PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÄO EM FILOSOFIA
A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM
EM WALTER BEN1AMIN
ALUNO: PAULO RUDI SCHNEIDER
ORIENTADOR: DR. ERNILDO 1ACOB STEIN
2 Agradecimentos
Agradeço a minha FAMILIA pela paciência e compreensão nos tempos de minha ausência em recolhimento, meditação e trabalho de escrita da tese.
Agradeço ao PROFESSOR DR. ERNILDO 1AKOB STEIN pela grande amizade e por toda a segurança no apoio nas horas de Iato decisivas.
Agradeço a UNI1UI e, especialmente, aos COLEGAS do Departamento de FilosoIia e Psicologia pela oportunidade dos periodos de meu aIastamento temporario para os estudos de mestrado e doutorado.
Agradeço a CAPES pela concessão da bolsa para a realização do doutorado sanduiche junto a EBERHARDT-KARLS-UNIVERSITÄT TÜBINGEN sob a orientação do PROF. DR. OTFRIED HÖFFE de agosto de 2004 a janeiro de 2005.
Porto Alegre, outubro de 2005
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RESUMO
A presente tese tem o intuito de indiciar a contradiçào da linguagem em suas duas dimensões a medida que a expõe como o Iio condutor e criterio para a compreensão da obra de Walter Benjamin, a Iim de poder mostrar que ele por intermedio da mesma avalia grande parte das maniIestações da cultura humana. A primeira delas e a concepção que dimensiona a linguagem como instrumento de sinalização de objetos Iora da sua circunscrição e que o Ialante então aponta como se Iosse separado de si mesmo, inaugurando, em intenção implicita, a subjetividade como Iundante da totalidade do saber. A segunda caracteriza a linguagem enquanto intermitente expressão da propria totalidade que implicita e inevitavelmente sempre deve supor, sem poder nomina-la jamais. Qualquer intenção de Iundamentação sera simultaneamente acompanhada pela linguagem, que lhe antecede como âmbito de atividade e em que participa, mas o que esta a esquecer na objetivação absoluta a base de pretensão de subjetividade enquanto principio Iundante. A contradição da linguagem e o paradoxo da ambivalência em que o ser humano se encontra e que lhe possibilita a compreensão esquecida de si enquanto conhecimento objetivado, por um lado, e, por outro, tambem a compreensão enquanto recordação do encontro que ja sempre e numa unidade total, que, porem, nunca podera deIinir por explicações de causa e eIeito, pois tambem elas mesmas ja se dão na expressão de si mesmo na linguagem em ocorrência.
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Zusammenfassung
Die vorliegende Tese beabsichtigt den Widerspruch der Sprache in seinen zwei Dimensionen anzuzeigen, indem sie ihn als roter Faden und Kriterium Iür das Verständnis des Werkes von Walter Benjamin darlegt, um zeigen zu können, dass er mit demselben einen grossenTeil der Erscheinungen der menschlichen Kultur bewertet. Die erste von ihnen ist das Ansehen, dass die Sprache ein Werkzeug zur Kennzeichnung der Gegenstände ausser ihres Bereiches sei und welche der Sprecher dann anzeigt, als ob sie von ihm getrennt seien, und so in impliziter Absicht die Subjektivität als das Begründende der Totalität des Wissens inauguriert. Die zweite charakterisiert die Sprache als beständiger Ausdruck der Totalität selbst, welche sie implizit und unausweichlich immer vorraussetzt muss, ohne sie jemals bennenen zu können. Jegliche Absicht der Begründung wird simultan von der Sprache, die ihr vorausgeht als Bereich der Aktivität und in dem sie mitteilt, begleitet, was sie aber in der absoluten Objektivation, in der Absicht der Subjektivierung als begründendes Prinzip, vergisst. Der Widerspruch der Sprache ist das Paradox der Ambivalenz, in dem der Mensch sich beIindet und das ihm, erstens, das vergessene Verstehen über sich selbst als objektiviertes Wissen ermöglicht, und dann auch das Verständnis als Erinnerung der Begegnung in einer totaler Einheit, die er immer schon ist, die er aber nie durch Kausalerklärungen umschreiben kann, weil auch sie selbst sich im Ausdruck seiner selbt als Ereignis in der Sprache ergibt.
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SUMÁRIO
I. INTRODUÇÄO................................................................................................................... 6 II. O MOVIMENTO CULTURAL DA 1UVENTUDE...................................................... 36 1. INDICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: CONVERSAÇÄO........... 51 2. ENSAIO APLICATIVO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DUAS POESIAS DE HOELDERLIN...................................................................................... 154 3. APRESENTAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: SOBRE A LINGUAGEM EM GERAL E A LINGUAGEM DOS HOMENS........................... 172 4. POSICIONAMENTO FILOSÓFICO: SOBRE A FILOSOFIA VINDOURA................................................................................................................... 221 5. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA TAREFA DO TRADUTOR.............. 240 6. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA FILOSOFIA E NA ARTE................. 252 7. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM ENTRE A DILUIÇÄO TOTAL E A OB1ETIVAÇÄO DELIRANTE: AO SOL ................................................................. 286 8. COMPLEMENTAÇÄO À CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DOUTRINA DO SEMELHANTE ..................................................................................................... 315 8.1 SOBRE A FACULDADE MIMÉTICA............................................................... 320 9. A APLICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO NA LINGUAGEM: FRANZ KAFKA.......................................................................................................................... 327 10. ENTRE O DIZER E O DITO....................................................................................... 365 CONCLUSÄO....................................................................................................................... 372
A. Para a manutenção da sua ideia Iundamental a Universidade ainda hoje necessita conviver com a imposição historica de uma coordenação geral de um nucleo basico de estudos de carater humanistico e de Iormação geral, os quais Iazem parte da maioria dos cursos obrigatoriamente. Desse nucleo basico de estudos, a IilosoIia em grande parte era e ainda e responsavel pela contribuição na Iormação de todos os alunos da Universidade com disciplinas como Etica, Epistemologia, Teoria do Conhecimento e Introdução a FilosoIia em geral. Isso signiIica que todos os proIessores de IilosoIia da Universidade, alem do contato, das obrigações e das relações tipicas com tudo o que concerne a um curso especiIico de IilosoIia, tem a oportunidade e a obrigação de articular com eIiciente capacidade pedagogica o seu saber em areas que, a primeira vista, parecem distantes das preocupações teoricas do IilosoIo, como, por exemplo, as variações das engenharias, a saude, a administração, a economia, o direito, todo o âmbito de estudos da area empirico- analitica, bem como em areas consideradas mais proximas da IilosoIia, denominadas costumeiramente por ciências humanas. SigniIica tambem que uma grande parte da totalidade dos estudantes da universidade ainda hoje tem contato com assuntos IilosoIicos, mesmo que precariamente, oportunizando as mais diversas reações, discussões e tentativas de solução a esse respeito. Qual o conteudo a ser elaborado conjuntamente em todos os cursos por proIessores e alunos e que satisIaça as exigências da universalidade evidentemente presente como suposto no todo da universidade e em cada uma das suas areas de pesquisa, ensino e extensão? Por que exatamente estas e não outras disciplinas são consideradas como capazes de Iormação humanistica, universal e visão relacional? O que e IilosoIia? Para que IilosoIia? Por que ha que estudar IilosoIia se não e imediatamente transIormavel em valor de sobrevivência econômica? Qual a capacidade de aproveitamento positivo da IilosoIia na construção da utopia social? O estudo e o exercicio da IilosoIia rende indicações utilizaveis 7 para a construção de um sistema produtivo justo e democratico para a sociedade em geral? Qual, enIim, a utilidade da IilosoIia em cada um dos cursos? Deve a IilosoIia Iazer a tentativa de adaptar-se a promoção da Iundamentação do que as mais diversas areas elaboraram como especiIicidade? Deve a IilosoIia oIerecer uma rede de conceitos a todas as areas, a qual Iosse capaz de Iormar um pano de Iundo teorico cultural comum a todas elas para que nele pudessem reconhecer-se? Qual a Iunção do curso de IilosoIia na universidade de hoje e a sua relação com todos os outros? Essas perguntas, entre outras, surgem na relação pratica e eIetiva de cada proIessor de IilosoIia na universidade: se não Ior capaz de pelo menos aceita-las entrando no jogo da argumentação e não vislumbrando solução alguma, a sua atuação perde imediatamente o sentido de solidiIicação relacional atribuido desde sempre a IilosoIia e o seu signiIicado descamba para o irracionalismo, ou para o cinismo utilitarista sem maiores reIlexões e preocupações. Tais perguntas, entre outras, por isso tambem levam necessariamente a busca constante do conhecimento de IilosoIos, cujo pensamento aborda desde questões de Iundamentação na e da IilosoIia ate preocupações e discussões sobre Iormas especiIicas de relação com areas especiIicas da cultura. Na Pos-modernidade, epoca em que temos um acumulo de inIormações e uma divisão cada vez maior nas mais diversas areas do conhecimento notoriamente ja causam enormes diIiculdades de arregimentação contra o relativismo desistente de qualquer reIlexão na busca de uma suposição Iundamental comum, algumas perguntas anteriormente descritas ate ja se desenvolvem como acusação, dando a entender que para a perIeita preservação da unidade da Universidade bastam os aspectos administrativos, econômicos e juridicos. A IilosoIia como rainha das ciências, ou ate mesmo como somente guardiã da racionalidade a muitas areas da cultura universitaria, voltadas a proIissionalização e atentas aos apelos do mercado, ja não mais convence e, para alguns IilosoIos, ate ja começa a parecer duvidoso todo o esIorço empenhado em discursos de convencimento a respeito dos acertos e das receitas da IilosoIia para a salvação e Ielicidade gerais da sociedade humana. No transcurso das discussões sobre a relação da IilosoIia com todas as areas do saber ao longo dos anos, estudos e ensaios Ioram escritos, textos Ioram lidos e traduzidos, entre os quais especiIicamente as Teses sobre o conceito de historia de Walter Benjamin. Percebemos que este texto, traduzido pela primeira vez para o português em 1984 no 8 âmbito da Unijui e ai internamente ativado como motivo de interlocução com as diversas areas do conhecimento, trouxe novas luzes para a questão da IilosoIia e da universidade e instigou ao estudo continuado da obra do autor. O conceito de IilosoIia de Walter Benjamin conIunde-se com a sua Iorma de apresenta-la em seus textos, os quais ao longo dos anos da sua vida abordam questões de varias areas do saber, o que possibilitou ao IilosoIo um proIicuo dialogo com elas. E notorio o Iato de que Benjamin e estudado e consultado não apenas por autores que se interessam especiIicamente por IilosoIia, mas tambem por estudiosos da area da estetica, da literatura, da sociologia, da comunicação, do direito, da ciência e da tecnologia. Diz-se ate que Benjamin e impossivel de ser sistematizado, ja que a sua obra diversiIica-se tanto que e impossivel vislumbrar alguma rede conceitual que pudesse unir uma tal proliIeração de interesses de estudos diIerentes. A essa caracteristica de complexidade na abordagem de assuntos agrega-se a Iacilidade e a diversidade com que Benjamin os apresenta em seus textos. O IilosoIo escritor expressa-se mostrando o dominio de um amplo repertorio de Iormas literarias: O tratado monograIico, o ensaio, o comentario, o aIorismo, o Iragmento, a critica, a resenha, a montagem, a peça radioIônica, a narrativa e o ensaio radioIônicos, o relato de sonhos e dos eIeitos de drogas, o conto, a novela, o relato de viagem e a descrição de cidades, a imagem de pensamentos, o poema, o dialogo, a entrevista, o relatorio, a crônica, a anotação autobiograIica, a tradução, a carta, a poesia. Outra caracteristica de Benjamin que chama a atenção era a sua capacidade de viver convivendo com o contraditorio: cultivava a amizade com Brecht, Adorno, Buber, Scholem, Bloch, e lia Heidegger, quando cada um desses autores entre si nutria a antipatia mutua, a discordância explicita nas questões teoricas e praticas, ou ate ma-vontade e inimizade mais grosseiras. Para ilustrar este aspecto do jeito de ser de Benjamin, Juergen Habermas sugere uma cena inusitada, apenas possivel para uma imaginação surrealista, ou seja, em que se sentassem para um banquete paciIico Scholem, Adorno e Brecht em torno de uma mesa, embaixo da qual estariam acocorados Breton ou Aragon, enquanto Wyneken estaria a porta, todos reunidos para uma discussão sobre o Espirito da utopia ou ate sobre O espirito como o adversario da alma (Habermas, J., 1981, 338). Poderiamos acrescentar a esta lista certamente Franz Rosenzweig com 'A estrela da redenção¨ que inicia com as palavras: 'E da morte, do medo da morte, que todo o conhecer da totalidade se inicia¨. (Rosenzweig, F., 3). 9 Estudioso do Romantismo e do Idealismo da IilosoIia alemã, tradutor das obras de Baudelaire e Proust do Irancês para o alemão, ligado de maneira tênue a Escola de FrankIurt, atento a todas as maniIestações culturais, politicas, cientiIicas e IilosoIicas da primeira metade do seculo XX, ciente das suas determinações religiosas pela ortodoxia da teologia judaica e pela cabala com sua ligação com a IilosoIia pre-socratica e neoplatônica, conhecedor das questões teologicas centrais do cristianismo, elaborador de teorias sobre a questão da arte e da estetica em geral ligada ao mundo tecnico cada vez mais imperante, interessado em praticas provisoriamente recalcadas no cotidiano publico com possibilidade de virem a se constituir em pesquisa e ciência normal (quiromancia, astrologia, teorias espiritas, etc), Benjamin da a impressão de conIigurar a propria dispersão pos-moderna no mau sentido, incapaz de qualquer relação conjugada em condições de sustentar uma Iragmentação de interesses, que parece deIinitiva. A analogia com o desenvolvimento da universidade sob os auspicios não suIicientemente explicitos dos mitos administrativos, econômicos e juridicos parece evidente. Na aposta de que uma posição IilosoIica enquanto ponto Iocal determinante e subjacente esteja a determinar todo o percurso teorico do autor aparentemente em dispersão acelerada, a presente tese almeja indiciar, elucidar, apresentar e tematizar, num percurso meditativo e critico imanente aos textos, a sua concepção de IilosoIia como a contradiçào da linguagem. Tal posição IilosoIica vai bem mais alem do que a mera assunção, discussão ou deIesa de grupos de conceitos epistemologicos dando a estes mesmos, exatamente por isso, as condições de um dialogo que não esteja pautado pelo desejo Iundamental de competição e de eliminação mutua. Mais do que apenas um verniz epistemologico soIisticado em Iavor de uma retorica de manutenção da IilosoIia no apice da cultura, ela permanece na retaguarda e em meio ao exercicio da escuta, da noticia mutua em admiração e da organização concreta de inter-relações. Independentemente das aproximações com a arte, a teologia, a historia e a politica, a IilosoIia para Benjamin e um determinado âmbito de abstração reIlexiva que se expressa numa postura de avaliação de auto-compreensão como jeito de ser a medida que constantemente se da conta e descobre a contradiçào da linguagem. O resultado das mais variadas abordagens da IilosoIia de Walter Benjamin Ieitas ate agora não esgotou as possibilidades que acenam desde o enIoque proposto pela presente tese. A mera aIirmação corrente de que não ha como sistematizar a produção intelectual do 10 autor por certo não devera desencorajar estudos de compreensão e apresentação IilosoIicas de sua obra, sob pena de se estar entendendo a atividade IilosoIica deIinitivamente como simples elaboração e apresentação de sistemas Iechados. Como ja se observou, o proprio conceito de IilosoIia e merecedor de atenção acurada na trama de conceitos do autor, apresentados mais a superIicie, e a maior parte da escrita de Walter Benjamin pretende ser entendida como IilosoIica. A sua apresentação Iragmentada e multiIacetada possibilita entrever uma constelação de elementos capaz de dinamizar as relações da IilosoIia com as mais diversas areas do saber ja constituidas e da cultura em seus aspectos emergentes. Geralmente se toma por evidente que o carater de uma dispersão dialogica, segura de si em seu movimento, Iorma-se na suposição de esteios Iundamentais e assumidos que o suportam. O obfetivo especifico constitui-se, portanto, no indiciamento, apresentação e aplicação da contradiçào da linguagem nos textos do autor, a qual intermitentemente suscita a curiosidade a respeito das relações que se dão no dialogo entre a tradição Iactual e agente sempre presente e o individuo em decisão constante, bem como a mesma tradição identiIicavel no outro e o mesmo individuo em atitude de silêncio e atenção ao signiIicado para si, uma atitude que, por sua vez, constituiria a possibilidade de ampliação da experiência sobre si mesmo. O percurso de vida na linguagem como condição de possibilidade Iundamental sedimenta ou destroi caminhos de signiIicação relacionados a conceitos, tais como: jogo, maquina-automação, transparência, Iundamentação, objetivação, reiIicação, esquecimento, construção em correspondência inIinita, interno e externo, materialismo, historia, politica e teologia. Pelo exposto, o metodo empregado do presente trabalho sera o constante dialogo critico com os textos em questão, visando uma interpretação interna e seqüente apresentação do sentido do texto e nele enIocando insistentemente a tese de que o pensamento IilosoIico de Walter Benjamin se pauta pela descoberta, apresentação e aplicação da contradiçào da linguagem. Pelo Iato do comprometimento intransIerivel que a propria contradição da linguagem aponta, a interpretação e a apresentação exigem cunho meditativo e reIlexivo. Desde ja, porem, e possivel e, quem sabe, necessario visualizar alguns parâmetros em relação ao pensamento de Benjamin, quais sejam: 11 A concepção de IilosoIia de Benjamin caracteriza-se primeiramente como um exercicio em que se apresenta constantemente a possibilidade de relação com todas as areas de saber, mesmo em meio a proliIeração das ideias de descentramento desesperado da pos-modernidade. A sua aposta e descoberta Iundamental e a de que, pela contradiçào da linguagem, ja ha uma relação entre todas as areas e que exatamente lhes da condições, mesmo que estejam sendo negadas em exercicio empirico. Tudo provem como que de um Iundo não identiIicavel, mas so suposto inevitavelmente, e esse todo Iundamental, quando exposto, e nessa maniIestação sempre parte precaria e parcial de si mesmo, pois no proprio dizer, descrever, deIinir e nomear constantes chama a atenção para o Iato de que sua exposição descritiva e apenas atividade participativa nele, mas de evidente importância. Todos os temas abordados nas diversas regiões do saber indiciam esse Iundo ambivalente que se mostra na ocorrência do empirico em evolução operatoria construtiva. E transcendental? E theos a Iorçar a tematização do aspecto teologico como constante reIerência do logos a si mesmo? Ou, e no maximo a possibilidade de apenas se poder apontar de que ha condição de possibilidade, sem a capacidade e o direito de nomear algo como se Iosse um ente constantemente suposto em Iorma de Iigura deIinivel e possivel de ser circunscrita por conceitos de modo cabal, pois que quando nomeado e apenas descoberto retraindo-se cada vez mais, como se Iosse a destruição da apodicidade com que no empirico se justiIicam os julgamentos? Toda a tematização de Benjamin, por exemplo, sobre a conservação da aura ou a sua destruição na arte contemporânea tem a haver com esse quadro; pois ha motivos de se poder entender a discussão sobre a aura como se Iosse um constante indicio ao modo de um dar-se conta e de uma recordação involuntaria do acontecer alem da mera mecanicidade normal do empirico ja em operação geral. Na tematização das mais diversas areas do saber Benjamin preocupa-se com a postura e o papel da IilosoIia. A pergunta central que transparece e a de como se pode ou deve entender a atividade IilosoIica em meio aos Ienômenos mais diversos da pos- modernidade em seus deslocamentos radicais em termos de teorização no âmbito das ciências humanas, das ciências exatas, das artes e da teologia. Sem poder substituir a vitalidade emergente da atividade nos campos mencionados ela acontece como procura de relação pelo proprio processo de sua auto-limitação tendo a contradição da linguagem por pano de Iundo como que avaliador do que acontece a Irente. 12 Por isso, caso a IilosoIia arvorar-se a ser como as ciências, erra; pois estaria abandonando o seu proprio aspecto enquanto âmbito descritivo a procura das condições de possibilidade do que se apresenta como eIetiva realidade exatamente atraves das mesmas ciências. O aspecto construtivo da IilosoIia, que Benjamin por vezes menciona, deve ser entendido pelo vies da destruição do carater ingênuo da sua positividade cientiIica caracterizada pelo esquecimento de que seus proprios supostos epistemologicos e Iundamentações teoricas são possibilitados por condições que a suportam e que desconhece. Esse carater destrutivo e especiIicamente mencionado no texto intitulado O carater destrutivo. Por isso, explica-se o construtivo não como mera positividade esquecida na auto-sedução da sua promoção estrategica, mas como atividade de encontros e oIerta de cenario pelo pano de Iundo relacional ja aventado, pela procura e descoberta de principios, quando não ate como alargamento de horizontes alem de totalizações provisorias com Ialso aspecto de deIinição ultima. Caso a IilosoIia arvorar-se a promover a suspensão das ciências, erra; pois a atividade IilosoIica mesma depende delas, esta em seu meio Iazendo uso das conquistas dos seus resultados historico-sociais em sua propria elaboração e considera-as como, no minimo, uma das condições reais da sua atividade de descrição e de surgimento da sua tematica propria. Exemplos, metaIoras e conceitos Iundamentais que sustentam as argumentações cientiIicas são constantemente usados, analisados e dinamizados na evolução tematica do dialogo da IilosoIia com as ciências, bem como nas conversações entre direções IilosoIicas gerais no intuito de visualizar possibilidades de justiIicação do estatuto da sua existência. Caso a IilosoIia arvorar-se a querer Iundamentar as ciências no sentido de justiIica- las, erra; pois estaria na situação de mera construção estrategica e desistindo da sua atividade como elucidação descritiva dos pressupostos que as constituem. As ciências, em sua positividade em constante elaboração operatoria e experimentação e em sua constante auto-construção por dedução de principios e axiomas aceitos em carater deIinitivo, realimentando-se sem cessar da sua propria evolução sem necessidade do suporte estrangeiro e sacerdotal das especulações IilosoIicas, ressente-se da Ialta de interlocutores para o dialogo possibilitador da emergência do sentido do seu Iazer, bem como da visualização de horizontes indicadores da sua localização no todo da cultura humana. 13 Caso a IilosoIia entender-se como sistema capaz de englobar o todo em tudo sempre, erra; ja que a descrição, mesmo que inclua em si inevitavelmente algum aspecto ordenador, so pode existir na suposição de emergência em nova compreensão e experiência. A IilosoIia so pode, a partir das ciências, elaborar-se especulativamente e de Iorma relacional com elas tendo-as como suposto; pois seria ingenuidade querer prescindir da sua existência ja pelo simples Iato de Iazerem parte do todo da compreensão ocorrente enquanto desenvolvimentos, deslocamentos e constelações de ideias arcaicas primeiras sempre presentes na linguagem do uso cotidiano, pleno de senso comum cientiIico, quando não em Iorma das mais diversas metaIoras, analogias e comparações. A IilosoIia a partir da contradição da linguagem sempre relacionada com a historia, com a pesquisa e com o aspecto criativo da arte descobre deslocamentos, novas Iormações, transIormações a partir de elementos comuns e aponta a transIiguração dos mesmos em novas constelações ativadas como travejamento para a compreensão normalizada de epocas inteiras. A essa tematica agregam-se os conceitos de tradição, origem, aura e tempo para serem relacionados a compreensão do que seja a aventada normalidade da conexão entre sujeito e objeto. A IilosoIia e como que o âmbito de atenção ao que se apresenta como realidade natural Ienomênica em todas as areas para a constante descoberta das suas condições de possibilidade em termos relacionais. Ela se reveste de especial importância pelo Iato de ser a participação privilegiada na totalidade inevitavelmente suposta como a tareIa do pensamento, assim como Ioi elaborada pelos pensadores pre-socraticos. O aporte que promove das mais diversas tradições pela relação que com elas tem e o seu aproveitamento em exempliIicação reIlexiva para a compreensão da contemporaneidade da-lhe a caracteristica de concretude, complexidade e veracidade. Exatamente pelo Iato de que a obra de Benjamin se apresente minada de alusões e sugestões e, por isso, ja usada para os Iins mais contraditorios, e necessario um esIorço no trabalho de garimpo do Iio condutor dos seus textos. Ainda em abril de 1940 Benjamin em carta menciona a permanência de ideias Iundamentais que povoavam o seu espirito e que aproveitava no texto das teses Sobre o conceito de Historia, o qual seria o seu derradeiro, apenas seguido do seu Curriculum Jitae em Iins de julho de 1940: 14 A guerra e a constelaçào que a trouxe consigo levou-me a por no papel alguns pensamentos, dos quais posso di:er que por volta de vinte anos guardei comigo, sim, ate de mim mesmo...Em todo o caso, quero chamar a tua atençào especialmente para a reflexào XJII, e ela que devera fa:er reconhecer o nexo velado, mas concludente, dessas consideraçòes com os meus trabalhos anteriores, na medida em que ela se manifesta sem rodeios sobre o metodo das ultimas |das teses|.(GS 1226)
O texto da tese em questão junta de Iorma sucinta IilosoIico-criticamente preocupações quanto a linguagem sobre narrativas historiograIicas, ou seja, de um lado, o historicismo em seu vies objetal a Iundamentar-se numa base teorica ingênua, que não subsiste a critica pelo Iato de se esquecer da sua auto-inclusão no que diz e, de outro, a historiograIia materialista proposta, que sabe do seu comprometimento construtivo quando promove a ruptura com o Iluxo explicativo normalizado imobilizando o pensamento em nova conIiguração de presente e passado, capaz de Iazer emergir o não pensado, o recalcado ou o esquecido em seu valor de compreensão atual. Na linguagem ocorrente da narrativa historica que se vê em tensão com todo o passado presente esquecido, o proprio tempo se gera possibilitando nova objetivação: o tempo e carente do gosto da objetivação e da sedimentação de novas conIigurações de sentido que se estruturam para normalizar-se de epoca em epoca. O historicismo culmina na Historia Universal. Pelo seu metodo, a historiografia materialista se distingue dessa historia mais nitidamente, talve:, do que todas as outras historiografias. Falta ao historicismo arcabouço teorico. Ele procede por adiçào, convoca a massa dos fatos a fim de preencher o tempo homogêneo e va:io. A historiografia materialista, ao contrario, repousa sobre um principio construtivo. Nào e so movimentar o pensamento que e proprio ao pensar, mas, igualmente, imobili:a-lo. Ali onde o pensamento se imobili:a em uma constelaçào saturada de tensòes, ai ele comunica a essa um choque que fa: com que ele proprio se cristali:e em monada. O materialista historico so se aproxima de um obfeto historico quando vai ao encontro desse obfeto como uma monada. Ele reconhece nessa estrutura o sinal de uma imobili:açào messianica do acontecer, em outras palavras, uma oportunidade revolucionaria no combate pela libertaçào de um passado de opressào. Ele percebe essa oportunidade de fa:er com que uma determinada epoca irrompa do transcurso homogêneo da Historia, assim, ele fa: explodir, de dentro de uma epoca, uma determinada vida, de dentro de uma obra de vida, uma determinada obra. O resultado de seu procedimento e que, na obra, e conservada e subsumida a obra de sua vida, na obra, todo o transcurso da Historia. O fruto nutritivo daquilo que e historicamente conceptuali:ado contem em si o tempo qual semente preciosa, mas carente de gosto (GS I-2, 691). 15
Numa abordagem preliminar da questão da linguagem e possivel aIirmar que os textos Metafisica da fuventude, Dois poemas de Friedrich Hòlderlin (1915) e Drama e tragedia (1916), bem como Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana (1916) e Sobre o programa da filosofia vindoura (1918) determinam em grande parte as escolhas conceituais de Walter Benjamin neste campo, dando como que a direção dos seus interesses e da sua posição IilosoIica. Muitos autores mencionam uma IilosoIia da linguagem, o que se constitui em ma interpretação do proprio conceito de IilosoIia assim como Benjamin o entende. Não se trata de construção sistematica e de explicitação de uma teoria, mas de uma tentativa de exposição previa e reIlexiva da tareIa do pensador por meio de materiais literarios da tradição em Iorma de mito, sempre na circunscrição da linguagem que em seu exercicio perIaz uma contradição Iundamental, ou seja, aponta para algo externo a si na suposição de Iundamento absoluto tambem externo, mas tendo que se recolher a si mesma a cada instante na compreensão de que as suas suposições igualmente Iazem parte do seu repertorio. Desde logo ha um interesse pela elaboração signiIicativa e atual das experiências da humanidade em Iorma de textos das mais diversas tradições ao dispor de todos. A linguagem não e uma particularidade do homem. Na criação tudo e linguagem e, por isso, entre a linguagem em geral encontra-se a do homem. O que a linguagem comunica? Comunica a essência espiritual correspondente. E fundamental saber que essa essência espiritual comunica-se na linguagem e nào pela linguagem. Nào existe, pois, nenhum locutor de linguagens quando se designa deste modo aquele que se comunica por estas linguagens (GS II-1, 143).
A linguagem comunica-se por si mesma de Iorma absoluta imediatamente como as coisas e os acontecimentos e não pode ser compreendida como meramente instrumental veiculando somente conteudos sobre algo como algo. A opiniào de que a essência espiritual de uma coisa consista exatamente em sua linguagem essa opiniào entendida como hipotese e o grande abismo, no qual toda a teoria da linguagem ameaça decair, enquanto que a tarefa e conservar-se flutuando acima, exatamente sobre ele. (GS II-1, 141)
16 A linguagem e a expressão em locução ocorrente da essência e nunca a propria essência em si nela somente objetivada. A ideia e que a linguagem descreve o ser humano seja qual Ior o conteudo a que se atem, havendo, portanto, uma ambigüidade Iundamental nela mesma quando sempre exerce a capacidade de apresentação de si e dos conteudos veiculados em seu querer dizer. Numa nota a Irase citada Benjamin pergunta: 'Ou não e antes a tentação de pôr a hipotese no inicio que Iaz o abismo de todo o IilosoIar?¨ (GS II-1, 141). A pergunta e pertinente e e a indicação de uma das questões IilosoIicas Iundamentais de Benjamin, ou seja, a constante objetivação necessaria para que a linguagem possa existir como atividade de apontar para algo, mesmo que espiritual, em constante dependência das hipoteses que, desconhecendo-as ou não, possibilitam o seu exercicio atual. O Ilutuar acima do precipicio parece ser possivel como equilibrio entre a atração do irracionalismo mistico desinteressado de suas origens e a objetivação seduzida deIinitivamente por sua propria consistência. As possibilidades entre ambos Benjamin descreve com a ajuda dos textos conhecidos do AT, atraves dos quais consegue expor as diIiculdades da situação humana como se Iosse uma teatralização. Todos os textos são elevados hermeneuticamente como que a uma segunda potência para se tornarem signiIicativos na cultura atual a qual eles mesmos servem de suporte, por vezes completamente esquecido nas operações de superIicie. Juntamente com as questões sobre a linguagem uma determinada concepção de teologia perpassa toda a obra de Benjamin. Desde os textos da juventude em que diz: 'No gênio Deus Iala e escuta a contradição da linguagem (...)¨ (GS II-1, 93). 'O gênio Ialante e mais silencioso do que aquele que escuta como o que reza e mais silencioso do que Deus¨ (GS II-1, 93), ate a primeira tese de 'Sobre o conceito de historia¨ encontramos reIerências sobre teologia: E conhecido o caso do automato construido de forma a ser capa: de responder a todos os lances de seus adversarios no fogo de xadre:, vencendo assim todas as partidas. Um boneco vestido a turca, narguile na boca, esta sentado diante do tabuleiro, que repousa sobre uma larga mesa. Um fogo de espelhos cria a ilusào de que a mesa e totalmente transparente ao olhar. Na realidade, esconde-se nela um anào corcunda, mestre na arte do xadre:, que, atraves de fios, dirige a mào do boneco. 2 No campo da filosofia, pode-se imaginar um equivalente desse aparelho. O boneco chamado 'materialismo historico` devera ganhar
17 sempre. Ele podera desafiar ousadamente qualquer um, se puser a seu serviço a Teologia, que hofe, como se sabe, e anà e feia e, alem disso, fa nào ousa aparecer.(Benjamin W, GS, Band I-2, pg 504).
