conIiguração da realidade.
Voltado para o indiciamento e a superação mitica e de modo algum agenciando o
sucesso dos desejos de Ielicidade, e assim que KaIka vê o passado presente. O seu
movimento principal e o de se voltar para retornar ao local de onde veio e que adivinha
estar ai numa presença tão avassaladora, transparente e envolvente a ponto de ser
extremamente diIicil de se ver e dizer.
A razão e a astucia são condições para Ulisses, KaIka e Benjamin considerarem os
mitos apenas como justiIicações de Iundamentação possivel e não mais a possibilidade da
ultima relação Iundante. A razão e a astucia consistem em saber que os mitos ordenam
silenciosamente a realidade e, portanto, em tambem se exercitar na navegação por entre o
burburinho e o tumulto concretos de um mundo em conIiguração mitologica. As
conIigurações mitologicas expressam-se como vida concreta em todos os lugares
exsudando o mito maior da objetividade. Mas a Odisseia ja e caminho de retorno e Ulisses
sabe que tera de vencer o mito em si mesmo, nos outros e ainda utiliza-lo como material de
navegação. Ulisses, como KaIka e Benjamin sabem que o mito objetivado como intenção
de verdade e antes de tudo expressão, um grito, uma voz no âmbito da linguagem total.
Eles sabem que o mito, tambem como outras Iormas de conIiguração e relação de
Ienômenos, e apenas uma parte de uma totalidade da qual e noticia na compreensão dos
personagens que encontra. Pela razão e pela astucia Ulisses, portanto, ja conta com o mito
e consegue em parte manipula-lo a seu Iavor na sua viagem de retorno a tal ponto que,
como diz KaIka-Benjamin, 'era tão astuto, uma raposa tão Iina, que nem sequer a deusa do
destino conseguiu devassar o seu interior¨. (Idem, 415). Descobrindo a intenção do mito, o
337
navegador ja sabe contar com ele e utiliza-lo para os seus Iins de retorno, angariando
experiência cada vez maior para poder enganar o ordenamento de rota do proprio destino,
que sempre e viagem para Irente sob o seu comando e nunca para tras assumindo as suas
redeas. Assim, astucia e razão na vida e o direcionamento das velas da nau da viagem
apontando para o retorno. KaIka e tambem navegador quando escreve contos sendo
exatamente o conto a propria Iorma de narração de uma tradição que testemunha a vitoria
sobre os poderes do mito como, por exemplo, no caso de O silêncio das sereias. Alias,
dizer que 'Em KaIka as sereias silenciam¨ (GS II-2, 415) equivale a dizer que o segredo
do mito esta descoberto como possivel expressão compreensiva e resultante organização
sonora de Iuga na atividade de retornar.
Portanto, em KaIka as sereias silenciam. Nisso se anuncia que mito e mito quando
não visto em seus ordenamentos nas inumeras Iormas de compreensão e vida. Mas mito
deixa de ser comando imediato na compreensão da Iormação de mundo quando se o
descobre e se sabe que Iaz parte do compreender e que, por isso, num mundo intermediario
e ate uma especie de ajudante nas circunvoluções de todas as percepções ainda inacabadas,
ainda em viagem, ainda na saudade de não ter chegado. Ao perder a sua Iorça imediata de
ordenamento, os mitos de ontem e hoje ajudam estrategicamente dando condições no
trabalho de tecer as redes da compreensão, de reavaliação e alocação de Ienômenos, de
mistura de ideias, de seleção e coleção de arteIatos miticos e ideias de Iundamentações
possiveis. Quando as sereias silenciam com o seu chamado mitico e objetivamente
poderoso, então o seu canto ja se transverteu em expressão musical e não signiIica mais a
voz da morte provinda de entre os dentes de uma objetividade que se instalou como sentido
Iixo e objetivo. Suspende-se a voz da objetividade e se permanece num 'pequeno mundo
intermediario, ao mesmo tempo acabado e cotidiano, consolador e absurdo, no qual vivem
os ajudantes¨. (GS, II-2, 416). Tal mundo parece que e inacabado, porque não tem resposta
deIinitiva mesmo apos a descoberta dos mitos no silêncio do seu canto expressivo; e
cotidiano pelo Iato de todo o dia haver deslocamento sonoro de um mito a outro; e
consolador, porque pela descoberta de que todos os mitos que o compõem são expressão;
por Iim, e absurdo pela constante Iatuidade das explicações intentadas pelos mesmos
mitos.
Na interpretação de Benjamin, 'KaIka e como o menino que saiu de casa para
aprender a ter medo¨. (GS II, 416). E para sair da casa Iamiliar para terra estranha não e
338
necessario andar de uma paisagem a outra, pois basta a mesma paisagem apenas vista de
outro modo. Freud, em seu estudo sobre a estranheza, procura acompanhar a linguagem
indicando que heimlich tem o sentido de familiar, do pais natal, caseiro, domestico,
indigena, mas que pode vir a ter o sentido de escondido secreto, furtivo, escondido,
dissimulado, clandestino, reservado, intimo, oculto (Freud, GS IV, 241). Assim heimlich |a
situação caseira e Iamiliar| pode chegar ao oposto do seu sentido como unheimlich, ou
seja, estranho e ate assustador. Como situações Iamiliares podem adquirir conotações
extremamente estranhas embaralhando o sentimento de quem nelas se encontra, mas nunca
se encontrou de Iato, assim, inversamente, situações estranhas podem parecer sumamente
Iamiliares como se Iossem esperadas ha muito tempo, ou ate como ja sempre presentes de
certo modo e nas quais pode haver uma estranha sensação de encontro como se Iosse muito
Iamiliar. Freud no mesmo estudo cita Schelling: 'As horas unheimlich e terriveis da noite.
... Unheimlich e o nome de tudo que deveria ter permanecido...secreto e oculto |heimlich|,
mas veio a luz¨. (GS ii-2, 242). A ambivalência do termo unheimlich tambem pode ser
relacionada com a questão que Freud apresentada em seu pequeno estudo sobre (Freud,
GS, IV, 227): Über den Gegensinn der Urworte |Sobre o sentido oposto das palavras
primitivas|. Ai ele lembra estudos sobre antigas palavras egipcias que signiIicavam algo e,
ao mesmo tempo, podiam signiIicar o contrario disso como se da nos sonhos em que
muitas vezes o signiIicado seria o contrario da trama sonhada. A mais extraordinaria
excentricidade da antiga lingua egipcia ainda seria outra, ou seja, a de que dois vocabulos
de sentido oposto podiam Iormar um so vocabulo composto que ai teriam o sentido de
apenas um deles para lembrar a dependência do seu contrario em cada uso concreto. A
decisão entre um sentido e outro teria estado na dependência do gesto do Ialante.
KaIka tem especial interesse pelos gestos, pois, mesmo que em grande parte
incompreensiveis e deslocados na organização do sentido da vida administrada de hoje,
eles estão a dar agora noticia do que passou e ainda neles mesmos se movimenta.
Uma fotografia de criança. Retornar pelo caminho do Iamiliar que se torna
estranho em direção do estranho que se torna Iamiliar parece ser o gesto Iundamental de
Kafka. Ele retrocedeu a visão da imensa maquinaria administrativa que se desmancha no
seu sem-sentido na melancolia do palacio de Potemkin, mas terminou por descobrir em seu
porão uma ratinha cantora, de cujas caracteristicas Benjamin cita: 'existe nela algo de uma
inIância breve e pobre, mas tambem algo da vida ativa de hoje, com suas pequenas
339
alegrias, incompreensiveis, mas reais, e que ninguem pode extinguir¨. (GS II-2, 416). E
signiIicativo que com isso KaIka aluda a uma vida real que ninguem pode extinguir,
certamente porque depende de determinada conIiguração compreensiva em ação e plena
aplicação historica e social objetivada. Eliminar a Iorça dos mitos parecia prometer a
descoberta de um grande Iundamento, mas no Iim das contas encontra-se uma pequena
Ielicidade, mas tão real quanto o ordenamento de um pequeno mito pode ser.
Com essa apresentação da irrealidade em plena realidade ou a realidade em plena
irrealidade, como no caso da oposição dos vocabulos nos textos da antiga lingua egipcia,
Benfamin no seu artigo sobre KaIka introduz a tematica de Uma fotografia de criança de
olhos tristes em meio a uma paisagem que lhe Ioi predeterminada e a qual e perscrutada
atentamente por sua grande orelha a ouvir. E tambem uma descrição de KaIka quando
adulto, ou seja, o seu esIorço de prestar atenção as paisagens que lhe Ioram
predeterminadas como caminho de compreensão e nunca se satisIazer em simplesmente
seguir caminho sendo somente azucrinado pelos estalidos do chicote do mito naquilo que
ele impõe pensar.
Benjamin tem sempre presente a contradição da linguagem e no artigo sobre KaIka
procura desenvolver de nova Iorma o mesmo impasse Iundamental que e descrever a
propria expressão da descrição que percebe em KaIka. Descrever a expressão da descrição
requer que sempre se diga outra coisa para desenvolver o mesmo que se intenta. Benjamin
identiIica esse vies em KaIka e procura acompanha-lo, portanto, na consciência de que ele
mesmo e de um jeito e esta em continuo tornar-se pela descrição do que Ior. O sentido
pode ser o mais diverso possivel a partir de qualquer descrição, desde que aponte para a
Iatuidade da contradição da linguagem no proprio momento da descrição. Benjamin, por
isso, da-se o direito de embaralhar noticias avulsas sobre KaIka, parte dos seus escritos de
varias epocas da sua vida, comentarios de outras pessoas sobre ele, com aquilo que
depreende de uma IotograIia da epoca da sua inIância.
Benjamin percebe que na descrição objetivada de um retrato de KaIka esta a
expressar a sua propria questão, as diIiculdades da sua compreensão, o esIorço de encetar o
caminho do retorno ao reencontro das determinações primeiras que o acossam de um modo
Iamiliar demais a ponto de se tornarem sinistra transparência de tudo, a qual induz a
suspeita de um oIuscamento mortal. Portanto, a paisagem descrita em Uma fotografia de
criança e familiar perIazendo um conjunto muito estranho que deve ser perscrutado com
340
os ouvidos para a oitiva do cenario ja ha milênios montado com palavras e cuja
programação esta nele mesmo esquecido e enterrado a espera de escavação atenta.
Na percepção de paisagem predeterminada surge o desejo de encarar a atividade da
decodiIicação de tudo a luz dos mitos e criterios subjacentes. A diIiculdade e a de sempre,
isto e, saber-se extremamente proximo pelo Iato de dela Iazer parte pelo modo com que a
si mesmo expressa descrevendo e, ao mesmo tempo, muito distante perscrutando-a
tentando ouvir e descobrir as suas determinações, o seu canto de sereia. E essa a triste
esperteza na decodiIicação da multiIormidade de paisagens que, vindo a ser,
insistentemente reivindicam o estatuto da objetividade de acordo com um criterio absoluto
ainda não descoberto, indiciado e instaurado para a certiIicação do real. Mas a melancolia
expressa nos olhos tristes, desde sempre sabe da tareIa de se escutar as determinações da
perspectiva paisagistica junto de si para so, na volta, usuIruir as pequenas alegrias da
pequena realidade do encontro.
Por um lado, a tristeza provinda da predeterminação de toda a paisagem
compreensiva nos termos de objetivação pela linguagem pode aderir a sentença do escritor
do Eclesiastes quando diz que nada ha de novo debaixo do sol, pois tudo e vaidade
(Eclesiastes I, 2), pois tudo são velhas e novas quedas na objetividade num tempo para
tudo:
Tudo tem o seu tempo determinado, e ha tempo para todo o
proposito debaixo do ceu. ha tempo de nascer, e tempo de morrer,
tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de
matar, e tempo de curar, tempo de derribar, e tempo de edificar,
tempo de chorar, e tempo de rir, tempo de prantear, e tampo de
saltar de alegria, tempo de espalhar pedras, e tempo de afuntar
pedras, tempo da abraçar, e tempo de se afastar do abraço, tempo
de buscar e tempo de perder, tempo de guardar, e tempo de deitar
fora, tempo de rasgar, e tempo de coser, tempo de estar calado, e
tempo de falar, tempo de amar, a tempo de aborrecer, tempo de
guerra e tempo de pa: (Eclesiastes, 3, 1-8).

Por outro lado, como no caso da ratinha cantora, a tristeza pode ser contrabalançada
pela realização da compreensão no desejo de ser indio, de identiIicar-se no encontro com a
paisagem a ponto de desaparecer e ser ela mesma. Para explicar, Benjamin cita: 'Como
seria bom ser um indio sempre pronto e sobre o cavalo a galope...sem redeas e sem nada
....quase sem ver diante de si o prado de vegetação rala, ja sem o pescoço do cavalo, ja sem
a cabeça do cavalo¨. (GS II-2, 416-41). Antes de America, KaIka so se identiIica em sua
341
obra pela inicial K., agora assume um renascimento compreensivo com a menção do nome
completo Karl, uma identiIicação direta com o personagem objetivado na obra. No desejo
de ser indio 'a realização revela o seu segredo¨. (GS II-2, 417). Apos a tristeza da
paisagem desconexa e estranha cujas determinações miticas e necessario descobrir para lhe
entender as condições de uma objetivação que se esIacela na melancolia, agora, tornar-se
indio e se Iazer terra e cenario signiIica a sede, a saudade do Iamiliar que se tornara
estranho, realiza-se a compreensão de que a paisagem e o constante encontro do que
advem com o que se escuta a partir das proprias condições de recepção. Benjamin esta
como que a desenhar a bipolaridade da contradição da linguagem acentuando de um lado a
objetividade sempre absolutizada que sempre podera levar a crise com a relativização do
seu Iundamento e, de outro, a descoberta de que o Iundamento e uma posição possivel
dando condições de uma perspectiva possivel de compreensão ao liberar a mesma
compreensão para a descoberta da dimensão do acontecer no seio da propria linguagem.
No segundo caso o Iundamento e percebido como ja Iazendo parte eIetiva da compreensão
que se da num todo sempre ainda a ser compreendido. Assim Karl e a encarnação mais
Ieliz de KaIka, pois ele ai percebe a objetivação enquanto acontecimento de encontro com
o que advem como paisagem da qual ele mesmo Iaz parte. Trata-se de ser artista, embarcar
no papel que se esta a desempenhar e ter Iuturo na trama que se concebe.
Trata-se de assumir que somos o teatro de Oklahoma, o teatro da natureza e da vida
que ao mesmo tempo e uma pista de corrida, organizada, quem sabe, de acordo com a lei
de Darwin e suas variantes. Benjamin chama de novo a atenção:
Essa pista de corrida e ao mesmo tempo um teatro, e isso constitui
um enigma. Porem, o lugar enigmatico e a figura inteiramente
transparente e nào enigmatica de Karl Rossmann pertencem-se
mutuamente (GS II-2, 427).