E necessario atentar para o Iato de que as questões teologicas não podem ser entendidas de Iorma alguma como reiteração das simpliIicações religiosas e conIessionais. O sagrado em Benjamin e muito mais imanente ao proprio acontecer do real entendido como operação concreta acompanhada da multiplicidade multiIacetada e complexa das suas justiIicações teoricas e, exatamente por isso, e muito mais distante do que a compreensão ingênua construida pelos postulados interesseiros da Ie esperançosa em certeza e segurança num sonho em sono dogmatico. A teologia constitui-se como o conjunto das proprias condições de possibilidade da compreensão ocorrente em todas as areas da cultura, mas completamente esquecida enquanto origem de todas as maniIestações que Ienomenalmente perIazem a sua construção positiva em Iorma de normalidade naturalizada. A teologia Iala construtivamente determinando as relações, os meandros e as sistematizações do mundo da vida, englobando ate as tentativas de administração geral do mundo cientiIico em sua dinâmica em aceleração atordoante e diIicil de visualizar pela quantidade de suas Iragmentações. O anão esquecido na maquina e a Iarsa da inexistência da teologia. No interior da maquina la esta a manipular um jogo desde o inicio ja viciado quando esquecido e transparente ao olhar. A sua descoberta e essencial, e essa e a tareIa da IilosoIia como âmbito em que se possibilita a abertura de portas para a liquidação de transparências Ialsas. Quanto a historia, ja nos textos sobre o sentido autêntico da critica romântica, ou sobre afinidades eletivas de Goethe, sobre o drama barroco ou sobre a poesia de Baudelaire, Benjamin deIende a ideia da salvação de uma signiIicação que esta ameaçada e que Iorma ou pode Iormar uma relação em termos de constelação com uma experiência critica bem determinada do presente. Os sentidos ocultos, esquecidos ou escamoteados por interesses da historia construida pelo vies do historicismo com intenções positivistas, podem tornar-se altamente esclarecedores e vitais para a atualidade, estabelecendo, assim, uma importância politica a partir da ruptura que promovem com a quebra da narrativa comum que perIaz a compreensão de todos. Não se trata somente sobre discussões a respeito de Iatos historicos a disposição na linha do tempo, mas muito mais da descoberta, relativização ou ate destruição de certos principios das narrativas historicas como, por 18 exemplo, a crença ingênua no progresso, a tese subjacente de uma linha do tempo homogêneo e vazio, ou a projeção de uma historia universal com intenções de mapeamento cientiIico e absoluto de dados ate estatisticamente disponiveis. Tambem aqui a historia e entendida como narrativa em Iorma de linguagem e que deve merecer a analise sob duas perspectivas, ou seja, uma vez como Iala em sua intenção explicativa de conteudos e Iatos e, outra, como um conjunto discursivo possivel a partir de criterios e compromissos, os quais nem sempre são declarados pelo narrador por inconsciência ou por interesse especiIico. O passado na historia do presente do historiador narrador e constante citação conIorme as determinações da sua compreensão, a qual, por sua vez, e de constituição multiIorme e não so enIeixada pelos principios meramente cientiIicos que apresenta como suporte. A consciência desse estado de coisas muda a mentalidade do historiador obrigando-o ao constante re-exame da conveniência da escolha das suas citações e elaborações interpretativas, re-exame que e remetido ao que subjaz a narração historica enquanto principios ainda não descobertos ou não justiIicados por argumentação mais abrangente e convincente. A historia naturalizada assim entendida pelo conjunto das Iorças compreensivas da atualidade e a normalização da catastroIe em andamento vislumbrada com olhos de pavor pelo anjo da historia, do qual Iala a IX tese de Sobre o conceito de historia. A mesma historia na XIX tese do mesmo texto e considerada como o catastroIico saque durante seculos de grande parte da humanidade e que, por uma inversão em Iorma de esquecimento programado, leva, alem de tudo, a honra de ser a herança cultural da humanidade. Na questão da historia ha que ter cuidados com a questão da verdade apoIântica e a verdade enquanto acontecimento narrativo comprometido com pressupostos desconhecidos. Não e possivel imaginar que se trata de justiIicar a mera pregação a Iavor de um sistema doutrinario e com isso capaz de permanecer em permanente ortodoxia com ares de juventude, mas exatamente do seu contrario: a narrativa historica consciente do seu estatuto de narrativa pode despender cada vez maiores esIorços para aproIundar a sua verdade em termos de verdade entendida como adequação sem, porem, esquecer da sua condição de verdade perpetuamente no âmbito de uma apresentação inevitavelmente pragmatica. 19 A arte e tambem uma linguagem e e tal que com mais autenticidade representa a verdade, pelo Iato de preservar a capacidade humana de nomear. Benjamin em sua analise da linguagem considera que a Iaculdade de nomear soIreu uma cisão em que permanecem separadas a imagem e a signiIicação abstrata e que ambas podem estar unidas nas obras de arte dependendo da sua maior ou menor autenticidade. Ha que, então, constantemente depender das analises possiveis da arte atual como se Iossem acessos diretos a verdade, a maniIestação do sagrado e a origem sempre pronta a promover a ruptura com as normalidades catastroIicas de cada epoca. E por isso que Benjamin busca apaixonadamente o entendimento de Hölderlin, de Goethe, do periodo barroco e, entre outros mais, os movimentos teoricos e autores de vanguarda como o Surrealismo, Kraus, KaIka, Klee, Proust e Brecht. O romantismo de Iena Iez uma interpretação da Critica do fui:o de Kant, na qual Benjamin se inscreve. Desde Kant ate Hölderlin ha na IilosoIia uma grande discussão sobre as proibições de saltos a metaIisica por parte do pensamento critico. Tal discussão a respeito da coisa em si, de uma natureza alem da natureza articulada pelo acesso do entendimento e de uma origem unica, Iundamental e exprimivel conceitualmente por meio de processos reIlexivos ocupou IilosoIos da grandeza de Fichte, Schelling, Hegel, os irmãos Schlegel e Novalis. Transgredir os impedimentos que os laços da conceituação racional apresentava Ioi a solução que mais seduziu a partir dos paragraIos 76 e 77 da Faculdade do fui:o, os quais propõem uma natureza que de certa Iorma trabalha as costas ou coincidentemente com o ser humano propondo atraves das obras do gênio novas origens em Iorma da expressão do belo em termos de maniIestação do absoluto. O belo assim seria sinal sensivel da ideia ou do absoluto inacessiveis ao conhecimento racional. Hölderlin interpretava esse estado de coisas no sentido de que o gênio poeta e responsavel pela tareIa de dar Iorma ao sentido ultimo a que ate Deus deve servir. No seu trabalho investigativo sobre 'O conceito de arte no Romantismo alemão¨, Benjamin adere a especulação romântica com o seu conceito central de reIlexão e apresentando o mesmo em três niveis, quais sejam, o conceito IilosoIico desenvolvido por Fichte e interpretado pelos românticos, o principio estetico de reIlexão como critica romântica e o conceito artistico de reIlexão enquanto cuidado e oposto ao êxtase criador que nada deixa restar para o trabalho critico e conceitual. 20 O metodo de Benjamin não pode ser apenas circunscrito as suas explicações da Origem do drama barroco alemào como sendo tratado e desvio com todas as suas implicações teoricas, nem so o metodo de citação na perspectiva de montagem, mas, mais alem, tambem a descrição das decisões Iundamentais que transparecem como pressupostos em parte em seu procedimento de analise descritivo e em parte expressos como indicação de rumo imprimido a sua concepção de IilosoIia e circunscrevendo a sua posição. Tanto o uso tecnico de Iormas de linguagem Iazendo parte da sua propria pragmatica discursiva como a apresentação objetiva de conteudos deIinidos em tempo de transmissão Iazem parte do seu metodo eIetivo. Tambem ha que ser lembrada, por um lado, a grande versatilidade de Benjamin no uso de Iormas literarias para a expressão maxima dos seus conteudos e, por outro, as suas indicações da tareIa de pensar, de atenção, de escuta, de experimentação com pensamentos, de elogios, de construção e destruição, de desenterrar, de silêncio e de dialogo. Desde a analise da tareIa e das possibilidades da linguagem ate a posição segura quanto ao trabalho do narrador historiador, encontra-se em Benjamin a questão politica em maior ou menor grau. Nas teses Sobre o conceito de historia temos advertências, anatemas e juizos desIavoraveis a ortodoxia marxista e a social democracia traidoras por permanecerem renitentes em posições de cunho meramente estrategico para a manutenção de uma positividade embotada, mas tambem encorajamento a esperança, a participação e ao orgulho de camadas sociais desIavorecidas na construção da catastroIe historica da humanidade. Encontramos desde o inicio a alusão de que a linguagem humana por si mesma na sua contradição, por um lado, objetiva-se por motivos de estrategia politica e, por outro, e expressão com a sugestão de que ela seja participação ativa no todo da linguagem em geral. Ha que valorizar todas as elucubrações teoricas de Benjamin como sendo ensaios e experimentações participantes para o ordenamento, deslocamento e conIiguração da constelação do todo da cultura como o seu destinatario e o seu remetente ao mesmo tempo. A ideia e a de que toda a sua obra se inscreve de Iorma conscientemente ativa no todo da participação universal. ConIorme o expressa a I tese de Sobre o conceito de historia, a IilosoIia e um âmbito. Nesse âmbito ha projeção, experimentação, exempliIicação e, com tudo isso, produção de tensão ao molde da imagem dialetica, que e paralisação do pensamento como se Iosse mônada plena de tensões entre sentidos emergentes do passado presente e o Iluxo 21 compreensivo tradicional no comando gerencial dos passos do atual. Assim, quem estuda Walter Benjamin dever-se-a dar conta de pelo menos três aspectos centrais da sua obra, quais sejam: Em primeiro lugar, a menção dos IilosoIos e a relação teorica de Benjamin com eles. Encontram-se menções desde os pre-socraticos, Socrates e Platão ate Adorno, o que evidencia o proIundo arraigamento de Benjamin na IilosoIia ocidental com o seu vies de entender-se e conduzir-se como tareIa do pensamento a relacionar a totalidade dos Ienômenos. Tal dependência da centralidade da IilosoIia do ocidente não elimina a Iorça arcaica de signiIicação metaIorica dos textos da tradição veiculados pelo AT e NT e pela tradição da Cabala judaica, brilhantemente pesquisada e reconstituida pelo amigo de Benjamin Gershom Sholem. Em segundo lugar, a descrição da apresentação propria de Benjamin nos textos do que seja IilosoIia enquanto conteudo e exercicio. E notorio o Iato de que em todos os textos mais importantes Benjamin se esmera na oIerta de parâmetros epistêmico-IilosoIicos para o que quer dizer. Basta que se mencione a introdução a Origem do drama barroco alemào e as conhecidas teses de Sobre o conceito de Historia, que estavam destinadas para servir como moldura para todo o pensar a ser exposto no trabalho sobre A Obra das passagens. Em terceiro lugar, a atenção principalmente a relação entre as questões do metodo e os supostos que o possibilitam, bem como dos conteudos por meio dele tratados. Como ja Ioi expresso anteriormente, um dos interesses maiores da pesquisa e da elaboração da tese intitulada A contradiçào da linguagem em Walter Benfamin surge do aspecto relacional da IilosoIia com todas as areas do saber que a contradição possibilita, a começar com a teologia como exemplo. Na teologia, projetada anteriormente como sempre presente, mesmo que negada, encontram-se semelhanças entre os aspectos religiosos e os cientiIicos. Trata-se do Iato de que ha anão teologico na maquina da vida administrada e a IilosoIia, então, e o embarque na aventura da aposta e do exercicio de encontra-lo descobrindo-o a comandar o jogo instituido ate nos minimos detalhes do cotidiano. A propria possibilidade de um constante exercicio de hermenêutica sobre cada um dos Iundamentos que constitui a constelação anã com pretensão de exclusividade em todos os meandros do dia a dia, a propria condição de atividade de tematização sobre qualquer justiIicativa IilosoIica Iundamental, denuncia a extrema diIiculdade de Iixar de uma vez 22 por todas os arcanos do universo e do ser. Alem disso, quando se tem a pretensão da analise, do diagnostico de uma determinada estrutura do mundo, tal atividade acontece no suposto de explicação em termos de causa e eIeito na linha do tempo: a explicação acontece e existe como produto de causas passadas pelo modelo genetico de compreensão. Porem, na relação entre IilosoIia e teologia, o articulador-enunciador da explicação e visto como a autor-criador da explicação existente, mesmo quando não se da conta disso. As diIiculdades do articulador-enunciador são as de uma cisão Iundamental que resumidamente pode ser assim descrita: a linguagem e a racionalidade ativadas ao que vieram, num primeiro instante, têm a pretensão de excluirem a si mesmas de todas as implicações do estatuto de dependência da presença dos resultados da explicação e interpretação realizada. O autor não se compromete com a sua obra e relega-a a um mundo independente de si. O autor se aliena da sua obra e não se compreende e não se vê mais nela. Mas o autor enquanto articulador-enunciador constitui-se da sua propria explicação e interpretação, tanto que e a totalidade daquilo que compreende que seja. Da-se o caso, então, que ate a explicação dos Iatos em termos de causa e eIeito em linha do tempo reservada a compreensão do que seja o exercicio externo a si deve ser a ele aplicada, a tal ponto de exclusiva particularidade, que a sua pretensão de ativar algum olhar Iora do mundo e alem dele e inteiramente relativizada. Permanece a explicação e o sentido dado independentemente do autor, mas de qualquer Iorma ele e identiIicado enquanto autor e promotor de explicações e interpretações e por elas responsabilizado. Autor e autoria e obra identiIicam-se completamente e não ha possibilidade de ser autor independente sem compromissos com a sua obra e os seus supostos. O autor de explicações e interpretações e ator, agente de si mesmo a se expressar e identiIicar pela linguagem das suas obras. Não e possivel a IilosoIia abordar ao mesmo tempo todas as areas do saber em apresentação e aplicação na Universidade, pelo simples Iato de que as ciências se mantêm num processo acelerado de Iragmentação, o qual ja Iorça a vista de todos os mortais que queiram visualizar a sua amplitude em termos de simples quantiIicação e ridiculariza a quem se atrever a posar de perito em cada uma das suas especiIicidades, mesmo que seja sob o vies unico da epistemologia. Por isso, a intenção de visualização possivel so pode concretizar-se por meio de caracterizações gerais, comuns a todas as areas cientiIicas e tecnologicas, e os exemplos trazidos para a descrição da relação e da descoberta na obra de Benjamin talvez nunca possam Iazer justiça a totalidade das reivindicações trazidas desde 23 os aspectos da amplitude e da especiIicidade. Mas eles devem valer por isso mesmo, ou seja, exemplos de descoberta. E necessario acentuar que no rol das ciências e das tecnologias tambem estão incluidas as ciências humanas que abordam analiticamente outras ciências, ja que se trata em grande parte da mesma intenção de objetividade cientiIica e de competência tecnologica na manipulação de resultados obtidos e do seu possivel aproveitamento num mundo tido por administravel por meio dessa atividade. Na relação entre IilosoIia e ciências certamente as questões epistemologicas, ligadas ao mesmo tempo com as questões sociais, são as mais salientes, o que podemos inIerir da Iorma com que Benjamin apresenta essa tematica no seu texto 'A arte na era da reprodutibilidade tecnica¨, em que encontramos imbricadas as questões da arte, da ciência exata e da tecnica, dos aspectos sociologicos, dos aspectos teologicos, da politica, e de execução de analise IilosoIica. Na obra de Benjamin encontram-se concentradas as descrições do aspecto maquinal do mundo, com todas as suas promoções na area da teologia e das ciências de Iorma ja pratica, na Ierrea tentativa de unilateral condução organizada da vida por supostos e suportes teoricos, mas tambem com todas as suas implicações subjacentes em termos de produção de sentimento da necessidade de recorrência de idênticos circulos compreensivos visualizaveis, transparentes, objetivaveis e, por isso, dominaveis por quem tem acesso ao repertorio estatistico do que Ioi, e assim e talvez sera construido sem o concurso do âmbito da IilosoIia. A presente tese sobre A contradiçào da linguagem em Walter Benfamin devera ser vista como emergente do ambiente de conIerências, discussões e estudos de Pos- Graduação da PontiIicia Universidade Catolica de Porto Alegre com o aporte da experiência de docência na Unijui. Tal convivência possibilitou a compreensão mais acurada da Iundamental inserção do pensamento de Walter Benjamin na tradição da IilosoIia alemã, pois e nela e na sua relação com a IilosoIia europeia em geral, desde a origem no pensamento pre-socratico, que todos os temas ligados ao nucleo mencionado têm ja uma vasta elaboração precedente. A menção em diversos textos de IilosoIos como Leibniz, Kant, Fichte, Hegel, Schelling, os irmãos Schlegel, Novalis, Nietzsche, Marx, Simmel, Rosenzweig, Heidegger, Bloch, Lukacs, bem como os poetas e escritores Goethe, Schiller, Hoelderlin e Brecht entre outros, ja atestam a relação de proIunda inserção numa 24 tradição cultural resultando na recepção de um conjunto de temas que Benjamin re-elabora procurando desenvolver criativamente. A titulo de exemplo mencionamos algumas aproximações, recepções e aproveitamentos tematicos que evidenciam a proIunda ligação com a IilosoIia alemã, sem com isso querer negar o dialogo realizado com a IilosoIia europeia em geral.. Ja na sua juventude Benjamin participou de um movimento pedagogico determinado em parte pela IilosoIia de Hegel e que Ioi dirigido por Gustav Wyneken. Chegou ate a colaborar com esse assim chamado Movimento da Juventude Livre Alemà (Freideutsche Jugendbewegung) na edição de uma revista intitulada Anfang (Começo), na qual os seus proprios artigos indicam a inIluência de Nietzsche e da sua visão sobre a Grecia classica. Mais tarde, do texto de 1915 A vida dos estudantes, inIerimos inIluências dos primeiros românticos, tambem ainda de Nietzsche, bem como de tematicas metaIisicas de Platão e Espinoza. As questões abordadas tratam da revalorização da teoria, combate a petriIicação do estudo como simples superposição de conhecimentos, inserção no espirito de totalidade, consciência quanto a utilização de teorias em sua capacidade de expressar a plenitude do espirito humano. No texto intitulado Programa da filosofia vindoura, de 1918, registram-se preocupações teoricas ligadas ao IilosoIo Kant e ao kantismo da epoca: a questão do transcendental posto em termos deIinitivos ou historicos na IilosoIia; a possibilidade de conservar em toda a IilosoIia uma determinada tipologia kantiana, mas aduzindo preocupações com a linguagem, a religião, ao conceito de identidade; reIormulação do conceito de experiência para que se torne muito mais rico do que aquele que Ioi concebido na epoca de Kant; produção de uma concepção de historia que Kant teria deixado em aberto. E possivel aqui ja aIirmar que Kant sera um dos grandes interlocutores de Walter Benjamin em todas produções pela presença dos seus pensamentos em torno da moral, da liberdade, da revolução, da violência, dos criterios para o diagnostico de produção de teorias capazes de erigir um conceito de historia plausivel, alem daquele elaborado pelo historicismo. Alem disso, e inegavel que todos os temas ligados as questões esteticas em geral e da beleza, sobre os quais Benjamin escreve, têm proIunda ligação com a terceira critica kantiana, a Critica do Jui:o, principalmente os conteudos dos seus paragraIos 76 e 77, ja Iartamente elaborados interpretativamente ate então pelo idealismo alemão e o primeiro romantismo na direção de uma grande valorização do termo Natur, ou seja, uma 25 natureza alem daquela que segundo a CRP e produzida pelas condições transcendentais do conhecimento humano. No texto 'O conceito de critica de arte no Romantismo alemão¨ mencionam-se algumas perspectivas da IilosoIia de Fichte, dos irmãos Schlegel e de Novalis, rastreando desde Fichte o conceito de reIlexão e o seu aproveitamento no primeiro romantismo. A critica romântica e descrita em sua pretensão de ser equiparada a propria criação artistica de maneira inteiramente positiva, prolongando de modo ininterrupto a Iruição estetica, mas tambem acusada de não apresentar em si um momento negativo. Origem do drama barroco alemào e um texto de Benjamin Iartamente comentado por muitos peritos, mas que, mesmo assim, ainda apresenta grandes diIiculdades para o seu entendimento pelo Iato de o autor supor em cada leitor o conhecimento de uma grande herança IilosoIica pelos conceitos com que se expressa. Jeanne-Marie Gagnebin sobre ele assim se expressa: 'Tenta-se lê-lo, não se o entende, tenta-se esquecê-lo, retorna-se a ele, pressentindo que ai se encontram algumas das noções-chave de toda a IilosoIia bejaminiana: origem, salvação, mônada, alegoria, melancolia, so para citar as mais conhecidas¨ (Folha de São Paulo, 9-12-1984). Contrapondo o drama barroco a tragedia classica, Benjamin aproxima por pre-Iiguração tal drama a nossa Iorma de compreender contemporânea em que os valores absolutos estão morrendo ou ja morreram, restando um luto em que nos nos reconhecemos incessantemente sentindo-nos culpados e, por isso, alegorizando intermitentemente ao dizer uma coisa e sabendo, ao mesmo tempo, que signiIica outra, remetendo-nos sempre a outros niveis de signiIicação. Nas questões mencionadas na 'Origem do drama barroco alemão¨ aparecem discussões quanto ao estatuto da ideia em relação aos conceitos e Ienômenos, a linguagem, a verdade, ao metodo e propriamente a IilosoIia, todas elas enredadas pela tradição da IilosoIia alemã, devendo, por isso, tal teia merecer a pesquisa mais intensa e a atenção cada vez mais acurada. A relação entre ideias, conceitos e Ienômenos que e articulada, por exemplo, na Origem do drama barroco alemào parece oIerecer um contraponto a IilosoIia de Hegel. Quando em Hegel o conceito e a consumação de todo o trabalho do espirito, pelo qual a razão alcança a visão e a assunção dos seus proprios limites para, então, poder superar-se a si mesma, em Benjamin o mesmo cumpre o papel de mediação entre ideia universal e Ienômenos singulares. A Iim de que não sejam dispersos os Ienômenos são arrebanhados pelos conceitos, os quais, por sua vez, se conIiguram em ideias universais. Estas ideias 26 dão, então, sentido a tudo, como se Iossem constelações Iormadas do material conceitual e Ienomenal. As ideias são pensadas como um campo de Iorças com caracteristicas de universalidade dinâmica, conIorme a terminologia de Leibniz, isto e, como mônadas: não como realidade superior e a parte de acordo com a conhecida interpretação platônica, mas como concretamente ligadas a linguagem como um elemento simbolico essencial a palavra. Essa Iorma de ver releva imediatamente a importância do papel da linguagem na IilosoIia de Benjamin, a qual eIetivamente representou uma preocupação constante no conjunto do seu pensamento. Ja em 1916 havia surgido o texto Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do ser humano e, depois, em 1933, A doutrina da semelhança e Sobre a faculdade mimetica. Mais tarde ainda, em 1935, Benjamin escreveu Problemas de sociologia da linguagem. Haman e Humboldt são nomes da IilosoIia alemã, que imediatamente se apresentam como reIerências para esse circulo de preocupações a procura de dar conta da concretude dos termos da linguagem sempre em perigo de se desvincularem do seu chão para se exilarem em abstrações muitas vezes inuteis. Ao conhecer Bloch no ano de 1919 e seu livro O espirito da Utopia, com o passar do tempo Benjamin Ioi inIluenciado por este IilosoIo a leitura e estudo de Historia e consciência de classes de Lukacs, o que lhe abriu as possibilidades de pensar mais acentuadamente as relações entre a teorização e a ação, assim como Marx o propunha. Os seus esIorços no âmbito do pensamento politico levam-no a encontrar Bertold Brecht para dele receber uma inIluência deIinitivamente marcante, a ponto de suscitar os protestos tanto de Adorno, este ja comprometido com uma visão de esquerda capaz de achar soluções relacionando Marx e Hegel, como tambem do seu amigo Sholem, mais interessado pelo possivel vies unilateralmente teologico que Benjamin talvez pudesse conIerir a sua obra. A tentação constante do engajamento politico direto não consegue embota-lo a ponto de renunciar as elaborações teoricas, levando-o, pelo contrario, a cada vez mais pensar e escrever sobre a possibilidade de juntar questões teologicas, politicas e esteticas para aproveitar, de Iorma criativa e por vezes chocante, os resultados da propria cultura em que estava imerso, como mostra o livro 'Rua de mão unica¨ (Einbahnstrasse), em que reune ideias politicas, IilosoIicas, esteticas e literarias, bem como notas de viagem, reIlexões gerais sobre amor, inIância, sonhos e selos postais, propondo, alem disso, um novo uso de citações, as quais, em vez de um uso acadêmico de erudição, deveriam ser aproveitadas para surpreender o leitor desestabilizando-o dos seus habitos de compreensão normalizada e construida pela ideologia meramente conservadora para a manutenção do 27 que ai assim se encontra em Iorma de comercialização da propria vida. As tematicas do livro trazem sugestões de aproveitamento cultural IilosoIico de todos os lados, imprimindo-lhes uma torção que os torna sempre atuais pelas intuições e relações que sugerem. O Trabalho das passagens (Passagen-Werk), pesquisa de Benjamin que não chegou a ter Iorma de livro, Ioi-lhe sugerida pela leitura de O camponês de Paris (Le Pavsan de Paris) do surrealista Louis Aragon. A pesquisa levou Benjamin a conclusão de que deveria retomar a IilosoIia de Hegel, o O capital de Marx, bem como se cruzar com os caminhos de Heidegger no que tange a concepção do tempo e da historia. Sobre Heidegger aIirma que seria praticamente 'o teatro de todos os meus combates e de todas as minhas ideias¨ (Benjamin, W., Gesammelte BrieIe II, 506). Os desaIios da escrita historica existente mesclada com questões politicas, teologicas e ideologicas em geral provocaram Benjamin cada vez mais em meio a dinâmica politica e social em que se encontrava, por exemplo, desde 1933, exilado da Alemanha pelo evidente perigo de perseguição por parte do partido nazista em ascensão. As reIlexões sobre a historia e conseqüentes discordâncias da maneira historicista de compreensão guiam-no ao aproIundamento teorico e as hipoteses alternativas que se esboçam em seu texto Infancia berlinense em torno de 1900, em que o historiador e visto como alguem que parte do seu condicionamento presente para a investigação da materia do passado, o qual por sua vez, nunca comparece de Iorma neutra em sua menção presente: o passado carregado de possibilidades de Iuturo sempre tem algo de nos pelo Iato de carregar ainda consigo os sonhos que não se realizaram, as promessas que não se cumpriram e a Ielicidade que não veio. Tempo e historia tambem surgem em relação a obra de Franz KaIka. Na comparação que Iaz entre KaIka e Lukacs Benjamin entende que KaIka se interessa por periodos extremamente longos em ritmos muito lentos, porque pensa em periodos cosmicos, enquanto que Lukacs pensaria em tempos historicos bem mais curtos de acordo com Historia e consciência de classe. Apesar da aIinidade de Benjamin com os integrantes expoentes da 'Escola de FrankIurt¨ Adorno e Horkheimer no que concerne a varios assuntos, varias divergências emergem em pontos centrais do seu pensar como, por exemplo, na recusa por mediações por demais soIisticadas e caracteristicas dos dois IrankIurtianos mencionados, ou na diIerença quanto a positividade determinista ou não dos Iatos historicos, ou quanto a 28 concepção da totalidade, ou ainda na recusa da industria cultural, sobre a qual Benjamin cultivava ideias proprias, ja que procurava captar as suas contradições e reconhecer os seus avanços tecnicos. Pelo exposto e compreensivel que a posição IilosoIica de Walter Benjamin e imediatamente relacionada com a IilosoIia alemã pelos nomes dos IilosoIos mencionados e pelas tematicas encetadas. Divergindo dela ou não, consciente dela ou não, a carga tradicional de ideias, conceitos e sugestões metodicas de articulação IilosoIica, textual e tematica cultural com que trabalhou em sua obra e enorme, tanto que em seu ultimo escrito intitulado Sobre o conceito de historia, alem do pano de Iundo geral diIuso e possibilitador da articulação geral das teses, encontramos a menção, a aplicação e o aproveitamento diretos de todos os resultados da historia como programa consciente por parte do autor, e ate de exigência da aIirmação da essencialidade desse gesto para que um novo conceito de historia pudesse ser elaborado em relação com a sua posição IilosoIica pautada na linguagem e, especiIicamente, na contradiçào da linguagem.
B ConIorme ja aIirmado, a tese sobre Walter Benjamin se propõe acompanhar a presença do que ele mesmo denomina de a contradição da linguagem e veriIicar a sua importância como vetor de compreensão da sua obra em determinados escritos Iundamentais. Em seguida a uma secção que trata de apresentar especiIicamente a inserção teorica de Benjamin quando jovem no Movimento cultural da fuventude sob a liderança de Wyneken, são analisados os escritos em que a contradição da linguagem aparece, quando não explicitamente, pelo menos, então, implicitamente. São dez escritos que assim constituem as secções em que a contradiçào da linguagem e vista como o ponto focal ou o fio condutor para a compreensão da obra do autor. As dez maniIestações literarias analisadas estão, portanto, sob a egide da contradiçào da linguagem como, alias, se depreende da organização dos titulos das dez secções. A expressão em si mesma reIere-se ao Iato de que na linguagem e com a linguagem se pressupõem duas dimensões Iundamentais. A primeira delas e a concepção que dimensiona a linguagem como instrumento de denotação, ou de sinalização objetiva e externa de algo que o Ialante aponta como se Iosse 29 separado de si mesmo. Por esse vies se intenta reproduzir no pensamento e pela linguagem algo que se apresenta como objeto de realidade em si e Iora dos limites da mesma linguagem, bem como tambem externa ao Ialante, o qual, assim, se constitui em sujeito articulador do processo. O sujeito supõe suas capacidade de conhecer para representar em si Iigurativamente uma realidade objetiva externa a si com os recursos instrumentais da linguagem. A partir de então, necessita controlar e analisar sem cessar as modiIicações da realidade externa e suas proprias capacidades quanto a eIiciência da representação que Iaz em termos de adequação. O sujeito tanto mais suporte e Iundamento do seu discurso sera, quanto mais puder observar, calcular e analisar o que se lhe apresenta enquanto externo e separado de si e quanto mais puder estabelecer, tambem por analise, as proprias condições internas que lhe possibilitam que explique a correspondência entre ambos os polos. Num processo de inIinita recorrência necessita, então, assegurar-se de que as condições da Iundamentação em si mesmo e o uso da linguagem instrumental estejam corretas para que a adequação a realidade seja realizada por representação perIeita. Para tal processo de objetivação, portanto, o sujeito deve instaurar um Iundamento sempre separado de si mesmo que precisamente o Iundamente como sujeito, a Iim de que seja possivel o julgamento sobre a correção do trabalho de analise e elaboração do objeto separado e Iixo em Irente. A exemplo da adoração de idolo, necessita instaurar de modo recorrente uma divindade separada e provisoria que suposta e hipoteticamente justiIique e legitime como Iundamento a correção do discurso elaborado. Todas as Iundamentações objetivadas resultam Iicticias por pretenderem estabelecer a totalidade absoluta por um discurso dela separado. Totalidade sempre suposta que não inclua o seu proponente, totalidade não e. O resultado e a impossibilidade de Iundamentação total e absoluta de qualquer discurso que suponha Iundamentação possivel. Sempre sera totalidade parcial, geralmente esquecida depois de implementada como sistema compreensivo e atividade de aplicação dedutiva em todos os campos do saber. Esse estado de coisas permanentemente recorrente constitui a metaIora do mundo apos a queda em que o ser humano e vitima das proprias construções Ieitas a base de Iundamentações varias, comendo o Iruto da arvore do conhecimento do bem e do mal e da vida, ao promover a separação entre Iundamento posto e separado alem da linguagem, sujeito que propõe a separação e objeto absolutamente externo as articulações da linguagem. A proibição e precisamente a da invenção do idolo nomeado enquanto Iundamento separado de um todo que sempre escapa a compreensão, possibilitando-lhe 30 assim a abertura pela liquidação da recorrente e reduzida totalidade em que se movimenta em epocas de esquecimento. A IilosoIia sob este aspecto se conIigura como a atividade da descoberta das totalidades dogmatica e eIicientemente redutoras da compreensão com o indiciamento das suas precarias e provisorias Iundamentações, que se maniIestam no exercicio da linguagem proposicional de objetos absolutamente Iora da linguagem. A segunda dimensão da contradiçào da linguagem trata da compreensão da mesma enquanto intermitente expressão da propria totalidade que necessaria e inevitavelmente sempre supõe pelo Iato de nela participar. Tal expressão inclui todas as Iormas de explicação porventura ja elaboradas a respeito de Iundamentação, subjetividade e objetividade. Sendo a propria linguagem com todas as suas virtualidades ja imediatamente expressão da totalidade que inevitavelmente supõe, então todas as tentativas de Iundamentação Iazem parte do seu acervo expressivo, pois não ha como elaborar algo expressiva e signiIicativamente sem linguagem. Desse modo o homem se deIine pela linguagem humana que mesmo e enquanto sempre relacionado com a linguagem total das coisas que esta precisamente a traduzir. Qualquer maniIestação intencional de construir ediIicios de Iundamentação sera acompanhada pela linguagem que e, mas que esta a esquecer na ilusão da objetivação com o que, enquanto intenção de sujeito, esta a cada passo ediIicando o seu proprio degredo como que em intermitente expulsão quando esquecido desta mesma condição. A contradição da linguagem e o paradoxo da ambivalência pelo qual o ser humano se deIine e que lhe possibilita a compreensão enquanto conhecimento objetivado, por um lado, e, por outro, a compreensão enquanto recordação do encontro que ja sempre e numa unidade total que nunca podera deIinir por explicações de causa e eIeito, pois tambem estas categorias ja se dão como expressão de si mesmo no nome, ou seja, na linguagem. Tal linguagem deixa de ser meramente proposicional objetal para se tornar expressiva e não proposicional. Pelo menos desde o texto Conversaçào de Metafisica da fuventude Benjamin conta com a contradiçào da linguagem, variando a sua maneira de aborda-la e tendo-a sempre presente como criterio de avaliação para a sua propria condição de autor e tradutor, e critico da obra de outros autores. O presente trabalho procura expor esta dinâmica em dez seções, preIaciando-as com uma introdução geral sobre a Iormação e a obra de Benjamin quando jovem: 31 A introdução a obra de Benjamin quando jovem trata de algumas questões centrais da Iormação de Benjamin quando jovem, principalmente da sua atuação no 'O movimento cultural da juventude¨, bem como de algumas ideias dos seus escritos iniciais. Benjamin, provindo da escola convencional de Berlin, passa a Iazer parte da Comunidade escolar livre (Freie Schulgemeinde), Iundada por Gustav Wyneken como reação a crescente mudança estrutural da sociedade promovida pela industrialização e possibilitada pelo avanço das ciências naturais implementadas na tecnologia. Os textos apresentados sucintamente nesta introdução geral no segundo ponto e que abordam em germen tematicas posteriores que se reIerem a produção literaria da epoca da juventude de Benjamin são: Leben der Studenten (Vida dos estudantes), Dialog ueber die Religiositaet der Gegenwart (Dialogo sobre a religiosidade contemporânea), Der Moralunterricht (Ensino da moral), Die drei Religionssucher (Três a procura de religião) e ja a carta a Martin Buber em que se nega a cooperar com uma literatura de intenções estrategicas. 1. Indicação da contradição da linguagem. Nesta primeira seção especiIica quanto a contradição da linguagem o texto criptico 'Conversação¨ e interpretado no sentido de se constituir em descoberta da mesma e paulatina segurança para exposição e aplicação em textos posteriores. No texto são mencionados personagens e seus movimentos que a nosso ver procuram teatralizar todos os recursos da linguagem. Para a compreensão, o texto criptico exige um acompanhamento meditativo numa leitura constante do não dito, mas sugerido entre uma sentença e outra, parecendo cada uma delas, por vezes, aIorismos completamente desconexos a uma primeira leitura. Pelo recurso da teatralização das perspectivas e possibilidades da linguagem aos poucos vai emergindo a compreensão da contradiçào da linguagem da condição humana. O titulo desta secção tem a intenção de apresentar o indiciamento enquanto descoberta compreensiva da contradição da linguagem. 2. Ensaio aplicativo da contradição da linguagem. Duas poesias de Hoelderlin. Esta segunda secção da tematica central trata da questão da linguagem na poesia. Nessa seção, o texto Duas poesias de Hoelderlin apresenta uma reIlexão tendo como pano de Iundo a contradiçào da linguagem que transparece em sua ambivalência quando da acentuação do polo da linguagem e compreensão repetitiva, por um lado, e, por outro, do polo da noticia do poetizado que a poesia traz inerente a si. Restringimo-nos a abordagem da primeira parte do texto de Benjamin, que traz as reIlexões preliminares a analise concreta das duas poesias. Basta ai enIatizar o que parece ser a primeira aplicação da descoberta. 32 3. Apresentação da contradição da linguagem: Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens. Nesse texto Benjamin expõe explicitamente a ambivalência da linguagem tendo como um dos seus polos o seu lado objetal na pressuposição da possibilidade de descrição de algo alem dela, e como outro, a dimensão da recordação do esquecimento de que ela e o âmbito e ao mesmo tempo a expressão do ser humano em todas as suas maniIestações. A unidade absoluta suposta não e possivel de se veriIicar por Iundamento ultimo, pois cada instauração em termos de raciocinio pela categoria de causa e eIeito ja sempre tambem a pressupõe, sendo apenas acessivel como expressão na compreensão do itinerario de uma compreensão sempre emergente na recordação de uma participação ocorrente. 4. Posicionamento IilosoIico: Sobre o programa da filosofia vindoura. Nesse texto Benjamin estabelece a sua concepção IilosoIica em relação a Kant, decidindo-se pela conservação e apoio parcial a sua tipologia, que consiste em aproIundar-se na busca das condições de possibilidade do conhecimento como Platão ja iniciara a Iazê-lo. Distancia- se, porem, de Kant quando em sua obra percebe a Ialta de tematização da linguagem que a tudo inclui e carrega, inclusive a busca das condições de possibilidade por um sujeito que nessa procura intenta instituir a si mesmo como Iundamento ultimo possivel no intuito de constituir um mundo de objetos a partir de si. O sujeito assim posto e mito em meio a um tempo pobre de experiência por imaginar a captação de sensações sem a interIerência da historia, presentada na doutrina enquanto a pletora do sentido sempre subjacente em quaisquer decisões e explicações atuais. A IilosoIia vindoura deve, portanto, preocupar-se com a linguagem em que o ser humano sempre se movimenta e a religião como suposto sistematico sempre a ser descoberto, o que vem a conIigurar novamente os dois polos da contradiçào da linguagem. 5. A contradição da linguagem na tareIa do tradutor. No texto A tarefa do tradutor trata-se da seguinte questão: como se pode traduzir a dimensão da linguagem, que, de acordo com a contradição da mesma, não comunica, não repassa um conteudo, não transmite algo alem de si mesma? A obra de arte não precisa minimamente levar em conta o conhecimento de qualquer receptor pelo Iato de que não pode haver estrategia de conhecimento ou intenção competente na transmissão de algum conteudo. A obra não deve prestar-se a comunicação no sentido costumeiro e, por isso, não e necessario o conhecimento, ou a captação do que comunica. Tudo depende da possibilidade de se a 33 verdade inscrita na obra e traduzivel ou não, e isso quem decide e a obra, pois e ela que por sua propria Iorça aspira e leva a tradução. A necessidade da tradução decorre da essência da obra que deste modo exige a continuidade da sua existência. Numa tradução interlinear as palavras e as Irases do original tornam-se citações na escrita de vida do proprio tradutor, pois do texto emerge a verdade que, por um lado, ja o inclui na obra e, por outro, ao mesmo tempo, atualiza a mesma na concreção da vida. A contradiçào da linguagem se localiza enquanto preocupação de não se esmerar numa tradução a carregar conteudos como se Iossem objetos de uma lingua a outra. 6. A contradição da linguagem na IilosoIia e na arte. No texto Origem do drama barroco alemào Benjamin insiste na aIirmação de que a Iorma da IilosoIia deve ser ao modo da apresentação expositiva, sem as pretensões de sistema que tipiIicam o conhecimento objetivado. O conhecimento objetivado, portanto, não tem o problema da apresentação pelo Iato de ja estar pronto e ao dispor da possivel aplicação pratica automatizada e tendente ao esquecimento. Ele subsiste sob as condições da combinada adequação as coisas e promove seguramente a certeza da compreensão que se reitera recorrentemente a base de principios aceitos e assim estabelecidos. O sistema entendido como rede tecida com conceitos e entre conceitos para apanhar a verdade como se Iosse objeto separado e proprio da modernidade. Os conhecimentos, nesse caso, ocupam a Iunção de capturar e enredar uma verdade vista como mera objetivação enquanto alvo a ser constantemente alcançado por conquista. O pretenso resultado e a posse da verdade pelos conhecimentos como se ela Iosse coisa e manipulavel a qualquer hora. Mas a IilosoIia em sua tareIa critica, portanto, não pode esquecer o seu proprio comprometimento na atividade de escuta e recordação, bem como não pode esquecer-se do Iato de que a obra tambem não e um produto que se pudesse desvincular da atividade da sua realização. Na comparação entre IilosoIia e sistema, Benjamin decide que o ser reduzido as determinações categoriais e aos sistemas de classes em geral merece a desconIiança e a discordância, e tambem por isso se expressa no sentido de que as classiIicações historico-literarias não conseguem se legitimar, devendo ser compreendidas antes a partir da ideia. A IilosoIia e a atividade que percebe as duas dimensões da historia: a do Ienômeno articulado enquanto objeto pelos recursos da racionalidade da sua mitica autonomia, e a como quase paisagem, como ideia, como recordação, como saber participativo de um retorno ao local onde sempre se esteve exatamente a Iazer parte da ideia e da paisagem e onde os nomes se dão. Alem da historia articulada por proposições na intenção de objetivação, encontra-se a ideia de origem que 34 tem a historia como que por dentro, pois engloba e assume o comprometimento com toda a Iorma de explicação possivel. Na concepção da ideia de origem, que ja traz consigo a compreensão inevitavel do ser ativo e em totalidade mesmo que sempre indeIinivel por deIinitivo, a historia caracterizada pelo vies de causa e eIeito e uma imagem, um teor, um mosaico para a contemplação, e não mais diretamente o acontecer bruto que pudesse aIeta- la. Novamente ai encontramos em outra roupagem a contradiçào da linguagem. 7. A contradição da linguagem entre a diluição total e a objetivação delirante: Ao sol. No texto Ao sol Benjamin descreve o percurso entre a condição de linguagem objetiva enquanto instrumento de sinalização exterior e a percepção da imagem que se Iaz sonora no nome enquanto integração a paisagem ate quase a diluição de si no todo circundante. A tentativa e descrever os extremos possiveis da propria contradiçào da linguagem. 8. Complementação a contradição a linguagem: Doutrina do semelhante. O texto conserva os resultados basicos de A linguagem em geral e a linguagem dos homens, mas com a complementação de algumas questões, principalmente pelo conceito de semelhança não sensivel em Iorma de linguagem. Como a natureza em geral, o homem reconhece e produz semelhanças, as quais ao longo do tempo deslocaram-se e se metamorIosearam em semelhanças não sensiveis na linguagem. O que se reputa como pura dimensão semiotica, na verdade seria o Iuncionamento do codigo de semelhanças esquecido, que na velocidade do relâmpago Iaz a junção de som de palavra e coisa. O deslocamento e a velocidade do processo impede de percebê-lo sensivelmente a ponto de ha muito tempo estar automatizado levando aos enganos sobre a signiIicação da propria linguagem. 9. A aplicação da contradição na linguagem. Fran: Kafka. Personagens que se dão conta da contradição da linguagem agem de maneira muito estranha, pois são capazes de expressar a ruptura com a normalidade da objetivação para promover um movimento de retorno que primeiramente os capta como um processo de melancolia e angustia para liberta-los na dinâmica da recordação e da compreensão em que existem na propria ambivalência da contradiçào da linguagem que sempre ja são. 10. Entre o dizer e o dito. No artigo Hoffnung im Jergangenen (Esperança no que passou), Peter Szondi percebe claramente a postura de Benjamin que e a de se voltar ao passado de si com as circunstâncias da epoca a Iim de vasculhar o signiIicado la inscrito, como se Iosse uma escrita presente e postuma ao mesmo tempo, mas ainda capaz de acordar no tempo presente o bom leitor. A pergunta que se Iaz ouvir e: o que impede que 35 na epoca exata se leia corretamente? O que impede que muitos não acordem pela rememoração nem em tempos posteriores? Ha um impedimento Iatal, uma diIiculdade enorme por vencer a Iim de que se chegue ao entendimento considerado correto. Que impedimento e esse? A tese e a de que se trata da contradiçào da linguagem quando esta se concentra exclusivamente na objetivação, pois em suas metamorIoses a linguagem determina o tempo relacionando o passado com o presente, como se Iosse acessivel a atualidade qual um objeto analisavel cientiIicamente a partir de Iundamento absoluto e Iixo. A descoberta, a apresentação e a aplicação da contradição da linguagem como ponto Iocal, ou Iio condutor para a leitura da obra de Walter Benjamin conIigura o nucleo da presente tese.
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II. O MOVIMENTO CULTURAL DA 1UVENTUDE
E certo que os interesses de Walter Benjamin não se reduzem as questões do âmbito da IilosoIia da linguagem, pois os mais variados aspectos da cultura mereceram a sua atenção. Mesmo assim a reIerência da sua IilosoIia voltada a linguagem e essencial em toda a sua obra. Ademais, se pode dizer que a IilosoIia em geral e simplesmente una e independe das perspectivas em que se ativa, de modo que, enquanto voltada a linguagem, ela esta necessariamente tambem relacionada com todas as areas. Na idade de vinte e quatro anos Benjamin escreveu o texto programatico sobre a IilosoIia da linguagem A linguagem em geral e a linguagem humana, que marca deIinitivamente a sua obra. Algo sobre Iormação anterior do autor Iacilita o entendimento desse importante texto. Aos quatorze anos de idade Benjamin encontrou Gustav Wyneken, IilosoIo e pedagogo reIormador do ensino medio e Iundador da Comunidade escolar livre (Freie Schulgemeinde). Provindo da escola convencional de Berlin, instituição de orientação rigidamente orientada (Gilherminisches Gvmnasium) para a proIissionalização, deIrontou-se ai com as ideias de reIorma pedagogica voltada para a mudança da sociedade em geral por meio de um movimento cultural jovem. O proIessor Wyneken em sua Comunidade escolar livre em Hausbinda apresentava a exigência da realização do espirito numa nova religião contra os imperativos do mundo capitalista mecanizado e de uma sociedade em Iranco desenvolvimento de racionalização em tudo, desde o Iim do seculo XIX. O mestre insurgia-se contra a derrocada de todas as relações sociais tradicionais, que a seu ver era promovida pela marcha vitoriosa do capital, Ienômeno que para ele signiIicava a subserviência a logica da razão meramente instrumental. O espirito e a nova religiào representavam de imediato a liquidação do alvo posto pela sociedade agora vigente, alvo visto como realizavel pela relação instrumental meio-Iim. O tema central da nova religião proposta era o incondicionado, ou seja, aquilo que não pode ser reduzido a 37 qualquer Iundamento e que se Iurta a qualquer racionalização elaborada conceitualmente. Tal concepção religiosa, pelo visto, apresenta um cunho politico que Wyneken e, então, Benjamin coadunavam com metas e conteudos da praxis, da ação humana em si. O conceito de religião, portanto, trazia consigo uma intenção politica que se exercitava na critica das condições sociais vigentes e do entendimento da razão como autônoma, dominadora e cada vez mais prestigiada pela violenta ascendência e prestigio cada vez maior do processo de industrialização e mecanização geral. O movimento de organização de uma juventude que resgatasse o espirito humano aprisionado e embotado nas malhas da instrumentalização redutora era visto como alvo ate teologico. Ja esta percepção de seu proprio tempo da a entender a razão de por que Benjamin se contrapunha a concepção de uma razão autônoma e sugerir um conceito de conhecimento que possibilitasse pensar a união entre mundo e si mesmo, longe, portanto, do divorcio Iundamental e necessario a racionalidade instrumental entre subjetividade racional articuladora de um lado e, de outro, natureza tornada objeto de manipulação. Um si mesmo abstrato, Irente a um material abstrato denominado natureza e que se da de acordo com os criterios do entendimento, e o desenho de um esquema geral que Iortalece a vigência de uma compreensão comprometida com os aspectos da relação geral meio-Iim. Esse esquema e combatido, pois e entendido como a concepção kantiana que estipula os principios da experiência possivel como sendo as leis gerais da natureza conheciveis a priori. Em seu lugar Benjamin propõe uma concepção de experiência segura da sua unidade original na linguagem, portanto, alem do transcurso por vezes triunIante de uma consciência que se põe solitariamente como Iundamental. Numa unidade entre razão e natureza ja sempre ocorrentes e em processo de eIetivação, na suposição do que as possibilita, as coisas em geral dão a sua participação, elas se revelam em sua propria linguagem ao homem na linguagem sonora pela qual este se identiIica. A totalidade da linguagem jamais pode ser objetivada pelo pensamento sempre relacionado com a palavra, pois se trata de um conhecimento que ultrapassa a capacidade conceitual em seu aspecto proposicional, o qual em cada momento se da inevitavelmente na circunscrição que deve supor. A inevitabilidade da suposição da linguagem ocorrente da-se como um saber de um incondicionado que se Iurta a qualquer tentativa de vislumbre numa perspectiva teorica, em Iala discursiva na intenção de Iundamentação por argumentos e tentativa de ediIicação de meta a ser alcançada reIlexivamente, pois estas mesmas intenções estariam a evoca-la de Iorma imanente e imediata. A experiência da unidade no incondicionado pela sua 38 expressão e necessaria suposição na linguagem possibilita a experiência da sua quebra proposta pela autonomia da razão e as suas conseqüências na historia. As ideias pedagogicas e reIormistas de Gustav Wyneken, com o seu ideal concreto de uma vida livre e antiburguesa, Iiguram como centro Iocal das preocupações teoricas iniciais de Benjamin. Depois de voltar daquela instituição do interior para Berlin, continuou a ler os escritos de Wyneken Iormando logo um circulo de amigos para a divulgação do mestre. Assim iniciava-se uma carreira de divulgador e ativista do movimento da cultura jovem. Benjamin aIasta-se de Wyneken em março de 1915 por carta discordando da atitude do mestre no apoio a Primeira Guerra Mundial. Alem disso, a recusa do seu amigo Heinle de ser recrutado para a guerra a ponto de se suicidar pôs Iim a sua compreensão de que as ideias do movimento jovem pudessem e devessem pretender cunho imediatamente politico. Mesmo assim, tais ideias parecem permanecer como pano de Iundo e orientação geral na obra de Benjamin, se bem que o artigo de 1915 'A vida dos estudantes¨ tenha abordado diretamente a tematica do movimento jovem pela ultima vez. O movimento cultural jovem de Wyneken caracterizava-se, a diIerença de outros, por ser uma revolta de boa parte da sociedade alemã, portanto, tambem dos pais dos jovens imediatamente envolvidos. Não se tratava apenas de uma reação contra a crise do sistema educativo enquanto tal, mas de uma resistência contra a modernização e industrialização da sociedade alemã. Os esIorços de industrialização do imperio levaram a crise uma grande parte da tradicional burguesia alemã deslocando-a de sua situação de importância social e da sua compreensão de mundo enquanto resultado de Iormação geral humanistica. Desde o Iim do seculo dezenove ate os intelectuais publicamente Iirmavam a consciência de que os tempos eram de grave crise cultural. Diversas ligas e comunidades a epoca se Iormaram para resistir aos novos tempos da maquinaria para a Iormação de uma nova ordem cultural e social e, entre eles, a ja mencionada Comunidade escolar livre de Wyneken. O projeto da comunidade justiIicava-se, portanto, pela critica a concepção de cultura modernista em vias de sedimentar a industrialização com a sua decorrente valorização exagerada das ciências naturais em detrimento dos tradicionais conteudos de Iormação humanistica. Tratava-se assim de critica cultural enquanto critica dirigida a moderna sociedade burguesa. Wyneken radicalizava a sua critica com uma concepção dualista contrapondo a Ialta de sentido de mundo empirico vigente por um lado e, por outro, o espirito autônomo capaz de garantir valores absolutos. Tal espirito ele concebia 39 como Iorça eIiciente em cada ser humano a ponto de cada um poder reconhecê-lo em si mesmo. E claro que a vontade e a capacidade livre deste reconhecimento estava reservada apenas a poucos escolhidos que se tornavam os guias de uma comunidade, a qual, por sua vez, representavam a realização do espirito. O mundo burguês Wyneken caracterizava como proIano em contraposição com o mundo nobre e sagrado, ou seja, o mundo dos interesses partidarios particulares em contraste com o mundo do espirito. No mundo dos interesses reina uma razão cunhada pelas ciências naturais totalmente organizadas por sistemas de conceitos e sinais orientados para Iins que levam a absolutização e ao predominio da tecnica sobre o homem, a entronização dos meios sobre os mesmos Iins, a mercantilização do espirito e a descoberta da mediocridade. Em decorrência disso, a meta do movimento cultural constitui-se na relativização e no combate ao pensar em termos de racionalidade dirigida a Iins e na substituição desta por um saber imediato da propria vida espiritual. A Ialsa autonomia da razão assim deveria ser substituida pela autonomia da vida espiritual por meio dos principios da Iormação propria da vida a partir do seu centro que possibilitaria ao mesmo a sua unidade e a sua maior abrangência cultural. Esse aspecto poderia ser denominado de religioso a medida que visualiza a unica totalidade racional possivel capaz de se Iazer acompanhar por uma orientação etica. (Wyneken, G. Weltanschauung, 1947, 234). Em Der Moralunterricht Benjamin diverge da possibilidade de uma instrução racional e psicologica nas questões eticas. Aborda primeiramente a diIerença kantiana entre legalidade e moralidade e estabelece que o moralmente bom não pode ser constituido apenas pela conIormidade com a lei, mas que tambem a vontade deve estar de acordo com a mesma, pois so assim ha determinação legitima livre de motivos de acordo com a norma que manda agir conIorme o bem. (GS II, 48). A boa vontade e assim a vontade pura dirigida para um valor absoluto, sem se desviar para algum outro Iim e sem poder ser manipulada por alguma orientação pedagogica. Trata-se de uma disposição Iundamental, que se caracteriza pela renegação e renuncia, e não de uma motivação para proveito proprio. A diIiculdade disso esta em que não ha possibilidade de dominio discursivo do âmbito da moralidade. O que resta, então, e apenas a consideração de uma moralidade vivida enquanto religiosidade. E essa e a concepção de Wyneken, ou seja, de que a comunidade livre possibilitasse por si mesma um processo criador do aspecto religioso e suscitasse a contemplação religiosa como modo de Iormação de uma moralidade em si mesma avessa as possibilidades de analise conceitual. Logo se vê que a religião enquanto 40 involucro de um conteudo como a vontade livre põe em cheque a IilosoIia moral racionalista de Kant. A ideia geral era a de que a razão pratica de algum modo deveria conter antes de tudo principios de ação sem os quais permaneceria inevitavelmente abstrata. Haveria de ter um Iundamento que a deIinisse melhor e o achado e exatamente o conceito de religiosidade, que paradoxalmente não Iirma a autonomia da razão em si mesma, mas num mundo do espirito anterior a pretensa liberdade da mesma razão. Este resultado e Iundamental para toda a obra de Benjamin, pois indica um mundo religioso que de Iorma alguma se deixa apanhar por aproximações analiticas e que coloca todas as atividades do ser humano num quadro, numa Iigura, num Bild sempre anterior as mesmas e que se deve descobrir. Um aspecto interessante em relação a IilosoIia da linguagem de Benjamin da-se numa questão da critica a moral racional que e o problema da liberdade. Kant deIende a liberdade humana de toda a causalidade, bem como as leis morais por principios a priori que então se Iundamentam numa necessidade absoluta e, assim, põe a vontade sob a lei da sua propria liberdade. Essa lei e a conseqüência imprescindivel da autodeterminação da razão que deve se conIirmar no processo intersubjetivo a base do melhor argumento para que a eIetivação do dever na ação moral aconteça. Desse modo institui-se uma circularidade, ou seja, trata-se da tentativa de Iundamentar racionalmente a liberdade da ação, a qual por deIinição não pode ser provada. Por um lado Benjamin percebe que o bem desejado so pode acontecer enquanto livre de interesses externos e, por outro, que a compreensão da vontade livre não comporta Iundamentação. A duvida e quanto ao saber sobre as motivações pessoais nos textos escritos, sobre os seus possiveis eIeitos nos leitores e, portanto, motivações e eIeitos não conIorme a liberdade da vontade que se põe como exigência. Numa carta a sua amiga Carla Seligson ele trata do assunto resolvendo a questão do seguinte modo: Penso que sempre devemos estar preparados para o fato de que nenhuma pessoa no presente e no futuro em sua alma, onde e livre, possa ser influenciada e forçada por nossa vontade...o bem so acontece por liberdade. Finalmente qualquer boa açào e apenas simbolo da liberdade daquele que a pratica...O 'Inicio` |revista editada pelo grupo para a divulgação das ideias do movimento| e apenas um simbolo, tudo no que ele, alem disso, se torna efica: e graça, incompreensibilidade. (Benjamin: BrieIe, Hg. Von G. Scholem und T.W.Adorno, 1978, 89). Trata-se da duvida sobre bem e mal na atuação da escrita. Se o bem e inacessivel a qualquer abordagem discursiva, então surge a pergunta pela legitimidade da atividade de 41 publicação, isto e, sobre se ela na pratica não contraria as proprias ideias que promove. A pergunta era por Benjamin respondida no sentido de que a revista Anfang (Inicio), bem como a propria Comunidade livre escolar seria um simbolo, uma ação de liberdade. Se bem que a questão neste caso seja insoluvel - pois qual a publicação que de Iato não quer convencer o leitor ela, porem, se desloca na preocupação de Benjamin para o âmbito da linguagem, especiIicamente para a apresentação da sua teoria no artigo Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens de 1916. Mas ja antes do reIerido artigo ele ja havia recusado o convite de Martin Buber para colaborar na revista Der Jude |O judeu| apresentando em carta a diIerenciação entre um conceito de linguagem vista como instrumento de comunicação e outra como linguagem imediatamente revelativa: Constitui-se em opiniào vigente, largamente difundida e, em todos os lugares ate vista como evidente que a literatura possa influenciar o mundo moral e a açào dos homens a medida que oferece motivos para açòes. Neste sentido, portanto, a linguagem e apenas um instrumento de preparaçào de motivos mais ou menos sugestivos, os quais preparam o agente no interior da alma. A caracteristica dessa concepçào que em geral nào chega nem a considerar uma relaçào da linguagem com a açào em que a primeira nào fosse instrumento da segunda. Esta relaçào e concernente a uma linguagem como que impotente e degradada enquanto açào pobre e fraca, cufa fonte nào se encontra nela mesma, mas em quaisquer motivos di:iveis e exprimiveis. Sobre estes motivos, por sua ve:, pode-se debater, contrapor outros e desse modo (em principio) a açào e posta como fim enquanto resultado de um processo de calculo examinado por todos os lados. Toda a açào que se da pela expansiva tendência de encarreirar palavra atras de palavra parece-me tanto mais devastadora, onde toda esta relaçào de palavra e açào como que entre nos se estende de modo sempre crescente enquanto mecanismo para a reali:açào do absoluto correto ('). (...) Literatura em geral eu posso acompanhar na compreensào como poetica, profetica, obfetiva no que concerne ao efeito, mas de qualquer modo apenas enquanto magica, isto e, imediata. Todo o efeito saudavel da escrita, sim, todo aquele que nào e devastador em seu intimo consiste no seu misterio (da palavra, da linguagem). Sefa de quantos modos a linguagem possa comprovar-se efica:, ela nào o conseguira pela intermediaçào de conteudos, mas pela mais pura acessibilidade da sua dignidade e da sua essência. Minha concepçào de estilo e escrita obfetivos e altamente politicos e. condu:ir ao que foi negado a palavra, apenas onde aquela esfera do sem-palavra se abre em indi:ivel poder puro, a centelha magica entre palavra e ato movente pode saltar, onde a unidade desses dois e igualmente efica:.(...). Eu nào acredito que a palavra em qualquer lugar possa estar mais distante do divino do que o agir 'efica:`, de modo que tambem nào e capa: de condu:ir ao divino de outro modo do que por si mesma e por sua propria pure:a. Enquanto instrumento ela cai na usura. (idem, 126). E um documento claro que descreve o horizonte dos problemas de Benjamin e a indicação das suas soluções quanto a concepção IilosoIica sobre a linguagem. No centro da 42 questão esta a relação entre estrategia politica e conhecimento, ou seja, o problema da mediação pela linguagem de um comportamento orientado por valores. Surge ai, então, a contradição de Iorma e conteudo com a exigência de que o conteudo deva ser absoluto, divino, livre de metas empiricas. A linguagem como mero sistema de sinais, pelo contrario, reIlete a racionalidade instrumental em termos da relação meio-Iim. Benjamin quer apresentar um conceito de linguagem que não esteja somente ao serviço da comunicação de acordo com algum discurso racional, orientado por reivindicações de validade com pretensões de repasse de conteudos absolutamente certos, mas que seja expressão do incondicionado. O incondicionado e capaz de apresentar em si mesmo o seu Iundamento, pois carrega consigo uma Iorça motivadora imediata em analogia com a questão da liberdade e da moral. O âmbito do sem-palavra que a cada vez possibilita a linguagem e imediato por estar Iora de qualquer relação em que se trata de objetos ao modo da estrutura predicativa. Exatamente essa imediação, em que a linguagem se encontra e se da, signiIica a eliminação do indizivel, pois, ao não comunicar o absoluto em termos de objeto, ela mesma o expressa em constante exercicio. Esse conjunto de ideias talvez explique as diIiculdades do movimento cultural jovem quanto a um programa mais concreto e quanto a alguma estrategia politica: o Iato e que o seu proprio alvo como realização do incondicionado, por enquanto denominado de ideia, proibia qualquer expressão mais contundente em termos de conteudo e ação orientada para Iins. Wyneken mesmo proclamava que ja por meio de uma nova maneira de ser ter-se-ia alcançado o alvo. E isso não deveria signiIicar mero idealismo, mas a inseparabilidade de saber e ação. O incondicionado enquanto ideia não intenta colocar questões de conteudo, não Iaz parte do saber proposicional, mas, mesmo assim, determina os principios da ação, pois tal ideia se realiza praticamente. Como ja dito, Benjamin entende que a escrita veiculada pela revista Anfang, bem como a propria Comunidade escolar livre devem ser vistas como a realização simbolica de uma nova moralidade, livre, portanto, das injunções de motivações para determinados Iins. A perspectiva intencional desaparece no simbolo que praticamente se realiza e com ele o sujeito que antes procurava comunicar-se de Iorma intencional. Tal imediação na ação signiIica uma proIunda solidão, pois o especiIico humano e liquidado. (Benjamin, W. BrieIe, Hg von G. Scholem und T. W. Adorno, 87). Ha uma situação em que o Eu não mais se contrapõe a qualquer objeto e paradoxalmente assim conquista a sua liberdade. No movimento de se chegar a essa situação, a procura por uma nova religião alem dos comandos do mito de uma 43 racionalidade absolutamente autônoma, esquecida em seu absolutismo por não se dar conta das dependências das condições de sua auto-explicação, termina por aspirar a anulação de qualquer contraposição entre mundo empirico e mundo inteligivel, entre Deus e natureza. Como se chega a uma unidade que suplanta sujeito e objeto e não permite o seu conhecimento? Como Hölderlin, Benjamin tentara resolver a questão pela reminiscência, sem antes, porem, conIorme a Biblia, deixar de rotular alegoricamente todo o conhecimento sobre bem e mal como culpa e a ação como inocência. (Benjamin, W. BrieIe, 88). O aventado teor biblico com a questão da culpa constitui-se em horizonte teologico para um problema epistêmico e aponta claramente para o artigo sobre a Linguagem em geral e a linguagem dos homens, onde e abordada a hipotese da queda do espirito da linguagem e a da expulsão do paraiso. A queda acontece pela quebra da unidade imediata de mundo empirico e inteligivel por meio do conhecimento ligado a linguagem, quando as coisas começam a ser consideradas como contrapostas em Iorma de objeto e um sujeito absolutamente consciente de si. Seguindo os passos de Wyneken, Benjamin tambem considera a arte em geral, mas principalmente a poesia, como Iorma de maniIestação do absoluto. Tal ideia, porem, e bem mais antiga no mundo cultural alemão, pois ja se encontra em Herder. Ela procura traduzir a sagrada dignidade da arte, principalmente da poesia, e representa a critica a Iorma iluminista da racionalidade. Encontra-se tambem no Iamoso Ältestes Svstemprogram des deutschen Idealismus. Tal ideia tambem Ioi deIendida nos aspectos esteticos pelos primeiros românticos estendendo a sua inIluência ate o inicio do seculo 20, em autores e poetas como George, Rilke e Benn. (Frank, M. Gott im Exil, 1988). ConIorme a tradicional critica a racionalidade dos primeiros românticos, Wyneken viu a supremacia da Iaculdade estetica sobre o entendimento do seguinte modo: o entendimento e caracterizado por seu procedimento analitico e depende da receptividade de dados dos sentidos para cumprir com a sua Iunção cognoscitiva, enquanto que na Iaculdade estetica o poeta dispõe de uma Iorça criativa capaz de sintetizar espirito e materia, de tal modo que, enquanto criador autônomo, o proprio espirito pode reconhecer-se na materia da obra. A contraposição de espirito e materia parece superada a ponto de a vivência da arte constituir-se revelação. (Wyneken, G. Schule und Jugendkultur, 1914, 153). A propria IilosoIia pode transverter-se em poesia, pois nela ha exatamente a suposição da superação dos limites da consciência para perIazer a aludida unidade de sujeito e objeto. A verdade escapa das arremetidas intencionais da razão, bem como da objetivação conceitual, estabelecendo uma crise na consciência tanto 44 na circunscrição da arte quanto da linguagem. Apoiando-se em Platão, Wyneken propõe-se captar o absoluto apenas numa condição extatica em que a consciência racional abdica das suas Iunções normais para se deixar guiar pela Iorça do Eros. (Fedro, 265 E). O Eros e a grande e fundamental experiência do espirito, a experiência de uma expansào infinita do sentimento de vida, de modo que aquele que, mesmo em sonho alguma ve: saboreou, dela nào mais pode prescindir e nem quer. A experiência de tal enlevo torna-se criterio para o valor da vida em geral. (Wyneken, G. Schule und Jugendkultur, 1947, 222).
A obra de arte deste modo atinge a condição de tornar visivel o novo e se torna o meio em que se realiza o conhecimento da religião. Benjamin, por sua vez, ja em 1910, sob o pseudônimo de Ardor, publicou Die drei Religionssucher (Três a procura de religião) em que ja da a entender o conceito de religião enquanto uma conexão geral de vida. O texto trata de três jovens que saem da sua patria a procura da unica e verdadeira religião. O primeiro jovem vai em direção de uma poderosa cidade, 'pois coisas admiraveis ele havia escutado sobre as grandes cidades: todos os tesouros da arte la estariam preservados, poderosos livros sobre sabedoria milenar e Iinalmente tambem muitas igrejas...Ai certamente deveria estar a religião¨. (GS II-3, 892). Fracassa, porem, o proposito de entender a religião com a ajuda da razão, apesar da atenção dada a tradição cultural, do aporte dos testemunhos da historia e do entendimento humano. Diz o primeiro jovem: 'Pois em toda a grande cidade não ha uma so igreja, cujos dogmas e principios eu não pudesse contestar¨. (GS II-3, 894). O segundo jovem propõe-se encontrar Deus na natureza 'quando se deitava na grama e observava a passagem das nuvens brancas no ceu azul, quando na Iloresta como um raio repentinamente via um lago escondido obscuramente atras das arvores, então era Ieliz e pensava que teria encontrado a religião...¨.(GS II-3, 992). Mas a razão não alcança o conhecimento de Deus, sendo, pelo contrario, capaz de se deixar levar pelas suas proprias produções ate a condição de se esquecer no dogmatismo e, Iinalmente, terminar no ceticismo geral deixando vazio o mero sentimento. Deste modo o segundo jovem nunca conseguia explicar o seu ponto de vista, resumindo os seus relatos com a expressão: 'Tal coisa ha que sentir!¨ (Idem, 894). Tornava-se, então, motivo de risos. Não havendo resposta para a questão religiosa nem pelo caminho da razão, nem pelo caminho do sentimento, o terceiro jovem procura descrever em seu relato uma possivel sintese de ambos os caminhos. Relata que as diIiculdades materiais o levaram a desistir da procura de algo do qual nem sabia ao certo o 45 que era e o Iorçaram a seguir a proIissão de Ierreiro ate aos trinta anos, quando resolve encetar o caminho de volta para a sua aldeia natal. O caminho de volta signiIica ao mesmo tempo o caminho da recordação, pois tanto o caminho de volta a terra natal enquanto recordação o leva ao cume da montanha em que, olhando para tras, vê no clarào do sol da manhà...a vasta planicie diante de si...com todas as aldeias em que anteriormente trabalhava e igualmente a cidade em que se havia consagrado mestre. E todos os caminhos ele via nitidamente diante de si, os caminhos que havia andado, bem como os locais do seu trabalho...Mas quando desviou o olhar e o fixou no alto em direçào ao brilho do sol, aos poucos por entre as nuvens viu surgir entào diante dos seus olhos um novo mundo em aparência trêmula.(GS II-3, 893).
O sentido dessa descrição e a possibilidade da sintese entre ser e consciência no poder da recordação que se da a distância numa situação superior, como se o olhar da montanha para a planicie Iosse o Eu enquanto si mesmo a se recordar do seu Iundamento proprio vendo ao mesmo tempo um novo mundo na recordação, o Iuturo no passado. No texto Dialog ùber die Religiositàt der Gegenwart (Dialogo sobre a religiosidade contemporânea) Benjamin deIende a necessidade de uma nova religião, dado o Iato de que a praxis racional e insuIiciente, pois, ela mesma, não se constituindo como Iim da ação e não tendo por alvo a universalidade racional, esgota-se na procura de quaisquer Iins. A totalidade racional tem como causa central a coisiIicação da natureza pelo entendimento e a necessidade de uma nova religião se impõe exatamente pelo Iato de Kant ter interposto um abismo entre sensibilidade e entendimento e ver em tudo a vigência da razão pratica moral. Estremeço diante do quadro de autonomia moral que você evoca. Religiào e conhecimento dos nossos deveres enquanto mandamentos divinos, di: Kant. Isto e. a religiào nos garante algo eterno em nosso trabalho cotidiano e e isto que antes de tudo e preciso. A sua famosa autonomia moral transformaria o homem em maquina de trabalho para fins que se condicionam um ao outro numa seqùência sem fim. Como você opina, a autonomia moral e uma monstruosidade. Trata-se da degradaçào de todo o trabalho ao aspecto tecnico. (GS II-1, 20).