Karl e a compreensão participante junto com aquilo que ele objetiva, tanto que o
contexto objetivado ele compreende como o seu acontecer. A vida encarada como pista de
corrida e teatro em que se cumpre um papel eIetivo no jogo teorico, por exemplo, da lei de
Darwin e periIerias, e a eIetividade de uma compreensão que conIigura um enigma, pois se
posiciona em gesto de Iuga da objetivação ao compreender o seu objetivar como acontecer,
mas ao mesmo tempo compreendendo que tambem precisamente isto e obrigada a aIirmar
como nova objetivação. A compreensão ao ver-se embarcada na alternativa da vida como
pista de corrida percebe-se como Karl Rossmann simplesmente e, ao mesmo tempo, a vida
342
como teatro objetivo num pertencimento mutuo. Não ha a possibilidade de descolamento
de KaIka e da sua compreensão objetiva de que a objetividade seja um acontecer
expressivo. Assim, aIirmar a ambivalência de uma condição simultânea e aIirmar um
enigma que e a contradição da linguagem.
Essa ambivalência resulta numa curiosa concepção do sabio que, a exemplo de
Confucio, apaga todas as particularidades no sentido de uma imersão inocente em qualquer
objetivação contingente a ponto de resultar na permanência da situação compreensiva de
Ialta de carater. E o Durchschnittsmensch, ou seja, paradoxalmente o homem medio, o
homem da rua que e capaz de jogar qualquer papel no teatro da vida pelo Iato de encarnar
o repertorio resumido de todas as organizações compreensivas eIetivas ja havidas no
transcorrer dos milênios. Sem os comprometimentos de uma compreensão imediatamente
imbuida com a manutenção eIetivamente Iuncional de qualquer sistema organizatorio, o
homem chinês não se caracterizaria por seu carater, mas por sua Iundamental pure:a de
sentimentos, uma pureza enquanto instrumento competente de avaliação do
comportamento gestual, pois este, nos seus movimentos encarna a memoria dos milênios
muitas vezes sem a possibilidade do acompanhamento da sua tradução ou expressão
conceitual.
Com a tematização dos gestos em KaIka e a sua relação com o teatro gestual chinês
e como se Benjamin quisesse dizer que e necessario indiciar gestos e tentar deciIra-los para
que seja possivel o voltar-se da compreensão em direção as suas determinações que a
escravizam num regime Iuncional milenar incompreendido. Nos gestos estão dissolvidos e
sempre lembrados, num vies mitico, tanto acontecimentos quanto imposições teoricas de
milênios, e que ainda no presente não perderam a sua intenção de mando. Neste sentido,
tambem Kafka em sua escrita estaria descrevendo gestos:
O teatro ao ar livre de Oklahoma remete ao teatro classico chinês,
que e um teatro gestual.....toda a obra de Kafka representa um
codigo de gestos, cufa significaçào simbolica nào e de modo
algum evidente para o autor desde o inicio, mas a mesma e
procurada sempre de novo em outras relaçòes e outras tentativas
de ordenamento (GS II-2, 418).

Desse modo estamos sempre a encontrar personagens nas obras de KaIka que em
seu exagero enIaticamente acentuado remetem a mundos supostamente mais distantes,
estranhos e esquecidos, mas ao mesmo tempo assustadoramente proximos, presentes e
343
como que Iamiliares. E Benjamin da dois exemplos em que no primeiro KaIka traz uma
justiIicação para o procedimento gestual, dispensando-a, porem, no segundo:
Na Jerwandlung (Metamorfose) lemos sobre a maneira estranha
que se tem de se sentar na escrivaninha e falar com o empregado
de cima para baixo, o qual, alem disso, deve chegar bem perto
devido a surde: do chefe. Mas no Pro:ess (O processo) nào
existem mais essas fustificaçòes. No penultimo capitulo, K. parou
nos primeiros bancos, mas ao sacerdote a distancia ainda parecia
excessiva, ele estendeu a mào e mostrou, com o dedo indicador
bem inclinado para baixo, um local bem proximo ao pulpito. K.
tambem nisso obedeceu precisando inclinar a cabeça fortemente
para tras a fim de ainda ver o sacerdote. (GS II-2, 418).

O gesto em KaIka da noticia de um mundo ilimitado no qual cada um representa
todo um processo, ou cada um e um drama para si num palco que e o teatro do mundo
tendo o ceu por pano de Iundo. Mas cada gesto ocupa uma centralidade tal que o ceu se
rasga para se tornar moldura de um desenho na parede como se cada um tambem
movimentasse periodos cosmicos distantes e proximos ao mesmo tempo. Nessa
perspectiva alguns gestos são extremamente enigmaticos e simples ao mesmo tempo como
se Iossem animalescos, instintivos, automaticos: estão incorporados a compreensão
presente e a sua maniIestação a tal ponto que os proprios atores no teatro da vida não os
entendem mais por estarem proximos demais e exatamente por isso distantes demais para
explicitações e reIlexões interpretativas elaboradas.
Nos contos de KaIka o parentesco com os gestos animais vai tão longe que as vezes
custa a acreditar que esteja realmente Ialando numa situação de animais e não de humanos,
e noutra situação de humanos e não de animais. Benjamin quanto a isso se expressa
curiosamente: 'Mas isso e sempre KaIka; ele tira os esteios tradicionais do gesto humano e
nele tem, então, um objeto para reIlexões que não tem Iim¨. (GS II-2, 420).
Tirar os esteios do gesto e priva-lo da sua conotação de objetividade nas e em que
pretende ter um sentido evidente e Iazê-lo expressão presente e proxima da distância
milenar durante a qual se manteve pela sua capacidade de adaptação no desdobramento de
cada mundo cosmico. KaIka em suas reIlexões e aquele que procura voltar no sentido
inverso da dobra ja Ieita, ou seja, no verdadeiro sentido de desdobrar, o que, alias, ele
implementa em suas parabolas: dobramento ja houve, seus resultados ca estão e agora se
trata de percorrer o caminho inverso. Por exemplo, a parabola Jor dem Geset: (Diante da
lei) parece merecer o seu desdobramento na totalidade do romance Der Pro:ess (O
344
processo) na voz do sacerdote, mas num sentido pelo qual se entende a evolução ja havida
como o desdobramento de um botão em uma Ilor e não no sentido de desdobrar tornando
liso um papel ja amarIanhado. Desdobrar um papel dobrado: 'Mas isso e sempre KaIka¨
(Idem, 420), o qual vai a procura de si numa criação literaria na tentativa de comentar
milenares determinações culturais compreensivas presentes nas explicitações, tidas
geralmente como objetivas, e em gestos teoricos e corporais automatizados na trama do
contexto cultural de agora. Para exempliIicar tem-se a relação entre a Halaca e Agadah. A
Halaca e uma tradição legalista do judaismo, uma doutrina religiosa que intenta construção
positivamente objetiva conIrontando-se, por isso, com aspectos teologicos, eticos e
Iolcloricos, e voltada para a ediIicação do Iuturo sem permitir a relativização dos seus
principios dogmaticos. A Agadah, pelo contrario, e entendida como sempre voltada ao
passado que se torna presente enquanto relato da libertação de Israel do cativeiro egipcio
por Moises e merecedora de comentarios e interpretações continuas tendo como resultado a
atualização do seu sentido nos acontecimentos do presente. Em KaIka desapareceu a
doutrina e a historia objetivada em positividade dogmatica, permanecendo apenas os gestos
rituais impositivos e expressivos de algo a ser descoberto, narrado, interpretado e, assim,
instaurado. Residuos de doutrina podem ter sustentado a sua continuidade da narrativa ou,
inversamente, preparar uma doutrina adveniente. Ha que se estar alerta quanto a propria
compreensão, pois de algum modo o destino da compreensão e a organização, algo
impenetravel quando se leva em conta o vies construtivo dela pelo lado da ingenuidade
puramente objetivista e, pelo outro, a ocorrência de um comando organizatorio subjacente
nunca totalmente elucidado. Toda a carga de impenetrabilidade do destino da compreensão
enquanto organização pesa-se na aIirmação de que Iundamentalmente se 'trata da questão
da organização da vida e do trabalho na comunidade humana¨. Pois, a 'organização se
assemelha ao destino¨. (GS II-2, 420). De um trecho de A muralha da China, Benjamin
cita.
A muralha deveria servir de proteçào durante seculos, Por isso, o
maximo de cuidado na construçào, a utili:açào dos conhecimentos
arquitetonicos de todos os tempos e de todos os povos e um
duradouro sentimento de responsabilidade por parte dos
construtores eram pressupostos indispensaveis para esse trabalho.
Para as obras acessorias podiam ser usados assalariados do
povo, homens, mulheres, crianças, enfim, todos os que se
empregavam para ganhar dinheiro, mas fa para dirigir quatro
desses assalariados um homem culto era necessario, especiali:ado
em arquitetura...Nos estou falando aqui em muitos nomes -
somente aprendemos a nos conhecer soletrando as instruçòes dos
345
nossos condutores superiores, descobrindo que sem a sua
liderança nosso saber acadêmico e nosso bom senso nào teriam
sido suficientes para podermos executar a pequena funçào que
nos cabia no grande todo (GS II-2, 421).

Num grande todo em que as Iunções e as tareIas são inIinitas o homem simples não
pode entender todo o enredo, captar todas as relações, os limites da compreensão tornam-
se evidentes e o grande enigma põe-se de novo. Ha um grande todo, uma grande Muralha
da China em construção e em que o homem esta incluido a participar cumprindo a sua
tareIa, pensando, compreendendo, expressando-se na linguagem, perdendo-se em algum
lugar entre a objetivação e a expressão. Objetivando o todo por meio de alguma
denominação, então o absolutiza reduzindo-o as dimensões da sua objetivação de acordo
com os seus criterios de descrição, como se pudesse dele se distanciar esquecendo-se que
precisamente a sua atividade de instauração de clariIicação, mesmo por meio das mais
soIisticadas circunvoluções de analise da linguagem, deve Iazer parte desse mesmo todo
suposto para poder de algum modo ser expressão no seu dizer. Qualquer deIinição
objetiva do todo que se queira dar deve, de acordo com a contradição da linguagem,
incluir simultaneamente a si mesma tornando, assim, relativa a propria pretensão da
objetividade da deIinição e tendo que assumi-la como acontecimento emergente no
mesmo todo que propõe. Na elaboração da sua proximidade com KaIka, Benjamin se
expressa:
Kafka dispunha de uma rara força para produ:ir parabolas para
si. Apesar disso, ele famais se esgota no que e interpretavel, pelo
contrario, tomou todas as precauçòes imaginaveis contra a
interpretaçào dos seus textos (GS II, 422).

Qualquer tipo de interpretação clara e evidente apenas no sentido objetivo talvez
parecesse um convite para Iacilitar as coisas de modo a desviar-se do cerne da questão. No
todo da construção, porem, KaIka queria ser incluido entre os homens comuns, pois caso
quisesse parecer grande pretenderia saber de todos os planos de ediIicação da grande
muralha para então poder descrevê-la em seus contornos a partir de uma maquete previa ou
de algum lugar extremamente aIastado para visualiza-la totalmente. E ele levou tão a serio
a sua angustia de gênio que, como se sabe, deu instruções para que toda a sua obra Iosse
destruida como que a Iim de redimir-se de uma grande culpa de objetivação em detrimento
da compreensão da ocorrência Iantastica, incompreensivel, mas incrivelmente colossal de
346
tudo. Talvez tenha sido este o seu recado, o seu testamento deIinitivo para todos, inspirado
numa parabola sua sobre um homem que pede por passagem na porta da lei, Irente a qual
esta um guardião que não o deixa passar de modo algum, mas que deste mesmo guardião,
no Iim de toda sua vida de espera, Iica sabendo que ninguem mais poderia passar, pois a
entrada ai estava destinada so para ele e que agora iria Iechar. E que a lei não existe como
Iundamento ultimo, e não existe deste modo pelo Iato de que qualquer Iundamento
explicativo da totalidade Iatalmente deve ja Iazer parte da totalidade suposta e que esta a
aIirmar como sua expressão. O homem pede, espera e indaga e recebe sempre a mesma
resposta num eterno retorno indicando o mesmo local em que ja sempre esteve diante da
mesma entrada que e especiIicamente dele pelo repertorio de questões, perguntas e
reclamações que apresenta, sem jamais ter a minima chance de querer e poder desistir. Por
isso e que: 'O mundo de KaIka e um teatro do mundo. Para ele, o homem esta desde o
inicio no palco¨. (GS II-2 422).
Estando desde o inicio no palco, o homem representa papeis impingidos? São
papeis Ialsamente assumidos? Nunca podera chegar a autenticidade? O convite ao palco e
sempre para representar o papel da inautenticidade? A essência do ser humano parece ser a
sua grande capacidade de mutabilidade em representar papeis que não parecem ser ele
mesmo. Benjamin sentencia: 'Que eles em ultimo caso possam ser o que alegam esta
excluido do leque de possibilidades¨. (GS II-2, 422). Ou seja, novamente a objetivação
representativa traz problemas. Que os personagens devam representar a si mesmos, e isto
que deles se espera, mas não atinam que pudessem ser o que alegam em suas objetivações.
Melhor, o teatro do mundo justapõe o que são e o que alegam objetivando de mil maneiras.
Bem entendido: as pessoas são o que dizem, Iazem, compreendem. 'Mas o proprio crânio
bloqueia... o caminho¨, (GS II-2, 422) assim cita Benjamin. Todos são personagens numa
maquina teatralizada, sem se dar conta que a perIazem, que são ela mesma. Eles são o
simulacro e não outra coisa que julgam ser a parte do objetivado. O personagem K. no Iim
do Processo, ao ser levado a morte, parece ter compreendido a questão crucial que o
dominava quando pergunta aos seus dois algozes histriões sobre o teatro que estariam
representando. Ambos nem chegam a entender a pergunta, mas se assustam para valer
olhando um para o outro sem saber o que dizer a respeito disso. Pelo susto e com sua
objetividade Iuncional servindo de papel teatral 'provavelmente permanecerão dai por
diante a procura de um abrigo como os seis personagens de Pirandelo¨ (GS II-2, 422)
estavam a procura de um autor extremamente proximo.
347
No teatro de Oklahoma inclusive a auto-imagem que os atores tentam produzir e
angelical e generosa consigo mesmos. Mesmo assim, não adentrarão a si mesmos na porta
da lei que, pelo modo com a compreendem, apenas existe como Iicção enganosa para a
queda constante na mera objetivação e assim 'esta excluido do leque de possibilidades que
eles possam ser o que alegam¨. Segundo Benjamin, Soma Morgenstern teria expressado:
'Em KaIka, como em todos os Iundadores de religião, sopra um ar de aldeia¨. (GS II-2,
423). Talvez isso provenha da incrivel simplicidade dos Iatos e dos dados Iundamentais da
condição humana descritos por ele como se observasse a nudez do rei-homem que
insistentemente se desnuda na objetividade pensando com ela exatamente se vestir. Os
Iundadores de religião dão as costas ao Iuturo e tecem considerações sobre o passado
presente, pelas quais as pessoas reconhecem a Iamiliaridade do estranho esquecida ha
muito tempo. Muitas vezes, porem, a incrivel simplicidade não e vista e se torna diIicil de
compreender, pois quanto maior a total construção objetiva, menor a possibilidade de nela
se reconhecer. A simplicidade e a piedade transluzem na descrição de Das nàchste Dorf (A
aldeia proxima) de KaIka inspirado na parabola de Lao Tse: 'Duas aldeias vizinhas podem
estar ao alcance da vista de modo que se assim, as pessoas deveriam morrer em idade bem
avançada, sem jamais viajarem de uma a outra.¨ (GS II-2, 424).
A primeira vista a parabola traz uma serie de diIiculdades, pois qual relação deveria
ter a concepção de piedade de Lao Tse com a parabola A aldeia proxima? Seriam os
habitantes da aldeia motivados a não se visitarem, porque se negam a mudança de si
mesmos, a qual resultaria da relação e, portanto, como Iidelidade a si mesmos? Ou seriam
motivados pela analise inIinita dos enigmas de cada aldeia, portanto, sem tempo para
visitar a outra? Talvez deva tratar-se da identiIicação dos aldeões consigo mesmo e suas
obras no teatro do mundo? Ou, simplesmente se trata de um exemplo da diIiculdade das
metaIoras exposta dessa Iorma pelo autor no intuito de suscitar a reIlexão? Vendo a vida
da outra aldeia de longe, sem os envolvimentos passionais diretos e intensos na
organização das cidades assim mecanizadas, a observação e a descoberta do que move o
todo e mais Iavoravel a cada habitante? A contemplação tranqüila a distância Iavorece a
visão da armação do palco e do teatro em andamento? De qualquer modo, a ilustração da
piedade pela concepção Iigural de duas aldeias em que as pessoas morrem de velhas, sem
viajarem de uma a outra, tem um enigma em si, pois se trata de uma indicação de direção.
Chama a atenção a expressão: ...os habitantes deveriam morrer em idade avançada, sem
famais...A vida toda em um lugar Iavorece o exame do que se da em volta. E a manutenção
348
de um ponto de vista, de uma questão central e unica, de uma pergunta Iundamental como
se diz que cada grande homem sempre tem um so Ioco de conversação (GS I-1, 96). Neste
caso, trata-se de KaIka a propor parabolas como se Iosse um instaurador de religião,
porem, sem o ser de Iato, pois procura simplesmente expressar o cerne da condição
humana na contradição da linguagem, tentando insistentemente destroçar a objetividade
construida para poder permanecer na expressão dela. Assim, as suas parabolas são
construidas de tal Iorma que promovem o alargamento do sentido em que o proprio sentido
objetivado e a questão, e em que acontece a destruição das camadas de sentido objetivo
superIicial costumeiro, pois exatamente este quer ser visto em sua proIundidade em termos
de ocorrência. KaIka permanece sempre no mesmo lugar, no mesmo ponto de vista de um
aldeão embasbacado com os acontecimentos da sua aldeia, que o acossam como se eles
representassem a propria concentração de todas as Iorças cosmicas ai objetivadas em
ocorrência cotidiana.
Benjamin relaciona neste contexto tambem a aldeia que Iica ao pe do castelo na
obra O castelo, na qual o personagem K. recebe a curiosa e inesperada incumbência de
agrimensor para medir o que nunca se permitira que seja medido. O homem agrimensor
esta na condição de querer medir e analisar produzindo objetividades tendo por base um
criterio Iundamental do qual alega ser independente por si como causa sui. Ele recebe a
incumbência, sente-se capaz e chamado para cumprir uma tareIa que ao mesmo tempo e
impossivel de ser levada a contento. Ele pergunta pelo todo a ser medido de Iora, mas
nunca podera medir: permanece na aldeia como ponto de observação e lhe permitem que
Iaça incursões esporadicas para o conhecimento da sua burocracia.
Tambem para este contexto Benjamin evoca uma lenda talmudica: A princesa alma
esta exilada numa aldeia estranha que e o corpo, do qual ela não conhece a linguagem, mas
esta a espera do noivo Messias. A noticia da vinda do Messias, a sua noiva alma prepara
um Iestim para o corpo aldeia, da qual não conhece a linguagem. E Benjamin interpreta:
'O homem de hoje desliza para Iora do corpo e lhe e hostil¨.(GS II-2, 424). Ou seja, ha um
divorcio, uma cisão Iundamental. O mundo como corpo e aldeia objetivado parece
completamente exterior ao acontecer simultâneo enquanto alma a ponto de não se lhe
conhecer a linguagem. A objetivação distancia inexoravelmente o corpo objetivado e a
alma ocorrência. Pode acontecer o processo de metamorIose em que o homem percebe o
distanciamento e, então, avança na seqüência de se tornar inseto em que, pela
349
compreensão, o corpo mundo dele aos poucos se apodera, ou ele o incorpora por assunção,
de tal modo que todos percebem a semelhança a chiqueiro, mau cheiro e ar pestilento.
A aldeia que não recebe a visita dos aldeões da outra seria o objeto de estudo das
almas que ai vivem? Duas aldeias, dois corpos sendo estudados pela piedade dos aldeões
atentos? Em apontamentos para a Ieitura do ensaio sobre KaIka, Benjamin escreveu:
Quem Kafka era, isso nem ele mesmo quereria di:er claramente
poder-se-ia criar a lenda de que ele tenha sido um homem que
ininterruptamente estivesse ocupado com a sua pesquisa sobre si
mesmo, mas sem famais ter olhado no espelho (GS II-3, 1196).