Benjamin no Iim das contas deIende que a superação da razão instrumental seja a aproximação entre espirito e sensibilidade no âmbito da religiosidade, no qual se pode ingressar desde que a consciência não mais esteja contraposta ao mundo dos objetos e os objetos não mais apareçam de acordo com os criterios das condições da subjetividade. A 46 concepção necessaria e a de que a subjetividade não se arrogue ao direito nem de se entronizar a si mesma instância tirana sobre a natureza, nem de se compreender enquanto substância abstrata que se pudesse voltar sobre si mesma de modo puramente reIlexivo. 'O movimento da juventude a despertar indica a direção daquele ponto inIinitamente distante, que conhecemos por religião¨ (GSII-1,72). No texto Leben der Studenten (Vida dos estudantes) Benjamin apresenta a exigência de que os estudantes zelassem pela Iormação da sua existência enquanto unidade consciente, alem disso, que se submetessem a um principio, deixassem que a ideia prevalecesse em suas vidas, que em sua propria vida Iinita o espirito devesse realizar-se praticamente pela ação como uma totalidade individual (GS II-76). De acordo com essa exigência, a inteligência da juventude deveria estar determinada em se constituir suporte de uma nova religião, cuja tareIa e obrigação seria a Iormação de uma comunidade religiosa enquanto vanguarda de uma revolução cultural. A diIiculdade da eIetuação desse modo de vida estaria nas exigências da propria ciência como costumeiramente representada. A concepção rotineira de ciência vê todo o saber subjugado sob uma estrutura meramente proposicional e propõe uma relação de ação por mediação em que o saber se apresenta enquanto proposição sobre um objeto numa conexão de sujeito com objeto, resultando disso uma separação de conteudo e objeto. Surge então uma separação de sujeito e predicado que corresponde com aquela de sujeito e objeto. O objeto aparece como objeto resultado de uma proposição intencional que, por sua vez, procura Iundamentar-se no sujeito. O saber daquele que conhece, porem, não pode imediatamente ser motivador de ações e por esta razão, na Critica da ra:ào pratica, Kant teve de apresentar não so um principio da determinação da vontade, mas tambem um principio da obrigação absoluta da vontade, o que e um eIeito da separação entre ração pratica e teorica. Quando a razão teorica propõe o mundo objetivo como a extensão de todas as determinações predicativas, Iorma-se a intransponivel Ienda entre ser e dever ser, condição esta que levou Kant a procurar um substrato inteligivel da natureza para Iins de mediação entre teoria e pratica na Critica do fui:o. Assim a unidade de vida que e exigida tem como pressuposto que o saber acumulado pelos estudos não se separe em saber tecnico-pratico de um lado e, de outro, saber racional moral-pratico. Trata-se de um saber que superou a separação entre conhecer e agir pelo Iato de ser imediatamente motivado ao colocar de lado a relação sujeito-objeto. De acordo com Benjamin, então, a vida unitaria dos estudantes deveria ter incorporado esta 47 relação com a ciência, ou seja, que ela não deveria ser considerada como um agregado externo de conhecimentos, muito apropriada para os Iins de exercicios proIissionais. O fato de a ciência nada ter com a vida leva-a obrigatoriamente a formar de modo exclusivo a vida daquele que a segue. Uma das reservas mais inocentes e mentirosas sobre ela e a de que deveria promover X e Y a uma profissào. A profissào decorre tào pouco da ciência a ponto de poder ate exclui-la. Pois, de acordo com a sua essência, a ciência nào tolera a soluçào de si mesma, ela compromete o pesquisador de certo modo sempre como professor, mas nunca enquanto formas de profissào estatais de medico, furista, professor universitario. Nào condu: a nenhum bem quando institutos se denominam de locais de ciência, nos quais titulos, autori:açòes, possibilidades de vida e profissào podem ser conquistados. A obfeçào que pergunta sobre a forma de como o estado de hofe deve contar com os seus medicos, furistas e professores, nada prova contra isso. Ela apenas mostra o revolucionario tamanho da tarefa. fundar uma comunidade de conhecedores no lugar da corporaçào de funcionarios e estudantes. Ela apenas mostra ate que grau as ciências de hofe no desenvolvimento do seu aparato profissional (por saber e aptidòes) foram desviadas da sua origem unitaria na ideia do saber, a qual para eles se tornou um segredo, quando nào uma ficçào. (GS II-1,76).
A superação do estudo em areas especiIicas, estudo orientado para Iins externos e apenas possivel pela unidade de teoria e pratica, pela concretização de uma comunidade de estudantes que, num saber vivido, considera o saber mais do que a mera soma das Iaculdades divididas em areas especiIicas. Dar conta desse processo so e possivel pela IilosoIia. A comunidade de homens criativos eleva aquele estudo a universalidade. sob a forma da filosofia. Tal universalidade nào se conquista quando se apresentam perguntas literarias ao furista e perguntas furidicas ao medico...mas a medida que a comunidade providencia e por si mesma afa no sentido de que, antes de qualquer especificaçào por area de estudo, ela mesma, a comunidade da universidade enquanto tal, sefa produtora e guarda da forma comunitaria filosofica, porem, tambem nào com questòes da filosofia especiali:ada dentro dos limites da sua cientificidade, mas com perguntas metafisicas de Platào e Espino:a, dos romanticos e de Niet:sche. (GS II-1, 82)
Este modelo de ciência signiIica nada mais e nada menos do que a ruptura com a IilosoIia da consciência e com os Iundamentos do racionalismo moderno. A razão a procura de algo esta novamente Irente a conhecida aporia do Menon de Platão que em resumo diz: o homem não pode procurar por nada, nem por aquilo que ja sabe e nem por aquilo que não sabe, pois, no primeiro caso, não pode procurar pelo que ja possui e, no 48 segundo, não pode procurar por algo que desconhece (Menon 80 C). O que se procura esta alem do ser e da consciência e que so se encontra na superação da relação entre sujeito e objeto. Benjamin busca soluções em Platão quando apresenta o desejo erotico como aquilo que determina a totalidade do homem, tanto os seus sentimentos quanto o seu intelecto. No Svmposion Eros aparece como o guia no caminho do conhecimento do belo sagrado. Eros ai se deIine como a aspiração ao todo (Symposion 192 E). Eros, Iilho de Poros e Penia tem a incumbência de ser tradutor e emissario entre os deuses e os homens. E Platão considera a eIetividade erotica, o espirito e a sensibilidade, o desejo que Iaz a mediação entre o Iinito e o inIinito como aquilo que proporciona sentido de Iorma cabal e incondicional. Pelo Eros o homem chega a experiência da sua dependência da natureza e nisso, ao mesmo tempo, desta união entre si mesmo e o mundo, ele pode perceber a sua unidade, mas tambem liberdade, pois agora se encontra na situação de não se compreender como absolutamente subjugado pela natureza por um lado, e, por outro, livre da ânsia de simplesmente domina-la pelo entendimento. A mediação do Eros e um processo criativo que, quando suspenso, Iaz desaparecer a união aludida e a vida recai nas velhas oposições Iixas de sujeito e objeto, entendimento e natureza. De acordo com este processo criativo, não pode então haver conhecimento positivo do que e divino. A consciência nunca podera contar o divino como posse. E apenas na ação pratica que o saber da ideia se comprova e nunca podera ser Iixado em proposições. Esta e a razão da critica de Platão a linguagem e a escrita. Mas Benjamin, pelo contrario, como se vera, considera exatamente a linguagem como a circunscrição, o medium, no qual ser e consciência têm a sua morada e onde a verdade se revela. Enquanto Eros, na acepção de mediador elaborada, ele tem uma tareIa hermenêutica e historica, pois a sua Iunção não teria signiIicado sem a suposição de uma separação havida e que agora cumpre unir. Tendo sido quebrada a unidade original, tem-se agora a historia como conseqüência. A unidade original Benjamin denomina paraiso e ele se entende na tareIa de restituir a imediação perdida. ConIorme bem mais tarde na XIV tese de Sobre o conceito de historia citara Karl Kraus 'A origem e o alvo¨ (GS I-2, 631), assim o conhecimento deve especiIicar-se como um modo de recordação. Onde a razão se vê reduzida a meio para alcance de determinados Iins com a seqüente divisão entre vida espiritual e sentimental, surge tambem um outro Ienômeno semelhante a ideologia da Iormação proIissional, que e o casamento. (GS II-1, 83). A semelhança do intelecto, tambem os sentimentos são degradados a simples meios. O entendimento e degradado para a Iormação proIissional e os sentimentos para a Iormação 49 da Iamilia. A tareIa dos estudantes, portanto, e a Iormação de um ambiente em que os sentimentos, a razão e a natureza sejam uma unidade. Nas escolas superiores encontra-se soterrada uma ingente tarefa, sem soluçào, negada. maior do que as inumeras soluçòles em que a ocupaçào social se atrita. Trata-se desta. a partir da vida espiritual elaborar em unidade aquela espiritual independência criadora (no corpo estudantil) e o que tristemente nos observa enquanto força da nature:a ainda nào dominada (na prostituiçào) desfigurada e despedaçada como Torso do Eros espiritual.(GS II-1, 84).
ConIorme a exigência de Benjamin em relação aos estudantes, uma existência criativa deve ser revolucionaria e messiânica ao mesmo tempo, pois a superação da separação entre sensibilidade e inteligibilidade apenas e possivel na compreensão do teor original da natureza, destruido uma vez em sua totalidade, mas ainda presente em lascas e estilhaços em que e reconhecivel. As Iormas de ação guiam-se por esse registro: quanto menos Ior a ação racional voltada a Iins, tanto menos sera possivel pautar o presente pelo Iuturo, pois como a ação não e medida por alguma utilidade vindoura, tambem o presente não pode ser medido pelo Iuturo. Por isso, a ação deve eIetivar o seu sentido na realização dela mesma, o que signiIica que devera reconhecer as suas determinações e os seus conteudos naquilo que passou. Assim, em vez de o messianismo extenuar-se na procura por realizações utopicas, ele se concentra na reconstituição do que passou, do que supostamente desapareceu no esquecimento, ou seja, nos rastros da unidade original paradoxalmente ainda possiveis de serem seguidos na historia. O comportamento voltado a Iins dos estudantes a procura de somente segurança proIissional e casamento e determinado por um tipo de concepção da historia que Benjamin descreve assim: Uma concepçào de historia que, em confiança na eternidade do tempo, somente diferencia o tempo dos homens e das epocas que rapidamente ou devagar se sucedem nos trilhos do progresso. A isso corresponde falta de conexào, carência de precisào e rigide: da exigência que ela fa: ao presente. (GS II-1, 75).
Nesta acepção, o Iuturo somente tem sentido quando toda a atividade do presente e considerada como meio. Deste modo, porem, o presente e degradado e paradoxalmente não consegue moldar o Iuturo. A historia, então, não pode ser compreendida pela relação de um meio para um Iim como na tecnica e, conseqüentemente não ha continuidade entre 50 presente e Iuturo enquanto novidade como se supõe normalmente, ja que e a continuidade do velho. O que e novo supõe a ruptura com o velho e, exatamente por isso, e nele reconhecivel. Trata-se de novamente lembrar a possibilidade da ação livre da dicotomia entre razão e natureza, entre liberdade e necessidade. A verdade, então, não estando no ser e nem na consciência, diz respeito a unidade perdida na historia e seus rastros, mesmo assim, estão presentes enquanto Iundamento sempre procurado da unidade do si mesmo (pois não pode ser o sujeito) e do mundo. Todo o presente sempre esta numa determinada constelação com o inIinito. Benjamin explica: em um determinado estado, no qual a historia reunida descansa como num ponto focal, como desde sempre nas figuras dos pensadores utopicos. Os elementos do estado final nào estào ao dispor enquanto tendências informes de progresso, mas estào profundamente aninhadas em cada presente como criaçòes e pensamentos ameaçados, desacreditados e escarnecidos. A tarefa historica e a de moldar o estado imanente da perfeiçào em estado absoluto, torna-lo visivel e dominante no presente. (GS II-1, 75).
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1. A INDICAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: A CONVERSAÇÄO
Onde tu estas, fuventude' o que a mim sempre Na hora acorda de manhà, onde tu estas, lu:? (Hòlderlin)
Os versos de Hölderlin como distico inicial do texto Metafisica da fuventude chamam a atenção para o Ienômeno do acordar de cada manhã, que, no momento do seu acontecer, possibilita a pergunta pela condição da consciência de um novo inicio do compreender, continuando de algum modo o que Ioi interrompido pelo sono e pelo sonho durante a noite que passou. A compreensão a cada manhã se renova qual novo inicio de mundo em nova juventude, que, então, o poeta experimenta como se Iosse luz, igual a luz que se Iaz toda a manhã que ai esta coincidentemente quando acorda. Cada manhã ele se encontra na situação de compreender o que veio a ser, o que e e o que possivelmente sera, e a cada manhã podera ter perguntas e respostas diIerentes sobre qualquer coisa que seja. Mas o que não pode mudar e que acorde sem que queira e, de alguma Iorma, compreenda e se Iaça luz no processo de compreensão situando-o numa continuidade de si e de mundo sobre a qual, de inicio e em principio, não tem dominio. Ao poeta surge assim a questão da Ionte da compreensão sobre o local do vir a ser da luz que compreende a propria luz e a si mesma compreende como luz. O processo de compreensão ativa-se iniciando inevitavelmente sobre o que quer que seja, e isso em Iorma de imediatos juizos apoIânticos a objetivar conteudos sobre o mundo, a vida, as preocupações, emoções, anseios e esperanças. Coisas, compreensões, preocupações, esperanças e anseios simplesmente se impõem, se encostam e se desenrolam automaticamente exigindo a atenção de um observador que inapelavelmente parece ao mesmo tempo ser obrigado a se identiIicar com o que assim lhe aparece ao espirito, pois como poderia separar-se do que assim compreende? O observador de si e a atividade de observação compreensiva parecem identiIicar-se: eis a diIiculdade. Pois, como poderia o observador desvincular-se do que e em preocupações, anseios e expectativas? Alem disso, 52 como poderia o observador desvincular-se dos conteudos que compreende, quem sabe apontando para qualquer coisa na intenção de se desIazer daquilo com que propriamente, imanente e imediatamente esta a se identiIicar? E levado, então, a compreender que e compreensão Iatica de qualquer maneira com tudo o que ela traz consigo mesma, sem poder indicar a origem de tal atividade para, quem sabe, poder dominar inteiramente o processo, ja que percebe muito bem o Iato de que as proprias pretensões de dominio analitico obedecem ao mesmo ritmo e se aIinam pelo mesmo diapasão. O sono e o sonho que compreende ao acordar tambem estão envoltos na luz da compreensão agora ocorrente. O acontecimento do acordar para a compreensão do que seja mundo, do que seja sono e sonho e do que ele mesmo seja pela atividade de compreensão, leva-o a procurar pela Ionte do que percebe de si mesmo e que ocorre enquanto compreensão. Como a podera encontrar sem que seja pela mesma compreensão em que se percebe a ocorrer? Ele a chama de Ionte da juventude como um local de emergência de todas as aguas que ja adiante estão a correr numa paisagem Ieita de visualização consciente. Não lhe pode indicar a causa, pois a sua indicação evidenciaria o deIeito do esquecimento de que tal Iorma de explicação tambem ja Iaz parte do repertorio da compreensão em ocorrência. Chama-a de Ionte da juventude talvez ja para indicar a intenção de se aIastar das repetidas velharias ilusorias, esclerosadas e esquecidas do compreendido como conhecimento sistematizado em estado de objetivação, que se reputam como absolutamente normais e naturalizadas. Mas como se aIastar do Iluxo impositivo do que ja veio e sempre vem intermitentemente a luz? Como e possivel apanhar-se na determinação consciente de tal processo como juventude analisante, critica e observadora daquilo que advem em contraposição a uma compreensão ativada no descanso da normalidade do dia a dia, a qual, por sua vez, não consegue perceber o milagre da sua proveniência, manutenção e aceitação social costumeira em meio a todos os outros? Mas, ao mesmo tempo e de igual modo, qual o criterio de separação do velho a advir e do novo a observar o que advem, e, ainda mais, qual o estatuto de adveniência da pergunta que procura ver novidade no continuo? Não seria aquilo que se reputa o velho em continuidade de compreensão exatamente o novo que procura observar-se em Iluxo? E, junto com a pretensão proponente da pergunta sobre ambos, não seriam os três apenas aspectos diIerentes do mesmo advento? 53 A diIiculdade de Iato não esta em que se tente e consiga dar respostas em Iorma de sentido somente objetivado, mas sim, em que a Ionte da luz chega a ponto de se obnubilar e, então, conIundir-se com aquele que se da conta e pergunta no ato mesmo de compreender. Então, possivelmente, o que chama de juventude Iaz-se ocorrência nele mesmo, ou e ele mesmo de algum modo, apesar de entender que qualquer coisa que aconteça no mundo, na sociedade, ou consigo mesmo neste exato processo, sera novamente a compreensão do acontecido. O distanciamento de si para a analise de si e a pergunta por si para se encontrar deixam-se envolver na mesma compreensão. Quem aIinal de contas pergunta e quem responde? Quem Iala e quem ouve? Qual e o estatuto da palavra com que esta a compreender a si mesmo enquanto compreensão a se perguntar pelo misterio de tal ocorrência? Possivelmente esteja a se perceber num dialogo constante com a totalidade do que Ioi elaborado e que o assusta, aponta e escolhe como interlocutor em acontecimento de compreensão. Possivelmente, como ele, somos todos apenas Ialantes a nos mesmos e aos outros e, por vezes, apenas ouvintes de nos mesmos e dos outros. Talvez a primazia da atenção deva ser dada a uma das dimensões ja aventadas e, por isso, considerada mais uma vez: Benjamin poderia estar Iazendo uso dos versos de Hölderlin para indicar alegoricamente o acordar na manhã de um sono e sonho instituido compreensivamente em estado de normalidade Iuncional e inconsciência geral, ou seja, do Iluxo geral do pensamento rotineiro, da naturalidade de uma totalidade compreendida de Iorma absoluta e positiva como se o conteudo compreendido em nada dependesse de quem assim compreende; em outras palavras, estaria a perguntar pela luz da clarividência na manhã da existência para alem do normatizado, ou, dele tentando tomar distância, desde que a palavra existência signiIicasse, por correção etimologica, a saida (ex) de uma compreensão que imediatamente se da como sistematizada (sistência) e no esquecimento desse Iato; alem disso, estaria a perguntar pelo lugar da luz, pela sua condição de possibilidade, pelo local de seu surgimento, como a dizer que o dominio sobre ela, a qual rompe com a tranqüilidade do ondular paciIico e rotineiro de um pensamento domesticado pelo oIuscamento do imediato, não e possivel por parte do sujeito que a si mesmo quer supor-se autônomo, atento e desperto, porque a propria entidade chamada de sujeito ja se conIigura em rotineira decisão de Iundamentação justiIicada por consenso em percurso historico, comprometida com determinada compreensão de si, mas esquecida da sua precariedade na conjugação epocal em que esta em uso. Não haveria metodo para a arregimentação propria e seqüente auto-execução de um programa de libertação da 54 dormência no leito de uma determinada totalidade instaurada sistemicamente como entendimento historico e social. Ao se compreender como Ionte, o proprio sujeito perceber-se-ia comprometido como compreensão na intenção de Iundamento que ao mesmo tempo pareceria compreendê-lo, circunscrevê-lo e, ate, acossa-lo por seu aspecto de colagem identiIicatoria e critica. E como se, de acordo com a tipologia dos primeiros capitulos do Gênesis, apos a queda Deus-Algo inominavel no interior do Adão que mesmo e lhe perguntasse de maneira intermitente: 'Adão, onde estas?¨ Isto e, em que estagio, em que local compreensivo podes ser encontrado? Em que matagal compreensivo te escondeste para Iugir da percepção da tua nudez que procuras inutilmente encobrir pelo vies da roupagem de toda a objetivação inscrita na linguagem? A juventude indicada por Hölderlin ativa-se como evocação da rememoração atual de tudo o que Ioi e que esta a contribuir na Iixação de sentido a acontecer de modo inevitavel na atualidade e, tambem, como o despontar da consciência de que no abrupto do instante de agora existe a possibilidade de renovação, perdição, perigo, ou redenção por meio de nova direção compreensiva. Assim, a humanidade de agora, sem metodo e sem jeito de acordar, isto e, sem se dar conta do auto-retrato em que trabalha, esta Iadada a ser a velhice do mundo. A mesma velhice do mundo vampiriza o agora para eternamente se rejuvenescer, e o tempo, enquanto instaurada moldura compreensiva de todo o acontecer, aIia o seu aguilhão sem cessar, pois recebe a licença de ele mesmo acontecer por determinação do ser enquanto compreensão instituida e a se instituir por repetições sucessivas. A Iala em dialogo e sobre a conversação em Metafisica da fuventude tem a sua razão de ser no olho do Iuracão de uma compreensão que esta a procura da compreensão de si, e na expectativa de que sempre haja a possibilidade de se Ialar com o resultado presente de toda a humanidade em si mesmo e no outro; assim que o proprio exercicio da conversação talvez possa ser a possibilidade do acordar na juventude de se perceber a situação de compreender. A anuência e a imersão no imediato da compreensão primeiramente tem as caracteristicas da inevitabilidade intuitiva, da indagação reIlexiva sobre Iundamentação inerente e das condições de construção logica ao mesmo tempo. E possivel perguntar a respeito da impossibilidade de separação dessas caracteristicas, mas a propria pergunta ja estaria nelas incluida de algum modo. 55 Por que os misticos são logicos por excelência? Porque ja ha muito tempo compreenderam que tudo o que dizem não passa de uma grande Ialacia que a propria logica denomina ad hominem e que se procura eternizar na simulação continuada de objetividade. E a experiência do espanto da juventude enquanto se dar conta da compreensão e da luz como metaIoras constantes a possibilitar objetivações continuadas, gerais e inevitaveis na angustiada lembrança de si estar a acontecer assim. Num texto que prima pelo seu hermetismo encontramos aIirmações que a primeira vista sugerem um corpo teorico-dogmatico completamente desinteressado da compreensão de quem o lê, mas que aos poucos assusta pela amplidão e proIundidade do seu sentido quando acrescido das suas possibilidades entre uma Irase e outra. No primeiro capitulo de Metafisica da Juventude temos: Diariamente utili:amos forças desmedidas, como os que dormem. O que fa:emos e pensamos esta pleno do ser dos pais e dos ancestrais. Um simbolismo incompreendido nos escravi:a sem cerimonia. As ve:es nos lembramos, ao acordar, de um sonho. Desse modo, raras ve:es, clarividências iluminam os montes de destroços de nossa força, pelas quais o tempo passou voando. Nos eramos espirito acostumado como o bater do coraçào, com o qual levantamos cargas e digerimos. Cada conteudo de conversaçào e conhecimento do passado como nossa fuventude e pavor ante as massas espirituais dos campos de ruina. Nunca famais vimos o local da luta silenciosa que o Eu encetou contra os pais. A conversaçào queixa-se da grande:a desperdiçada. (GS II-1, pg 92).
O que movimentamos diariamente são as mais variadas Iorças das nossas explicações instituidas para a aplicabilidade na sociedade e na cultura em todas as suas perspectivas a cada milesimo de segundo num tempo objetivado que percebemos como a passar. Tais Iorças mostram-se na pratica concreta diaria de todos como a normalidade do pensar, do Ialar e do agir justiIicados comunitariamente ou em processo de justiIicação e intenção de Iundamentação da certeza coletivamente padronizada. Estamos como que mergulhados numa realidade que nos compreende e que compreendemos sem podermos acordar por conta propria para promover a analise e a elucidação deIinitiva dos Iundamentos que pudessem explicar o que ja sempre esta em andamento e não para. O ordenamento explicativo de tudo no mundo e um conjunto de Iorças postas a atuar exatamente desta maneira vista como concreta e real e compromete a todos os que em seu meio manejam os diversos conjuntos teorico-compreensivos para 56 a sua manutenção e o seu desenvolvimento. A participação compreensiva desde a percepção estetica da epoca ate os pretensos Iundamentos teoricos do real Iaz parte da inevitabilidade de um uso em aplicação concreta, sem oportunidade de emergir para o âmbito de alguma meta-compreensão capaz de algum julgamento imparcial, sem poder alçar-se a um belvedere para a visão da paisagem compreensiva em que ja se esteve. Tal pretensão e possivel execução seriam apenas mais um detalhe da propria paisagem. A inconsciência da totalidade das Iorças que utilizamos e que deIine de maneira inevitavel a nossa Iorma de ser resulta numa especie de sonambulismo em que agimos como que sonhando. Não conhecemos de modo algum a totalidade das determinações da nossa compreensão, mas nos encontramos na situação de ter que compreender como se destino Iosse. Fixamo-nos numa totalidade de explicações que parecem convincentes sem conhecer sequer a proIundidade da sua proveniência. Deslizamos de superIicie em superIicie explicativa e nesse embalo estamos a dormir manipulando enormes Iorças desconhecidas na inconsciência do envolvimento de agora. Como os que dormem sonham as explicações que movimentam encantamentos e monstruosidades no percurso normal do sono, assim, na pretensa situação de acordados, movimentamos sonhos, encantos e monstros que desconhecemos, mas com os quais nos identiIicamos por costume e repetição rotineira. E possivel que a explicação do sonho se torne nova Iorma de sonho, sonho do sonho como expulsão metaIorica constante: a explicação da explicação, quem a poderia explicar? A explicação com que se compreende e apresenta a compreensão deveria supostamente poder ser explicada tambem. E assim acontece uma especie de eterno retorno em que a compreensão da compreensão se coagula e da oportunidade de experiência e nova compreensão de acordo com a lenda de SisiIo que sempre tem uma pedra a rolar ladeira acima, como uma situação de castigo ou de divertimento, depende do ponto de vista. Como os gregos conheciam o sentido precario e talvez neIasto dos ingentes esIorços do sonambulismo compreensivamente construtivo de armações absolutas, assim tambem o AT o conhece ja pela constante peregrinação de Abraão desde o 'Sai da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai, e vai para a terra que te mostrarei¨ (Gênesis, 12,1) ate as suas Iugas para desviar-se de situações comprometedoras e 57 respirar novos ares. Abraão migra, ou pelo mandado da voz, ou Iorçado pelas circunstâncias. Novas terras, nova situação e circunstâncias compreensivas. Os demônios são os seres que se querem eternizar como uma compreensão determinada e instalada e devem ser expulsos. No Iilme de Akiro Kurosawa, Os sonhos, na cena O demonio chorào, os demônios tornam-se imortais e urram de dor. Por que? Porque seu castigo e a Ialta da metonimia, do deslocamento, da transIormação e metamorIose signiIicativa. A catastroIe e a Ialta de superação por pratica na signiIicância e assim de itinerância signiIicativa. Não ha metonimia para eles, mas sim, apenas a lei que desconhecem e a qual, por isso mesmo, devem obedecer em Iidelidade eivada de mediocridade: são capazes de perceber a sua propria compreensão catastroIica e condenados a subscrevê-la inIinitamente. São eternos por estarem num eterno presente que se alastra empedernindo-se num bloco eterno como que sepulcros caiados de branco, luzentes, Iixamente Iundamentados, mas morte e podridão por dentro, so aparência que se expressa por retorica auto-aIirmativa, repetitiva, absoluta em seus juizos de condenação ou absolvição, incapaz de se voltar ao silêncio na escuta da compreensão do seu dizer. Os demônios são horriveis e culpados, porque não sabem da sua condição e nunca compreenderão; apesar de todo o universo ecoar a sua sentença e a sua culpa não conseguem nem ouvir acusação alguma. Benjamin lembra que no mundo de KaIka a beleza so aparece nos locais mais ocultos e da como exemplo exatamente os acusados: 'E notavel de qualquer modo, de certo modo e um Ienômeno cientiIico...tambem não pode ser a culpa que os Iizesse belos...tambem não pode ser o castigo justo que os Iaz belos ja agora...portanto, so pode tratar-se do processo movido contra eles, que de algum modo adere ao seu corpo¨. |II- 2,413|. Os acusados sentem-se injustiçados e estão seguros da sua inocência, porque eles permanecem Iixos, luzentes, radiantemente obedientes aos ditames das Iorças que apascentam a realidade e, em sono proIundo, diIicilmente ouvem o comando das mesmas. Mas a ideia e que não são como os demônios que não conseguem ouvir a acusação de modo algum, ao contrario dos acusados que pelo menos percebem o processo. Por isso, ao contrario dos demônios, são belos pelo Iato de inevitavelmente estarem a ouvir a acusação e este e o inicio do processo, o qual e mais importante do que a culpa e o castigo. Os acusados ouvem, reagem e estão em processo. Os demônios, porem, são vitimas de um 58 embotamento deIinitivo. Eles pensam que não tem culpa e esta e exatamente a culpa maior: imaginar que não se seja culpado A ação individual e coletiva da manipulação usual de Iorças desmedidas, desconhecidas, inconscientes deveria induzir a se perceber culpado como pertencente a continuidade de uma catastroIe em andamento normal. A desgraça, porem, e que estamos na situação demoniaca de porta-vozes da catastroIe, ou, em outros termos, somos a continuidade dela pelo que compreendemos e promovemos via um entendimento participativo e solidario. Como os que dormem estão na inconsciência do sono e do sonho, assim em nossa pretensa vigilia no cotidiano tareIeiro estamos sendo sonhados pela Iorça estruturada da compreensão de todos os seculos. São Iorças de todos os tempos, estruturadas e presentiIicadas no agora de nossa compreensão do Ialar compreendendo e da compreensão do nosso Ialar. A compreensão e o Ialar brotam de um chão nosso em que estamos deitados e que desconhecemos, sendo que na modorra ocorrente como operação pratica e social loucamente atareIada geralmente não atinamos com o que nos identiIicar: o chão, o brotar, a propria modorra ou tudo de uma so vez. O sentido, a atividade, a velocidade, o deslocamento, a condensação e a concentração, tudo ocorre organizada, ou, caoticamente, sempre na percepção de sermos a instância capaz de descrever de maneira acurada o processo que somos. Na intenção de sair do que somos para a descrição dos rastros de nossa propria ocorrência, acontecemos enquanto relativo apagamento deles para a repetida Ieitura de mais recentes pistas. A musica da dinâmica das Iorças compreensivas, que nos compromete no âmago do compreender o que quer que seja, procura impedir-nos do aIastamento para o lado, para cima, para baixo, para antes e para depois, impossibilitando uma visão privilegiada da evolução da dança que estamos a dançar e a ser. Pais e Iuncionarios têm certa semelhança entre si, como menciona Benjamin a respeito de KaIka (GW, II-2,411). 'O que Iazemos e pensamos esta pleno do ser dos pais e dos ancestrais¨. (GS II-1, 92) São Iuncionarios da cultura estabelecida. Eles são a propria tradição viva a exigir repetição dos seus padrões inscritos na inconsciência da signiIicação dos conteudos da linguagem em uso e dos gestos padronizados em jeito de ser. Pensar, Ialar e Iazer são atividade que se exercitam e se dão pela naturalidade da continuidade da tradição que em conjunto cultivamos e somos. Todas as determinações culturais presentes ativam-se e se maniIestam por nosso intermedio a ponto de estarmos impossibilitados de arrancar a mascara da compreensão imposta e de nos vermos diIerentemente no espelho do 59 imediato cotidiano em expressão continua. Somos levados a compreender o que compreendemos e o imediato cotidiano e tal, porque perIaz e resume a expressão automatizada de uma compreensão determinada de acordo com o Iluxo a borbulhar no agora e provindo de tempos ancestrais. A obra dos pais como Iuncionarios da construção da Torre de Babel a espera da dispersão visualiza-se no aconchego vocabular Ieito de uma centena de conceitos costurados como colcha na espiritualidade de cada um. Na Iala, a compreensão ruidosa e operatoria do cotidiano e ostentada com volupia. Somos Ieitos de palavras, um texto escrito que se reescreve em recapitulação continua. As palavras são o nosso chão e possivelmente a Ionte jorrando uma burocracia obedientemente Ialante capaz de nos adormecer, ninar e Iazer sonhar com a plenitude da explicação do que e, do que não e e do que deve ser. Adormecidos num sonambulismo delirante, esquecemos que somos exatamente o sono e o sonho, conIiados as ações concretas. Pois 'Um simbolismo incompreendido nos escraviza sem cerimônia`. (Idem) Sem sermos avisados, pelo Iato de não haver quem nos pudesse avisar, e sem cerimônia, pelo Iato de nos sentirmos em casa com a alma tranqüilamente a calçar chinelos na penumbra de uma atenção adormecida, permanecemos escravos de uma incompreendida Iorça concretamente ativada pela maneira com que estamos a ser como incompreensão teatralizada. São palavras a comandar processos que se impõem na minucia dos procedimentos do dia a dia alegando naturalidade logica, e o ser a se oIerecer como palavra em processo e concretude de ação em todas as instituições sociais, bem como na particularidade de cada um. A diIiculdade esta em se perceber esse simbolismo incompreendido alem da compreensão normatizada. Como ja se viu, a compreensão comprometida com aquilo que para si e tem extrema diIiculdade de sair da sua letargia que exatamente desconhece. Mas 'As vezes nos lembramos, ao acordar, de um sonho". (Idem). Sabemos por experiência que a maioria dos sonhos e rapidamente esquecida ao acordar. O Iabular do sonho constitui-se de excelente material para a reIlexão. Os sonhos são construções que de uma ou outra Iorma dão noticias de nos mesmos sobre questões que normalmente desconhecemos ou não lembramos com a devida atenção. O sonho como construção, aproveitavel ou não pela psicanalise, e apenas um sonho que Iomos em sua travessia. Na normalidade do sonhar que Iomos, o seu conteudo geralmente se desIaz rapidamente para permanecer apenas a percepção da atividade do sonho que Ioi seja qual Ior. Lembrar-se do acontecimento do sonhar, isto e, de que acontecemos enquanto sonho, e 60 bom exemplo e proveitoso alerta para a nossa opinião de que sempre nos encontramos na situação de acordados quando descrevemos o que designamos como a realidade positiva. Na situação de supostamente estarmos despertos se da primeiramente o inverso do que pensamos do sonho, isto e, julgamos o conteudo do nosso julgamento como absoluta e justiIicadamente positivo, real, veraz e desvinculado de qualquer sonhar esquecido em atividade delirante. Quando despertos, parece que estamos certos de que o sonhar e sonho juntos constituem aquilo que possibilitaria a lembrança necessaria pela qual o sonho como conteudo e relacionado e relativizado como mera atividade de sonhar. Apos o sonho, o conteudo não mereceria estatuto de realidade absolutamente objetiva e positivada, ao contrario da situação de nossa pretensa produção julgante e positiva quando acordados.