Assim, os aldeões estão ocupados consigo quando eles se debruçam sobre a sua
propria aldeia, cujas circunstâncias são a sua objetivação. Em vez de medirem a aldeia
distante, ou ate mesmo o castelo todo, são agrimensores do seu proprio chão e do rastro
nele ja imprimido. A IotograIia de KaIka quando menino de olhos tristes e a escutar
atentamente os recados de uma paisagem montada como se Iosse um palco para a exibição
de papeis objetivos continua como emblema de toda uma vida e de toda uma obra
enquanto vida.
O homen:inho corcunda. Benjamin procura especiIicar a sua opinião sobre KaIka
relatando um outro exemplo de escritor quanto a relação entre vida e obra. Trata-se da
opinião de Knut Hamsun, veiculada como artigo em jornal, sobre uma mulher que matou o
seu Iilho e o castigo que ela mereceria por sua ação. Um episodio igual aparece
posteriormente em sua obra 'Benção da terra¨. O escritor Hamsun copia a si mesmo, ou
aborda um Iato acontecido de maneira literaria? Benjamin quer acentuar a identidade de
vida e obra. Em seu artigo de jornal Hamsun pretende um julgamento moral objetivo
ligado diretamente a vida em seu transcurso e talvez não concordasse com a insinuação de
que o julgamento e ele mesmo a acontecer, pois em sua argumentação pretende ter base
totalmente solida, objetiva e dele independente para a sua Iundamentação. Hamsun expõe a
sua compreensão em obras de acordo com a sua compreensão sobre a vida ate em noticia
de jornal. A obra retrata constantemente a compreensão de vida objetiva e tal criterio deve
ser observado na interpretação da obra de KaIka. Vida e obra identiIicam-se. A objetivação
produzida em opiniões e ações da vida no registro da sua compreensão e o que o escritor
imediatamente e, tanto que reitera a sua compreensão em obra artistica. A contradição da
linguagem pode ser descrita no primeiro passo, quando o escritor da a sua opinião com
350
intenção de objetividade absoluta a base de Iundamento absoluto, sem perceber que a
ocorrência de tal julgamento e ele mesmo. Ja no segundo passo, a obra artistica esta a
indicar que em sua circunscrição, desde a sua concepção, não se trata jamais de
objetividade a base de um Iundamento inconteste sob pena de perder o seu carater de
criação. Na obra artistica, a mulher assassina e julgada do mesmo modo, mas como
narrativa em que o escritor a vê enquanto obra de assumida criação sua, como se
entendesse que no caso do juizo no artigo de jornal a mesma compreensão ocorrente Iora
esquecida, resultando na queda da objetivação e na colocação de um Iundamento absoluto.
O que aconteceu com Hamsun e o aparecimento inesperado e estranho do homenzinho
corcunda na lembrança da contradição da linguagem. O corcunda destroi e mostra o lado
Iraco da organização compreensiva objetivada, a totalidade de horizontes reduzidos se
esboroa traindo-se, os supostos de Iundamentação são postos a prova.
Assim, ja agora, o aparecimento do corcunda signiIica a indicação da volta, do
retorno a visão das raizes e tematizações sobre a justiIicação da propria colocação de
Iundamentos ultimos e esquecidos.
Forças arcaicas atravessam a obra de KaIka, as quais ainda são identiIicaveis nos
dias de hoje. Benjamin diz que essas Iorças reivindicam a obra de KaIka como se a obra
Iosse o resultado delas e como se continuassem com a sua Iorça diIicil de reconhecer ate na
atualidade. KaIka não as teria conhecido, mas tais Iorças do pre-mundo mostravam-lhe a
culpa como se Iosse um espelho em que ele constantemente adivinhava o Iuturo em Iorma
de tribunal julgador.
'Ele apenas deixou que aparecesse o Iuturo em Iorma de julgamento no espelho que o pre-
mundo colocava a sua Irente em Iorma de culpa¨ (GS II-2, 435). A culpa que KaIka
constantemente abordava eram para ele Iorças presentes que o acossavam na propria
compreensão produtora de objetivação por meio de julgamentos e simultânea inconsciência
pelo esquecimento delas. Uma compreensão comprometida com tais Iorças constantemente
solidiIica-as em repetição. Trata-se de uma compreensão mecânica e inconscientemente
empurrada para a produção de julgamentos, tendo por base Iorças do pre-mundo ate então
desconhecidas, ou por demais conhecidas e invisiveis pela sua proximidade e participação
eIetiva na elaboração do pensamento. Tais Iorças do pre-mundo apresentam-se
metamorIoseadas, disIarçadas, camuIladas em Iorma de argumentos e justiIicativas para a
continuidade da construção da objetivação e, a qualquer voz que recorde disso, promovem
351
a continuidade de si repassando a culpa por meio da acusação de qualquer outro. A culpa
que KaIka aborda e a sua propria compreensão comprometida com a objetivação, com a
Iicção de um mundo separado de si que se pudesse descrever, julgar, nele interIerir de
modo asseptico sem nele sujar as mãos. Na visão desse comprometimento no proprio cerne
da compreensão, KaIka via-se em espelho, e a propria manutenção de tal visão de si
transluz a culpa original e a tareIa iniciante do julgamento. Instaura-se o tribunal que
promove um curioso processo em que o juiz renitente e peremptoriamente exibe apenas as
credenciais de poder aplicar principios Iundamentais para a objetivação de juizos, e
exatamente por isso e acusado num lento e angustiante processo de condenação. Benjamin
nesse sentido pergunta e conclui: 'Como então se deve pensar isso não seria o juizo Iinal? O
juiz não se converte em acusado? O castigo não esta no proprio processo? - KaIka não deu resposta
a isso¨ - (GS II-2, 427).
O Iato de Kafka não dar resposta a essas perguntas indica que ele quer adiar a
sentença de um processo instalado no âmago da compreensão. Decidir-se pela condenação
ainda em vida signiIica nova auto-condenação pela objetivação julgadora que tal sentença
implica; decidir-se pela não condenação em vida signiIica a continuidade da justiIicação da
objetivação; assim, a saida e ou a morte ou o adiamento da sentença na continuidade do
proprio processo em vida. O juizo Iinal ai se adia por impossibilidade de solução humana
constituindo a perspectiva do tempo Iuturo. Cavoucar nas entranhas de um passado
presente e a oportunidade de instaurar criativamente o tempo Iuturo por adiamento
constante do juizo Iinal.
Como nos contos de Cheera:ade, que têm a caracteristica epica de sempre adiar de
algum modo o que esta prestes e Iatalmente a vir, este e um dos gestos de KaIka em sua
obra. Trata-se do adiamento da sentença Iinal quanto mais se puder como acontece no O
processo, onde a esperança do acusado e que o procedimento judicial não leve aos poucos
a sentença. Adiar a sentença e permanecer no constante procedimento judicial entre o
esquecimento na objetivação empurrada por Iorças do pre-mundo na continuidade de uma
compreensão Iuncionaria e a percepção da propria ocorrência de si nos julgamentos que
promove. Mas tambem essa Iorça de adiamento esta presente nos dias de hoje como
tipiIicação em Abraão, considerado patriarca pelo mundo judaico-cristão.
Entre as Iorças do pre-mundo presentes na atualidade esta, portanto, a
exempliIicação da condição humana por parte de Abraão, o patriarca, como alguem que
352
precisamente promove o adiamento da sentença, o juizo Iinal. Abraão põe-se como juiz e
culpado no episodio do sacriIicio do Iilho Isaak, pois compreendeu como adiar num
processo de culpa e castigo. Matou a imagem de si mesmo, isto e, a objetivação esquecida
de si mesmo, mas, simultaneamente se reconheceu na objetivação. Como KaIka no Iim da
sua vida pediu que toda a sua obra Iosse queimada sem ser obedecido por seu amigo Max
Brod e por todos os que se preocupam e se reconhecem em sua obra, mesmo na
continuidade de uma objetivação considerada inevitavel, Abraão compreendeu a
inexorabilidade da sua condição de ser juiz e de ser acusado por o ser.
E possivel imaginar um outro Abraão, ou seja, alguem que sempre tem algo a mais
a Iazer e não se dispõe a obediência do sacriIicio, pois e meramente construtor de uma
imagem separada, Ialante o tempo todo, deIensor de um discurso proprio capaz de Iazer
adeptos Iervorosos, moto perpetuo esquecido do seu impulso inicial, alguem com trejeitos
de garçom. Ser como garçom obsequioso seria o modo de obediência cega num esquema
pre-Iormado em Iorma de objetivação implantada por Iorças arcaicas e teatralizada como
Ie cega e esquecida em sua pura aplicabilidade. Apesar de garçom, nunca Iaz de Iato o
sacriIicio da objetivação, porque nada compreendeu e a execução pura e simples de
mandados e contra-senso, ja que e simplesmente a continuidade do igual, o eterno retorno
do igual. ConIorme o relato biblico, Abraão ainda arruma as suas coisas, mas vai para o
cumprimento do absurdo que resulta na compreensão da contradição da linguagem, da
morte do discurso objetivado, da morte de si em imagem conIigurada em rito de
rememoração no sacriIicio do carneiro, e, ainda, do compreender a ingenuidade de que
poderia ser puro acontecer. Abraão e patriarca, porque se identiIica com o julgamento que
promove: ele e o processo de julgamento em que se torna visivel a condição humana e e
exatamente esta compreensão que ele transIere a Isaak que em Iase inIantil nada disso
compreende, mas ja adivinha que agora e visto como dadiva diaria e não como posse de
uma vez por todas
E extremamente signiIicativo que KaIka na hora da sua morte tenha ordenado o
sacriIicio da sua obra e tenha transIerido a decisão da execução eIetiva e Iinal a alguem
que permaneceria na condição em que ele mesmo sempre se encontrou, ou seja, no
processo de adiamento. Com a sua ordem simplesmente transIeriu a permanente angustia
da decisão entre objetivação esquecida e assunção compreensiva. Ate o Iim KaIka vê-se
como Iracassado em seu intuito de transIormar a poesia, enquanto compreensão de vida e
353
obra, em doutrina objetivada, o que parece impossivel, e o seu pedido Iinal parece ter o
intuito de ser Iiel ate o Iim ao que sempre procurou: a compreensão impossivel da
objetivação da ocorrência em que estava imerso.
Fracassada foi a sua grandiosa tentativa de transformar a poesia
em doutrina, devolvendo-lhe, enquanto parabola, a consistência e
a modestia que a lu: da ra:ào lhe pareceram ser as unicas
apropriadas. Nenhum poeta cumpriu tào corretamente o
mandado. 'Tu nào deves construir imagens` (GS II-2, 428).

Abraão pôs em ordem a sua casa, objetivou, mas sacriIicou a imagem Ieita
permanecendo no adiamento enquanto processo de juiz objetivador em auto-condenação,
de culpa e castigo, de esquecimento e rememoração. E o gesto de KaIka. A semelhança de
Abraào, não quer construir imagens e, por isso, procura constantemente destrui-las pela
reescrita para, num gesto de volta, indiciar insistentemente as determinações arcaicas
Iundamentais que não deixam de o seduzir. As construções de imagens objetivadas
elaboradas a base de Iundamento separado e objetivo devem ser sacriIicadas pela
recordação, pois e esta a proibição e e esta a queda, a culpa e o castigo. Mas era sempre
'como se a vergonha devesse lhe sobreviver¨. Vergonha de si, da sua Iamilia, da sociedade
e do mundo todo na condição de Iuncionarios do repasse geral das Iorças cosmicas que em
sua compreensão percebe acabrunhado, ja que tambem eles Iazem parte do seu ser. Na sua
escrita instauradora de indiciamento de tais Iorças arcaicas na compreensão, ele movimenta
os periodos cosmicos no presente agora, que se transIiguram em culpa e castigo, juizo e
condenação, passado e Iuturo, objetivação e adiamento, sacriIicio enquanto lembrança do
esquecer que se trata da morte da imagem enquanto insistente boneco Iantasmatico. KaIka
sabe que obedece aos ditames exigentes dessa Iamilia e desse mundo que o envergonham e
que lhe reivindicam a escrita. Mas no seu proprio indiciamento ele inaugura o
aparecimento objetivando e permanecendo inexoravelmente na contradição da linguagem.
O lado de baixo do rochedo de SisiIo ai se torna visivel, o que primeiramente não e
agradavel por signiIicar que ja não ha mais Iundamento absoluto, mas apesar disso, e
erguido como se Iosse discurso objetivado e justiIicado deIinitivamente e, mesmo na
subida, ja consciente que ira rolar ladeira abaixo. E uma vergonha o que e em mera
objetivação e em ocorrência: a vergonha sobrevive. Benjamin diz de 'KaIka que os seus
romances se passam num lamaçal,...que o esquecimento o torna presente..., que
...esquecimento e enjôo em terra Iirme... e que e inesgotavel na sua descrição da natureza
354
oscilante das experiências¨. (GS II-2, 428). Tudo se passa como se houvesse Iundamento,
mas ao mesmo tempo não, tanto que a condição de possibilidade e sua execução
permanecem simultâneas em sua ambivalência, e tanto que o esquecimento e a presença do
arcaico hetairico e a recordação em seu indiciamento se torna nova inauguração. E como
que O enfoo em terra firme, expressão que e uma reIlexão partindo do balanço das
experiências oscilantes, como no caso que KaIka conta sobre a irmã que bateu o portão,
mas que logo depois Iica em duvida se bateu ou não bateu. Se ela bateu ou não bateu, ja
não sabe mais, ou seja, ja não ha mais experiência absoluta objetivada, pois sempre havera
apenas resto e rastro do que Ioi e que paulatinamente se ajunta enquanto cacos de novo
acontecer. Como pode ter certeza se e acontecer de si ou nova objetivação? Como pode
querer depurar o transcendental quando dele precisamente se Iala em objetivação e quando
a propria depuração que se pretende pela linguagem e uma Iraude da contradição pelo seu
vies de absoluto?
Ha um pântano anterior em que todas as tentativas de tal Iraude acontecem: um pre-
mundo que não e o mundo, mas que escondido no mundo interIere enviando o seu convite
no presente. Esse pântano, esse âmbito de experiências e que Iaz emergir os personagens
Iemininos de KaIka, que são, como diz, Iiguras do terreno pantanoso. O caos anterior a
qualquer ordem que as mulheres de KaIka lembram e o simbolo da voluptuosidade, do
gozo, de um passado sem compromissos de explicação construtiva em que a compreensão
a procura da luz da evidência e da transparência se apaga, mas que, por isso, ao mesmo
tempo parece ser o reino dadivoso de todas as perspectivas, ja que o reino da luz produz o
oIuscamento de uma construção absoluta e acalenta o esquecimento de todas as outras
possibilidades. Esse pântano caotico cujo terreno não consente Iundamentações duradouras
e tambem um simbolo do passado presente em que os esteios da compreensão estão
mergulhados e a oscilar no seu balanço proprio. Em O castelo a ambigua Frieda, ja
engajada num programa administrativo e luzente, recorda-se com saudade da sua vida
passada plena de possibilidades e diz: 'Belos tempos. Nunca me perguntaste sobre o meu
passado¨ (GS II-2, 429). Como no gozo da copula as luzes da compreensão engajada se
apagam numa situação sem pretensões de argumentação explicativa, mas pleno de
promessa e possibilidade de vida, assim tambem a volta ao mergulho atencioso no passado
presente traz a luz da atualidade a novidade de se compreender a condição humana ativa e
circunscrita na contradição da linguagem.
355
Benjamin chama a atenção de que a tecnica narrativa de KaIka e Iazer com que se
digam coisas completamente inesperadas, como no caso de Frieda sobre o passado, como
se Iosse muito simples e normal, como se sempre ja se devesse saber sobre o passado
presente pantanoso, como se não Iosse nada de novo e que so esta esquecido nos
circunloquios inocentemente justiIicativos. Por isso, o grande heroi e o esquecimento, o
atributo maior do ser humano que e 'o esquecimento de si¨ (GS II-2, 429), ou seja, o
esquecer-se do esquecimento da objetivação.
O acusado e o que se esquece de que ha esquecimento: e a acusação que recebe e e
a sua culpa, pois esquece da ocorrência de que simplesmente e e vai a procura da solidez
das justiIicativas do que se coloca como meramente imposto na comunidade humana. Mas,
por outro lado, esse esquecimento não e apenas um caso individual, pois o individuo em
seu mundo esta a esquecer todo o pre-mundo que com ele tem relação multiIorme, ja que,
como ja visto, esta presente como as proIundezas do oceano acompanham a superIicie
podendo aleatoriamente Iazer parte dela a qualquer momento. Benjamin da outra imagem:
'O esquecimento e o receptaculo do qual emerge ansioso o inesgotavel mundo
intermediario nas narrativas de KaIka¨. (GS II-2, 430).
Como nos cultos aos ancestrais na China, a aglomeração dos espiritos ai emerge
cada vez mais. Ou como no totemismo dos primitivos, os animais são receptaculos do que
Ioi esquecido. Tambem a exemplo do romântico Tiecks, KaIka e incansavel em perscrutar
nos animais o que Ioi esquecido. Assim o cavoucar galerias subterrâneas da toupeira pode
ser o gesto da reIlexão, o ziguezague da borboleta em desespero lembra alguem oscilante
que Ioge da consciência da sua culpa, e podemos aduzir o signiIicado de que da mera
queda na objetivação para a compreensão do acontecer sem Iundamento deIinitivo ou,
ainda, a visão do Iundamento como acontecer e apenas o dar-se conta do esquecimento.
Como que reIlexão animal, o mundo do pensamento em angustia e acontecer sem a
pretensão do dominio de si que, se assim não Iosse, seria nova objetivação. E este um
movimento como no direito que inevitavelmente se corrompe no processo da ediIicação do
seu discurso comprometido com objetivações que jamais podera provar e na corrupção
liquida a sua pretensão inicial. A angustia emerge deteriorando o Iluxo do processo mental
ordinario e exatamente por isso e a indicação para a procura do rastro de si esquecido. O
proprio corpo objetivado de tantos modos, de toda a manada, e o animal mais proximo,
desconhecido e mais esquecido e e por isto que KaIka chamava de o animal a tosse que o
356
roia por dentro. A angustia existencial e no minimo a suspensão das explicações pela
categoria de causa e eIeito, central para qualquer intenção de construção signiIicativamente
coerente. Nessa suspensão ha a possibilidade da recordação do esquecimento por uma
ruptura com os compromissos de argumentação meramente construtiva para uma
compreensão administrada. E o corpo que somos e animal simultaneamente proximo e
distante, e pais estrangeiro e mudo, pois e aldeia cuja linguagem não conhecemos, a
exemplo da parabola anterior. Mesmo sendo mudo, maniIesta-se no presente como pre-
mundo, por mais que se construam desvios cientiIico-explicativos: e Iome, sede, ardor
sexual e dor que o homem e, mas não sabe o que e, e, quando diz que sabe, promove a
elocução de construtos como discurso do corpo.
Na continuidade da tematização sobre o esquecimento encontra-se Odradek, uma
Iigura em Iorma de um pouco carretel, um pouco estrela com alguns Iios enrolados e dois
palitos sobre os quais se equilibra e sabe correr sem nunca ser alcançado. Benjamin
interpreta-o como sendo um produto bastardo do pre-mundo com a culpa.
Pre-mundo e o conjunto das Iorças do passado presente que apenas e percebido
num gesto de volta atento, mas que se relaciona com a objetivação da compreensão
presente. A culpa e o esquecimento da eIetividade da objetivação em processo atual, ou
ainda, e um misto de objetivação e percepção da objetivação, pois signiIica a necessidade
da permanência nela em meio a insistentes avisos acompanhados de angustia e
preocupação.
Odradek e o simbolo do esquecimento da objetivação, ou a Iorma das coisas no
estado de esquecimento. Ele e o reverso da realidade representacional, quando as coisas
são como arteIato produzido numa objetivação separada e não vistas na perspectiva do
acontecer do pensamento sem representação por Iundamento algum.
Odradek e Ieito de materiais caoticos do lixo pantanoso presente, do reverso da
compreensão oIiciosamente elaborada, lixo que parece merecer que se jogue Iora
continuamente num processo de persistente repressão, mas que se impõe a recordação na
imediação do pensamento enquanto ainda não depurado para o traquejo auto-constitutivo
da compreensão do individuo reIem da sociabilidade imposta. Como mestiço, tem
elementos do pântano do pre-mundo caotico que se vão agarrando a culpa que e a
percepção da impossibilidade de não objetivar, pois e obrigado a objetivar ate o pântano
instaurando-o como entidade signiIicativa. A sua Iigura lembra a agonia da separação
357
inIinita da compreensão em objetivação esquecida e a recordação do seu acontecer
resultando em culpa original e eterna enquanto condição humana. E a questão do
pensamento em duplicata, pois como sera? Se o pensamento Ior a compreensão enquanto
imediação ocorrente, então não pode ser a representação da realidade elaborada na
linguagem, mas o mundo, as coisas, o pensamento e a linguagem são emergência constante
e participações numa totalidade relacionada. Mas, apesar disso, mesmo esta imediação
ocorrente permanece inevitavelmente objetivada no dizer eIetivo, centrando-se na agonia
inIinita da cisão entre a recordação compreensiva disso e a instauração objetivada do
proprio processo da recordação e do seu conteudo. A instauração compreensiva da propria
compreensão e um juizo em Iuga que a si mesmo se quer apanhar sentenciando a
contradição da linguagem a repetição inIinita, pois a compreende e na imediação da mesma
compreensão sempre a repõe. Tal juizo em rapida Iuga e a Iigura de Odradek, do qual
Benjamin diz que 'Ele preIere os mesmos locais que são os do julgamento a procura de
culpa e e a Iorma que as coisas assumem no esquecimento¨. (GS II-2, 431). A oscilação
ambivalente ou a rapida Iuga de Odradek permitem dizer duas coisas ao mesmo tempo
como se Iosse uma maldição: que Deus existe porque se diz que existe e não existe
exatamente por ter sido dito, ja que e parte da expressão do dizer. A razão sonha com a
liberdade absoluta na autonomia do seu dizer e a compreensão como alma sabe da sua
terrivel escravidão no passo a passo de discursos eivados de esquecimento. Odradek e a
Iigura da preocupação e da angustia que acompanha qualquer compreensão
intencionalmente organizada e administrada para Iins de apresentação expressiva e tem,
por isso, a marca do deslocamento possivel enquanto percepção da precariedade de
qualquer Iundamento.
A Iigura do homenzinho corcunda e o prototipo desse deslocamento. O gesto
corcunda em KaIka aparece no homem que inclina a cabeça sobre o seu peito denotando,
por exemplo, o cansaço dos membros do tribunal, o tedio desistente Irente a quem em
plena demonstração de Ie ainda insiste na pergunta e na procura de Iundamento do
exercicio em concreta aplicação de uma sentença ja ha muito tempo promulgada. De
alguma Iorma os membros do tribunal ja intuiram que ha milênios são culpados e que são
cumpridores de uma lei que na justiIicativa da sua aplicação ja se desmancha. Eles sabem
que julgam por supostos que não se sustentam e ja estão no estagio de julgar exatamente
aqueles que não entenderam a inevitabilidade dessa situação. Eles ja levam a carga de
milênios as costas e se impacientam com quem ainda não deciIrou a inutilidade da revolta,
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nada sabe disso, esta sendo acusado de culpado exatamente por isso e parece não querer
entender. Em Strafkolonie |Colonia penal| a culpa e a sentença, que o culpado desconhece,
são gravadas em suas costas por uma antiga maquina de tortura ate que as proprias costas
tornem-se capazes de deciIrar tudo: as costas tornam-se clarividentes, talvez pela situação
pedagogica da dor, da angustia, do acostumar-se com a preocupação e, quem sabe, do tedio
mortal. A antiga maquina de tortura e a nossa velha e conhecida objetivação geral com
todos os seus resultados e em pleno vigor da contradição da linguagem. O homem culpado
leva gravado e cravado nas costas todo o peso da objetivação Ieita qual camelo da cultura
por um deserto sem Iim. Enquanto as costas não se tornarem clarividentes a situação
permanece capaz de ser descrita pela metaIora do sono Ieito entorpecimento compreensivo,
quase cegado pela luminosidade oIuscante da mesma realidade objetiva que agora lhe
aparece a Irente. Entre o estar desperto, mesmo numa compreensão administrada para Iins
construtivos sem revisão constante dos pressupostos, e o sono para o descanso das batalhas
que parecem uteis, ha semelhanças que uma compreensão não atenta desconhece. Entre
uma compreensão atenta ao seu proprio sono instituido e a capacidade de permanecer
insistentemente alerta e acordada, ha deslocamentos que ela mesma não pode
compreender. E então e a vez do ja celebre homen:inho corcunda de Benjamin,
assemelhado com o Odradek de KaIka, que nada explicam quando aparecem, mas so
lembram a diIiculdade do deslocamento para a compreensão da precariedade de qualquer
Iundamento como que zombando com um risinho debochado da inocência alheia.
ConIorme um rabino, o Messias viria ao mundo apenas para retiIica-lo um pouquinho por
deslocamento. Assim, o homen:inho corcunda desaparecera. Benjamin Iaz questão de
lembrar de que tudo isso não trata de 'pressentimento mitico¨ ou de 'teologia existencial¨,
mas de um tipo de oração cara tanto para KaIka e, certamente, para ele mesmo e que
Malebranche deIinia como 'a atenção a prece natural da alma¨ (GS II-2, 432). A Iorça
messiânica inicia com a atenção silenciosa para a percepção do pântano presente como
condição para iniciar a existência no compreender o processo de compreensão, mesmo que
seja pela agonia da angustia.
Sancho Pansa. Benjamin apresenta uma parabola que, em poucas palavras, trata de
algumas pessoas numa estalagem que entabulam proposições sobre o que desejariam se um
unico desejo pudesse ser atendido de Iato. Depois de todos Ialarem, notam um mendigo ao
canto e lhe perguntam o que Iaria. O mendigo conta uma Iantasia sobre ser rei, ter tudo o
que quisesse, mas depois ter de Iugir apressado apenas com uma camisa e sentar então no
359
mesmo banco em que agora esta. Quando lhe perguntam o que teria ganhado com isso, ele
responde: - 'Uma camisa¨. (GS II-2, 443).
Com a parabola Benjamin quer introduzir a intuição do tempo alem da Iorma topica
de abordagem em termos de deslocamento, ou de oscilação da compreensão em si mesma.
O tempo como intuição tambem se apresenta deIormado quando somente e objetivado
como suporte de equações matematicas e imagens geometricas. Pelo contrario, o tempo
pode expandir-se ao inIinito imemorial e, senão simultaneamente, então pelo menos,
imediatamente comprimir-se num ponto so. Assim todos os periodos cosmicos ou todos os
seculos de algum modo estão presentes na atualidade de cada gesto humano, bem como
cada gesto e inIima ressonância do tempo total. A compreensão veicula o tempo para si
mesma, para a sua propria atividade reduzindo-se ao mais entranhado inIinito microcosmo
ate a radiação inIinitamente expansiva do macrocosmo. Nesse contexto ressurge, na prosa
de Benfamin, a estoria das duas aldeias proximas de Lao Tse, cujos habitantes nunca
deveriam visitar-se como exemplo de piedade. So que Lao Tse agora aparece, num tempo
comprimindo seculos, como avô de KaIka, o qual, porem, Iaz o contrario, pois se queixa da
expansão inIinita do tempo da sua memoria explicando:
A vida e inacreditavelmente curta. Agora na recordaçào ela se
comprime de tal forma para mim que custo a compreender como
um fovem pode decidir-se a cavalgar ate a proxima aldeia, sem
temer mesmo deixando de lado acidentes previsiveis que fa o
tempo de uma vida normal de bom êxito sefa insuficiente para o
termino de tal cavalgada (GS II, 433).