As vezes, pois, ao acordar, lembramo-nos de um sonho apos o sono, mas isso talvez tambem possa implicar a lembrança de que ingressamos em outro sonho que e a totalidade da compreensão instituida, em que a compreensão então imersa opera no esquecimento de si, ou seja, no esquecimento de que e compreensão de conteudos organizados em operação concreta. No esquecimento continuamos a repetir criterios em utilização desde sempre na tradição e a produzir por seu intermedio a ilusão da objetividade de um conhecimento com pretensão de validade e separado de quem o promulga. Conceber-se sujeito a participar do sonho e ilusão que desaparece ao acordar para dar lugar a impressão de autonomia ao sonho de uma objetividade separada de quem a proIessa; são reais tanto quanto uma ilusão e um sonho possam ser. Quando despertamos? Quando podemos ser nos mesmos sem a interIerência e o peso de um passado que levamos como que as costas, ou talvez, um passado do qual não nos podemos descolar e que, então, sempre tambem somos sem o conhecer, ou somos, sem nos conhecer na proIundidade das nossas raizes? Parte do acordar possivelmente e acontecimento de se dar conta dessa dependência, ou desse desconhecimento. Como se institui o dar-se conta? Como se sabe a respeito da situação de estar acordado? Quem nos alcança um metodo clarividente que se pudesse apresentar como criterio de consciência de vigilia com sobranceira tranqüilidade? 'Desse modo, raras vezes, clarividências iluminam os montes de destroços de nossa Iorça, pelas quais o tempo passou voando¨. (Idem). No sonho acordado de uma compreensão dormente nos lençois da alienação objetivada como sistema, em que o Iluxo inIormativo sobre oIertas de certezas parece 61 nutrir e satisIazer todas as ansiedades e desejos cultivados administrativamente, clarividências podem acontecer possibilitando a recordação do sonho que se esta a sonhar. Mas, enquanto o despertar clarividente não chega, ha apenas um sonho construtor- destruidor em que estamos a empregar a nossa Iorça, ou, em que as construções são a nossa Iorça em emprego e atividade, e se revelam como montes de ruinas, que são os nossos rastros, o tempo perdido em inconsciência sobre o que de Iato esta a acontecer. As ruinas produzidas pela nossa Iorça ao serviço do desconhecido, que nos condiciona num sonho, são diIiceis de se verem e nas quais, talvez por inercia na atenção compreensiva, não conseguimos interIerir em sua seqüência ou para o seu termino. A clarividência e como que o pesadelo que acontece como surgimento da duvida sobre o sentido do que se e enquanto tentativa de continuar a expressar certeza natural e absoluta no uso da linguagem com um vocabulario viciado nas aplicações de suporte para imediatas sistematizações. Nas nossas aplicações viciadas acionamos uma Iorça que não conhecemos, o que signiIica que ha inconsciência na nossa compreensão alocada num tempo que passa como se Iosse linha em que progredimos conIorme os ditames desconhecidos, mas que trabalham com aIinco em nosso proprio ser. Na maioria das vezes somos convencidos pela totalidade do espetaculo montado socialmente de que nada valemos pelo que pensamos e, quando convencidos, trabalhamos para tais Iorças estranhas que nos comandam por convencimento normalizado em nossa compreensão ativada na socialização, coletivização, Iluxo historico de compreensão aIirmativa, organizada e estrategicamente dinamizada. A percepção do tempo a voar e o sintoma da escravidão programada compreensivamente pela tradição inconsciente em que estamos a ser e que, ao Iinal, mesmo somos de modo imediato. De onde surgem as clarividências? E uma das Iacetas da pergunta de Hölderlin: 'Onde tu estas, luz?¨ Quando se da o acordar? As vezes clarividências em Iorma de presente no instante de agora possibilitam o vôo do tempo para o passado a Iim de iluminar destroços de construções que amontoamos e somos, o que nos recupera a situação capaz de nos identiIicar com o papel de Adão e Eva, no inicio do Gênesis, envergonhados pela visão de sua nudez por ocasião do seu ingresso na recordação compreensiva do Ieito: as construções ediIicadas eram eles mesmos e signiIicavam exatamente. Eram esquecida construção ou construção esquecida do esquecimento da construção positivada objetivamente. 62 A arvore do conhecimento separado de quem conhece produz o Iruto extremamente perigoso que e o esquecimento de que e Iruto oIerecido pela cobra enquanto tempo Ieita objetivação de linha, a qual, mesmo nessa abstração geometrica, apresenta de modo Iragmentado o passado, o presente e o Iuturo. A cobra enquanto tempo com o seu Iruto instaura o desejo da procura por validade incontestavel em Iorma de divindade separada, isto e, ela absolutiza a Iicção de si em Iorma de objetivação alienada de si. Deus so se pode contestar e desaIiar quando supostamente visto qual entidade de todo separada: como externo e compreendido enquanto criterio para julgar absolutamente. Assim e que e agora contestado e desaIiado em seu absolutismo objetivado como Iundamentação ultima. A cobra prognostica: Nào morrereis, e tem razão, pois passamos a viver morrendo sempre na procura da Ialta ou culpa inicial, ou seja, o divorcio objetivante. A proibição dos Irutos da arvore ja aponta para a possibilidade do esquecimento que e a morte intermitente na pretensão da deIinição julgante em base de Iixidez deIinitiva. Mesmo as Iicções da pretensão sociologica em erigir criterios coletivos de validade mostram-se precarias. Temos por experiência historica que os concilios, congressos e parlamentos são constantemente contestados pelo Iato de tambem errarem. E, ao contrario do que sugerem concepções historicamente mais proximas, o coletivo absolutamente legitimado não existe e nem esta absolutamente legitimado por regime de representação, ja que tambem o que denominamos passado, presente na pletora do sentido do mundo, reivindica participação insistentemente, e o Iuturo tambem não se resume a mero não ser. No texto: A vida dos estudantes nos lemos: Ha uma concepçào de historia que na confiança na infinidade do tempo apenas diferencia o ritmo dos homens e das epocas, as quais se desenrolam rapidamente ou devagar na trafetoria do progresso. Corresponde-lhe a desconexào, carência de precisào e rigor na exigência que fa: ao presente. (GS I-2 , 75). Na seqüência do raciocinio que valoriza um passado ainda plenamente presente e ativo a ponto de apresentar uma concepção de historia alternativa aquela que se desenrola na trajetoria do progresso nos lemos: 'Nos eramos espirito acostumado como o bater do coração, com o qual levantamos cargas e digerimos¨. (GS, II-1,92) E a carta de Benjamin a Carla Seligson de 15 de setembro de 1913 (GS II, 3-865) elucida: Hofe eu sinto a extraordinaria verdade da palavra de Cristo. Jê que o Reino de Deus nào e nem aqui e nem la, mas dentro de nos. Eu quero ler consigo o dialogo de Platào sobre o amor, onde isso e dito de forma tào bela e pensado tào 63 profundamente como talve: em lugar algum. (paragrafo) Antes do meio dia pensei adiante. ser fovem nào significa tanto servir ao espirito, quanto espera-lo. Jê-lo em cada pessoa e no pensamento mais distante. Isso e o mais importante. nào podemos nos fixar num determinado pensamento.......Quando, portanto, (quando nào nos redu:imos a mero trabalhador de um movimento) quando preservamos o olhar livre de ver o espirito sefa onde for, entào seremos aqueles que o concreti:am. Quase todos esquecem que eles proprios sào o local em que espirito se concreti:a. Mas porque se fi:eram rigidos em pilares de uma construçào em ve: de vasos, taças que conseguem receber e guardar um conteudo sempre mais puro, por essa ra:ào eles desesperam quanto a concreti:açào que sentimos em nos. Essa alma e o Eterno Concreti:ar-se... A primeira coisa a observar e a tranqüilidade de Benjamin em citar textos da cultura humana em geral, sejam eles considerados sagrados ou não pela coletividade cultural, e sem o receio de parecer interessado em aspectos motivados por interesses de ediIicação religiosa. Observa-se preliminarmente neste exemplo que o autor e capaz de considerar qualquer texto escrito como digno de nota, como um Ienômeno que chama a atenção e sobre o qual vale a pena debruçar-se, talvez pelo Iato de ja ser resultado de determinações culturais e, ao mesmo tempo, de ser veiculo e Iorma de sua transmissão e tradução. O bater do coração nota-se no susto e no enlevo, por ocasião de atenção especiIica ou por acontecimentos extraordinarios. Normalmente o bater do coração passa desapercebido. Assim somos costumeiramente espirito-compreensão a deIinir, carregar, articular sentido na linguagem como se compreensão e espirito não Iosse, e tudo, então, apenas Iosse objetividade Iundamentada de alguma Iorma em local e tempo externo ao que imediatamente somos. Produzimos coisas, erguemos bandeiras, combatemos, promovemos e transIormamos a tradição, contra ela lutamos, empenhamo-nos em Iavor do velho e do novo, lutamos pelo regresso de antigos valores ou pela implementação politica ou estetica das expressões da vanguarda. Digerimos objetividades antigas tornando-as, quem sabe, em erro ou acerto e plantamos novas plantas no espaço-chão para que se resguarde a continuada possibilidade da ilusão de direcionamento absoluto em sua certeza. Eramos espirito-compreensão e não sabiamos. Mas isso somente se torna claro na atenção acirrada e na violência do susto, do choque por ocasião da interrupção do acordar. Somos o que digerimos: a lembrança do sonhar e o conteudo do sonho devem estar constantemente presentes para que se possa Ialar de algum despertar. Como e quando acordamos? Seria o susto o acontecer da clarividência? A aIirmação de Benjamin e a de que 'Cada conteudo 64 de conversação e conhecimento do passado como nossa juventude e pavor ante as massas espirituais dos campos de ruina¨. (GS II-1, 92). O conhecer e se conhecer são Iundamentais e vêm pela conversação. Trata-se de um tipo de conhecimento que so pode advir da conversação e não da solidão de um discurso viciado em sua auto-aIirmação. Quando existem duvidas de como acordar do seu proprio sono dogmatico a conversação aparece como uma especie de despertador, pois o suposto e o de que um personagem do dialogo se encontra com todo o conteudo do passado resumido sui generis e de Iorma diIerente da sua no outro personagem. Se não Ior mera comunicação de ordens de aplicação do que Ioi milenarmente combinado, a conversação pode chamar a atenção para a dimensão da diIerença de compreensão existente entre os dois personagens, para as explicações que intentam o entendimento das compreensões que se sucedem, para os supostos das mesmas explicações e para a sensação e talvez certeza de dependência milenar em relação as mesmas suposições. O conteudo elaborado assim vai se deIinindo como conhecimento do passado de cada um. Tal Iorma de conhecer e designada por juventude, ou seja, a capacidade de ver alem do que imediatamente se da a visão e de compreender a realidade de agora como provinda a partir de condições de possibilidade que são da experiência, da historia e da linguagem em que todos estão envolvidos. Na totalidade do processo compreensivo aquele que esta a nossa Irente representa um indice do ja ocorrido, resumido na maneira em que o mesmo se encontra, mesmo que não saiba disso. O conhecer e uma especie de nomeação do outro que nunca pode ja estar nomeado deIinitivamente, pois a noticia que da e exatamente a inIinita novidade do passado nele presente. Cada um dos personagens da conversação e cria do passado em que nessa dimensão presente elaboram o conteudo de si que Iormalmente aplicam como sendo a costumeira realidade do cotidiano assumido simplesmente como natural. Cavoucar nas condições de possibilidades de si tem como resultado o conteudo da conversação, que e conhecimento do passado presente e determinante de todos os sonhos dogmaticos. Tal processo dialogante chama-se juventude que se ativa num acordar constante. Mas tal processo tambem signiIica choque e pavor Irente ao conteudo elaborado, pois a descoberta dos supostos, das Iundamentações e das motivações dos discursos, das convicções e das ações de implementação de realidade compreensiva pode parecer assustadora ao extremo. Trata-se de ter a sensibilidade de perceber a quantidade de louça que Ioi quebrada para 65 apresentar aquilo que se chama de realidade concreta com toda a sua organização Iuncional. A prata luzente da realidade apresenta-se minuscula no apoio que recebe situando-se no topo de um campo de ruinas que mesmo produziu. Juventude, conhecimento e pavor evocam na conversação um conteudo muito alem do entendimento costumeiro: a linguagem na conversação esta carregada de um passado soterrado no presente de sua elocução, e a escuta atenta a Iala da linguagem do outro e de si mesmo Iaz ouvir as massas espirituais de uma riqueza inconcebivelmente esbanjada, ou seja, a grandeza sublime do que não Ioi, a totalidade do que Ioi destruido para que se possa compreender a necessidade da azaIama do cotidiano com suas escolhas a comando e imposição de urgências. Mas o que não Ioi e não e Iala na representação do que Ioi e e e, por isso, sempre pode ser descoberto, re-instaurado, remodelado com os cacos a disposição, com as massas espirituais dos campos de ruinas. O conteudo, portanto, remete a questão do signiIicado, ja Ialado, tema em questão, que esta ja suposto como esquecimento para agora ser tematizado pela conversação. Tem- se a pragmatica da conversação - dialogo e o conteudo da mesma que sempre so se pode reIerir ao passado, ou seja, ao que ja esta presente Iixamente no ser do dialogante a se expressar. Conhecer-se a si mesmo como tareIa inIinita e tematizar o passado, contar com ele ja a Iazer parte da propria Iorma, dos valores e dos criterios do pensar ocorrente em dialogo. InIinitas determinações subjazem ao nosso pensar ocorrente e a pratica da conversação aborda inevitavelmente a presença de um passado preso a nossa pele em Iorma de automatismo normalizado, naturalizado e, assim, esquecido: e construção- maquina transparente com que se esta a operar e ajuizar sobre bem e mal. Uma vez, trata-se do passado que se Iaz presente na pratica da conversação: o passado ja Iixado enquanto historicismo esclerosado que tem condições de ser lembrado em sua parte minima, objetivado como se Iosse autônomo, externo e separado das ocorrências no presente. Outra vez, trata-se do mesmo processo de atividade conversativa que capacita a perceber as massas espirituais que restaram dos campos de ruinas do passado em Iorma exatamente de presente conIigurado pelas mesmas: o ediIicio do presente real construido por incontaveis arteIatos destruidos, ruinas que Ialam naquilo que somos daquilo que Ioi e, assim Ialando, a participar do presente de Iorma eIetiva sem nunca terem passado. Os campos de massas espirituais que são sucessivos epocalmente e esquecidos na distância do esquecimento em nosso interior, nunca são assumidos e citados 66 conscientemente, mas sempre aIirmados inconscientemente como eu-agora, produto da barbarie dos seculos. Campos de ruinas presentiIicam-se como massas espirituais quase que completamente incompreendidas para, em momentos de clarividência, serem assumidas em nos e por nos por um movimento do conhecimento juvenil e apavorado. Tal presentiIicação clarividente se da na conversação quando ativada na caça a supostos e pressupostos do que vem no instante perIazer a atividade da conversa e os proprios criterios de julgamento do que sejam tais determinações, julgamento a produzir explicação do eu em objetivação conteudistica separada de si e, portanto, nova alienação, destruição por nova Iormação de constelação Iixa. O eu que e construido na intenção da objetivação em conteudo e percebido sempre como diIerente do eu que se aIirma de modo pragmatico exatamente em seus balbucios semânticos. Em ambos a tradição presentiIica-se constantemente cindida pela linguagem. O conhecimento do passado presente na nossa Iala elabora-se num reconhecer que a si mesmo se da o signiIicado de juventude; ou ainda, cada conteudo do dialogo e constante reconhecimento do passado presente no que nele objetivamos. Perceber que isso seja assim, representa a juventude, e essa juventude e exatamente a destruição constante, o carater destrutivo de uma compreensão que conhece por nomeação, a compreensão das construções gerais de que somos Ieitos e nessa compreensão estamos a destruir. Massas espirituais passam pela nossa visão: nos eramos parte delas e ainda somos, elas nos comandavam e ainda nos comandam, e na mudança ocorrente da compreensão que somos elas restam como ruinas objetivadas em parte, deIinições do que eramos e que se tornam rastros no caminho de mudança que deixamos para tras, mas que ainda nos deIinem. A objetivação que acontece na verbalização de pensamentos, dos seus criterios e valores subjacentes, e Iruto de pretensão de validade sobre a realidade que se esta a diagnosticar. Na conversação ha, portanto, a possibilidade de um reconhecimento da dinâmica dominadora do espirito dos ancestrais que ha muito tempo nos escraviza em determinada compreensão, mesmo que tal reconhecimento não elimine e não queira eliminar as Iorças que nos carregam e que, por carrega-las, tambem somos. Na medida em que acontece o despertar, o conteudo da Iala que somos e a juventude sempre se renovando pela vampirização compreensiva do que nos denominamos como passado, ou pelo acontecimento jovem do passado agora, ou do constante rejuvenecer-se do passado em nos como Iorça ativamente compreensiva: qualquer coisa que decidamos tem a sua relação 67 com o que Ioi e que agora ainda e. A cada decisão ajuiza-se: a consciência do ajuizar causa pavor sobre o que ja Ioi decidido, o que se esta a decidir e o que se devera decidir para ser Iormação de campos de ruina - objetivação em meio as massas espirituais que somos a nos comandar inconscientemente talvez na maior parte. A conversação e o dialogo que somos e, como dialogo, e a imediata juventude a ser; pois no dialogo liquida-se o embotamento e se aguça a atenção para noticia do que vem a ser, provindo das brumas do passado. Juventude como conhecimento e pavor e tambem o reconhecimento do conteudo da Iala, das decisões a estipular construções enquanto realidade. O que Ialamos a compreender e compreendemos ao Ialar expressa a imediatidade do compromisso com o que sempre imediatamente antes Ioi. A compreensão jovem atual vê-se herdeira de tudo o que Ioi destruição e empurrada pelo pavor de si mesma a se envolver em construções de castelos objetivos, cujos projetos desconhece em grande parte. Podemos ja Ialar do pavor do proprio Hölderlin: Onde tu estas, lu:, que me acordas toda as manhàs. A juventude e uma situação perigosa, bem como a consciência dela. A Iala traz muito consigo. A semântica que acontece na Iala evoca as Iolhas e Ilores da planta cujas raizes são inumeras e vão Iundo na terra do tempo ja inaugurado como seqüência inIinita e da historia nele ja possibilitada em termos historicistas. O acontecer da semântica (o sentido como conteudo) e conhecimento enquanto rastro de passado, pois, Ialamos do que chegamos a ser; e, como objetivações cristalizadas do que Iomos e somos externamo-nos expressivamente em Iorma de Iala-discurso. Erkenntnis (conhecimento) e, tambem, o reconhecimento de que assim seja e tal reconhecimento como clarividência perIaz a juventude, e juventude, e o velho novo. Isso, por outro lado, Iaz ver campos em ruinas Ieitas de massas espirituais, vida passada parecendo perdida pela Ialta de sentido, pavor diante da catastroIe em andamento que mesmo se e pelo Iato de nelas participar na compreensão sonolenta no aguardo da clarividência qual o anjo da historia desta IX Tese, que reconhece não poder voar, ja que não lhe e permitido aIastar-se, pois de Iorma imanente Iaz parte do processo catastroIico:
Minhas asas estào prontas para o voo, / de bom grado voltaria atras,/ pois mesmo se eu permanecesse tempo vivo/ minha felicidade seria menor (Gershom Scholem, Saudaçòes do Angelus)`. 68 Ha um quadro de Klee denominado "Angelus Novus". Representa ele um anfo que parece estar na iminência de se afastar de algo em que crava fixamente os olhos. Tem os olhos esbugalhados, a boca aberta, as asas desdobradas. Tal , o aspecto que deve ter o anfo da Historia. Tem este o semblante voltado para o passado. La onde nos vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma unica catastrofe que nào cessa de amontoar escombros sobre escombros e de arremessar esses escombros a seus pes. Bem que ele gostaria de se demorar, de ressuscitar os mortos e funtar o destroçado. Mas, do paraiso, sopra uma tempestade que se prende a suas asas, tào fortemente, que o anfo nào as pode mais fechar. Essa tempestade o empurra incessantemente para o futuro, a que ele da as costas, enquanto diante dele o monte de destroços se acumula ate o ceu. Essa tempestade vem a ser precisamente o que se chama progresso.(GS I-2, 697). O rosto do anjo expressa o pavor de quem não mais consegue voar para Irente em direção ao passado onde pudesse visualizar claramente o acontecimento de si, mas, ao contrario, apenas reconhece o passado como Iorça paradisiaca de progresso violento em direção ao Iuturo: Iaz parte da inconsciência de um movimento que o ataca e empurra para o Iuturo desconhecido. O rosto do anjo expressa o momento da clarividência da juventude enquanto reconhecimento do passado que somos e, nele, o pavor pelo que ja produzimos e que somos em andamento. Massas espirituais que permanecem a durar mesmo em Iorma de ruinas, as quais expressamos no conteudo da nossa Iala e que, por sua vez, como compreensão propria, percebemos pela reIlexão solidaria da conversação em seu acontecer semântico. A conversação, portanto, e o acontecimento da instituição de um dialogo acompanhado do reconhecimento do passado a viger como Iorça atual, e por meio dele se chega a conscientização de pre-conceitos, automatismos, determinações em que ja se esta numa embretada em agenciamentos de pensar e agir. Mas exatamente o reconhecimento disso e que promove a juventude e o pavor ante as massas espirituais dos campos em ruina constante que somos, mas tendentes a enIeitar o cimo dos montes de escombros com algo de realidade como se Iosse porcelana rara, e não o passado como Iantasma a ser visto separadamente de quem dele Iala. A acentuação que se intenta e no reconhecimento que ocorre enquanto conteudo no dialogo. A Iala dialogante acontece nas dimensões do automatismo e da determinação pela tradição e incorporação de materiais pensantes de um 69 lado, e do outro, pela libertação na juventude do dialogo reconhecedor das mesmas determinações. A metaIisica ai e entendida como transcendência do imediato sistematizado a reconhecer determinações transcendentais, condições de possibilidade da propria libertação. A expressão Eramos espirito (Wir waren Geist) (GS II-1,92) pode ser comparada com a celebre Irase de Tales de Mileto sobre os aIazeres cotidianos de um padeiro: Aqui tambem ha daimones. O cotidiano instalado so não causa curiosidade a quem nele embarcou completamente e assim não pode ver nem descrever a sua relação com e na totalidade do que e. As massas espirituais dos campos de ruina são a nossa presença como compreensão enquanto vitimas e algozes de todas as violências ja havidas: a expressão neotestamentaria Filho do Homem (Marcos 14, 21) elucida a consciência que e possivel ter como compreensão ocorrente a se perceber carregada de toda a plenitude do sentido existente, responsavel por ela e decidindo inevitavelmente no tempo agora. 'Ha muitos indicios de que o mundo dos Iuncionarios e o mundo dos pais são idênticos para KaIka¨ (GW II-2,411). 'Nunca jamais vimos o local da luta silenciosa que o Eu encetou contra os pais¨. (GW II-1, 92). Os pais são os administradores mensageiros do que esta estabelecido: nos os somos por interpretação total instituida: estamos como que Iundidos ao que Ioram e, por outro lado, ainda são por nosso intermedio. Repetimo-los de todos os modos por inercia ou ate por revolta na intenção de implantar nova interpretação para reIerência geral. Mas ha o Iato presentiIicado do Eu que se constitui como possibilidade de juntar em si mesmo todos os liames de sentido em andamento costumeiro ou a inaugurar rumos diIerenciados. Um Eu acontecendo assumidamente como passado agora reconhecido, Iala e, com isso, na compreensão Iaz surgir Iontes de inesperado sobressalto de sentido em ação operatoria de diversas Iormas; um Eu a elucidar e a inaugurar o proprio passado tematizando o seu condicionamento de compreender como compreende e agir como age. Poder-se-ia perguntar pelo local da postura, da separação, do cindir-se entre passado e presente entre pais e Iilhos, entre objetivo e subjetivo. Esse local nunca alguem viu! Todo passado esta no utero do presente e participa inevitavelmente de toda a nova compreensão em gestação, como toda a esperança esta no que ja passou. Qualquer coisa que seja dita do que ou que seja passado e auto-posição, proposição, acontecimento do EU para ser a sua continuidade. 70 Nunca se vê como passado, pois toda a deIinição objetiva ja e instauração. Como mais adiante e expresso: 'Sempre o Ialante e possuido pelo presente. Portanto, ele e amaldiçoado: nunca poder dizer o passado que ele quer exatamente mostrar¨. (GS II-1,93). Não ha, portanto, a oportunidade de separar-se do passado que se diz para uma apresentação objetivamente separada de si mesmo no ato de dizer. Alias, a intenção de dizer o passado e a propria intenção da objetividade, pois todo o deIinido so pode sê-lo, como ja dito, enquanto morto e passado deIinido, não mais ai para ser revisto na emergência da sua Ionte, pelo menos não imediatamente, ja que esta sistematizado Iirmemente na compreensão que possibilitou a propria compreensão. Toda a Iala esta condenada a primeiramente expressar a instituição de si: e perIormativa inevitavelmente. Onde, portanto, objetivamente, a localização do desespero em delirio para apanhar-se no imediato surgir de si, da guerra silenciosa, se e ela mesma a inauguração do tempo em clarividência a iluminar enquanto sentido na Iala? A compreensão de que somos compreensão comprometida desde logo traz a angustia ensombrecida pela camada de natureza automatizada em compreensão de ser, a angustia pelo ser a se modiIicar pela mudança itinerante da compreensão. Somos compreensão instituida e, ja que a somos, não conseguimos vê-la em completude de auto-reIlexão. Do rastro do caminho andado Iaz parte o local em que se esta e o ponto de vista que ele representa. Tal estado de coisas parece lembrar a Aufhebung hegeliana, mas com a diIerença essencial de que e vista no imediato presente a esmagar qualquer tentativa de organização absoluta inicial, ou inicio organizativo absoluto. Estamos no meio de um jogo que ja iniciou ha muito tempo com regras em grande parte desconhecidas e juizes invisiveis de quem se escutam por vezes o apito. Mas o Iato de experiência e que mudamos conhecendo e nomeando e tal experiência e como uma cabana no deserto a demarcar instante por instante junto com os seus horizontes uma situação, ou um estado possivel. Por isso 'Agora contemplamos o que sem saber destroçamos e elevamos¨. (GS, II-1, 92). No dialogo em que estamos a mudar, peregrinar, abandonar ninhos teoricos petriIicados e decidir Iuturos enquanto interpretação do condicionamento do passado, nos percebemos o proprio destroçar, o perecer, a direção da destruição, da morte. A destruição e o destroçar ressurgem como elevação de algo, como nova constelação, ou transIiguração. 71 A angustia acontecente da travessia e a da destruição do que somos e a elevação do que vamos ser inaugurando constantemente o tempo de conhecer e nomear. O agora se deIine pelo ver o que se vê e se compreende. O Eu auto-constituidor de si incorpora a compreensão da destruição que ele mesmo e em processo. Destroçamos sem saber ao compreender, Ialando e compreendendo de modo instituinte. O local do surgir da guerra não e visto, e sim, so a inevitabilidade de compreender destroçando; mas, destroçando e ao mesmo tempo elevando, conservando, qual Ionte de luz que so consegue perceber-se Iorte nos raios que emite. A compreensão que se da pela linguagem e constante construção com ruinas compreensivas que assim se incorporam. Mas a Iatalidade da compreensão e exatamente a compreensão disso e que desse jeito constantemente a si mesma tenciona ao se ver estendida como rastro de si e projeto de si Ieito ruina. Fazemos isso sem saber, 'ohne wissen¨, porque o somos e acontece: compreendemos e a compreensão no rastro-tempo que deixa Iaz ver os vestigios da ruina que Iomos e que se incorporou para ser na compreensão como passado, ou como pai, ancestral, ou como Iuncionario. Qual a Ionte que se percebe a si a não ser pela luz ou agua que dela decorre? Cada construção ja Ieita e recordada e coleção de arteIatos da tradição, e retirada de pedaços de varios conjuntos teoricos para a Iormação de nova constelação, e novo arranjo em Iorma de totalidade que não consegue abarcar e levar junto o que não Ioi escolhido para a Iigura compreensiva produzida, e produção de sobras que cumprem o papel do erro em relação a verdade instituida e programada, e o nada que Iaz o papel do reverso do tudo. No discurso normal e monologico, a compreensão travada e sem o eco de si no outro se convence de sua boa totalização. Exatamente isso muda radicalmente na conversação. Ela tem a caracteristica da nostalgia da amplidão: 'A conversação queixa-se da grandeza desperdiçada¨. (Idem). A conversação em sua imediata ocorrência pode ser entendida primeiramente como queixa pelo consenso socialmente alcançado, mas pequeno demais diante da grandeza de uma compreensão ainda possivel, pois, 'grandeza e o eterno silenciar apos a conversa¨ (GS II-1, 93). O que e a grandeza alem do não dito que Iaz compreender o dito? Percebe-se a riqueza do que ha por nomear e conhecer e o abismo de um Iundamento sem Iundamentação em que se esta embretado, a precariedade dos argumentos Iundantes para o que se compreende como conteudo deIinido. E a queixa pelo sair de si para a oscilação 72 entre Ialante e ouvinte a constituir o que mais adiante se diz da contradição da linguagem: 'No gênio Deus Iala e aprecia (lauscht) a contradição da linguagem¨. (GW, II-1, 93). A conversação e queixa pela embretada escolhida, pelo caminho discursivo que e em meio a totalidade do ser supondo o que não pode compreender e dizer. Queixa-se por ser objetivação inevitavel que sempre ja signiIica um reducionismo com pretensões de apresentar a totalidade do sentido possivel, mas sabe que so pode ser discurso Iinito e não absoluto. Queixa-se por ser aparelho armado necessariamente para compreender o que compreende, sendo que somente nesta situação exatamente pode expressar o acontecimento que e. A verdade so pode ser pela recordação do discurso apoIântico por meio da verdade adequativa ja de acordo com a aceitação de constelação de ideias e conceitos. Como mais tarde na obra Origem do drama barroco alemào e aIirmado: 'A verdade, presentiIicada no bailado das ideias apresentadas esquiva-se a qualquer Iorma de projeção no âmbito do saber. Saber e posse...sempre de novo ira comprovar-se a tese... de que o objeto do saber não coincide com a verdade¨. (GS I-1, 209). A compreensão da grandeza e a lamentação da necessidade de se ter que permanecer no posto, a consciência de se ter encharcado por demais na areia movediça do discurso congelado. Sendo conversação, necessariamente ha deperecimento, mudança, metamorIose, crise, deslocamento, o soar do som com melodias estranhas em meio as constelações de compreensões Iixas. Alem disso, ha tambem a percepção aguda da diIerença antes de toda a diIerença, ou seja, a diIerença entre constelações sucessivas, rupturas semânticas em que ate o sentido de totalidade muda de acordo com a Iatalidade do mandado 'Sai da tua terra e vai para a que eu te mostrarei¨ (Gênesis 12,1). Nada se mostrou ao sair, mas o que se mostra quando se Iica na terra e o engano demoniaco da intenção de transparência de si e o lamento da Iixidez eterna. A conversação e queixa de se ter permanecido no mesmo lugar e decisão de sair, sem ainda saber para onde se vai como inevitavel construção por vir, como construção de cabana no deserto, ou ate rochedo de amarração de Prometeu em seu castigo com o chato do abutre da realidade alimentando-se do seu Iigado que sempre cresce. A conversação suscita sentimentos de melancolia e luto pela morte de pequenas certezas construidas e vislumbre da pavorosa imensidão das possibilidades perdidas em Iavor de uma realidade opressora em sua redução e na qual o caminho e apenas o da imitação monotonamente repetitiva. 