A queixa e de que a vida seja curta em relação ao tempo da possibilidade da
narrativa em recordação dos inIinitos detalhes. Portanto, o tempo de vida e comprimido e,
simultaneamente e inIinita em extensão quando a vida deve ser narrada para a
compreensão de cada segundo. Mas, tambem simultaneamente o antigo todo a ser narrado
esta presente no imediato de si extremamente proximo. Ai o tempo comprime o presente, o
passado e o Iuturo em que a imensa massa dos Iatos aparece na presença da compreensão.
Desse modo sempre ja se esta no lugar e no tempo em que se deve estar com uma versão
narrativa mais rica de si mesmo. E isso que o mendigo do episodio anterior sabe: ele ja esta
onde ja devia estar e cumpre, com a sua narrativa, a instauração compreensiva da sua
presença. Benjamin diz que 'ele renuncia a qualquer desejo e troca-o por sua realização¨
(Idem, 434). O mendigo no Iundo nada deseja, Iala com relutância e, então, Iantasia
sabendo da sua atual situação de realização compreensiva. O mendigo e o rei da
360
instauração na compreensão que tem da sua situação: ele esta consciente da sua situação
concreta realizada em compreensão. 'Não tem tempo para um so desejo¨. |Idem| O desejo
dos outros Ialantes na parabola ai parece a representação da construção de uma quimera no
esquecimento de que tambem isso e acontecer vital, enquanto o desejo do mendigo e a
narrativa de si como compreensão na sua situação de agora. A realização desta maneira e a
vida em instauração compreensiva que percebe o tempo enquanto implicado no acontecer:
o acontecer ja e tempo vivo.
O acontecer do tempo vivo parece ser a excitação das criaturas de KaIka, de uma
tribo do sul muito consciente de que a vida e breve e assim não dorme e não se cansa,
porque todos são tolos, como os estudantes, as crianças, os seres ainda imperIeitos pelo
Iato de talvez não serem ainda completamente deIinidos quanto a criterios e valores
capazes de objetivação coagulada em ordem repetitiva. Ficam sem dormir de tanta
excitação e temor diIuso de perder o melhor da Iesta da vida ou esquecer algo que possa
ser importante. E Benjamin sentencia: 'Mas o esquecimento sempre diz respeito ao
melhor, porque concerne a possibilidade da redenção¨. (GS II-2, 435). E e literalmente
isso, pois, do esquecimento, do qual de Iato se sabe, sempre advem a salvação,
precisamente o saber da ocorrência em objetivação. A objetivação e inevitavel, mas,
simultânea a ela, o melhor de tudo pode ser a permanência persistente de se dar conta de
existir na excitação da novidade daquilo que a cada instante vem a ser. ConIorme
Benjamin, ha em KaIka a indicação de uma ascese mesmo que subterrânea, escondida,
velada:
Nos estudos os estudantes estào alerta, e talve: a melhor virtude
dos estudos e mantê-los despertos. O artista da fome fefua, o
guardiào da porta permanece em silêncio e os estudantes velam.
Assim ocultas operam em Kafka as grandes regras da ascese (GS
II-2, 434).

A possibilidade indicada de uma ascese e o exercicio da atenção desperta na
admiração dos conteudos de objetivação que aparecem para justiIicação (como oração da
alma), a disciplina corporal como o artista da Iome em seu jejum e o silêncio do guardião
insistente e negador na escuta do que advem a Iim de entrar na porta da lei para Iazer parte
do repertorio da construção objetivada por algum absoluto.
O ponto alto de tudo e o estudo em andamento, cujos conteudos não tenham servido
para nada, para o nada. Nada, o conteudo objetivado pratico como nada, pois pode ser
361
qualquer coisa por determinação social, imposição secular da Iamilia e da cultura, gestos,
correria, ativismo inconseqüente e inconsciente de rumo. Mas tais estudos 'estão bem
proximos aquele nada que primeiramente torna algo util a saber, ao Tao¨. (GS II-2, 435).
E como um martelar extremamente aplicado na consciência constante e terrivel do inIinito.
Que importância pode ter? Nenhuma, pois e nada entre passado e Iuturo e nada ha para ser
relevado pelo grau assustador de minima importância de uma atividade banal diaria, cuja
obrigação para Iazê-lo pode resultar num tedio atroz. A objetivação pratica de um trabalho
inIimo e inutil em meio a um inIinito todo suposto Iaz emergir a revolta, ou a tristeza, ou o
sentimento de Ialta de sentido de tudo. Mas como e que pode existir um martelar que se
exibe de tal modo como se o proprio inIinito dele dependesse e, por isso, e pleno de
entusiasmo? Como pode haver um quase Ianatismo no apressado estudar do estudo dos
estudantes como se os segredos do universo ai se revelassem? Como pode haver
importância na enorme atenção de um escrevente a copiar as palavras ditas por um
Iuncionario que insiste em murmurar quase incompreensivelmente palavras que para ele
mesmo ja desde muito perderam qualquer sentido: o escrevente, porem, esIorça-se na
escuta como se as palavras Iossem oriundas da boca da mais importante pitonisa? E que ha
um segredo nisso tudo. No teatro da natureza, os atores nada podem deixar escapar, ja que
seria um mau ator aquele que esquecesse uma palavra ou um gesto. O ator executa a sua
Iunção, sempre alerta e atento as nuances do seu desempenho e se vendo em processo
numa peça teatral pre-determinada. A cada instante pode chegar a descobrir e compreender
novidades completamente surpreendentes na sua Iala surrada acompanhada de gestos
repetitivos. Do mesmo modo a teatralidade de um simples martelar esIorçado e diligente,
alem de, com sua modestia, ja Iazer parte constitutiva do inIinito, pode revelar inIinitos
aspectos na propria execução atentamente observada na interação de mão e martelo no
conjunto das circunstâncias em volta. E como se houvesse a compreensão de um inIinito
obrigado a se deslocar por aquilo que e Ieito, observado e descoberto.
Na era da mais profunda alienaçào dos homens entre si, das
ilimitadas relaçòes mediati:adas que se tornaram as unicas, o
filme e o gramofone forma inventados. No filme o homem nào
reconhece o seu proprio andar e no gramofone nào reconhece a
propria vo: (GS II-2, 436).

Todas as palavras e todos os gestos que pareciam esgotados em seu signiIicado ja
exaustivamente objetivado em discursos teoricos de inumeros matizes tornaram-se objeto
362
de estudos dando noticia de um inIinito logo ao lado ou junto a qualquer ação, mas um
inIinito incomensuravelmente maior do que o suposto ate então como resultado da
objetivação geral de acordo com a contradição da linguagem. O martelar com o seu som e
em seu conjunto de mão, martelo e demais circunstâncias, apesar da sua aparente pouca
importância no conjunto tedioso de uma maquinaria em repetição, tambem movimenta
periodos cosmicos ainda invisiveis e inaudiveis, mas passiveis de serem ainda descobertos
e ouvidos. 'A situação de cobaia humana desses experimentos era a situação de KaIka¨.
(GS II-2, 436).
Não se trata de deIesa do progresso pelo conhecimento produzido, mas da
descoberta do que Ioi esquecido nos descaminhos internos e invisiveis da organização a
vista em sua compreensibilidade sedimentada. Palavra dita a ser pensada, gesto concluido a
ser deciIrado: ha uma inIinita tareIa do pensamento rememorativo a empreender. 'Pois e
como que uma tempestade que sopra do âmbito do esquecimento. E o estudo e um galope
contra essa tempestade¨.(GS II-2, 436). O passado presente em cada palavra e em cada
gesto e o esquecimento a ser recordado e desdobrado, e a recuperação a ser Ieita pelo
estudo tem a Iorma da tempestade que nos sopra no rosto reivindicando atenção para a sua
ocorrência. Toda a palavra e todo o gesto estão carregados com o Iardo do passado
esquecido e se trata de cavalgar em direção a esse esquecimento. 'Ai se realiza a Iantasia
do cavaleiro bem-aventurado que arremete contra o passado numa viagem sem carga, Ieliz
e sem peso para a sua montaria¨. (GS II-2, 436). Mas o contrario tambem vale: 'InIeliz,
porem, o cavaleiro que esta preso a sua egua, porque se Iixou um objetivo no Iuturo
mesmo que seja o mais proximo: o deposito de carvão¨. (GS II-2, 436). A vida enquanto
continua descoberta do passado presente e simultânea instauração do seu signiIicado e o
tempo expandindo-se ao inIinito, de modo que o verdadeiro Iuturo esta no passado. O
verdadeiro estudo e a Umkehr, o retorno, a volta. E exatamente esta volta que possibilita
compreender o avô, o antepassado Lao Tse que acha quase impossivel empreender uma
cavalgada ate a aldeia proxima Irente as abruptas rupturas para parada recordativa.
Quem de Iato sabe o caminho de volta e o cavalo de Alexandre, BuceIalo, o novo
advogado o qual retornou sozinho, ao contrario do seu cavaleiro imbuido na conquista do
Iuturo. BuceIalo e, assim, o novo tipo de advogado que, ao inves de construir seu ediIicio
retorico e eIicaz sob Iundamentos não tematizados e esquecidos em aplicações praticas
sucessivas, quer voltar a discussão dos proprios principios permanecendo atento a cada
363
gesto ou palavra em execução. Por incrivel que pareça, BuceIalo sabe que a justiça e mitica
em seus Iundamentos postos e em aplicação e, por isso, tal qual revolução no direito que se
quer em vigor para a ediIicação e manutenção bem administrada da ordem para todo o
Iuturo, recorre a discussão e relativização do mesmo. No Iim das contas e tambem como o
astuto Ulisses na sua volta a Itaca, tendo a sua Irente sempre a ira das tempestades de
Netuno, que não quer que navegue, e as ilhas em que aporta como paragens para as
pequenas e as vezes perigosas tentativas de envolvimento com a objetivação local,
libertando-se sempre delas pela recordação do retorno, num esIorço hermenêutico
deciIrando a situação em que se encontra. Tal e qual guardião diante da porta da lei, ele
não quer deixar entrar ninguem do setor meramente argumentativo para objetivações
gerais: a grande lei e a tareIa da ascese na volta pelo caminho de se compreender que cada
palavra e cada gesto insigniIicante, maquinal e ja sempre objetivado na maquinaria mitica
da objetivação costumeira, e expressão e sinal da palavra e do gesto inIinitos ainda não
advindos, mas sempre em possivel advento. Numa critica ao mito do direito, o homem em
Irente da porta da lei e a procura de entrada para solidiIicação de Iuturo previsivel em suas
repetições, deve sempre ai permanecer em estudo de retorno intermitente a Iim de não
poder transIormar tudo em mito de acordo com a objetivação na contradição da linguagem.
Mas isso não signiIica que a justiça esteja deposta, mas e exatamente o contrario, pois e a
justiça que depõe o mito precisamente no caminho de volta. 'O direito que não e mais
praticado, mas apenas estudado, e a porta da justiça... A porta da justiça e o estudo¨. (GS
II-2, 327). Benjamin arrisca que KaIka tenha encontrado a lei da sua viagem bem-
aventurada pelo menos uma vez num texto seu que e uma interpretação de Don Quixote de
Cervantes:
Sancho Pansa, que, alias, nunca se gabou disso, conseguiu no
decorrer dos anos desviar de si o seu demonio, que ele mais tarde
denominou Don Quixote, fornecendo-lhe inumeros romances de
cavalaria e pirataria, de tal modo que este foi levado a praticar as
proe:as mais delirantes que, porem, por falta de um obfeto
determinado, que deveria precisamente ser sido Sancho Pansa,
nào fa:iam mal a ninguem. Sancho Pansa, um homem livre, talve:
por um certo sentimento de responsabilidade, seguia Don Quixote
com paciência e disso tinha um grande e util entretenimento ate o
fim da vida (GS II-2, 438).

Sancho e um personagem em meio a trivialidade cotidiana geral, como, alias, o
proprio KaIka, o qual desvia de si o demônio enquanto possibilidade do aIundamento na
364
objetividade com seus programados desejos, dos quais sabe que existem administrando-o
no mundo objetivo pela corrupção quietista reduzindo-o a apenas objeto determinado e util
da grande maquina organizada. Sancho, - ou KaIka -, deu-lhe todas as redeas na
imaginação realista objetivada, resolveu que o cenario seria o tempo na composição da sua
propria vida e o seguiu com atenção pacienciosa, isto e, na observação de si em tudo o que
e cotidiano objetivado em palavras e gestos e, então, descobrindo e promovendo rupturas
compreensivas num acompanhamento de um caminho de retorno ao passado, que a Don
Quixote parecia Iuturo, divertiu-se a valer aplicando a ascese na compreensão da
contradição da linguagem como o que e a lei da ocorrência do existir. Sancho Pansa volta
ao passado acompanhando Dom Quixote para o Iuturo precisamente por ele sempre
inaugurado. Por tras disso, em identiIicação seqüente, esta Cervantes, depois KaIka, depois
Benjamin.
'Enquanto tolo ponderado e ajudante atrapalhado, Sancho Pansa mandou o seu
cavaleiro na Irente¨, isto e, Ioi livrando-se da carga do esquecimento que pesa sobre as
palavras e os gestos como se estivessem nas suas costas. O cavalo de Alexandre, 'BuceIalo
sobreviveu a sua carga. Homem ou cavalo, pouco importa, desde que a carga seja tirada
das costas¨. (GS II-2, 428).




















365



10. ENTRE O DIZER E O DITO


No artigo Hoffnung im Jergangenen (Szondi, P., 242) Peter Szondi reIere-se
inicialmente ao livro de lembranças Infancia berlinense em 1900 de Walter Benjamin com
uma longa citação de Tiergarten, em que Benjamin louva as vantagens de saber perder-se
numa cidade como acontece na selva: 'Não saber orientar-se direito numa cidade...etc.¨
Szondi exlica que Infancia Berlinense, uma das mais belas poesias em prosa, surgiu
em 1930, Ioi publicada em partes nos jornais ate surgir como obra completa em 1950, dez
anos apos a morte do autor. Tal qual Proust, de quem era tradutor, Benjamin estava a
procura do tempo perdido como indicam os titulos Coluna da vitoria, Loggias,
Kaiserpanorama, Partida e regresso. Enquanto escrevia a obra, Benjamin conIessa a
Adorno que nada mais quer ler de Proust, ja que percebe nisso uma dependência que chega
as raias do vicio (Idem, 242). Tal conIissão leva a crer que Recherche du temps perdu
signiIicava para ele não apenas uma simples inIluência casual, mas uma aIinidade eletiva
que poderia explicar algo da caracteristica da sua obra.
Rilke, Ernst Robert Curtius e Benjamin empenharam-se na tradução e divulgação
da obra de Proust. O periodo nazista pôs um Iim nisso. Mas tanto Rilke quanto Benjamin
Iicaram marcados pela obra de Proust, cada um a sua maneira. Alem do mais, chegando ao
Iim da sua narrativa, em que o narrador coincide com o inicio do romance quando chega a
decisão de narrar o ja narrado, Proust mesmo indica o que podera acontecer aos seus
leitores:
Mais pour em revenir a moi-même, fe pensais plus
modestement a mon livre, et ce serait même inexact que de dire em
pensant a ceux que le liraient, a mês lecteurs. Car ils ne seraient
pas, selon moi, mes lecteurs, mais les propes lecteurs deux-
mêmes, mon livre netant quune sorte de ces verres grossissants
comme seux que tendait a uma acheteur lopticien de Combrav,
mon livre, grace auquel fe leur fournirais le moven de lire em eux-
mêmes.(Idem 243).
366

Mesmo levando-se em conta a grande diIerença entre uma obra e outra quanto a
extensão e ao conteudo, percebe-se a enorme Iascinação de Benjamin quando diz: 'Como
uma mãe que abriga o recem nascido em seu seio sem o acordar, assim a vida procede
muito tempo com a ainda suave recordação da inIância¨ (Idem, 245). O sentido da Irase
indica que quase tudo o que a inIância Ioi permanece encoberto por anos e anos ate que de
repente e casualmente reaparece como se Iosse um presente.
Mas o tema de Proust e o mesmo que o de Benjamin? A procura do tempo perdido
obedece as mesmas intenções? Ou ha apenas a aparência da semelhança, podendo ser na
verdade um o contrario do outro? Talvez a Iascinação beirando a dependência viciosa que
Benjamin conIessa em relação a Proust queira indicar uma diIerença Iundamental que ele
queira indicar.
Pela comparação chega-se a conclusão de que ha diIerenças Iundamentais. O
sentido da procura de Proust pelo tempo perdido encontra-se expresso no Iim do livro. O
heroi do romance ai reconhece o sentido e tal Iato vem a ser o ponto alto da obra, pois por
isto Ioi escrita e pelo percurso da mesma escrita se possibilitou. Duas são as Iontes de que
provem tal conhecimento e que cedo na obra aparecem. A primeira e a Ionte de sentimento
inexprimivel de Ielicidade quando sua mãe lhe da um biscoito Madeleine mergulhado no
cha e pelo gosto lhe vem a recordação de toda a sua inIância, ja que quando criança muitas
vezes havia recebido tal quitute desta Iorma. A segunda e Ionte de desolação, de suspeita
dolorosa que lhe sobrevem quando o seu pai lhe diz que ele não esta Iora do tempo, mas
que esta sujeito as leis do mesmo. Felicidade e susto, essas duas experiências são
percebidas em sua conexão: a razão do sentimento de Ielicidade da primeira experiência e
a libertação do susto da segunda. Proust vai a procura do passado como tempo perdido a
Iim de encontrar esse mesmo tempo e escapar a sua esIera na coincidência de passado e
presente. A sua meta e a perda do proprio tempo na procura do passado como o tempo
perdido.
Em Benjamin e diIerente: percebe em cada recordação o prognostico de uma
experiência acontecida posteriormente. Em Tiergarten, quando la se encontra perdido
diante do pedestal da rainha, escreve: 'Pois e aqui ou por perto que Ariadne deve ter posto
o seu leito, em cuja proximidade compreendi pela primeira vez, e para nunca mais
esquecer, o que mais tarde me veio (me coube) como palavra: amor¨ (Idem, 246). Cenas
367
semelhantes são narradas em Dispensa, Duas capelas de latào, O acordar do sexo, A febre,
Caixa de leitura. Em cada uma dessas cenas Benjamin encontra indicios, pressagios e
rastros da sua vida Iutura.
Recordações que lhe advêm são as de cunho social quando os seus pais 'em
sociedade¨ davam recepções. Primeiramente do seu quarto o menino ainda ouvia os
convidados e a sua recepção. Depois a 'sociedade¨ que mal se Iormara parecia esvanecer-
se para em quartos mais distantes dar noticia de si por passos e conversas. A burguesia
com seus costumes observados pelo menino seriam objeto e motivo de reIlexão social e
historica para o adulto posteriormente.
A diIerença entre Proust e Benjamin torna-se evidente. Proust procura o passado
para escapar ao tempo: anseia pela coincidência de passado e presente por meio de
experiências que os juntem em experiências analogas. Em ultima analise procura saIar-se
do Iuturo que signiIica a morte. Benjamin, por sua vez, procura o Iuturo exatamente no
passado em seus traços vindouros. Proust escuta o eco do passado e Benjamin nesse
mesmo tempo atenta aos sons de aIinação da execução orquestral Iutura. DiIerentemente
de Proust, Benfamin não quer saIar-se a temporalidade almejando alguma essência trans-
historica, mas anseia por experiência e conhecimento historicos. Com isso e reportado a
um passado que não esta concluso, mas aberto o Iuturo. Trata-se do Iuturo do passado em
que paradoxalmente ha Iuturo no passado.
Benjamin escreve adivinhando a diIerença que o separa de Proust:
O defa vu foi muitas ve:es descrito. A designaçào e
propriamente feli:? Nào se deveria falar de fatos que nos atingem
como um eco, cufo som que o gerou parece ter soado alguma ve:
na escuridào da nossa vida passada?...Curioso que ainda nào se
examinou o reverso desse encantamento o choque com que uma
palavra nos torna perplexos como um mofo esquecido no nosso
quarto. Como este nos fa: inferir algo estranho que ai estava,
assim ha palavras ou pausas que nos fa:em inferir aquela
estranhe:a invisivel. o futuro que ela esqueceu conosco. (Idem,
247).

DeIinições duplas por metaIoras são do estilo de Benjamin e o exemplo do defa vu
pode servir tanto a sua propria intenção como tambem a procura ja mencionada de Proust.
Mas o trabalho de Benjamin e o da recordação como se expressa na Irase: 'Como raios
ultra-violeta a recordação mostra a cada um no livro da vida uma escrita, a qual glosava o
texto qual proIecia¨. (Idem, 250).
368
Proust precisa contar toda a sua inIância para cumprir a sua tareIa, enquanto que
Benjamin pode evocar somente aqueles momentos da inIância que abrigam o prenuncio do
Iuturo.
A relação entre Proust e Benjamin tambem possibilita perguntar pelo sentido da
procura deste pelo tempo perdido, ja que pelo exposto e uma procura pelo Iuturo perdido.
Tal perspectiva esta ligada ao restante da obra historico-IilosoIica de Benjamin em que tal
motivo se torna premente.
Adorno a respeito disso diz: 'O ar pelos cenarios que se dispõem a acordar na
apresentação de Benjamin e mortal¨. (Idem, 251)
O declinio que Benjamin conhece, o qual impede o olhar para o Iuturo e que lhe
permite ver o vindouro apenas onde ja passou não e somente experiência sua na sua epoca.
Por isso a Infancia berlinense pertence a pre-historia da modernidade, um tema em que
trabalhou nos ultimos quinze anos da sua vida como tematica geral sob o titulo de Paris, a
capital do seculo XIX.
Como Benjamin viu a epoca da tecnica? O Iim de Rua de mào unica o mostra.
Benjamin critica não a tecnica, mas a traição cometida em nome da realização da
tecnica. A sua atenção volta-se não mais as possibilidades hodiernas da tecnica, mas ao
tempo em que a tecnica ainda representava a possibilidade de uma relação entre homem e
natureza no horizonte do Iuturo e não apenas dominação da natureza. Novamente ai se tem
o movimento de enxergar o Iuturo no passado, mesmo que o presente esteja negando tal
Iuturo. O caminho a origem e o caminho de volta, mas um caminho para algo vindouro
mesmo que por enquanto ultrapassado e ate pervertido em sua ideia, mas não totalmente
desistente da promessa original. E o caminho paradoxal do historiador que, de acordo com
a deIinição de Schlegel, e um proIeta voltado para tras. De modo parecido Adorno se
expressa em seu vies de analise da vida prefudicada em Minima moralia:
Filosofia, como ainda somente se pode responsabili:ar
frente ao desespero, seria a tentativa de considerar todas as
coisas como por si se representam sob o ponto de vista da
libertaçào. Conhecimento nào tem outra lu: do que aquela que a
partir da libertaçào se dirige ao mundo. todo o resto se esgota na
construçào imitativa e permanece um pedaço da tecnica.
Perspectivas devem ser produ:idas, nas quais o mundo se desloca,
aliena, revela os seus rasgòes e as suas fendas como um dia ai
estara desfigurado na lu: messianica. (Idem, 252).

369
Ha que se comentar o Iato curioso de que aqui a citação de Adorno acerta o centro
da IilosoIia de Benjamin no que concerne ao conhecimento. Pelo menos e o que parece na
Irase sobre o conhecimento que so e possivel a partir da libertação. Falta dizer o que e,
para onde se esta virado e o que se entende por luz messiânica.
O desejo curioso de se saber perder na cidade e compreensivel a partir da
perspectiva aventada e, como diz Benjamin, treinamento e necessario para tanto e, ainda,
que ele mesmo so aprendeu isso bem tarde. Na Rua de mào unica lemos: 'Quando uma
vez iniciamos a nos orientar no local, então aquela pristina imagem nunca mais pode se
reconstituir¨. (Idem, 252). Por causa dessa imagem tão pristina e que existe o desejo da
capacidade de se perder, pois e essa imagem que guarda a possibilidade da recordação do
Iuturo.
E interessante observar que no texto de Heidegger O que significa pensar ha uma
reIerência a Nietzsche da epoca pouco anterior a sua loucura, um ultimo bilhete que
escreveu a um amigo em que Iala de sempre se saber perder e que agora o amigo o teria
achado e, portanto, estaria perdido de Iato.
Este motivo da 'Infancia berlinense` e tambem reiterado nos escritos historicos,
politicos e IilosoIicos de Benjamin. E evidente que tambem a mesma relação possa existir
entre um livro autobiograIico e uma obra de cunho cientiIico como a sobre Origem do
drama barroco alemào.
Na sua Estetica o IilosoIo Hegel se expressa a respeito da cega erudição que passa
ao largo da proIundeza sem a compreender, mesmo quando claramente expressa e
apresentada. Deve-se perguntar, porem, se não e inevitavel errar tal proIundeza toda a vez
em que se abstrai da experiência propria a Iavor de uma cientiIicidade mal compreendida,
pois a objetividade esta relacionada a subjetividade. Objetividade desvinculada do sujeito e
Iicção impossivel. Assim, conIorme relato de Adorno sobre Benjamin, a ideia central da
Origem do drama barroco alemào surgiu da visão de um rei num teatro de marionetes cuja
coroa se achava deslocada na sua cabeça.(Idem, 253). (
Nas Teses sobre o conceito de Historia lemos: 'O passado leva consigo um indice
temporal pelo qual ele e reIerido a libertação¨. (Idem, 252) Essa Irase, por sua vez, pode
ser relacionada com a que menciona a recordação, a qual mostra a cada um uma escrita que
de modo invisivel enquanto proIecia glosava o texto.
370
O ultimo esIorço de Benjamin concentrou-se na Iundação de um novo conceito de
historia que pudesse quebrar a concepção de um tempo homogêneo e vazio, do progresso
como se Iosse uma norma historica. A sua concepção, ao contrario Iunda-se na dialetica de
Iuturo e passado, no messianismo e na recordação. Numa das teses usou como distico a
Irase de Karl Kraus: 'A origem e o alvo¨. Entende-se, então, que Benjamin estivesse na
mesma epoca ocupado com a pre-historia da modernidade e, tambem, que tivesse ha mais
de vinte anos escrito A origem do drama barroco alemào. Suas premissas são
completamente diIerentes das costumeiras. Os conceitos de gênero da poetica estranhos a
historia para ele se tornam problematicos e assim chega a seguinte determinação:
Origem, apesar de inteiramente categoria historica,
mesmo assim nada tem em comum com começo. Com origem nào
se pensa em nenhum vir a ser do que surgiu, mas muito mais do
que surge em meio ao vir a ser e deperecer. A origem encontra-se
no rio do vir a ser como o redemoinho e puxa para dentro do seu
turbilhào ritmico todo o material que surge. No nu e evidente
estado do fatico o original nunca se da a conhecer, e apenas a
uma visào dupla o seu ritmo se capta. Ela quer ser reconhecida
como restauraçào, como reconstituiçào por um lado, e exatamente
nisso, como incompleto, inconcluso por outro. Em cada fenomeno
de origem se determina a figura pela qual uma ideia se arranfa
com o mundo historico ate que se encontre consumada na
totalidade da sua historia. Portanto, a origem nào se pòe em
evidência frente ao estado fatual, mas concerne a sua historia
anterior e posterior.[...] O autêntico aquele selo de origem nos
fenomenos e obfeto de uma descoberta, uma descoberta que se
liga de um modo unico com o reconhecimento.(Idem, 254).