73 Assim, a conversação e queixa, a linguagem da juventude em conhecimento e pavor e lamento, e expressão da dor, ou ainda, e a propria dor no processo de libertação pelo esIorço da nomeação do outro e de si. Mas ha outra dimensão a ser considerada. Não se pode esquecer que a Iala em conversação institui-se e no ato esgota a sua possibilidade, pois como execução de deIinição morre para apenas ressurgir transIigurada no acontecimento compreensivo do interlocutor. A Iala e compreensão acontecida a se lamentar pelo seu ingresso na alienação e no vazio da objetividade; e tal objetividade e compreendida como arteIato independente da Iala. A Iala e intenção de instituição perIormativa, aspiração de reiteração ou instauração de sentido a se expressar constantemente. A Iala apequena-se em seu constante ajuizar predicativo, apoIântico, julgador e construtor de dispersão por auto-Iragmentação. E como se a culpa Iosse a Iala que em si carrega o seu proprio juizo, pois na medida em que o Ialar e julgamento objetivante, a si Iaz voltar o mesmo julgamento: a construção que promove e, ao mesmo tempo desconstrução: sua intenção e a deIinição, que por sua vez e o movimento da morte e esclerose. A Iala e a morte a caminho, a culpa em processo de Iormação, a divisão em bem e mal da grandeza pressentida alem de bem e de mal. A Iala e Ierida aberta da qual o sentido meramente comunicativo apoIântico sangra apequenado em sua nudez somente Iuncional. A Iala ja e acontecimento em que ja inevitavelmente se inaugurou o rastro de si passado como julgamento a aIastar o conteudo como se pudesse ser separado de si em tempo ordenador e espaço Iundante. Assim a Iala enquanto acontecente com pretensões de simples verdade por adequação ja e desperdicio da grandeza e a conversação e queixa disso. A grandeza suposta e sempre desperdiçada e sem cisão, sem Iratura, sem instituição de julgamento sobre o que seja vida-sentido, ou o que seja a repartição entre bem e mal no instante mesmo da Iala. Em suma, a atividade da conversação em seu acontecer ja e queixa e reconhecimento do que o homem não percebeu como acontecimento de si mesmo. A inevitavel tendência objetivante do logos apoIântico traz sempre consigo o acontecimento da cisão que imediatamente promove a sugestão do descompromisso com o objetivado e do esquecimento a respeito do promotor do sentido assim instaurado. O sentido objetivamente instaurado torna-se assim alienado e, como que de Iora, permanece a comandar o esquecido de si. Jersàumte Gròsse (grande:a desperdiçada), ou seja, 74 desperdicio de si na maquina compreensiva implantada: somos partes da maquina em comprometimento de vastissimo sentido. O choro maquinal e melancolico, um imenso julgamento ja promovido e em promoção de constante julgamento, quer ser ouvido no silêncio criador de recordações de objetivações cada vez mais alienantes. E por isso que 'A conversação aspira ao silêncio e o escutante e antes o silente¨. (GS II-1, 92). A palavra portuguesa conversa, Iormada de con-versus, da, entre outras, a ideia do conjunto e do encontro de versões em apresentação, e conversação sugere a atividade do encontro para a apresentação de versões em que, para tanto, a escuta silenciosa e parte imprescindivel. Tambem a palavra alemã Gespràch, Iormada de ge e de Sprache lembra a possibilidade do cultivo conjunto da palavra, ou da reIlexão sobre o sentido das palavras ja em uso na discursividade eIetiva do cotidiano. Nessa dimensão as palavras não pretendem ser mais usadas na comunicação para a aplicação pratica das lides diarias, mas pretendem concentrar a atenção no conteudo e na Iorma que estão a expressar, isto e, em termos de sentido, de proveniência das situações historicas, de transIormações semânticas ocorridas e a sua estranha intenção da capacidade de apresentar a realidade de cada vez bem como a transIormação da mesma. As palavras na conversação procuram inibir a sua mera instrumentalização como materiais de comando aplicado nas ações concretas para se ensimesmarem na procura do sentido da sua existência a partir do seu proprio surgir e do que com elas Ioi Ieito posteriormente. A linguagem ai promove como que um recuo diante da sua praticidade no movimento alucinado da sua alienação meramente comunicativa na construção de ediIicios semânticos para, então, prestar atenção ao que Ioi Ieito disso e a sua propria participação nisso. O recolhimento meditativo das palavras na linguagem necessita do silêncio do seu uso no sono e no sonho pratico para se dar conta do modo de seu uso e se admirar do seu envolvimento na marcação da Iixidez da vida geral de que mesmo Iazem parte. As palavras escutam a si mesmas no silêncio das suas tareIas costumeiras que se dão no palavreado intermitentemente repetitivo em sinalizações automaticas. Na conversação as palavras procuram escutar o sentido delas mesmas aspirando ao silêncio do ruido ensurdecedor da catastroIe em movimento em que estão envolvidas. Apos terem vendido a sua alma para o demônio urrante de dor pela lei imposta como realidade com pretensões de eternidade, procuram o silêncio da conversação longe dos locais em que estão sendo prostituidas enquanto comercio progressista que, para se manter, sempre alardeia seriedade de uso. O recuo das palavras em relação ao seu uso imediato e uma especie de arrependimento pelas explosões que ja promoveram na 75 participação das mais estapaIurdias conIigurações teoricas que Ioram e são capazes de simular praticamente os argumentos Iundantes para a produção geral de ruinas. A Iormação de massas espirituais dos campos de ruina Ioi Ieita com a sua participação ajuizante, barulhenta e zangada. As palavras na conversação dão-se conta do poder que tem em seu comprometimento com as Iormações teorico-explicativas de todos os tempos a impor aquilo que e como se Iosse o ultimo idolo de adoração possivel. O escutante que silencia não e um Eu como sujeito determinado, pois esse tipo de escutante procura escutar tambem as determinações historicas do Eu de que se da conta: ele sabe que o Eu e um campo de Iorças elaborado por signiIicações que ainda desconhece por não ter ouvido suIicientemente. A atividade do maximo da capacidade de analise da-se justamente no escutante silente. O silente procura silenciar as vozes de comando do palavreado geral que conIiguram tenazmente o seu Eu para escutar longe dentro de si mesmo os ecos das vozes de deuses e demônios que desconhece, mas que o dominam concretamente pela bruxaria da sopa teorica com que o cozinharam. O escutante silente procura ver o lado receptor das palavras que são capazes de carregar as mais diversas misturas de liquidos semânticos como se Iossem vasos a disposição. O silente na escuta solidariza-se ou ate se identiIica com as palavras em seu recuo da praticidade imediata para a analise de seu poder de nomeação. O silente esta na situação do conhecimento de que mesmo ele e Ieito de palavras na escuta de si e do outro em conversação: assim as palavras retomam a sua importância enquanto consciência do seu poder de nomeação e voltam a atenção a sua atividade desde os primordios da criação. A essência do silente torna-se a atividade das palavras em recuo diante do ruido das signiIicações automatizadas para proveito imediato no comprometimento pratico-Iuncional. O silente na essência da linguagem em recuo vai a direção daquilo que nunca viu, ou seja, o local da luta silenciosa em que o Eu encetou contra os pais. O local da luta nunca e marcado visivelmente a primeira vista. Em Experiência e pobre:a os Iilhos so tardiamente a partir da propria experiência e reIlexão descobrem a inIluência da experiência dos pais: Em nossos livros de leitura havia a parabola de um velho que no momento da morte revela a seus filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Os filhos cavam, mas nào descobrem qualquer vestigio do tesouro. Com a chegada do outono as vinhas produ:em mais que qualquer outra da regiào. So entào compreenderam que o pai lhes havia transmitido uma certa experiência. a felicidade nào esta no ouro, mas no trabalho. Tais experiências nos foram transmitidas de modo benevolente ou ameaçador, a medida que cresciamos. 'Jovem, ainda em verdes 76 anos e fa quer participar da conversa`. 'Certamente ainda teras a experiência`. (GS II-1, 213-214). A conversação e capaz de descobrir os deslocamentos e sobre-determinações com que antigos preceitos nos Ioram inculcados. O silêncio do silente, portanto, aqui denota admiração atenta ao que se apresenta e signiIica a escuta da exposição que e Ieita pelo outro da conversação e da propria contribuição do silente. A escuta compreensiva e silenciosa e, pois, altamente ativa pelo Iato de se ver acompanhada da tradição, ou ate ela mesma ser de Iorma sui generis em nova articulação de si pelo que se apresenta. A conversação (Gespràch) e um acontecimento da tradição consigo por meio dos personagens em compreensão vital: a suposição do total da tradição em sentido e inevitavel aos que estão em dialogo. A compreensão daquele que escuta e esta silenciosamente atento so pode ocorrer na suposição da tradição que ja o carrega, no suposto do que ate agora compreendeu consciente ou inconscientemente por meio da linguagem, que o estabelece no aspecto meramente comunicativo para usar palavras como instrumentos e para analisar com os mesmos instrumentos os instrumentos que usa ao compreender. Quem compreende não pode diluir-se em absoluta nova compreensão a partir de si mesmo como se Iosse a parte da tradição. A tradição urde o sentido novo de si atraves da competência silente do escutante. A tradição Iala e escuta na conversa e assim se torna criativa, jovem, renovada na mudança de si. Ha que ter Iala e escuta, apresentação e recordação das condições de possibilidade presente sempre e inevitavelmente. Aquele que escuta e antes de tudo o silente. Na conversação, o primeiro que cala em seu discurso, ou o que mais cala, e aquele que mais escuta, mais ouve, mais recebe a revelação do uso Ieito das palavras, mais muda, mais rejuvenece, mais cala sobre a sua propria construção, pois esta disposto a concordar com que sua construção babelica seja derrubada. A conversação aspira, portanto, ao silêncio, pois, pelo visto, e exatamente tambem um processo de escuta, de destruição, de passagem para outra postura, ou estagio do voltar-se, da conversão analisante de caminhos ja andados. Em tal regresso, todas as certezas retornam ao estatuto de hipoteses ensaiadas, experimentações iniciadas, mutação e ate deperecimento. Benjamin em texto posterior, em Origem do drama Barroco alemào, utiliza uma excelente imagem para tal atividade: 'Cada ideia e um sol e se relaciona com seu semelhante como sois se relacionam entre si. A relação sonante dessas essências e a verdade¨. (GS I-1, 218). Ou seja, a relação sonante (tònendes Jerhàltnis) que se da na 77 passagem de uma ideia como constelação compreensiva a outra e o proprio acontecer da verdade. O passado pragmaticamente ativo, mas silencioso, presentiIica-se na articulação silente e indiciante do agora. A conversação aspira (strebt), ou seja, e aspiração, tendência, intenção, assim que o acontecimento do conteudo em Iorma de sentido não poderia ser dividido em sentido de algo a indicar sinalizando de um lado, e de outro em acontecimento-pragmatico de puro dizer a acontecer. Pois a Iala e o sentido que acontece indicando, e tradutora, interprete em expressão sonora. O inicio não e a dualidade de algo a ser interpretado por sinais chamados a perIazerem linguagem, ja que na linguagem ha um ser acontecente em sua imediatidade impossivel de ser objetivada em termos de verdade meramente adequativa. O inicio ou o ponto de Iuga parece ser a grandeza e totalidade passivel de ser vislumbrada somente no exercicio da conversação em que a compreensão em itinerância percebe-se dependente delas como supostos ineliminaveis. Em tal compreensão as descobertas nomeadas a acontecerem são assumidas como mera maniIestação, Erleuchtung, iluminação, acordar de sonho, resplandecência, esIorço de compreensão da totalidade sempre suposta, apenas parcialmente visualizada, e ja na tranqüila ciência disso. Enquanto sentido ocorrente em termos de palavras so e na recepção ativamente silenciosa. O acontecimento do sentido so pode dar-se no silêncio da recepção, pois, sem isso, não e. A Iala enquanto acontecimento do sentido e maniIestação em meio ao total silente-escutante na conversação que a possibilita: o total sentido possivel recebe a Iala ocorrente. O sentido em Iala ocorrente so e na escuta compreensiva. O silêncio e escuta e a escuta e o silêncio em que o sentido acontece. Ha a possibilidade de algo como que um esgotamento enIraquecedor da Iala, um palavreado dissoluto que se dissolve pela multiplicação das compreensões armadas sem saber que são compreensões e que se amontoa em pedaços de teorias Iragmentadas como ruinas em direção ao ceu, uma riqueza acumulada durante milênios e esquecida de si, mas que aspira (strebt) ao silêncio enquanto ruptura de um movimento em si mesmo alucinado. A atividade da Iala na conversação construtiva supõe aquele que escuta, silencia e e capaz de contemplar a razão construtiva comprometida com a maquina produtora da repetição compreensiva. Assim, a aspiração ao silêncio expressa-se tambem pelo desejo da atenção do que esta na escuta. Assim, 'a conversação aspira ao silêncio e o ouvinte e antes o 78 silente. E dele que o Ialante recebe sentido, o silente e a Ionte inconcepta do sentido¨. (GS II-1, 91). Na conversação que promove a mudança do estatuto da linguagem pelo silêncio do seu uso imediato nas artimanhas do esquecimento tareIeiro, a tradição olha-se a si mesma nos olhos e Iala consigo mesma, pois ha a expressão do Ialante, sempre na situação de proponente da atividade de construção Iixa de alguma compreensão, e o ouvinte que compreende as palavras a partir das suas condições de possibilidades tambem ditadas pela tradição. O acontecimento da sua compreensão pelo silente e o que determina o sentido das palavras. Quanto mais a compreensão imediata do Ialante Ior ouvida como Iorma a envolver conteudos pontuais tanto mais a aspiração do silêncio ao conversação se concretiza. O inevitavel sentido surgente no silêncio da escuta da tradição Ialante no outro e a eIetivação da revelação, ou da descoberta mutua que a conversação em suas versões apresenta. Aquele que silencia e escuta da sentido ao conteudo Ialado. Aquele que Iala sempre esta possuido pelo desejo da continuidade repetitiva do sentido elaborado que imagina ser evidente, enquanto que o escutante esta Iora disso, alegoriza, conserva a seu modo o que ouve, ouvindo diIerentemente, e renova a construção traduzindo e traindo por interpretação necessariamente tendenciosa: não e o conteudo que ouve, mas as palavras que o Iormam. Aquele que escuta e o renovador, a Ionte do sentido. Reordena as palavras colecionando-as e arranjando-as de acordo com os seus parâmetros ainda desconhecidos por ele mesmo. Da-se uma curiosa conjugação de externo e interno. O externo esta com o interno que sempre esta exposto no externo: espirito objetivo que so se realiza como subjetividade itinerante. O colecionador de palavras do discurso alheio escuta e silencia, a catastroIe grita, monologa em Iorma de discurso articulado, mas o monologo na conversação não e escutado como ordem aplicavel e sim como a expressão do que na perIormance esta esquecido e encoberto. O silente como colecionador atento e silencioso coleciona palavras como Iatos e as coloca na ordem historico-narrativa de acordo com o seu proprio indice de compreensão. Escolhe as palavras como se Iossem objetos em um ambiente caotico para Iazê-las renascer em nova ordem. Ao Iazê-lo, a coleção impregna-se, incorpora-se nele, tanto que o colecionador e determinado pelos objetos colecionados: ele mesmo e uma coleção, uma conIiguração, um re-ordenamento de si em auto-escolha: enxerga-se e possibilita a analise 79 de si pela coleção que Iaz. Coleciona impressões, interpretações e compreensões. 'O silente e a Ionte inconcepta do sentido¨ (GS II-1, 91), isto e, o sentido ocorrente acontece naquele que escuta. Pois o que e a Ionte? A explicação que alguem da do que seja a origem, a Ionte, ja e a propria Ionte? Não pode ser assim, pois ja e Iala de novo. A origem pode ser apanhada no sentido discursivo argumentativo em Iorma de apresentação competente no proprio ato de dizer? O dizer consegue dizer a sua Ionte ou e sempre simples dizer novo e constante Iicando a dever o anuncio de sua Ionte que o poderia explicar? Em suma, tudo isso signiIica que o dizer, qualquer que seja, nunca podera apresentar discursiva e objetivamente sua Ionte a não ser como suposição da escuta silente e compreensiva do outro. A recepção compreensiva do outro representa a Ionte do sentido do que e Ialado. A Iala no vazio pode ser barulhenta, mas nada e sem alguem que a escute e a entenda de algum modo. Mas na conversação supõe-se a escuta que e Ionte para a compreensão exatamente das determinações e dos motivos da compreensão ocorrente. Quem esta a Ialar na conversação e obrigado a objetivação inevitavel, a sistematização constante, sem, portanto, poder estar atento as pressuposições do seu proprio Ialar. A Iala ja e imposição de determinado sentido na suposição de avaliador competente, de algo que esteja a Iundamentar deIinitivamente o que se diz. E isso, mesmo quando se Iala com ressalvas a respeito do proprio dizer no sentido de apresenta-lo como provisorio e sem intenção de absolutismo. A Iala inevitavelmente se expressa como intenção sistematizada que se apresenta na suposição de estabelecer conteudo compreensivo desvinculado e independente do que esta a Ialar. Mas o silente vê o verdadeiro rosto de quem Iala exatamente no conteudo que este esta a estabelecer. O silente identiIica o Ialante com a sua Iala e o expressa nomeando-o compreensivamente ao modo de sua propria constelação de conhecimento. Ha como que um nada silencioso a possibilitar o espaço e o tempo do ruido de construção do dizer do Ialante, que o escutante capta como suposição na atenção total, um nada consciente, ou seja, o tudo ainda em possibilidade, o total do sentido subterrâneo relacionado com o que surgiu e que começa a vibrar para borbulhar como Ionte para o surgimento de novo sentido: assim, haveria uma reunião num dialogo, um encontro possivel no âmbito do nada em que tudo e possivel. 80 O silencioso a escutar e a Ionte do sentido, porque e nele que acontece a constante renovação da articulação do que e Ialado, em que o passado a se expressar em Iorma de ruinas Ialantes oportuniza a sua propria reconstrução, nova articulação de sentido. O passado a acompanhar o presente na Iala ressurge na lembrança compreensiva do ouvinte que assim lhe e Ionte para saciar a sua sede de vida. Por outro lado, o silente so e a Ionte do novo sentido, porque escuta o que as palavras na sua imediação operatoria não dizem. Ao captar a Iala das ruinas do passado a silenciosa Ionte ouvinte da atualidade em compreensão operatoria jorra a presença renascida de todos os seculos. Existe um âmbito interno a linguagem que não pode ser dito completamente, pois para dizê-lo a Iala e sempre necessaria por suas suposições ainda a serem apresentadas. E a zona do silêncio e da grandeza que sempre permanece, mesmo apos a conversação que se ativa na compreensão da instituição dos supostos da comunicação para Iins operatorios. A operação comunicativa instrumentalizada para a construção de arteIatos teoricos e praticos supõe um consenso a respeito de modelos subjacentes ao processo construtivo (procedimento, bem como idealização/Iigura a ser construida: são problemas tecnicos). A conversação e a processualidade da apresentação de supostos da comunicação, que apos a Iala e a escuta pode Iinalizar no silêncio do abismar-se Irente ao que a compreensão e capaz, ou em novo ruido pela decisão conjunta sobre a possivel conIiguração de um pano de Iundo a ser escolhida. A conversação e sempre o local da Ionte do sentido pelo lado do silente pelo Iato de Iazer acontecer uma ruptura no Iluxo da compreensão continua objetivada em determinada direção. Explode com a compreensão costumeira e indica novos caminhos possiveis. A propria possibilidade de ruptura para inicios originais supõe o interno a compreensão ate então: a conversação avança, por assim dizer, em direção ao espaço do silêncio, ou do ate então silenciado, transIormando-o em signiIicado. O silente e o silenciado conjugam-se. O gênio como possibilidade de adveniência do que e novo e gênio por ser silencioso, isto e, porque cria escutando o que advem na totalidade dos discursos e escuta criando a partir do silêncio. Ele e mais silencioso do que Deus, porque Deus e a totalidade do Ialado da Iala a ser escutada. Alem disso, Deus pode querer ter a caracteristica da repetição eterna, enquanto que o gênio e Iilho do percurso da sua descoberta no silêncio dos discursos em que as divindades se escondem. O gênio e o que na atenção silencia explodindo o que ate agora e em eIetividade compreensiva para escutar o que vem a ser. Assim, ele mesmo 81 acontece como Ionte em obra e vida identiIicadas, mas sem poder jamais dizer as ultimas palavras sobre si mesmo. A conversação pode acontecer entre duas participações que estão igualmente a procura da sua origem, dos seus Iundamentos, do seu modelo de conIiguração. E isso so pode dar-se na escuta do que esta entre ambos. Em não havendo escuta, ha o ruido da ma dialetica em que as posições embatem-se por estarem sedimentadas soIisticamente e a conversação Iracassa. E a perdição dos homens no desvario da utilidade oca utilizando a linguagem Ieito porrete e machadinha. Tambem, em não havendo escuta, ha a possibilidade do discurso quase Ianatizado em que o Ialante Iala para se deixar convencer: e ele o ouvinte primeiro e crente da e na sua Iala, pois esta a organiza-la, decidi-la sendo o seu proprio julgamento a enveredar numa certa direção. E o embate dos discursos ruidosos que apresentam o espetaculo da dialetica Ieroz e cruel. Mas na verdadeira conversação ha uma nova perspectiva: 'A conversação eleva palavras para ele |o escutante| enquanto captantes, os cântaros¨. (GS II-1, 91). No decorrer da conversação as palavras do discurso que se apresenta despojam-se da signiIicação do imediato do uso cotidiano e se tornam como cântaros que se oIerecem para a recepção de novo sentido. As palavras apresentam-se como receptaculo, pois são analisadas, percebidas e compreendidas como participantes especiIicos de um discurso armado que no seu todo esta sob a lupa e e objeto de atenção silente daquele que escuta. A conversação Ieita de dois personagens tem tambem a caracteristica de ativar-se numa pessoa so, pois quem e capaz de escuta silente tem a Iorça de direcionar a sua atenção ao proprio discurso, as suas proprias epocas de envolvimento Iaceiro nas Iestas das certezas na dança do passo sempre certo. Escutar-se desde o passado de si e Iazer o inventario do repertorio de certezas que se teve, desde as catastroIes cometidas ate os momentos de suspeição em tempos de mudança de Iundamentos com novos argumentos construtivos para se estabelecer na segurança de novas Irentes de batalha. Escutar o passado de si e dar a devida atenção as palavras com que Ioram produzidas as couraças do tempo de guerra, esta urdida pelo embotamento, cuja causa e o esquecimento de que para o silente não ha eternidade em verdade Iixa a ser vencida e conquistada. Na conversação que o silente pode ser, o seu proprio passado e presente discursivo esta diante dele elevando- lhe as palavras do que mesmo Ioi e e. O conjunto do discurso em pauta relativiza-se perdendo a sua absolutidade e as palavras que o sustentavam rapidamente tendem a 82 desIazer-se das signiIicações comprometedoramente suspeitas. As palavras são esvaziadas do liquido venenoso e azedo que carregavam e retornam a condição de cântaros ao dispor de novo uso. O silente e capaz de ver compreendendo os cântaros e os materiais com que podem ser preenchidos. O silente torna-se a sua propria conversação na escuta da Iala que ja o estabeleceu ou esta a estabelecê-lo e, assim, a conversação continuamente lhe apresenta palavras enquanto cântaros captantes cheios, ou esvaziados, ou em vias de recepção. As palavras que se evidenciam como cântaros evidentemente não são todas, mas aquelas que chamam mais a atenção e sobressaem na conversação que no seu decorrer as escolhe e eleva ao estatuto de receptaculos. Pelo visto, a conversação pode eIetivar-se na relação com outro ser humano em Iorma de dialogo na conhecida e costumeira situação de prestação de respeitabilidades mutuas quanto ao que esta em jogo. Tambem pode concretizar-se Irente a imposição Ialante da tradição a disposição em todo o tipo de escrita, nos monumentos e nas instituições instauradas em processo de Iuncionamento de que se Iaz parte. Mas a conversação tem o poder de ir mais alem: pode deslocar-se sendo produtiva com aquilo que nos surge no pensar como desencontro com o Iluxo pensante da mimese sob o comando de determinados conceitos Iundamentais ja aceitos, ou uma mistura e um sistema deles, ou ate um mosaico ja com eles elaborado. O curioso e que as vezes se esquece que tal conversação elabora-se e acontece por preenchimento ou esvaziamento de cântaros que são as palavras. A convicção no estatuto do Eu encharcado de palavras e gestos desconhecidos e esquecido estatui-se qual Iantasma temporario na noite de si e que desaparece como por encanto Irente a luminosidade da questão Onde estas tu, lu:? A conversação desloca-se como conversa com a propria tradição dentro de si numa suposição da totalidade do que ja Ioi elaborado na cultura humana e do que Ioi esquecido. A conversação enquanto conversa com a propria tradição dentro de si so e possivel como aceitação critica de crise paradigmatica sucessiva, em que aquilo que Ioi estabelecido ou quer se estabelecer merece a escuta do silêncio dentro de si em acurada atenção. Em todo o caso, a suposição e a de que somos Ieitos de milhares de arteIatos culturais gerais, Ieitos de palavras, espalhados, ou acavalados, ou imprensados e que se desenvolvem e se elaboram sucessivamente ao sabor da casualidade rotineira quando vigentes como que separados em objetividade e sem a oportunidade da escuta na conversação. 83 'O Ialante aproIunda a lembrança de sua Iorça em palavras e procura Iormas, nas quais o escutante se revela¨. (GS II-1, 91) O Ialante agora solidarizado na conversação concentra-se na lembrança da Iorça das palavras que conIiguram uma compreensão Iixa em operação, esquecida de si e a amontoar escombros sobre escombros. O Ialante quase que ja escutante aIunda-se, ou se aproIunda nessa lembrança da sua Iorça Ieita de palavras e procura angustiadamente Iormas para que o escutante silencie e escute e se revele em seus proprios parâmetros de escuta. O Ialante em conversação ja sabe da Iorça que existe na conjugação das palavras sui generis do seu discurso e procura lembrar e por em evidência o perigo do esquecimento das massas espirituais que vazam por todos os lados e, então, procura Iormas de encontro em que o escutante possa ser eIiciente a tal ponto que tambem revele as suas suposições em ocorrência de escuta. O escutante, por sua vez, da-se conta de que e Ialante tambem e de que o silêncio deve ser muito mais abissal, de que a recordação como processo e a Ionte da revelação numa exigência silenciosa de anuência constante e Iiel a escuta do proprio silêncio, o qual, quando da sua imediação, pode revelar-se eivado de pressupostos baseando discursos. A Iala como descrição de si, ate mesmo no sentido de representação e de metaIisica realista, pode ser a do Ialante testando o que ate ai se pensou e contando com a complementação em Iorma de anuência ou de negação daquele com quem esta em conversação. O resultado sera sempre imponderavel, sera constante travessia de campo seguro para campo ainda minado, sera tentativa de abandono de sistematizações identiIicadas. As palavras e as expressões, que por seu intermedio são possiveis, estão tambem saturadas de possibilidade de recordação e Iorça do passado presentiIicado. Palavras e Iormas em que o ouvinte se revela são tambem Iorça e recordação. O ouvinte silente revela-se na compreensão captante dessas palavras e Iormas enquanto Iorça renovada e concentrada: nele se resume tambem ao seu modo a totalidade do passado que Ioi e que ele exatamente e. O passado assim impositivamente Ialador e a percepção da Iorça no presente ao ser ouvido e compreendido pelo ouvinte que precisamente assim se revela. O ouvinte a se perceber Ieito tambem de palavras como cântaros captantes guarda em seu silêncio a Iala Iutura, o novo em suas Iormas a se revolver dormitando no leito do passado. Os cântaros guardam e repassam a agua da Ionte do sentido. 84 Tudo e guardado, pois o sentido acontecido na Iala assim o Ioi por ser e para ser erguido e guardado. Os lamentos, as queixas, os desejos de Ielicidade nos cântaros plenos de sentido municiam o presente agora ouvinte com a mais variada selvageria e o mais incompreensivel sentimento de solidariedade, de acordo com toda a gama do sentido possivel. O passado a Ialar no ouvinte a Iala do mecanismo, instaurado como compreensão esquecida que lhe e peculiar, e o choro instituido e continuado na Iala chorosa do Ialante ruidoso em repetição. E a visão da catastroIe. A catastroIe em andamento continuado e culpa e castigo ao mesmo tempo, e doença da tradição que procura perpetuar-se na mimese de si somente pela transmissão dos seus conteudos para um Iuturo vazio. Tal Iuturo e vazio porque e concebido como mera repetição do que Ioi balizado pela intenção de obediência cega proposto pela tradição como estreito caminho de possibilidades. O passado a Ialar assim no ouvinte constitui-se em catastroIe poderosa, mas simultaneamente em choro, pavor culpa e castigo. A percepção da Iorça na Iala da tradição esta no silêncio compreensivo e apavorado do ouvinte que do choro Iaz revelação de todas as Ieridas abertas do passado. O passado metaIisico que Iala a partir de um quadro de Iixidez com as mais variadas Iundamentações signiIica possibilidade de conversão, voltar-se transIigurado dos seus materiais de compreensão que no agora habitam. O passado Ialante de qualquer modo Iala para ser escutado e convertido em nova Iala, quem sabe rememorativa. O Ialante Iala para se deixar converter na conversação. A Iala procura a revelação de si no escutante, porque ela mesma enquanto Iala esta aIetada pelo paradoxo da objetividade separada, alienação de conteudo Ialado na intenção de ser Iundado incondicionalmente. A Iala so pode procurar a Iorma em que se revela na Iorma em que, porem, o escutante se revela ao compreender captando-a do seu jeito. A Iala vem a superIicie da compreensibilidade de si na imediatez compreensiva do silêncio do escutante. O sentido não so comunicativo vem a tona pela compreensão silenciosa do escutante, mas tambem e principalmente o que ressoa alem da comunicação. O mero ruido mutuo de personagens em apenas ação comunicativa não consegue ouvir o eco das vozes das gerações passadas pelo Iato de ser operação construtiva esquecida e mergulhada em palavras de comando comunicativo da tradição somente impositiva por ser comando esquecido no agora. Mas epocas de conversação são epocas de conversão. 'Pois 85 o Ialante Iala para se deixar converter¨. (GS II-1,91) A palavra conversào traduz o termo bekehren que, por sua vez, esta ligada a mudança de perspectiva em relação ao compreendido e praticado ate o momento e ate ao arrependimento por uma situação de Ialsa visão anterior. Conversão vem de vertere, sendo que, então, convertere traz a imagem de verter funto. E como se a Iala do Ialante Iosse captada, compreendida como vertida e convertida na Iorma dos captantes cântaros ouvintes. O Ialante na conversação obriga-se a ensaiar a apresentação competente do discurso de vida que o caracteriza de modo Iixo, mas ja disposto a conversão de tambem ouvir os ecos do não dito naquilo que diz, ja que o dito e o dizer são prova viva do não dito que os sustenta como suposto e contraIação, como nada que possibilita a totalidade deles. O Ialante na conversação Iala como que ensaiando arrependimentos: a palavra arrependimento e Iormada por paeniteo, ou poeniteo com o signiIicado original de ter insatisfaçào com o que Ioi Ieito, dito e pensado ate então. Em geral o Ialante Iala construindo necessariamente para depois se esquecer daquilo que pelo julgamento Ialante construiu e daquilo em que mesmo se converteu como construido. Dessa Iorma o Ialante revela-se em Iala sistematizada e tornada absoluta criação autônoma, agora a prescindir, por esquecimento, da dependência de revelação de sentido a ser desenvolvido e reinterpretado por novo curso revelativo por meio da atenciosa escuta silente. Na Irase pois o falante fala para se deixar converter a conjunção pois se reIere a Irase anterior que dizia O falante aprofunda a lembrança de sua força em palavras e procura formas, nas quais o escutante se revela. Isto signiIica que o Ialante ativa-se para que a compreensão acontecente que da as palavras possa ter ressurgências inesperadas a partir do que Iala, para que o sentido no escutante possibilite novo situacionamento e permaneça a lembrança ou a conservação da Iorça, agora mergulhada na nova Iorma. O Ialante envolvido ou a procura de conversação esta disposto a mudança de si, e penitente quanto ao que estabeleceu sobre si, arrependido por insatisIação e percepção de insuIiciência quanto ao todo que compreende. O Ialante ao ser ouvido e convertido em novo sentido, pois e compreendido pela compreensão articulada de quem escuta e certamente Iaz parte de nova paisagem sistematizada compreensivamente. O Ialante Iala e e transIigurado imediatamente na compreensão do ouvinte doador de novo sentido. Conversão assim se da por interpretação e escuta atenta que proporciona a experiência de mudança por vezes radical. O passado 86 converte-se, ou quer agora a conversão na interpretação da apokatastasis, a qual poderia ser entendida como hermenêutica da assunção gradativa, em outras palavras, paulatino assumir dos juizos ja objetivados e esquecidos de si em maneira alienada. Na conversação toda a Iala, mesmo que esclerosada, instituida como aparelho comunicativo para a aplicação de procedimentos a envolver conteudos, tende a ser interpretada alegoricamente, convertida em compreensão diIerenciada de si, captada de Iorma em que seu sentido e o novo que Ilui para a captação dos cântaros. A Iala desse modo nunca e si mesma para si quando ha escuta. A Iala na conversação compromete-se pelo Iato de haver escuta silenciosa: ela sabe que acontece compreensão, mas não absolutamente idêntica a si. Ela sabe que ha encontro na atividade de que participa. A Iala e convertida para novos rumos possiveis pela silenciosa compreensão. O Ialante e convertido no que dele Ioi compreendido: ele e o que dele se pensa e diz. E o que se pensa e diz e o espelho em que vê a estatura do que e, do que Ioi dito e lido dele, da nomeação de que Iaz parte. O espelho da compreensão do outro sobre a sua compreensão lhe da a dimensão de seu proprio automatismo. Ha a Iala disposta a conversão e a escuta em silêncio para entendimento do rosto de ambas: objeto e sujeito mudam constantemente de posição num movimento de imersão no desconhecido não dito. 