A categoria que se relaciona com a recordação e a experiência, cuja atroIia a seu
ver caracteriza a modernidade e da qual diz que Proust procurou reconstitui-la em meio as
condições da sociedade de hoje pelo modo sintetico, ao passo que em 'Baudelaire a
recordação recua em Iavor da memoria. Chama a atenção que nele ha poucas recordações
de inIância¨.(Idem, 254). Mas qual seria a desvantagem disso? E o que outra Irase lapidar
explica: Na memoria se precipitou a crescente alienação do homem que inventaria o seu
passado como posses mortas. No seculo XIX a alegoria evacuou o mundo ao derredor para
se instalar no mundo interior (Idem, 254).
O inventario do passado, com o qual a alegoria do barroco e virada para o interior e
o correlato com a concepção historica costumeira. As teses sobre a concepção da historia
procuram destrui-la.
371
A compreensão disso talvez seja que perceber o passado como deIinitivamente
passado, sem ação correlacionada no presente com o sujeito que assim percebe, expressa o
sentimento de desvinculação orgânica do sujeito com o assim chamado externo das
circunstâncias para se ensimesmar numa baraIunda puramente racional pretensamente
manipulativa: a razão autônoma e solitaria explica e cria o assim chamado externo a partir
das suas categorias. A explicação solitaria por alegoria e o substituto disso na procura do
sujeito por sentido do que esta posto conIorme a pretensão de uma objetividade
absolutamente desvinculada do mesmo sujeito.
Benjamin editou uma coleção de 25 cartas sob o pseudônimo de Detlef Hol:, em
que aparecem os nomes de Lichtenberg, Voss, Hoelderlin, Goethe, os irmãos Grimm,
David Friedrich Strauss, Georg Buechner. O livro chama-se 'Personalidades alemãs¨ e,
num exemplar, ele Ioi dedicado a sua irmã Dora para ser uma arca de acordo com o
exemplo judeu. Por que? 'E dado o dom de acender a chama da esperança no passado
apenas aquele historiador que e perpassado pela convicção: ate os mortos não estão
seguros diante do inimigo quando ganha¨.(Idem, 254). Portanto, a arca signiIica a
promessa que existe no exemplo dos mortos, que e capaz de alcançar aqueles sobreviventes
que se deixaram enganar imaginando as circunstâncias da epoca como uma enchente
IrutiIera, mas que na verdade era o proprio diluvio.
Por Iim, pode-se aIirmar que Szondi percebe claramente a postura de Benjamin que
e a de se voltar ao passado de si com as circunstâncias da epoca a Iim de vasculhar o
signiIicado la inscrito como se Iosse uma escrita presente e postuma ao mesmo tempo, mas
ainda capaz de acordar no tempo presente o bom leitor. A pergunta que se Iaz ouvir e: o
que impede que na epoca exata se leia corretamente? O que impede que muitos não
acordem pela rememoração nem em tempos posteriores? Ha um impedimento Iatal, uma
diIiculdade enorme por vencer a Iim de que se chegue ao entendimento considerado
correto. Que impedimento e esse?
A tese e a de que se trata da contradição da linguagem quando esta se concentra
exclusivamente na objetivação.





372
CONCLUSÄO

Rastlos vorwärts musst du streben,
Nie ermüdet stille stehen,
Willst du die Vollendung sehen;
Musst ins Breite dich entIalten,
Soll sich dir die Welt gestalten;
In die TieIe musst du steigen,
Soll sich dir das Wesen zeigen.
Nur Beharrung Iührt zum Ziel,
Nur die Fülle Iührt zur Klarheit,
Und im Abgrund wohnt die Wahrheit.

(Sempre a Irente na aspiração,
Jamais cansado Iica imovel,
Se quiseres consumação;
Em amplidão te desenvolvas,
Que o mundo se molde a ti;
As proIundezas tens que ir,
Para mostrar-se a ti a essência.
Leva ao alvo so a persistência,
So o pleno da claridade,
E no abismo esta a verdade.)
(Schiller, F. Sprüche des ConIuzius,
Saemtliche Werke, Bnd 1, S. 227.)

Na aposta de que uma posição IilosoIica enquanto ponto Iocal declaradamente
determinante como tambem subjacente esteja a caracterizar todo o percurso teorico de
Walter Benjamin aparentemente disperso em seus interesses voltados as mais variadas
areas do saber, a presente tese almejou indiciar, elucidar, apresentar e tematizar, num
percurso meditativo e critico imanente aos textos, a sua concepção de IilosoIia relacionada
com a contradiçào da linguagem.
Pôde-se ao longo das tematizações dos textos, que para esta tese mais de perto
interessam, perceber que tal posição IilosoIica vai bem mais alem do que mera assunção,
discussão e deIesa de grupos de conceitos epistemologicos ja estruturados como sistema,
373
mas convidando a estes mesmos nesse mesmo caminho para a revisão das suas proprias
condições de argumentação para um dialogo que não esteja esquecido no desejo de
somente autoconstrução, competição e eliminação mutua.
A posição IilosoIica que se da conta da contradiçào da linguagem ativa-se alem da
ja apequenada retorica de manutenção estrategica de pontos de vista IilosoIicos no apice da
cultura, pois permanece na retaguarda e em meio ao exercicio dinâmico da escuta, da
noticia mutua em admiração e da organização concreta de inter-relações. Alem das
vantagens da sua aproximação com a arte, a teologia, a historia, a politica, a ciência e a
tecnologia, a posição IilosoIica de Benjamin e um determinado âmbito de abstração
reIlexiva que se expressa numa postura de avaliação de auto-compreensão como jeito de
ser a medida que constantemente se da conta e descobre a contradiçào da linguagem nas
objetivações que se sucedem.
Pelo exposto, tambem o metodo empregado no presente trabalho Ioi o constante
dialogo critico com os textos em questão para poder elucida-los em sua proIundidade. Ele
pautou-se, por isso, numa interpretação interna e seqüente apresentação do sentido do
texto. Ao longo da apresentação e elucidação dos textos enIocou a tese de que o
pensamento IilosoIico de Walter Benjamin se elabora pela descoberta, apresentação e
aplicação da contradiçào da linguagem.
Mesmo que a IilosoIia de Benjamin a primeira vista se caracterize como amalgama
ou ate proliIeração de ideias em desesperado descentramento tipico da Pos-modernidade,
ela na verdade e uma provocação para um exercicio que em seu percurso apresenta
insistente e intermitentemente a possibilidade de relação com todas as areas de saber. A
aposta e a descoberta Iundamental e a de que, pela contradiçào da linguagem, ja ha uma
relação entre todas as areas e modos de pensar e dizer que pode ser motivo de descoberta.
Todas as maniIestações de construção de Iundamentação para os Iins da
objetivação na linguagem mostram-se precarias, parciais, e e apenas no esquecimento da
propria insuIiciência que se constroem absolutos. Um Iundo silencioso não identiIicavel,
mas sempre suposto inevitavelmente na instauração do sentido na linguagem, e a propria
abertura que possibilita a saida para novos horizontes alem dos reducionismos totalitarios
dogmatica e competentemente instalados. Qualquer todo Iundamental que se apresente em
sua descoberta expõe-se maniIestamente como parte, pois a sua circunscrição, deIinição e
nomeação constantes chamam a atenção para o Iato de que sua exposição descritiva e
374
apenas atividade participativa nele, mas de evidente importância por agregar-se ao
universo do sentido presente historicamente.
Toda evolução operatoria construtiva que se mostra na ocorrência do empirico
carrega consigo esse Iundo ambivalente que o reIere a contradiçào da linguagem. E ele
transcendental enquanto presença de toda a pletora do sentido sempre presente na
linguagem, elaborado por todos os seculos, na sua maior parte esquecido, mas atuante nas
aplicações compreensivas sonâmbulas da atualidade? São as Iiguras platônicas que no
Mito da caverna se interpõem entre o sol e o Iundo da caverna para em sua parede
projetarem as sombras que enganam a quem esta amarrado e preso no assento da
acomodação da irreIlexão a apontar movimentos absolutamente objetivos e deIinitivos em
sua Iorma de explicação? Seja qual Ior a resposta a questão, sempre havera nela a intenção
de aclarar objetivamente o estado de coisas a partir de um Iundamento mais alem,
inevitavelmente suposto, desconhecido e imediato acompanhante dos esIorços na propria
elaboração de qualquer dizer. A intenção da objetivação inerente a linguagem em
ocorrência em qualquer discurso sempre aIirma muito mais do que propriamente consegue
sustentar, pois aponta para um âmbito que considera estar separado dela na presunção de
argumentos seguros a base de Iundamento conIiavel. Tanto o Iundamento presumido,
porem, como tambem os objetos apontados não conseguem abandonar os limites da
linguagem, da qual, então, Iazem parte relativizando-se como Ialsos absolutos para se
aIirmarem como uma das suas expressões. Da sua continua, impetuosa e inevitavel
tentação de inaugurar reinos metaIisicos alem de si mesma, e no esquecimento de si em
auto-execução, a linguagem consegue buscar o retorno a si no desmonte do seu delirio
construtivo pela recordação destruidora e silenciosa do que presentemente prima pela sua
ausência. O dizer atual se expressa na presença de um dito silencioso que o carrega e no
qual participa dele emergindo sem cessar ao modo de noticiamento em que o mensageiro
continuadamente esquece a relação de si mesmo com a mensagem que certamente o deIine.
Ha duas maneiras Iundamentais nos quais a linguagem imprime a sua dinâmica. A
primeira delas e a direção de objetivação construtiva a partir de um Iundamento suposto na
atividade do que e proposto como aplicação continuada pelo uso de estrategia politica,
missões variadas, propaganda, retorica soIistica, apologia, deIesa e acusação juridica.
Nesta direção o que interessa e a ediIicação de torres, que não pretendem jamais ser
derrubadas na conIiança da excelência dos seus Iundamentos, e a arregimentação de
375
exercitos, que deIendem e atacam, conIiantes no bom desempenho dos instrumentos e das
armas que utilizam mecanicamente e satisIeitos com as vozes de comando que parecem
traduzir principios merecedores de cega obediência. A segunda delas e a volta e o retorno a
veriIicação e a tematização dos Iundamentos, o que leva ao dar-se conta de que todos eles
são expressão de linguagem endurecida por determinadas e superpostas teceduras Ieitas de
conceituações carentes da recordação dos caminhos em que chegaram a vir a ser o que
agora são. A primeira delas e a concepção que caracteriza a linguagem como instrumento
de uso para a denotação, ou de sinalização objetiva e externa de algo que o Ialante aponta
como se Iosse separado de si mesmo. Por essa perspectiva ele intenta reproduzir no
pensamento e pela linguagem algo que se lhe apresenta como objeto de realidade em si e
Iora da circunscrição da linguagem como se limites houvesse, bem como tambem ao modo
de exterioridade daquele que Iala para que o mesmo possa constituir-se sujeito articulador
do processo. O sujeito assim se supõe Iundamento para conhecer e representar em si
Iigurativamente uma realidade objetiva externa a si pelo uso instrumental da linguagem.
Desse modo ele considera a linguagem como um mero instrumento de uso inventado
aleatoriamente para satisIazer os interesses da sua razão autônoma. Necessita, então,
exercer sem cessar o controle e a analise sobre a realidade e as suas modiIicações no
sentido externo, alem de ainda sobre as suas proprias capacidades motivado pela
necessidade de vigilância para a eIiciência da representação que Iaz em termos da verdade
como adequação. O sujeito julga-se suporte do seu discurso, pois considera que quanto
mais puder observar, calcular e analisar o que se lhe apresenta como externo e separado de
si e quanto mais puder estabelecer, tambem por analise, as proprias condições internas que
lhe possibilitam que explique a correspondência entre ambos os polos, tanto mais Iirme
permanecera em seu posto de autonomia racional. Num processo de recorrência continuada
necessita, pois, assegurar-se de que as condições da Iundamentação em si mesmo e o uso
da linguagem instrumental estejam corretas para que a adequação a realidade seja realizada
por representação perIeita. Com tal processo de objetivação o sujeito procura instaurar um
Iundamento sempre separado de si mesmo que precisamente o Iundamente como sujeito, a
Iim de que seja possivel o julgamento sobre a correção do trabalho de analise e elaboração
do objeto separado e Iixo em Irente. Todas as Iundamentações objetivadas resultam
precarias por pretenderem estabelecer a totalidade absoluta por um discurso dela separado
que nunca podera sustentar-se. O resultado, como ja dito, e a impossibilidade de
376
Iundamentação total e absoluta de qualquer discurso que suponha Iundamentação possivel
para a justiIicação de objetivação separada do seu dizer.
A segunda maneira com que a linguagem imprime a sua dinâmica de contradiçào
trata da compreensão da mesma enquanto intermitente expressão da propria totalidade que
necessaria e inevitavelmente sempre supõe pelo Iato de nela participar. Tal expressão
inclui todas as Iormas de explicação ja elaboradas na linguagem sobre Iundamentação,
subjetividade e objetividade. Como visto na primeira secção deste trabalho de tese, sendo a
propria linguagem com todas as suas virtualidades ja imediatamente expressão da
totalidade que inevitavelmente supõe, então todas as tentativas de Iundamentação Iazem
parte do seu acervo expressivo, pois não ha como elaborar algo expressiva e
signiIicativamente sem linguagem pela qual e inevitavelmente elaborado. Desse modo o
homem se deIine pela linguagem que mesmo e, pois sempre se relaciona com a linguagem
total das coisas que esta precisamente a traduzir conIorme visto na segunda secção.
Qualquer maniIestação intencional de construir ediIicios de Iundamentação sera
acompanhada pela linguagem que e, mas que esta a esquecer na ilusão do absolutismo da
objetivação.
No texto da primeira secção que versava sobre a indicação e a descoberta da
contradição da linguagem chegamos a conclusão de que dizer que algo e, descrever que
algo e desse ou daquele modo, o que implica supor que mesmo se e no e como exercicio de
descrição, explicação e interpretação; implica a veracidade do seu exercicio e, mais ainda,
implica supor que aquele que diz, ele mesmo esta sendo ao Ialar, o que podera tentar
provar na atividade explicativa em objetivação e não o consegue, pois, para o conseguir,
tera de mencionar algo alem de si, dentro de si ou ao lado de si, ou seja, para ser, precisa
dizer algo outro dizendo a si mesmo, isto e, esta na condição de se aIirmar a si mesmo no
exercicio de aIirmar algo outro. O outro em objetivação alem de si como se Iosse Iora de
si, e que ele intenta expressar apontando-o, tambem não pode ser sem a aIirmação
deIinidora daquele que se identiIica pelo ser que se expressa ao dizer a si mesmo
justamente desta Iorma. Ainda no mesmo local acentuava-se que se aIirmar a si no
exercicio de aIirmar ja e ser aIirmando algo que se coaduna com o que e como
compreensão, um conteudo sobre o qual se julga. Mas, exatamente o conteudo julgado com
pretensão de objetividade comunicativa e a aIirmação Ieita que descreve expressivamente
aquele que a Iaz. Não ha como dizer algo outro sem se descrever a si mesmo no que diz e
377
descreve, ou ainda, sem Iazer expressivamente o desenho de si pelo proprio exercicio do
dizer. Tudo o que se compreende ao dizer e inevitavelmente a propria compreensão que e
um acontecer constante sem possibilidade da garantia de objetivar algo enquanto
absolutamente outro como separado, a parte de si. A separação, a dicotomia entre o
conteudo e o proprio exercicio de Ialar, entre objetivação necessaria e atividade pragmatica
em ocorrência eIetiva e uma intenção sem sucesso, inexistente, mas e como se Iosse
possibilitada por um determinado esquecimento, de modo que acontece um constante
descrever-se a si mesmo, porem, na intenção de descrever o outro em termos de objeto. Por
este vies, qualquer julgamento Ieito e julgamento de si mesmo e a divisão tentada e divisão
de si mesmo. DeIinição explicativa apenas de outro seria hermenêutica parcial, separação e
estranhamento no reino da objetivação pura, caso houver esquecimento de que não ha
meios de haver separação.
Esta segunda maneira de a linguagem imprimir a sua dinâmica de contradição
inerente a si não se pode simplesmente identiIicar com o pensamento substancialista que se
expressa como Teologia negativa, pois ja a nominação do todo e das suas qualidades pela
via da negação ja aposta na possibilidade de deIinição. Trata-se antes do âmbito do silêncio
em que o inIinito do dito com suas possibilidades jamais pensadas da condições e obriga a
inaugurar o novo em constante descoberta pela recordação. E condição humana descrita
como o anjo apavorado da IX Tese de Sobre o conceito de historia, que ja sempre Iaz parte
do que vê e desaprova a ponto de ser sem poder alçar o seu vôo para algum alem onde se
pudessem apresentar as garantias da Iundamentação absoluta ou grande novo inicio sem as
ingerências do que ja Ioi produzido em termos de sentido objetivado e instaurado
historicamente e de que Iaz parte. A libertação, ao contrario disso, inicia-se vendo e
indicando a catastroIe, isto e, a solução vem a ser o indiciamento constante e a sua
insistente aplicação a todos os materiais signiIicativos emergentes ao modo da objetivação
na cultura humana, principalmente aos que veiculam o culto ao progresso pelo catastroIico
esquecimento da contradiçào da linguagem, o qual tantos e tantos escombros ja produziu:
'Minhas asas estào prontas para o voo,/ de bom
grado voltaria atras,/ pois mesmo se eu permanecesse tempo
vivo/ minha felicidade seria menor.` (Gershom Scholem,
Saudação do Ângelus)
Ha um quadro de Klee denominado Angelus Novus.
Representa ele um anfo que parece estar na iminência de
afastar-se de algo em que crava fixamente os olhos. Tem os
378
olhos esbugalhados, a boca aberta, as asas desdobradas. Tal
e o aspecto que deve ter o Anfo da Historia. Tem este o
semblante voltado para o passado. La onde nos vemos uma
cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma unica
catastrofe que nào cessa de amontoar escombros sobre
escombros e de arremessar esses escombros a seus pes. Bem
gostaria ele de demorar-se, de ressuscitar os mortos e funtar
o destroçado. Mas, do Paraiso, sopra uma tempestade que se
prende a suas asas, tào fortemente, que o anfo nào as pode
fechar. Essa tempestade o empurra incessantemente para o
futuro, a que ele da as costas, enquanto diante dele o monte
de destroços se acumula ate o ceu. Essa tempestade vem a
ser precisamente o que se chama progresso.