'Ele compreende o escutante apesar de suas proprias palavras: que alguem esta diante dele, cujas Ieições são serias e boas de modo inextinguivel, enquanto que o Ialante conspurca a linguagem¨. (GS II-1, 91). O Ialante na conversação sabe que na sua atividade esta a supor a totalidade da compreensibilidade, na qual esta a se instituir a sua propria compreensão como em separado: o Ialante e linguagem parcializada e diIerenciada do todo pelo seu ajuizar e pelo rastro decorrente disso. Em sua Iala sabe que, por mais que haja linguagem em intenção de diIerenciação, não ha como escapar ao inIinito suposto no proprio exercicio do seu discurso. A queixa, a culpa e a dor no esquecimento disso conIiguram a catastroIe inicial que se prolonga como situação original. A conversação como movimento de interrupção do Ialante disposto a escuta atenta promove a cura, a lembrança, o alivio e o linimento. Na expressão Ele compreende o escutante indica-se o Ialante a intuir que a Iala de si para si sem a escuta não tem sentido algum. Tudo se da pelo Iato de haver escuta e na aposta de que não sera ruido no nada a resultar em nada. Alem do conteudo continente nas palavras a indicarem positivação ate a alienação 87 de si, o Ialante conta com o ouvinte a escutar as questões sobre que Iala. O Ialante necessariamente seciona conteudos positivados de si e do outro como quem Iala sobre algo. No exercicio da Iala paradoxalmente e obrigado a esquecer que e ele mesmo o Iato de ser o que compreende como expressão Ialante, legivel ao silencioso escutante e leitor. Apesar das suas palavras... separadas de modo conteudista como objeto a parte, o Ialante Iala e compreende aquele que escuta como alguem diante dele: o silencioso, Iertil e generoso campo de IrutiIicação de seu Ialar e vertente de sentido diIerenciado de sua Iala. Diante dele o eterno esquecido esta a lhe indicar o não esquecimento de si enquanto criação e a lhe proibir comer da arvore da discordia por separação de bem e mal: o outro a ser constantemente visto e a visão de si como lembrado de que e o conteudo do seu dizer. Seriedade e bondade são os traços são caracteristicos daquele que esta a escuta, porque tambem este sabe que necessita da Iala do que diz o Ialante. O discurso do Ialante na conversação e serio e importantissimo ao que escuta e a sua construção e boa, porque, Iundamentada como esta, oIerece a oportunidade de ir cada vez mais alem ate pairar sobre o abismo do possivel. E e exatamente isso que o Ialante tende a ver comprovado no ouvinte, o qual desempenha realmente tal papel e pelo qual e reconhecido pelo Ialante como sendo caracterizado por Ieições serias e boas. O ouvinte Iaz as honras a linguagem indo na direção do sentido mais proIundo dela: antes de tudo indicia a aparelhagem da linguagem para a montagem signiIicativa de conteudos compreensivos então supostos como Iundamentados separadamente do Ialante e da Iala. Libera o Ialante do peso morto que carrega como marca identiIicatoria de si para que seja identiIicada e vista. Pois nele, em tudo que Iala acontece o passado em Iorma de narrativa cotidiana obnubilada na recordação das suas inIinitas determinações. O que Iala insere-se na contradição. O Ialante agora compreende que ha alguem diante dele, que e o outro a lhe recordar a necessidade da suposição da presença de tudo, da pletora do sentido de todo o passado, e e por isso que pode Ialar a respeito de tudo como num ensaio de positividade, sem pejo de nada do que aconteceu em termos de compreensão e sua aplicação multiIacetada, sem querer poder escamotear julgamentos, decisões e veredictos, sem demonstrar vergonha do que procura acentuar, relevar, diminuir, liquidar. O ouvinte, por sua vez, tem a oportunidade de escutar tambem a voz do silêncio que possibilita a Iala necessariamente unilateral mesmo do melhor Ialante com os seus recortes deIinidores, o reverso existente como pano de Iundo do acontecido e da Iala, sem o qual não ha acontecido, nem Iala. O Ialante a expressar o passado e certamente melhor compreendido pelo ouvinte no instante 88 de agora com a capacidade de escutar a sua Iala, bem como tambem as condições do seu existir. As Ialantes ruinas do passado erguem-se presentiIicadas com Iorça redobrada por meio da observação silenciosa e compreensiva do ouvinte. Nesse sentido, a linguagem conspurcada, julgadora e ruinosa do Ialante passado e ampliada e redimida pelos traços serios e bons do ouvinte a compreender dando sentido continuado ao aparentemente morto. A construção de um discurso envolvido em conversação da-se no imediato suposto de ser vista por alguem a distância, que lhe dê sentido diIerente e continuador. Toda a construção em conversação e concentração local-temporal no esIorço para ser percebida, que para tanto necessita da instauração de criterio externo que institua a percepção deste mesmo esIorço. A construção aIirmativa so e na aceitação de que seja, e a instituição de que e acontece somente pelo outro que e ouvinte. Aquele que Iala em construção compreende o outro que o cerca, o enlaça e o revela como Ialante dando-lhe sentido diverso da imanência Ialante-expressiva. As Ieições serias e boas de quem escuta são inextinguiveis, pois indicam assim a inevitabilidade de compreensão que acontece relacionada pelo acontecimento da Iala. De qualquer Iorma havera signiIicação, avaliação, recepção. Mas Ialante de qualquer maneira sempre conspurca a linguagem na sua Iala pelo Iato de incorrer em contradição Iundamental na propria construção do seu discurso pelas suposições absolutas para tanto necessarias. Qualquer que seja o tema a ser desenvolvido, a contradição esta presente na intenção de deIinição de algo separado de quem o diz supondo criterio que absoluto não pode ser, o que perIaz um paradoxo na construção da Iala. O Ialante conspurca a linguagem porque Iala e so o consegue apequenando a possibilidade absoluta pelo delineamento deIinidor da construção especiIica. A Iala em construção na conversação não deixa de ser resolução para a continuação eIetiva em alegoria de comer do Iruto da arvore do conhecimento do bem e do mal. Ha na Iala a intenção imanente de ultimar progressivamente as explicações sobre o que e, de modo que ela esta Iundamentalmente reIerida a alguma progressividade enquanto intenção de Iixação de conteudo e de dominio construtivo da vida com base em suposições sempre insuIicientes. O lado Ialante e ativo na construção do sentido e a perspectiva da poiesij e desta mesma caracteristica se esquece no instante imediato em que articula a elocução. 'Mas mesmo que pudesse viviIicar orgiasticamente tambem um passado vazio, o ouvinte não compreende palavras, mas apenas o silêncio do que esta presente¨. (GS II-1, 89 91-92). Um passado vazio seria uma determinada narrativa dele ainda restante no presente, ou seja, algo entendido como ja não mais existente e apenas viviIicado no presente na Iorma da lembrança Iixada como objeto. Um tal passado seria como que uma especie de espaço em que as ocorrências ja não mais existem, pois Ioram recolhidas no espaço da lembrança do presente que assim pode analisa-las, disseca-las e deIini-las como objetivação ja Ieita. O passado estaria completamente morto quanto as determinações que ainda pudesse causar no presente, pois ja teria sido recolhido totalmente no presente que então o teria sempre a sua disposição. O passado seria aquilo que simplesmente passou para nunca mais voltar dando o seu espaço apenas ao presente que com as analises do seu conteudo incorporado prepararia o seu proprio Iuturo no mesmo instante. A decretação da morte do passado seria simultânea a sua viviIicação na consciência do presente como algo que ja Ioi deIinitivamente posto e capaz de justiIicar plenamente agora no presente as evoluções discursivas desse mesmo presente. O passado vazio e morto seria, enIim, a presa Iacil da compreensão autônoma competente e consciente de um presente que sabe perIeitamente o que quer de si mesmo. O passado historico Ieito apenas narrativa em discurso positivado no presente e vazio e apenas pode aparecer ao modo de orgia repetitiva no engano de que seja material para a construção progressiva do Iuturo, imaginado como espaço aberto. Assim o ouvinte solidariza-se com o Ialante na compreensão viviIicada ao modo da orgia repetitiva de um discurso pronto, mas ouve de Iato o silêncio do que esta presente ao modo do discurso, pois ele escuta o não dito a ser nomeado enquanto as palavras, na ânsia comunicativa para a apresentação de um desenho acabado, desestruturam-se em seu sistema intencionado dando noticia de outras possibilidades de compreensão talvez mais originais. Mesmo que o ouvinte viviIique o passado deste modo, tal atividade representa a noticia de um passado silencioso presente, impronunciado, Iundamento abissal sobre o qual pairam tanto o proprio ouvinte como tambem o Ialante. E por isso que o ouvinte ouve o silêncio do que esta presente: escuta o abismo do não dito e a precariedade silenciada dos Iundamentos do dito. O passado vazio equivaleria, portanto, a objetivação no sentido da expressão era uma ve:, de acordo com determinada versão narrativa. Ele e vazio porque e visto como conjunto de eventos ja deIinitivamente transcorridos apenas numa linha de tempo imaginaria traçada ate o presente e que se estende Iuturo aIora. E um passado que, mesmo 90 presente em sua Iorma de discurso positivado, entende-se e procura mostrar-se completamente diIerente de um presente dele tambem diIerente em ocorrência. O ouvinte percebe a vacuidade de um tal passado presente em Iorma de objeto para substitui-lo pela compreensão como maniIestação de um passado sempre presente, mas ampliIicado em totalidade ocorrente e a envolver o discurso de agora. E como se a totalidade silenciosa do não dito Iosse inIinitamente mais ruidosa a ponto de silenciar o evento discursivo de agora na sua intenção de objetivação Iixa e entendida apenas como conteudo a aspirar o estatuto de verdade por adequação numa repetição silenciosa quanto a nomeação criativa. O ouvinte entende que ha que ter a escuta da tradição em si mesmo enquanto reivindicação por solução de interpretação de ruptura com o que tenta apresentar-se como deIinitivo. O presente verdadeiro e a recepção atenta as considerações do que vem ao pensamento do ouvinte como compreensão e explicação e como Iorma de entender no exato momento do seu acontecer. Independentemente da localização do Ialante, se em si mesmo ou no outro Irente a si, ha que escutar a tradição ingente em sua Iorça na linguagem. Essa escuta de si da tradição Iaz-se no silêncio: mas e escuta de si na linguagem com que se da a compreensão ou na escuta do outro individuo a Ialar e que se esta a compreender na escuta. Por isso, a Iala so e reconhecida como tal pelo silenciar e ela, por isso, tende e aspira ao silêncio: tal silenciar e a escuta de si ao Ialar. A Iala de agora, mesmo ruidosa pode corresponder uma escuta que a silencia em meio a imensidão oceânica do sentido de que Iaz parte. O Ialante de agora e a representação apequenada de todos os Ialantes de todos os seculos: seu discurso representa uma particula inIima da tradição presente como suposto em seu conteudo e em sua Iorça. Na orgia ordenada pela logica da repetição não ha compreensão verdadeira das palavras, mas apenas a intenção da visualização viciada do constante retorno do igual num âmbito sistematizado comunicativamente. As palavras assim instrumentalizadas são vazias e ambos, o Ialante e o ouvinte, permanecem como que em silêncio ante a grandeza desperdiçada, mas o ouvinte conserva as possibilidades da verdadeira linguagem. O Ialante em seu doutrinario silêncio palrador oportuniza ao ouvinte interlocutor a analise do Ienômeno ocorrente que ele mesmo e. A compreensão do passado assim silenciado como objeto deIinido e apartado caracteriza a orgia do esquecimento, da irreIlexão, do ser levado pelas valorações ja Iixas na canalização de instintos, do automatismo da Ielicidade mimetica, o qual epicuristas mais atentos condenariam por ser imediato demais. EnIim, 91 viviIicar passado vazio seria repetir ao inIinito as positivações presentes como se Iosse o passado por inteiro a serem repetidas de modo obediente e reverente a ponto da inconsciência: um passado vazio, morto, mumiIicado e inIrutiIero, casca podre e inutil de Iruta ja deglutida, resultado de objeto entendido como separado de quem o diz, um passado destituido de sua inIinita passagem. Tudo isso se constitui como uma especie de Iuga das injunções da compreensão atenta de um agora sempre decisivo. 'Pois o Ialante esta presente apesar da Iuga d'alma e do vazio das palavras, seu rosto esta maniIesto e os esIorços de seus labios são visiveis¨. (GS II-1, 92). Uma alma que Ioge do Ialante e a sua propria alma alienada em objetivações não assumidas, a qual e compreendida como se estivesse apartada do Ialante e a viver unicamente no reino da verdade adequativa em que vige o sistema da representação. A alma Ioge junto com a construção Iicticia de um mundo separado da linguagem e do pensamento do Ialante. A Iuga d`alma e a expressão de um pensamento que procura duplicar-se na Iormação de um espelho de si em que pudesse ver-se para avaliação autônoma e competente de sua propria Iigura. O pensamento entrelaçado com a linguagem deste modo não consegue assumir-se como ocorrência de Ionte a desconhecer os seus proprios mananciais. A Iuga da alma pode ser entendida como a necessaria teatralização sistematizadora do discurso, a objetivação constante do que ocorre imediatamente e que então não e mais captavel na Iala. O vazio das palavras trata da sua desvalorização como mero instrumento num sistema comunicativo. As palavras são compreendidas como apenas veiculos a carregar uma carga semântica para uma construção cuja planta esta deIinitivamente resolvida. A compreensão acontecente no ouvinte então preenche o vazio morto das palavras na adivinhação e na evocação das Iontes ocultas do discurso que imediatamente se da como Iorça ruidosa de uma verdade que tenta escamotear a sua proveniência. O ouvinte ouve as palavras em Iorma de som como vê o rosto imediatamente maniIesto e o esIorço dos labios do Ialante promovendo a comunicação, mas, alem disso, ouve tambem o que tal esIorço esta a silenciar e a esquecer: a emergência do passado em Iorça discursiva presente pela qual o Ialante a si mesmo se deIine. Por sua vez, 'O ouvinte conserva a verdadeira linguagem a disposição, nele as palavras penetram e ao mesmo tempo ele vê o Ialante¨. (GS II-1, 92). O Ialante necessariamente comprometido com a comunicação de suas objetivações apresenta-as em 92 Iorma de verdade que tem a caracteristica de tentar adequar o sentido que as palavras carregam a uma realidade completamente diIerente delas, necessitando para tanto de um criterio que sirva de Iundamento. A linguagem como tal veiculo de comunicação ao serviço da adequação assim perde a caracteristica de verdadeira linguagem, ja que aconteceria como intermediação representativa de dois campos distintos. Mas o ouvinte não so ouve palavras para delas receber sentido sobre alguma realidade que lhe trazem, mas ele se considera Ieito das palavras que ouve: as palavras são algo que com ele mesmo acontece. O ouvinte sabe que as palavras ouvidas signiIicam a ocorrência de uma mudança de si mesmo a medida que compreende o que compreende e, ao mesmo tempo, vê o Ialante, ou seja, o esIorço deste em apresentar um conjunto discursivo no esIorço de sistematização logica. Na escuta do ouvinte acontece a leitura como reorganização compreensiva qual metamorIose, pois ha suspensão de imediatismos compreensivos que pudessem comprometer, diIicultar a relação com o que se expressa o acontecimento. A recepção compreensiva mutante do ouvinte e a possibilidade da expressão do Ialante de ser lida e se Iirmar como expressão. O outro Ialante e compreendido como a se expressar num acontecer de verdade por adequação e essa mesma recepção compreensiva e considerada como mudança a acontecer no ouvinte. Assim, não ha palavra sem escuta do que e expressão. Não ha expressão sem sentido seu organizado para sê-lo na escuta. Não ha linguagem verdadeira sem a continuada interpretação imediata a transIormar a realidade do ouvinte silencioso. O ingresso do sentido e das palavras Iormadores de mundo tem a sua chave privilegiada na escuta atenta e interpretativa do ouvinte. Duas concepções de verdade se conjugam na linguagem: o seu acontecer como expressão no Ialante e no ouvinte, como tambem o esIorço de adequação conIorme um criterio Iixo e supostamente inabalavel. Quem fala dissolve-se no que escuta. O silenciar, portanto, a si mesmo se gera da conversa. Cada grande tem apenas uma conversa em cufa borda a grande:a silenciosa esta a espera. No silêncio a força renovou-se. o ouvinte guiou a conversa para a borda da linguagem e o falante criou o silêncio de uma nova lingua, ele, o seu primeiro ouvinte. (GS II-1, 92). A expressão Ialante torna-se metamorIose do proprio ouvinte na escuta atenta, pois a Iala nele se dissolve promovendo a mudança de si, de modo que o Ialante torna-se a expressão do que o ouvinte compreendeu, isto e, ele se dissolve no ouvinte. Ambos estão em passagem intermitente e não simplesmente a se tornarem passado morto. O silêncio da passagem na conversa e capaz de silenciar a Iixidez aguda de qualquer Iala. Portanto, desse 93 modo tambem se torna compreensivel que na conversa, em que ha Ialante e ouvinte atento, o silêncio a si mesmo se gera como dinâmica propria nos limites da conversa. A grandeza silenciosa e dinâmica esta sempre a espera enquanto um âmbito a abrigar as possibilidades da mutação compreensiva de toda a Iala que acontece. Por isso, cada grande poeta, pensador, proIeta ou santo apenas se concentra numa conversa em que Iala a si mesmo com uma coragem proIundamente honesta quanto ao que ja e em deIinição e escuta a si mesmo de modo radical, abismando-se na transIormação de si. O silêncio de um discurso ruidoso pavoneando Iundamentação deIinitiva gera-se na passagem para a proIundeza de si cada vez mais longinqua num constante abismar-se. Na dinâmica do silêncio gerado na conversa desestruturam-se as Iorças cegas de qualquer sistema compreensivo esquecido de si e se renovam, porque Ioram indiciadas em sua eIicacia na inconsciência de suas aplicações. As bordas da linguagem são a sua Iorça maior: e o local das transIormações que aIetam a totalidade da compreensão. As bordas são os limites da compreensão em palavras e pensamento que se transIormam na escuta do ouvinte atento. Cria-se o silêncio de uma nova linguagem pela inevitavel compreensão sistematizada do proprio ouvinte desde as suas proprias condições de possibilidades tambem a espera de escuta muita atenta. O ouvinte abisma-se, porque ao ouvir tambem e obrigado a se dar conta das condições que tornam sua escuta possivel: ele sabe que a compreensão no ouvir depende de estruturas de entendimento ainda não tematizadas. Desse modo o ouvinte e levado a ouvir o que o transIorma e a escutar mais atentamente ainda as condições da sua metamorIose: ele e o seu primeiro ouvinte, isso e, aquele que antes de tudo esta a espreita de si mesmo. 'Silenciar e o limite interno da conversa¨. (GS II-1, 92). A conversação não procura ter a caracteristica da produção de ampliação de horizontes compreensivos e estranhos, mas da a oportunidade de simplesmente descobrir o que ja sempre se supôs na linguagem. As bordas e os limites da linguagem ja sempre são internos a ela porque ja contem dentro de si toda a riqueza e amplidão de horizontes possiveis, mas que são paisagem esquecida e não mais vista na mera aplicação lutadora na deIesa do pequeno ninho compreensivo construido como deIinição Iixa. As perspectivas envolvidas na conversação ja representam as Iiguras de sistemas que nela exatamente mudam internamente quanto as suposições que os sustentam. Neste caso substitui-se a ideia de expansão inIinita de horizontes de uma compreensão mais abrangente por um entendimento de que ha um inIinito a ser percebido internamente a linguagem ja usada como instrumento de comunicação no cotidiano com os seus supostos a agirem como 94 Iorças desconhecidas. Desse modo a conversação não expande os limites da conversa como que espacialmente, mas veriIica nucleos de concentração da linguagem que de Iorma automatizada perIazem o equivoco de uma naturalidade evidente. Por obvio ha que acrescentar ainda que a Iala nunca e so, pois ja silêncio e atitude ante a Iala. O limite interno delineia-se dinamicamente pelo intersticio, a quebra e a ruptura que acontece na interpretação do ouvinte interpretador, destinatario do que o Ialante diz e que para ele se torna revelação para a sua propria transIormação. O silêncio como limite interno divide a conversa entre o que Iala e o que escuta. Do lado da Iala pode haver simples repetição imanente de discursos solidamente ja ha tempo instaurados, o que caracteriza a Ialta de produção de discurso e de sentido. Assim, desse lado, essa Iala não chega a se tangenciar com o silêncio, pois e ruido sem criatividade pelo Iato de repetir dogmaticamente, doutrinariamente, a mesma visão de si. 'Nunca o improdutivo chega ao limite, ele toma as suas conversas como monologos¨. (GS II-1, 92). Improdutivo e quem esta numa situação de engajamento total comunicando-se aplicadamente em alguma construção ja em andamento, cujos alicerces, então, ja Ioram colocados e que esta em Iase de erguer-se aos ceus qual torre de Babel. E a Iase em que não mais se julga necessaria a reIlexão sobre o que em geral esta sendo Ieito e diante de todos paira a imagem de um Iuturo completamente programado. O improdutivo julga não ser mais necessario pensar o que ainda não Ioi pensado e dizer o que ainda não Ioi dito. Paradoxalmente a repetição seria a caracteristica principal de quem e improdutivo. O improdutivo, portanto, não consegue chegar aos limites da conversação pelo Iato de que o caminho para la e pavimentado pela necessidade da tematização sobre a linguagem em termos de pragmatica e de semântica. Ele se nega a reIlexão sobre a linguagem em geral, porque e de todo cooptado pela Iorma de raciocinar em termos de criterio de verdade em que se prima pela correção do pensamento em reIletir adequadamente uma realidade absolutamente externa. O improdutivo exerce a repetição do juizo meramente operatorio do que ja Ioi posto a operar. Ele e um Iuncionario da operação iniciada: exerce apenas a sua capacidade de juizo dedutivo em relação ao que aparece como Ienômeno para subsumi-lo aos planos preconcebidos sem mais a intenção de qualquer revisão. Seria, então, improdutivo pelo Iato de não exercer a reIlexão atenciosa aos supostos pelos quais raciocina, ja que esta seguro de que os Iundamentos do seu pensar rotineiro não podem jamais ser contestados. A sua conversação não chega a veriIicação e indiciamento dos 95 alicerces de si enquanto sujeito ja Iormado e se apresenta agora como um monologo constante em Iorma de retorica, sedução, missão, propaganda e soIistica que tem a sua meta na esclerose do Ianatismo como esquecimento total empedernido e embotado. O improdutivo e o incapaz de se exercitar na escuta de si quanto aquilo que lhe acontece enquanto reIlexão e sua Iorma de apresentação quando atenta ao surgimento do sentido instituido e a se repetir ininterruptamente. 'Da conversa ele se aIasta encaminhando-se ao diario ou ao caIe. Nos recintos almoIadados ja ha tempo reinava o silêncio. Ai ele tem permissão de Iazer barulho. Encaminha-se as prostitutas e aos garçons como o pregador aos devotos - ele, o convertido de seu ultimo discurso¨. (GS II-1, 92) Quando o improdutivo guarda distância da conversa compromete-se cada vez mais com a ediIicação e sedimentação do seu discurso que então tem a possibilidade de qualquer escrita em que sempre havera a expressão do que mesmo e em auto-exposição como se Iosse um diario. Qualquer discurso escrito e auto-apresentação, mesmo que seja eivado de argumentos que procuram sustentar objetivamente os Iundamentos do assunto aventado como se Iosse externo ao que se expressa. O improdutivo estaria a se esvair e a se desviar da sua grandeza possivel no esIorço da produção de um arteIato teorico retoricamente eIiciente para o convencimento quem sabe de muitos, mas esquecido de cavoucar em seu proprio chão. Alem do diario que representa qualquer escrita, o improdutivo tem a possibilidade de se exercer em sua auto-exposição na publicidade do caIe. Em texto anterior (A vida dos estudantes, GS II,-1, 86) Benjamin ja mencionava que sem a condição da saudade de uma bela inIância e juventude digna não ha possibilidade de criação, que ha jovens sem assumirem a sua condição de criadores em solidão e paulatino envelhecer, sem a possibilidade de renovação de sua vida provinda da 'queixa pela grandeza desperdiçada¨ e que se caracterizam por 'uma limitada e devassa irmanação que se iguala no boteco e na Iormação de clube no caIe¨. (Ibidem). Todas essas instituiçòes de vida sào um mercado do provisorio, como a ocupaçào em colegios e cafes, preenchimentos de tempo de va:io tempo de espera, desvio do chamado da vo: para construir a sua vida a partir do espirito da criaçào, do Eros, da fuventude. (Ibidem) Prostitutas e garçons representam personagens que nos caIes e botecos são obrigados a expressar a solicitude da aceitação do mando de um regime imposto sem contestação, ou pensamento proprio. O garçom e a prostituta ai estão para servir a bebida, 96 os sabores e os agrados convencionais dos prazeres naturalizados. São vitimas promotoras de um processo social cultural e estetico ja em pleno andamento. Pretende-se expressar atraves dos personagens toda a montagem naturalizada do sistema operatorio em ação produtiva de acordo com criterios e valores em pleno vigor, mas por isso mesmo esquecidos. As prostitutas e os garçons, como exemplo de toda a ação, entendimento e sentimento geral da media da sociedade, ouvem o que ja ha muito tempo se assemelha com a sua atividade, ou seja, a sedimentação de uma Iorma de vida que se compraz em aplicar de modo mais eIicaz possivel os proprios alicerces do sistema em vigor, ou seja, o convencimento pela retorica a obediência e ate sujeição a ação e aos prazeres convencionados. O pregador e paradigmatico porque joga o jogo dos valores do sistema promovendo a propaganda da conversão junto aos que estão em meditação. A Iorma do seu discurso, seja qual Ior, irmana-se com a Iorma e os matizes em vigor. E convertido por seu proprio discurso e com ele participa solidariamente na Iixação da Iormula geral. Converte- se continuamente pela construção que estabelece ao modo de explicação Iundamental, assumindo a Iorça que mesmo desconhece, isto e, sem apropriação pensante na conversação capaz de ir sempre alem de resultados imediatamente evidentes. O seu ultimo discurso Iundamentado sempre e o discurso da moda, e a nova teoria, a nova explicação, a nova crença, a nova anestesia aplicada a Ieição para qualquer sistema pedagogico ativado em Iavor de um mundo em progressão repetitiva. Tal discurso e o resultado de uma conversação que se tornou monologo por ter sido tomada apenas como seqüência de pergunta e resposta de um sujeito autônomo e articulador unico do conteudo e em que a perspectiva do ouvinte em silêncio atento não e levada em conta: 'ele toma suas conversas como monologos¨. (GS, II-1, 92). 'Como um pregador entre os que meditam¨ (GS II-1, 92), assim o improdutivo ruidoso irrompe entre prostitutas e garçons, um ambiente em que ja ha tempo reina o silêncio. Trata-se do silêncio daqueles que são constrangidos e obrigados ao silêncio na escuta de centenas de discursos da moda com conteudos diIerentes, mas todos eles semelhantes na sua Iorma de apresentação ao modo da intenção de elocução de verdade deIinitiva. A necessidade de sobrevivência obriga-os a tolerância constrangida, silenciando resignadamente como que acostumados com o Iato indiIerente do eterno retorno do igual. A anuência a ideia da naturalização do mundo assim estabelecido Iaz o resto: O ruido do improdutivo se torna exatamente a apresentação de objetivação coagulada do que e, em Iorma de uma natureza que, apesar de todo o alarido, e muda, triste e silenciosa a espera de 97 uma escuta atenta para a sua expressão e nomeação posterior. Pregador e devoto são os mestres do silêncio-ruido improdutivo, pois ambos estão muito aquem dos limites do calar-se. Eles expressam o barulho tonitruante da Ialta de criatividade, da não compreensão sobre o que Ialam e aceitam, e o que em verdade são. Expressam a compreensão objetivada do passado como tendo sido de uma vez por todas a justiIicação do seu dizer: e a inevitavel ilusão de que o que passou, passou, de que o instituido de agora nada tem a ver com o que passou, de que a passado não esteja de alguma Iorma presente a determinar o agora e, assim, a repetir-se; e, ainda, um dado da consciência enquanto atuante na ilusão da autonomia, esquecida de que esse estado inclusive e a prisão no todo de uma determinada compreensão da sociedade. O pregador e identiIicado como o improdutivo incapaz de reIletir sobre os supostos do discurso que repete sem cessar apos a ultima conversação, talvez ate mesmo com uma perIormance pedagogica excelente. Repete palavras, Irases, discursos inteiros, pelos quais repete criterios, valores, padrões esclerosados pela ausência reIlexiva. E ele, portanto, incapaz de escutar as possibilidades da interpretação de si pela reIlexão sobre o seu palavrorio, do mundo que promove e implementa e do desastre que perpetua. O pregador improdutivo e alguem encantado consigo mesmo, convertido ao seu ultimo discurso em Iorma de construção teorica e necessariamente no esquecimento de que ele mesmo enquanto discurso vivo e mera construção; e SisiIo a rolar a pedra montanha acima, esquecido de que a sua atividade atual e apenas mais uma depois de tantas e outras mais que poderão vir; e construção de Torre Babel, esquecida de que o proprio processo da construção leva a dispersão de si, e, por isso, ha a necessidade de tradução de si para a implementação da perdição de uma identidade por demais a superIicie. 'Agora ele e versado em duas linguas, em pergunta e resposta. (Um perguntador e alguem que durante toda sua vida não se lembrou da linguagem, e agora ele lhe quer Iazer bem. Um perguntador e aIavel com os deuses)¨. (GS II-1, 92). O ser versado em duas linguas, que são pergunta e resposta, reIere-se a ânsia por descoberta e explicações Iinais e a sua posterior implementação apenas estrategica, ou seja, não consegue levar em conta a tranqüilidade reIlexiva da participação universal, o estar no meio, no centro, na vertente constante da propria possibilidade. A visão de totalidade subjacente as duas linguas mencionadas e a de supor um sujeito homem, ou humanidade, em contraposição a um objeto universo a ser elucidado, sem se dar conta de que qualquer 98 suposição e participação ja Iazem parte do mesmo universo. As perguntas e respostas, nesse caso, limitam-se as inIormações ja ao dispor no conjunto do conhecimento ja tido como consagrado e estabelecido como conteudo. Novamente então se veriIica o esquecimento da linguagem, a qual a tudo abarca em seu seio e que nesse gesto possibilita a compreensão de que qualquer maniIestação de objetivação e expressão de seu acontecer. Mesmo que o perguntador durante grande parte da sua vida não se tenha lembrado da linguagem e, agora, tardiamente procure tematiza-la, o vies da sua abordagem e novamente objetivador, pois a percebe como um objeto analisavel a partir da concepção de sujeito com que se compreende, sem se dar conta do Iato de que lhe e impossivel sair dela para exercer qualquer atividade de analise e compreensão. O perguntador mesmo interessado na linguagem não chega aos seus limites internos pela conversação continuada em que a escuta radical e possivel. Apesar de se ocupar com a linguagem ele a tem como um objeto manipulavel ao inves de supô-la e aprecia-la como Ialante e respondente nas suas proprias Iormulações a seu respeito. E necessario relacionar a isso rapidamente os deuses a quem o perguntador e aIavel conIorme a expressão: O perguntador e afavel com os deuses. Deuses são valores e criterios consagrados como naturais para Iundamentar e justiIicar de modo argumentativo o discurso em andamento: exatamente o discurso do perguntador esquecido de escutar em meditação a Iundamentação das suas certezas. Ele e aIavel com os deuses, porque lhes rende preito de Iorma inocente e esquecida, isto e, porque crê proIundamente e exatamente ao negar qualquer tipo de crença, de preconceito e pre-juizo. Ele crê nos deuses que desconhece ou não quer conhecer. O perguntador concentra-se no assunto, no conteudo, na positivação separada da linguagem, na objetivação do dito em que o dizer e mero instrumento de descrição e comunicação. Os deuses são provocados e homenageados em sua transcendência objetivada em Iorma de conteudo Iundamentado: são Iantasmas instituidos para os sucessos da alienação e pelos quais o perguntador pergunta para que algum deles seja instaurado. O perguntador não consegue lembrar-se da linguagem que somos quando imersos no jogo da construção visivel a procura da verdade do bem. Ele e aIavel com os deuses no esquecimento de que os instaurou Ietiches que o apodrecem em sua autonomia dele separada. Nunca pensou na linguagem como o proprio âmbito em que as coisas são compreendidas, mas como quem pensa nos objetos banhados pela luz e nunca na propria luz que possibilita os mesmos. Esse zelo em construir uma conIiguração teorica de modo ativo e autônomo e visto como improdutividade, ao contrario da opinião contraria do proprio perguntador. 99 O improdutivo pergunta - para dentro do silêncio, em meio aos ativos, pensadores e mulheres - por revelaçào. Ele, por fim, e elevado, ele permaneceu irredutivel. A abundancia de suas palavras como que lhe escapa, enlevado ele espreita a sua vo:, ele nào percebe nem palavras, nem silêncio. (GS II-1, 92) O improdutivo pergunta por revelação como se a mesma pudesse vir ao seu encontro a partir da sua propria atividade esIorçada, ou na provocação do 'silêncio, entre os atuantes, pensadores e mulheres¨. (GS, II-1, 92). O improdutivo pergunta e a sua pergunta e indicação de resposta, melhor, e pergunta ja comprometida com a exigência de um determinado tipo de resposta no âmbito do jogo em operação construtiva. A curiosidade neste caso ja e movida pelo Iuncionamento da maquinaria a serviço da Torre de Babel da epoca. Não compreende palavras da linguagem a acontecerem em Iorma de noticia do que esta sendo esquecido e do que e rememorado, e não compreende a situação de silêncio em escuta meditativa para que isso seja possivel. A pergunta ja e induzida pelas regras da resposta objetivada possivel. A repetição do mesmo em inconsciência ao modo da aIirmação de certezas tornou-se dogma. A primeira vista pode causar curiosidade a menção simultânea de mulheres e pensadores como os primeiros atuantes, porque silentes e alvos da pergunta por revelação Ieita pelo improdutivo levado pela naturalidade com que ja aceitou a rede de explicações com que enreda as suas verdades. A perspectiva do ouvinte em silêncio e escuta atenta e descrita como a atitude de que os pensadores e as mulheres são capazes. Os pensadores como as mulheres são ouvintes das Ialas que se apresentam ouvindo mais do que meramente o conteudo em Iorma de comunicação organizada no presente da elocução. Eles percebem e procuram avaliar a Iorça do entendimento e da explicação presentes a partir de supostos diIerentes e por vezes mais proIundos daqueles dos improdutivos em sua vitalidade elocutoria. Pelo vies de pensar o que não e imediatamente pensado como conteudo no discurso em apresentação e numa postura de escuta atenta, os pensadores e as mulheres em seu necessario silêncio como que atraem os exibicionismos Ialantes que se apresentam como as penas do pavão a serem avaliadas em sua beleza pelos circunstantes. E inerente ao pensador, como caso particular do universo masculino, a postura da escuta da maniIestação da tradição presente. Alem da igualdade do talento ao pensamento em geral a postura de escuta atenta ao dito, e inerente a mulher talvez pelo Iato social de que por seculos a sua intenção de produção de discursos seja reprimida em Iavor do exercicio de ouvinte silenciosa dos discursos a serem avaliados pelos criterios de segurança na escolha 100 do consorte para a posterior resignação ao papel atrativo de amante e mãe. A leitura silenciosa da tradição presente, inconsciente, mas Iixa em Iorma de discursos em repetição improdutiva e atividade constante do pensador e da mulher, mesmo que o improdutivo nunca chegue a proximidade das bordas e dos limiares da linguagem. O olho que vê o passado em tudo presente, porem, para o improdutivo representa uma atração sem par, pois se trata do olho avaliador na escuta do que possa ser revelado a partir da sua agressividade esquecida de um discurso que tenta impor-se como Iuturo inconteste, como estatuto para escolha de rumo de vida e como indicação de rumo para o que considera o progresso geral. A revelação interessa a agressividade daquele que pergunta, desde um discurso preconcebido, como uma reação a sua provocação para que ele no Iim seja elevado e possa parecer irredutivel por meio da contabilização propria e egoista de qualquer resultado. 'A abundância das suas palavras como que lhe escapa, enlevado ele espreita a sua voz; ele não percebe nem palavras, nem silêncio¨ (GS II01, 92). Trata-se da descrição de uma atividade morta em sua repetição explicativa, automatizada em seu pleno gozo e assim incapaz da percepção de si. 'Mas ele se saIa para a erotica. Seu olhar desvirgina. Quer ver e escutar a si mesmo e quer, portanto, apoderar-se do observador e do ouvinte¨. (GS II-1, 92). A assunção esquecida e imediata de si na Iormula encalhada na repetição de um gesto com intenção apenas construtiva por explicações Iixas perIaz o desenho de alguem que se erotiza com a sua propria Iigura numa especie de gozo no limiar da morte por inanição criativa. Escutar a si mesmo num palavrorio indicando o andamento da repetição Ianatizada e doentiamente mimetica, num constante espelhamento de si com ares de satisIação pelo ponto e pela situação a que se chegou, sem mais a minima intenção de continuidade reIlexiva, signiIica querer apossar-se do ponto de vista do observador e do ouvinte em meditação para que, então, seja anulado como promotor. A auto-satisIação por si em intermitente rodopio explicativo liquida com qualquer possibilidade de integração compreensiva com o todo da tradição presente a ponto de o improdutivo permanecer em embotamento completo. O observador e o ouvinte para ele se tornam meros objetos de missão presente e Iutura na aspiração da repetência de si. 