A contradiçào da linguagem, pelo visto, recorda a possibilidade de inumeras
interlocuções com teorias ja inauguradas e instituidas como Iator de compreensão em
aplicação naturalizada no cotidiano, de acordo com a Irase ~Ai surgiu a juventude das
conversas obscuras¨. (GS II-2, 96). ConIorme ja dito, trata-se dos limites entre o sonho e o
despertar e a pergunta sempre sera sobre quando e sonho e quando e acordar. A
visibilidade maxima da-se como intenção de estabelecer os limites precisos dos conceitos
em uso a Iim de que possam ser considerados indiscutiveis: a clareza e a distinção que
intenta possibilitar a transparência de qualquer conversa procura-se atender pela exata
circunscrição dos conceitos utilizados. Mas tambem isso e construção ja que a ediIicação
da delimitação asseptica de determinado numero de conceitos depende de mãos conceituais
e cabeças compreensivas mergulhadas no imenso mar de possibilidades da linguagem que
então assinala que os absolutos conceituais são apenas esquecidas possibilidades inscritas
em seu meio. A primeira vista o altar da visibilidade parece ser o simbolo da saude da
linguagem e da vida pela segurança da terapêutica que supostamente oIerece, mas logo se
maniIesta como apenas deslocamento para o tumulo de uma compreensão compenetrada
na aplicação de objetividade a base de Iundamentos que esqueceu de compreender como
possibilidades advindas no âmbito da linguagem. Por isso, o surgir das conversas obscuras
conjuga-se com a recordação de escutar as determinações da compreensão ocorrente de
agora, no volver-se em admiração ao que surge para ser inaugurado e constituir a verdade
da experiência. 'A essência irradiou¨. (GS II-1, 96). Na compreensão da contradiçào da
linguagem, o esIorço de ediIicação por Iundamento torna-se vão, pois a irradiação da
essência da-se na movimentação de se voltar num retorno a procura pela descoberta dos
Iundamentos que ja sempre estão inIinitamente subjacentes. As Iundamentações
379
descobertas e inauguradas irradiam a essência enquanto continuidade da linguagem criativa
e nomeadora. O esquecimento constitutivo tambem constitutivo da linguagem inaugura e
instaura uma discussão a base de um Iundamento objetivado e dela separado e, por
intermedio desse Iato, tambem o engano da possibilidade de uma construção de
signiIicações que pudesse ser absoluta num percurso de um tempo homogêneo e vazio
alastrando-se num espaço inIinito. Em tal construção absoluta o homem nunca esta em
casa e continuamente se engana na perdição com tal Iamiliaridade suspeita.
Institui-se constantemente e se e instituido. A tradição ativada pela tradução dos
seus materiais lingüisticos e compreensivos e o meio em que se esta e que se e. Ela, porem,
e agora instituida como determinante, pois ja e construção Ieita do material constituidor do
que agora e. Nessas circunstâncias o passado e sempre resultado do que se diz agora e
muda ao sabor do constante dizer. O sentido da repetição, a Iixação de sentidos e a
permanência sem tematização de conteudos de compreensão so podem dar-se na
inconsciência de suas operações a acontecerem simplesmente. A repetição como resultado
da obediência aos comandos de Iundamentos esquecidos da condições ao surgimento do
sentido do tempo a passar ou as regularidades dos dias de enIado nele atravessarem
incessantemente. O tempo sem o idêntico repetido de vez por vez entre diIerentes
desaparece. Como, alias, tudo desaparece permanecendo so o que na compreensão chega e
some para dar lugar, qual sentido da Irase de Anaximandro 'Todas as coisas se dissipam
onde tiveram a sua gênese, conIorme a necessidade do tempo; pois pagam umas as outras
castigo e expiação pela injustiça, conIorme a determinação do tempo¨ (Bornheim, G., 25).
Quem garante o rastro de si que quer deixar e quem garante a sua interpretação ja que o
rastro sera, ou Ioi? Achegando-se mais a questão, quem garante a si mesmo a acontecer, a
não ser o paradoxo do acontecimento que e e não domina no espanto da ocorrência da
compreensão, seja la do que Ior pela contradiçào da linguagem? Qual o sentido de
construções a partir de compreensões veiculadas por pressupostos que podem sempre ser
cassados e eliminados, se a ocorrência do acontecer da compreensão e insondavel, seja ela
automatizada para repetições, seja descortinadora e desveladora de novas paragens? Por
que compreender e pensar? Como se compreendera o impeto que ha nas perguntas sobre
por que, como, e para que? A criação catastroIica de monstros teoricos em que nos
tornamos a compreender, quem e que avalia, liberta ou liquida? Como houve isso para
agora estar havendo? O ouvinte, que no silêncio direciona a compreensão e o sentido,
sendo tambem mero ocorrente, mera ocorrência compreensiva, sabe a direção? Resolve
380
para onde? Tambem ele e so compreensão, seja do que Ior e a pretensão do dominio e vã.
Pois Iixada a compreensão, o que e que haveria? Fixação esquecida que ao primeiro tedio
se esIuma para permanecer a mesma questão que e a questão. Pois como se daria a resposta
para a pergunta sobre o sentido da pergunta? Qualquer resposta seria traição-ilusão e
qualquer permanência na pergunta e a questão, o haver do ser em que esta como
compreender, sem compreender a razão de tal ocorrência de compreender. A vaidade das
construções compreensivas e castigo em ediIicação, vaidade esquecida mesmo que a vista.
O reconhecimento da vaidade e o aspecto destrutivo ainda das construções que são,
enquanto que a pergunta a querer compreender as compreensões tambem ainda esta
comprometida com projeto, pois o que surge e o rastro instituido, nova construção. Não e
nem perguntar, imergir no sonho da ocorrência da compreensão e admitir a representação
teatral a passar, pode haver isso? O silêncio da palavra, a escuta inIinita, o desmonte da
pretensão e a musica, o gozo e a morte? Entre a continuidade da pergunta, do ensaio de
resposta e da pretensão de compreensão conteudista e objetal, melhor e o silêncio, e
pronto? Que as bobagens, se e que são, a serem ouvidas tenham a mera compreensão de
participação no riso da vida. Não se sabe quem e e nem quem esta de Iato a rir, e nem o
que seja riso, ou a sua importância. Ha o riso IilosoIico, mas tambem o riso da criada do
primeiro IilosoIo, Tales de Mileto, a tropeçar Iixando estrelas la no alto. Qual e mais
participante?
A contradiçào da linguagem Iaz lembrar, pela primeira das suas dimensões, o
deboche que se Iazia a respeito da explicação da teoria da gravitação universal de Newton.
Um burguês rico e ignorante ouve com satisIação do seu proIessor pobre, um nobre
decadente da epoca, que a explicação da virtude que o opio tem de Iazer dormir e devido a
causa da chamada virtus dormitiva. Qualquer grande metaIora ativada como explicação
ultima Iunciona so enquanto desconhecida novidade instituida, numa crença de que seja
explicação segura, ate novo reexame, nova pergunta, nova admiração descobridora e
IilosoIica, ja que a resposta e elemento participativo na linguagem. A rigor, nada teria
explicação absoluta, a não ser provisoriamente e, assim, toda a explicação, para poder
Iuncionar, ja necessitaria do esquecimento da autoridade de principio que a instaurou como
absoluto.
Na tematização das mais diversas areas do saber Benjamin preocupa-se com a
postura e o papel da IilosoIia. A pergunta central que transparece e a de como se pode ou
deve entender a atividade IilosoIica em meio aos Ienômenos mais diversos da pos-
381
modernidade em seus deslocamentos radicais em termos de teorização no âmbito das
ciências humanas, das ciências exatas, das artes e da teologia. Sem poder substituir a
vitalidade emergente da atividade nos campos mencionados ela acontece como procura de
relação pelo proprio processo de sua auto-limitação tendo a contradição da linguagem por
pano de Iundo como que avaliador do que acontece na cena em Irente.
A IilosoIia a partir da contradição da linguagem sempre relacionada com a historia,
com a pesquisa e com o aspecto criativo da arte descobre deslocamentos, novas Iormações,
transIormações a partir de elementos comuns e aponta a transIiguração dos mesmos em
novas constelações ativadas como travejamento para a compreensão normalizada de
epocas inteiras. A essa tematica agregam-se os conceitos de tradição, origem, aura e tempo
para serem relacionados a compreensão do que seja a aventada normalidade da conexão
entre sujeito e objeto. Não se pode esquecer que historia não pode prescindir da linguagem
e sua contradição, pois e narração objetivada como qualquer discurso armado com
conceitos para a sua auto-justiIicação. A linguagem assim e a expressão em locução
ocorrente da essência e nunca a propria essência em si nela somente objetivada. A ideia e a
de que a linguagem descreve o ser humano seja qual Ior o conteudo a que se atem,
havendo, portanto, uma ambigüidade Iundamental nela mesma quando sempre exerce a
capacidade de apresentação de si e dos conteudos veiculados em seu querer dizer.
Repetimos a Irase de Benjamin numa nota do texto 'Sobre a linguagem em geral e a
linguagem dos homens¨ e na qual pergunta: 'Ou não e antes a tentação de pôr a hipotese
no inicio que Iaz o abismo de todo o IilosoIar?¨ (GS II-141). A pergunta, como ja visto, e
pertinente e e a indicação de uma das questões IilosoIicas Iundamentais de Benjamin, isto
e, a constante objetivação necessaria para que a linguagem possa existir como atividade de
apontar para algo, mesmo que espiritual, em constante dependência das hipoteses que,
desconhecendo-as ou não, possibilitam o seu exercicio atual.
ConIorme ja aIirmado, a tese sobre Walter Benjamin se propõe acompanhar a
presença do que ele mesmo denomina de a contradiçào da linguagem e veriIicar a sua
importância como vetor de compreensão da sua obra em determinados escritos
Iundamentais.
Foram dez os escritos que constituiram a motivação das dez secções da presente
tese em que a contradiçào da linguagem e descoberta, indiciada, apresentada, suposta e
aplicada como ponto focal ou fio condutor para a compreensão da obra de Walter
382
Benjamin. A continuidade da pesquisa pode guiar-se pela hipotese de que em cada um dos
textos a contradiçào da linguagem esteja representada nos termos ja indicados. Poder-se-a
certamente tambem aproIundar a veriIicação da sua relação mais direta com a teologia, a
historia, a arte, a politica, a ciência e a tecnologia Iavorecendo a interlocução que desde o
inicio constituiu-se em motivação Iundamental para o presente trabalho. Alem disso,
apresenta-se um leque de conceitos importantes, capaz de garantir a viabilidade e o
interesse de pesquisa Iutura, quais sejam: alegoria, aura, experiência, recordar, Eros, narrar,
ideia, critica, obra de arte, mito, salvação, revolução colecionador, destino, citação,
passagens, e outros.
As dez maniIestações literarias analisadas estão, portanto, sob a egide da
contradiçào da linguagem como, alias, se depreende da organização dos titulos das dez
secções. A expressão em si mesma reIere-se ao Iato de que na linguagem e com a
linguagem se pressupõem duas aventadas dimensões Iundamentais.
Por Iim, reiteramos o nucleo da tese:
- A contradiçào da linguagem, com a qual Benjamin conta como Iio condutor em
seu pensar sedimentado nos escritos analisados neste trabalho, da-se pelo suposto da
objetivação inevitavel em que a razão humana ja ha tempo se perde como, por exemplo, no
celebre Trilema de Muenchhausen por explicações que levam ao regressus ad infinitum, ao
argumento da circularidade e do inicio por evidência na suposição de uma metaIora
Iundamental que pudesse justiIicar todas as questões.
- Pela objetivação ha sempre um suposto que, quando buscado, se elimina em Iavor
de um pressuposto mais abrangente, mais proIundo, ou mais elevado, que tambem não
bastara na sustentação de si como Iundamento primeiro, porque sempre e considerado Iora
do âmbito da linguagem, percebido como separado da linguagem, a parte e independente
dela como se ela pudesse nomina-lo.
- Ninguem consegue escapar a contradição para Ialar de Iora dela, porque a Iala
necessariamente objetiva e pressupõe e, ao mesmo tempo propriamente se expressa
supondo um âmbito que nunca conseguira nominar. Na objetivação ocorrente da Iala ha a
inevitabilidade do Iundamento assumido, mas na sua veriIicação sempre precario.
- A contradiçào da linguagem e a propria ideia da possibilidade da IilosoIia como
procura, relação, descoberta e avaliação dos Iundamentos de algo ja posto em atividade na
ocorrência da compreensão pelo exercicio de aplicações rotineiras. E o movimento sempre
383
contrario ao contexto de justiIicação que prima pelo interesse da sedimentação continuada
de construtos de Iundamentos.
- A contradiçào da linguagem e o que sempre ja se Iala a partir da suposição de um
Iundamento ja posto inevitavelmente e em exercicio, que na IilosoIia cabe descobrir em
suas relações e dimensões.
- A contradiçào da linguagem inaugura objetivando, mesmo na descoberta do
Iundamento em exercicio aplicativo, e, ao mesmo tempo, pode recordar a participação da
linguagem no âmbito do silêncio inacessivel a qualquer uma das suas deIinições sonoras.
- A contradiçào da linguagem permite escutar, observar e avaliar discursos
contraditorios esquecidos da sua verdadeira condição itinerante. Nos textos analisados,
Benjamin supõe em sua abordagem que quem entendeu a questão de Iorma acurada Ioram
Hoelderlin, conIorme a segunda secção, e KaIka, conIorme a nona secção.
- A Iorma de Iigurar Benjamin e tal que ocorre na compreensão do seu modo de uso
do esquadro da contradiçào da linguagem. Ela trata da condição humana.
























384





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