'Dai e que, Ialando, ele engana a si mesmo e a sua grandeza, ele Ioge Ialando¨. (GS II-1, 92). O verbo alemão versprechen traduz o sentido de falar prometendo, enquanto que, no sentido reIlexo, em sich versprechen transverte-se em comprometer-se e, mais especiIicamente, em enganar-se falando. E o que precisamente acontece com o 101 improdutivo que, alem disso, compromete a sua grandeza, a qual permanece desperdiçada como Ionte possivel na veriIicação das bases do seu proprio discurso. Ele Ioge de si mesmo Ialando ao exercer sem cessar a Iuga d`alma. Na procura de uma auto-aIirmação absoluta perde-se na objetivação como se Iosse separada de si mesmo. Fugir Ialando e não perceber que se esta a dizer e que o que se diz e exatamente o que se e. A Iala em sua Iuga e não compreender o Iato de que ha comprometimento de si mesmo na construção babelica ate aos ceus supostamente objetivada e separada de si, alem da incapacidade de observar a grandeza presente na dispersão de si, na necessidade da constante tradução de si pela Ieitura que se e a partir da pletora do sentido da tradição em geral com todos os seus matizes. Fugir Ialando signiIica o exercicio pleno do esquecimento e o pavor da recordação de que se e apenas a expressão do amestramento em que tal Iuga se cunhou. A justiIicação acirradamente argumentativa que em Iavor dessa Iuga acontece vem a ser apenas uma Iaceta da propria Iuga. 'Mas sempre ele aIunda, liquidado, ante a humanidade no outro; ele sempre permanece incompreensivel¨ (GS II-1, 92). Ja Ioi dito que o Ialante se dissolve naquele que escuta com atenção silenciosa tornando-se Ienômeno a ser constantemente elucidado. Esta dissolução enquanto tradução atenciosa e a humanidade no outro que não pode cessar em sua atividade de compreensão a não ser ao preço de se tornar tambem mero Ialante esquecido das determinações de um discurso em Iormação. A postura de escuta so pode permanecer legitimamente pela insistência do ouvinte em descobrir aos poucos a proIundidade das aguas que possibilitam a evidência da Iala qual onda espumante na superIicie. A Iuga improdutiva e Ialante e a tecnica do esquecimento da objetivação pura. Ha, porem, um limite, pois a Iuga doutrinaria aIunda ante o outro que sempre vem a ser compreensão direcionadora do dito. O outro e o que compreende no silêncio, um Iato que o Ialante nunca podera dominar: precisamente a novidade emergente que o silente em meditação possibilita a partir do instituido que o Ialante mesmo e. E no outro silente e ouvinte que a humanidade sempre tem a possibilidade de renovar e exercer as suas potencialidades criativas. 'E, em atitude de procura, o olhar dos silenciosos resvala atraves dele para aquele que vira silenciosamente¨. (GS II-1, 92). A permanência da procura do olhar dos silenciosos atraves e alem das conIigurações teoricas em seu imediatismo aplicado tende a revelação constante enquanto Iorça de direcionamento do Iuturo. A verdadeira esperança se debruça sobre os Ienômenos 102 que aparecem sob a Iorma de discursos gerais e neles imerge trazendo a tona as possibilidades do Iuturo. Aquele que vira aproximar-se-a silenciosamente em meio ao maximo de escuta, reIlexão, descoberta, revelação, pois sera a propria atitude da Iorça do silêncio Iazendo ver o grandioso abismo que cerca toda a compreensão humana e, assim, a precariedade das suas Iundamentações. O Iuturo sempre estara num passado presente em que tudo ja ha muito tempo e e sempre ainda passivel de ser vislumbrado na conversação pelo ouvir atento e silencioso. A atitude de procura dos silenciosos em atenção meditativa, em que Iacetas do passado presente nos Ienômenos discursivos se revelam, concretizam a esperança do Iuturo não apenas como acumulo catastroIico dos resultados de um progresso em sua intenção e nas suas linhas de aplicação geral totalmente repetitivo. A cooptação inteligentemente convincente para a anuência inconteste a implantação de um enorme automatismo na terra e somente percebida pela procura da humanidade em compreensão, quando o olhar resvala para a direção contraria a procura daquele que silenciosamente vira como Iorça de libertação. Quem poderia ser? Pelo exposto nada mais do que o verdadeiro novo que assim silenciosamente se gesta em Iorma de Iuturo. Por isso, em meio a todos os discursos, ha que perceber que a 'Grandeza e o silêncio eterno apos a conversa. Chama-se perceber o ritmo de suas proprias palavras no vazio¨. (GS II-1, 93). Apos a conversação o improdutivo considera-se apto a transIorma-la e substitui-la pelo monologo em termos de pergunta e resposta num amalgama de ruido e volupia erotica Ialaz em que o silêncio e quebrado e a grandeza e desperdiçada novamente. Por isso, apos a conversa não ha porque decidir que a revelação deIiniu-se por completo e que os tempos de execução das verdades descobertas chegaram para a divisão das aguas num movimento agressivamente pedagogico e estrategico. A grandeza justamente não se aloca no campo de execuções sob a justiIicativa de Iundamentação de acordo com verdades e criterios decretados eternos, mas, pelo contrario, e o eterno silenciar apos a conversaçào. A sublime grandeza em eterno silêncio permanece como vislumbre da totalidade das possibilidades para onde o silencioso volve o seu olhar e, em silêncio atento, ouve. E certo que as palavras do silencioso estão relacionadas em conIiguração explicativa estatuida por pressupostos cujo vigor lhe e desconhecido pelo Iato de ainda pertencer ao âmbito do silêncio. O âmbito do silêncio e um vazio que possibilita escutar as suas palavras no ritmo que sempre tiveram e que justamente agora percebe. A percepção do comprometimento em 103 versão ritmica das suas palavras no vazio do silêncio e a permanência na grandeza. Mesmo apos a conversação ha a possibilidade da sua continuidade no estagio da escuta do ritmo relacionando as palavras num vazio, ou, talvez, nada, que representa a constante possibilidade da grandeza. Portanto, a grandeza apos a conversa e a possibilidade total no meio do mundo que se adivinha na permanente continuidade da escuta do sentido que emerge: grandeza e a dimensão do Iuturo a espera do pensar humano, o qual, descobrindo as determinações do que ja e em silêncio, e a Ionte capaz de instaurar nova vida debaixo do sol. Mas exatamente esta nova vida e a emergência da maldição do espirito criativo. Benjamin o designa como gênio: 'O gênio amaldiçoou completamente as suas lembranças na criação. Esta Iraco de memoria e perplexo |desnorteado|¨. (GS II-1, 93). Como se diz o silêncio sem dizer? Como se descreve a grandeza sem descrição compreensivel pela organização ritmica da linguagem? A perspectiva do gênio e a inquietação ouvinte atenta a descoberta dos esteios da sua compreensão e se ativa radicalmente na lembrança do que assim e. Descobre mundos avulsos e distantes em si mesmo elaborando-os criativamente em nova Iiguração ao modo de linguagem compreensiva em que muitos outros se reconhecem. A descoberta das injunções do que e perIaz o desenho da mudança de si, e a elaboração ordenada para o entendimento disso signiIica, por sua vez, a criação do novo, a instauração compreensiva do que estava encoberto e esquecido. A descoberta e a instauração elaboradas discursivamente na criação do gênio em mudança de si lhe Iazem ver a dimensão da maldição que promove pela lembrança do que sempre Ioi como Iorça catastroIica sem se dar conta da cooptação por adestramento retoricamente competente. Assim e instado a dizer o silêncio como maldição paradoxal. O gênio em seu silêncio atento percebe a descoberta e a inevitabilidade da instauração e nas bordas da linguagem e obrigado a amaldiçoar constantemente as suas recordações em elaboração criativa e, então, objetivada. Nos limites internos da conversação a sua lembrança vai escasseando a ponto de perplexidade e de desnorteio. A perplexidade do gênio Iirma-se cada vez mais na medida em que a recordação do passado agora presente em compreensão lhe elucida o seu proprio destino que esta a dizer com as suas proprias palavras. A descoberta e a instauração alocam-se em sua vida como compreensão do seu proprio destino em silêncio de escuta atenta e elaboração Ialante. O passado presente torna-se destino duplamente: uma vez pelo olhar do gênio constantemente atento a ele voltado, e outra, pelo resultante que do passado recebe e 104 elabora em instauração criativa, de modo que o passado o deIine na medida em que deIine o passado em intermitente passagem. O gênio tem o passado como destino e não consegue mais se situar num presente objetivado em que pudesse descansar. Ele se encontra na situação de responsavel pela elucidação do acontecimento da compreensão que mesmo instituiu. Na condição de gênio ele mesmo se decidiu por um caminho de determinada trajetoria compreensiva sempre no perigo iminente de Iixar o esqueleto instituidor de si e positivar o passado num presente apequenado para não mais ouvi-lo e interpreta-lo, engessando-se assim novamente no presente mimetico e improdutivo de um discurso pretensamente autônomo em sua blasIêmia. 'Seu passado ja se tornou destino e não podera mais se tornar presencial¨. (GS II-1, 92). A perspectiva do gênio enquanto decisão compreensiva, Ialante e sonora na linguagem e a possibilidade-Deus, ou seja, a possibilidade Iixada e realizada que em sua Iixidez oportuniza, Iaz ver, traz em si, carrega a possibilidade do inIinito da compreensão. O resultante possivel pela escuta atenta no âmbito do silêncio que aparece em Iorma de Iixidez de um novo emergente, e a possibilidade inIinita em seus indicios pela decisão compreensiva inevitavel, e como que ouvir um paradoxo na propria linguagem, a qual, mesmo em processo de Iixação em sentido estrito, conserva em seus limites a totalidade do possivel. O gênio percebe que qualquer elocução sua Iara parte do destino de seu ser, sem que jamais pudesse esgotar o que supõe como grandeza e Ionte da sua compreensão e do seu dizer. Essa e justamente a experiência da contradição da linguagem. 'No gênio Deus Iala e escuta a contradição da linguagem¨. (GS II-1, 92). A perplexidade do gênio tem a sua razão de ser, pois em sua Iala acontece a revelação como um acontecer simultaneamente com a Iixação de sentido compreensivel capaz de se reproduzir em aplicações sucessivas na exibição de um estatuto de verdade como intenção de certeza absoluta. E oportuno repetir as perguntas e acrescentar mais uma: Como se diz o silêncio sem dizer? Como se descreve a grandeza sem descrição compreensivel pela organização ritmica da linguagem? E, resumindo, por que todo o dizer e contradição perIormativa? Dizer que algo e, descrever que algo e desse ou daquele modo, implica supor que mesmo se e no e como exercicio de descrição, explicação e interpretação; implica a veracidade do seu exercicio e, mais ainda, implica supor que aquele que diz, ele mesmo esta sendo ao Ialar, o que podera tentar provar na atividade explicativa em objetivação e 105 não o consegue, pois, para o conseguir, tera de mencionar algo alem de si, dentro de si ou ao lado de si, ou seja, para ser, precisa dizer algo outro dizendo a si mesmo, isto e, esta na condição de se aIirmar a si mesmo no exercicio de aIirmar algo outro. O outro em objetivação alem de si como se Iosse Iora de si, e que ele intenta expressar apontando-o, tambem não pode ser sem a aIirmação deIinidora daquele que se identiIica pelo ser que se expressa ao dizer a si mesmo justamente desta Iorma. Sem duvida, a perplexidade do gênio leva-o ao limiar da linguagem em que a pensa como sempre apontando para algo que julga não poder ser: ela sempre quer dizer algo totalmente outro de si mesma sem o conseguir. AIirmar-se a si no exercicio de aIirmar ja e ser aIirmando algo que se coaduna com o que e como compreensão, um conteudo sobre o qual se julga. Mas, exatamente o conteudo julgado com pretensão de objetividade comunicativa e a aIirmação Ieita que descreve expressivamente aquele que a Iaz. Não ha como dizer algo outro sem se descrever a si mesmo no que diz e descreve, ou ainda, sem Iazer expressivamente o desenho de si pelo proprio exercicio do dizer. Tudo o que se compreende ao dizer e inevitavelmente a propria compreensão que e um acontecer constante sem possibilidade da garantia de objetivar algo enquanto absolutamente outro como separado, a parte de si. A separação, a dicotomia entre o conteudo e o proprio exercicio de Ialar, entre objetivação necessaria e atividade pragmatica em ocorrência eIetiva e uma intenção sem sucesso, inexistente, mas e como se Iosse possibilitada por um determinado esquecimento, de modo que acontece um constante descrever-se a si mesmo, porem, na intenção de descrever o outro em termos de objeto. Por este vies, qualquer julgamento Ieito e julgamento de si mesmo e a divisão tentada e divisão de si mesmo. DeIinição explicativa apenas de outro e hermenêutica parcial e morte de si como alienação, separação e estranhamento no reino da objetivação pura, caso houver esquecimento de que não ha meios de haver separação. A contradição da linguagem percebida pelo gênio, em que ocorre a conversação como um amalgama paradoxal de revelação constante e escuta ja reIerida a alguma decisão para objetivação compreensiva, impele-o a dizer na continuidade da consciência da danação pensante em que se encontra: Sou o signiIicado que digo. Objetivo algo como sentido e sou tal signiIicado que objetivo. Sou o mundo que digo. Desse modo, tudo o que eu digo tambem sou em signiIicação, exposição de mim, estilo e modo de ser. A contradição esta no esquecimento 106 disso mesmo que agora estou a dizer: denomino, ajuizo objetivando, analiso, sou o que produzo como signiIicado imediato. Ha uma Iorça ingente na propria linguagem que me leva a não querer incluir-me no que digo e, ao mesmo tempo, outra que pela recordação me inclui. O não, o limite de mim com que me identiIico, a condenação de tudo o que e outro de mim, tudo isso e a minha produção signiIicativa pelos criterios com que sou, que me deIinem no acontecer do dizer algo outro e, por isso, em constante contradição. O não, a condenação e parte da auto-posição, pintura de si, limitação de si, instituição da diIerença de si. Assim a linguagem, a expressão, o Ialar, construir sentido e sempre a contradição na dinâmica de duas Iorças contrapostas, isto e, a recordação da ocorrência da revelação e o esquecimento na constituição da separação de algo outro. O não esquecimento seria a constante consciência do deperecimento de si enquanto natureza quase ou totalmente impossivel de se dizer e querer ser. No Fragmento teologico-politico (GS II-1, 203) encontra-se a tentativa de verbalizar o Iato da contradição da linguagem de outro modo: Somente o Messias mesmo consuma todo o acontecer historico, a saber, no sentido de que ele proprio primeiramente consuma, resgata, cria sua relaçào com o messianico. Por isso, nada do que e historico pode querer relacionar-se a partir de si com o messianico. Por isso o reino de Deus nào e o telos da dinamis historica, ele nào pode ser posto como alvo. Na perspectiva historica ele nào e alvo, mas final. Por isso a ordem do profano nào pode ser construida com base no reino de Deus, por isso a teocracia nào tem nenhum sentido politico, mas unicamente um sentido religioso. O maior merito do Espirito da utopia de Bloch e ter negado com toda a intensidade a importancia politica da teocracia. A ordem do profano deve ser erigida com base na ideia da felicidade. A relaçào dessa ordem com o messianico e um dos ensinamentos essenciais da filosofia da historia. E, precisamente, a partir dela se determina uma concepçào mistica da historia, cufo problema permite ser exposto numa figura. Quando uma seta designa o alvo no qual a dinamis do profano age, uma outra indica a direçào da intensidade messianica, sem duvida assim a procura por felicidade da humanidade livre aspira distanciar-se daquela direçào messianica, mas, como uma força por sua direçào e capa: de promover uma outra direcionada em caminho contraposto, assim tambem a ordem profana do profano em relaçào a vinda do reino messianico. O profano, portanto, certamente nào e uma categoria do reino, mas uma categoria da sua silenciosa aproximaçào, e, sem duvida, uma das mais exatas. Pois todo o mundano aspira ao seu declinio na felicidade, mas so na felicidade lhe e determinado encontrar o declinio.- Enquanto que, certamente, a intensidade messianica do coraçào, do interior do homem individual, atravessa por infelicidade no sentido do 107 sofrimento. A restitutio in integrum espiritual, que introdu: na imortalidade, corresponde uma mundana que leva a eternidade de um declinio e o ritmo desse mundano em desvanecimento, desvanecendo-se em sua totalidade, desvanecendo em sua totalidade espacial, mas tambem temporal, o ritmo da nature:a messianica, e felicidade. Pois messianica e a nature:a a partir da sua eterna e total passagem. A aspiraçào disto, tambem para aquelas camadas de homens que sào nature:a, e a tarefa da politica mundial, cufo metodo deve ser chamado nihilismo. A Iorça da revelação pela recordação do passado sempre presente a ocorrer juntamente com as produções signiIicativas recebe o nome de Iorça messianica no Fragmento teologico-politico, Iorça sobre a qual o sujeito que se põe como autônomo e absoluto articulador e aplicador dos seus saberes não tem qualquer dominio. Antes pelo contrario, como sujeito do discurso da vontade manipuladora, ele pode ser identiIicado com a Iorça politica da ordem proIana que como somente parte da dinamis historica vai de encontro a perspectiva messiânica. Mas quem realmente cria e consuma todo o acontecer historico e a Iorça da recordação que se revela na atenção silenciosa, agora chamada de messianica. O aspecto politico, construtivo e denominado mundano não e capaz de aplicar, somente a partir de si, algum metodo de escuta realmente determinante para o acontecer historico. Esse mesmo aspecto politico antes procura distanciar-se da região do silêncio na escuta do que esta por vir. Mesmo assim, ele inevitavelmente se constitui em sinal da silenciosa aproximação do resgate total do que Ioi esquecido e que esta virtualmente presente na recordação possivel. O aspecto construtivo identiIica-se com o improdutivo que na construção politica da Ielicidade se indicia pelo eterno deperecimento de todos os castelos de sonhos construidos. Bem se vê que a politica da procura por Ielicidade e condição inevitavel do ser humano por ser inerente a sua compreensão em meio a contradição da linguagem. Por este vies a teocracia como construção politica e uma balela em plena blasIêmia impostora, pois esta eternamente Iora do alcance de qualquer vontade articuladora. Na ha como politizar estrategicamente a Iorça messiânica da recordação atenta e silenciosa que sempre e capaz de exatamente interromper uma construção compreensiva esquecida da ocorrência que e em Iorma de revelação. Mas simultaneamente a Iorça mundana da historia e da politica, esquecida da suas condições a ponto de representar o contraponto a Iorça messiânica, exatamente por isso e sinal da aproximação silenciosa da restitutio ad integrum, o resgate total. A inevitavel continuidade da construção compreensiva e a sua 108 imediata aplicação como concepção de vida constitui justamente o paradoxo, ou seja, a contradição da linguagem que o gênio percebe e no qual Deus fala e escuta. Deus e Ialante como sinal na consciência da instituição do dito e compreendido e ao mesmo tempo e dinamis messiânica na leitura das Iundamentações precarias do seu dizer. A danação do gênio e a sua condição de se compreender situado na contradição da linguagem. A completa assunção e implementação do âmbito do silêncio continuado são um sonho construtivo impossivel de se realizar, pois seria o estupor da teocracia como pratica politica possivel. O gênio encontra-se no estagio de ter que amaldiçoar as suas recordaçòes ao dar Iorma as criações que por elas se tornaram possiveis. No momento em que consagra apenas uma criação capaz de se instituir e nela permanece identiIicado, ai, então, abandona a sua propria condição. A Iorça messiânica que o impulsiona para a consciência da sua condição Iaz com que não se possa identiIicar completamente com o lado instituido e de si esquecido de acordo com uma compreensão automatizada a se repetir indeIinidamente. Por isso a perspectiva chamada mundana e que permanece a procura da construção da Ielicidade, mas lembrada do seu acontecer em revelação, aspira ao seu declinio e consumação na propria Ielicidade. Uma perspectiva não esta ai em detrimento da outra, pois ambas, messiânica e mundana, são entendidas como Iorças em relação e correspondência, cujo problema e oIerecido visualmente na Iigura das setas em contraposição que mutuamente se geram provocando-se. Não ha uma sem a outra. Uma Iorça que Iosse sem contraposição nunca seria reconhecida como Iorça, e mesmo Iorça não seria, ja que so pode ser quando percebida e sustentada por outra Iorça que se lhe contrapõe. A correspondência entre ambas as Iorças e tanta que uma e denominada o ritmo da outra, ou seja, a necessaria objetivação compreensiva pela linguagem vem a ser o ritmo do acontecer messiânico, da natureza messiânica que engloba por suposto qualquer tentativa de divisão em termos de sujeito constituido e objeto a constituir. E por isso que a suposição da retitutio in integrum, o resgate Iinal, o suposto da totalidade, que aponta para a imortalidade real de tudo, tem a sua correspondência, a sua reverberação ritmica na eternidade de um declinio mundano. A compreensão mundana que se percebe na totalidade da passagem das suas instaurações temporais e espaciais corresponde a Ielicidade, que e o ritmo messiânico. A natureza inteligivel como suposição necessaria para o todo da atividade racional no sentido de Kant revela-se em ritmo messiânico numa eterna e total passagem. A expressão Aufgabe 109 der Weltpolitik pode, então, ser traduzida por tarefa ou desistência (Aufgabe) da politica mundana e procura indicar a dupla polaridade que angustia o gênio: as descobertas das determinações da sua compreensão Iazem-se ritmo sonoro na linguagem em objetivação necessaria. A Aufgabe como tareIa de escuta atenciosa ao proprio discurso mundano em geral indica a Aufgabe como desistência da politica de se perceber articuladora subjetiva de todas as objetivações a acontecerem. O coração doido, soIrido, roido e em crise pela inIelicidade do homem interior, que compreende o seu acordar rompendo constantemente com o sonho em que se julgava Ieliz, e o indicio da intensidade messiânica. Mas o metodo nihilista para a tareIa e a desistência deve ser cultivado em atenção silenciosa como a melhor politica para a constituição do mundo. Seria oportuna a pergunta sobre qual a construção que ao gênio interessa, construção em que Deus Iala e escuta a contradição da linguagem? Tal questão não se pode mais pôr, pois ja seria sono de novo a espera de um acordar para a continuidade da visibilidade de si. A propria pergunta ja acusaria a intenção de uma construção comprometida com criterios vigendo em esquecimento Iixo do que seria melhor ou pior. Todas as construções possivelmente Iazendo parte do ritmo messiânico são marcas, cicatrizes, rastros visiveis do esquecimento do vir a ser de si e, por isso, ao mesmo tempo, por outro lado, ja são condições de possibilidade, isto e, eles proporcionam a memoria, a relembrança, o pavor dos desastres acontecidos a espera de redenção rememorativa em signiIicação por intermedio da perspectiva do gênio. E assim que as construções exatamente são as indicações de todo o esquecimento e repetição. São as marcas que possibilitam a experiência radical do paradoxo Iundamental. Ao mesmo tempo em que tais marcas oportunizam a lembrança do esquecido, a mesma lembrança torna-se nova construção, pois o esquecido e o passado que na lembrança e por intermedio dela esta a se tornar Iuturo. As marcas das construções esquecidas daquilo que lhes subjaze são motivos de novas construções tambem esquecidas de suas determinações; os rastros interpretados são estacas de Iundação e de intenção de Iundamentação de novas construções. O surgir de si mesmo do esquecimento, a construção em rememoração que ocorre, o vir a ser do signiIicado de si pelo sentido que se diz na linguagem não e articulavel, não esta disponivel, não se dispõe a previsibilidade e desse modo, então, não e programavel. A 110 sua condição de emergência e oportunidade de expressão esta na postura do silente a escuta na conversação para que aconteça a nomeação. Parte essencial do pano de Iundo da questão elaborada sobre a contradição provem de uma determinada compreensão do pecado original conIorme os primeiros capitulos do Gênesis e que Benjamin aventa nos escrito sobre a linguagem, Über Sprache ùberhaupt und ùber die Sprache der Menschen (II-1, 140). A proibição de se comer do Iruto da arvore do bem e do mal na historia da criação trata simplesmente do esquecimento do Iato Iundamental de que não ha sagrado como ponto Iixo absolutamente separado para a pretensão da pratica do julgamento. A proibição trata da recordação de não esquecer de que o julgamento qualquer que seja sempre sera descrição de si, pois quem separado de si proibe? Quem aIastado da instância do dizer poderia proibir sem que passasse pela instância de si? Quem ou o que separado da propria linguagem e leitura haveria e que, então, pudesse proibir? Ninguem, nada. Mas tambem nada proibe a construção do esquecer que e a possibilidade da construção do outro no que Iosse esquecimento de que e si mesmo. O acontecer da proibição em seu sentido positivo e a identidade entre si e a compreensão do mundo, e em si a propria proibição aponta para o esquecimento pela separação possivel do que sempre ha como compreensão por intermedio daquilo que Ioi dito. O acontecer do que Ioi proibido e o dizer em Iorma de sobre-nomear na intenção de verdade separada de si e o produzir do esquecimento na construção Ieita. Esquecer-se da arvore do julgamento e da vida e esquecer-se a si mesmo, pois ja sempre e si mesmo ou sobre si mesmo. A construção de si como outro construido, no esquecimento de que o outro intentado e, preciosamente, construção propria da queda e o esquecimento da proibição. A culpa do homem e não se julgar culpado: e vitima da sua propria ilusão. Isso porque quem julgar e pela argumentação estrategicamente quiser convencer de que não e culpado pelo julgamento que comete tera de Iazê-lo inventando o idolo absoluto esquecido a Iundamentar a sua pretensão. Para tanto Benjamin cita KaIka: O pecado original, a velha infustiça que o homem cometeu, consiste na censura, que o homem fa: e da qual nào desiste, de que lhe aconteceu uma infustiça, de que foi contra ele que o pecado original foi cometido. (GS II-2, pg. 412). Dizer o externo a linguagem e o externo que se diz? Como dizer o externo que se visa na linguagem sem dizer? Dizer o externo e dizer apontando o externo que se visa, mas 111 sem precisar dizer? Resultam essas questões na concepção de que na linguagem não ha externo nem interno, mas se da simplesmente linguagem em que o seu exercicio em pragmatica so pode ser signiIicado semanticamente, e o seu sentido semântico tambem. O pretenso externo a linguagem que possibilitasse a sua condição de puro instrumento so pode ser signiIicado pela propria linguagem como suposição e ate necessidade de suposição, mas tambem dita. Tudo o que se esta a dizer tece-se com os supostos ja ditos, mas o dizer e quem diz os mesmos supostos colocando-os como seus esteios, Iantasmas, deuses, bonecos que lhe possibilitam a atividade. No ritmo do dizer o tempo comanda o processo inaugurando-se sem cessar de modo sub-repticio como lastro, suporte e quadro do sentido que se diz a base do ja dito e contando com ele, e do dizer o passado como Iuturo pelo aspecto da inauguração do mesmo passado no dizer atuante. Ja na mitologia grega a racionalidade, como se sabe, e o reino de Jupiter enquanto narrativa a instaurar o comando da recordação organizada, positivada e inevitavelmente parcial para prender o tempo Saturno, que, então, parece dominado. A linha do tempo começa com a entronização e ordenação de Jupiter quando derrota e prende o tempo original Iorçando-o a ser suporte da razão logica na seqüência do antes, do agora e do depois logico e causal. Essa narrativa de entronização na mitologia grega tem semelhança com a queda de Adão e Eva na narrativa do Gênesis. Em ambas as narrativas a questão do direito e da justiça esta posta. KaIka e um balançar entre uma coisa e outra: a questão ele entendeu muito bem. A porta da justiça e porta para quem ainda acredita que haja a porta da justiça, o Iundamento que lhe pudesse servir de alicerce. Benjamin percebe que KaIka não mais admite nenhuma doutrina por Iundamento deIinitivo para qualquer interpretação sistematizada, mas, ao mesmo tempo, que ele e obrigado a admitir as imposições de interpretações sistematizadas sem Iundamento algum alem da mera e bruta eIetividade ja em andamento como aplicação de poder na burocracia do direito, da religião e ate da arte. E a relação entre a hagadah e halaca em que a doutrina hagadah esta completamente esquecida pela halaca e não mais pode ser exercida como Iundamento para coisa alguma. O mencionado gênio, em sua perplexidade, permanece numa angustiada questão, ou seja, sobre se a Iala como contradição da linguagem pode ser. AIinal de contas, ele pode dizer que a Iala e contradição? Expressando-se ao Ialar no sentido de que a Iala e alienação ou objetivação descritiva de si a ser, consegue, então, não objetivar tal conteudo? O gênio 112 assim se desnorteia, porque sabe que a Iala ocorrente em tempo de intenção de objetivação so pode acontecer na escuta do silêncio nos limites da interpretação silente. Ele sabe que e como Adão enquanto nomeador do outro de si na criação ocorrente de si mesmo, pois que quem Iala acontece Ialando, mas tambem que e o ouvinte que direciona o acontecer. O ouvinte de si a nomear acontecendo e o sentido da propria proibição dos Irutos do conhecimento objetivado. Então, o gênio sabe que esquecer a auto-nomeação pelo nomear acontecente e a duvida originaria sobre a objetivação separadora com a necessidade de Iundamentos como imagens primeiras justiIicadoras e legitimadoras a promover, alem disso tambem, a separação do tempo em suas três Iases de presente, passado e Iuturo. A apokatastasis enquanto perdão consentido pela propria situação de angustia gerada na contradição da linguagem tem ai a sua vertente, pois qualquer sistema de julgamento, por mais justiIicado que Iosse, tem legalidade apenas relativa, ou provisoria, pois não pode esquecer que em seu exercicio aplicativo precisamente esqueceu a entronização de uma divindade como Iundamento que, por sua vez, não consegue mais Iundamentar. Por isso tudo, o sentido e a indicação de que 'Deus Iala no gênio e escuta a contradição da linguagem¨, (II-1, 93), não e, de modo algum entendido pelo tagarela. 'Ao tagarela o gênio parece a evasiva ante a grandeza¨. (II-1, 93). O transcendente e a impossibilidade de se dizer o suposto de que se Iaz parte, pois sempre se supõe dizendo, e e isto que o tagarela nunca entendera. O proprio dizer Iaz parte do transcendente enquanto suposto, permanecendo todo o dizer apenas a possibilidade de sua expressão. O silêncio e o sinal da aproximação maior possivel do suposto, enquanto que todo o dizer aIirmativo e intenção de aIastamento alem da mera nomeação. Mas o silêncio e tambem o silêncio do dizer na perplexidade proxima a equivalência ao nada, ja que, em não havendo sentido, silencia-se tambem ate o suposto enquanto sentido possivel. Em relação a isso, o tagarela Iala, diz e procura tudo esclarecer em termos de uma grandeza como âmbito dele mesmo separado e, por isso, deIinivel por uma linguagem que imagina desvinculada e, portanto, manipulavel para os Iins do seu dizer. Na ilusão de uma tal linguagem e que lhe parecem Iuga e evasiva aquilo que para o gênio e a angustia da contradição da linguagem, a cisão em que o transcendente Iala e ao mesmo tempo escuta o paradoxo de um dizer sempre em processo de irremediavel comprometimento com o pano de Iundo de uma imagem justiIicadora da sua ocorrência. Ja a concepção de grandeza do tagarela e problematica sem que se dê conta disso. A 113 deIinição da grandeza como âmbito separado lhe parece um inIinito capaz de proporcionar a possibilidade de uma produção autônoma de sentido a qualquer preço e a qualquer hora. Tem-se, assim, uma contraposição entre o tagarela e o gênio. Este primeiramente e silencioso, como sabemos, escuta atentamente e e acossado pelos escrupulos de promover, ou não, a objetivação que, por parte do mesmo, e extremamente acurada e cuidadosa, movimento que pode ser entendida como Iuga pela propria tendência a tagarelice normal do dia a dia. O tagarela pode ser considerado o artista da mimese; o pregador repetidor incansavel dos ditames provindos de Iundamentos deiIicados que lhe são, porem, desconhecidos ou que mesmo se nega descobrir; o convencido da progressividade positiva do seu proprio discurso; o que não escuta e nem cria; o encastelado para a construção do seu castelo; aquele que surge apos o instituido e e o instituido e que a partir do instituido não vê com bons olhos o gênio instituidor de nova compreensão e nova sensibilidade; o homem em queda na ilusão da construção objetiva. Esse mesmo tagarela julga o gênio e não nota que o julgamento ja se da a partir da instituição que ele mesmo e; julga o gênio em juizo engessador e instituidor, mas se esquece que, no caso do gênio, houve escuta, alem de consciência e saber da escuta na continuidade da angustia na contradição da linguagem. Ele esquece que ha de ter sempre a instituição, mas no saber rememorativo de que ha, e sem o esquecimento de que o julgamento e o esquecimento e ja a Iala necessariamente sem a minima escuta. Na corrosão de qualquer sentido justiIicado por origem suspeita, a arte e o melhor meio para o que esta Iora dos limites da deIinição: a arte prescinde de qualquer Iundamentação e deIinição ultimas, pois ja desde a 'Critica do Juizo¨ de Kant e entendida como livre de ser acossada pelos interesses de Iundamentação do conhecimento e da moralidade, um livre jogo entre o entendimento e a razão. As diIiculdades que a contradição da linguagem impõe ao vies objetivador de algum modo se amenizam na circunscrição da arte, ja que nela não se encontra a mesma pretensão. A imensidão tempestuosa do desconcerto que leva a pura perplexidade imobilizadora pode desanuviar- se em Iavor daquilo que enquanto beleza desde sempre se propõe como produto representativo do incomensuravel, do indeIinivel por principio, da desistência das rigidas determinações causais. 'Por isso, a arte e o melhor meio Irente ao inominavel (paralisia Irente ao inexprimivel)¨. (II-1,93). A arte consegue por em questão e ate destruir as 114 pretensões do instituido, pois o seu estatuto não decorre de instaurações desejosas de justiIicação argumentativa. Não ha como não se ter a instituição no dizer, mas o meio de não se comprometer com a contradição da linguagem, que pode ate acarretar a desIaçatez de querer nominar o inominavel, e a postura do gênio em conIiguração artistica descobrindo e rearticulando citações daquilo que Ioi destituido para comandar como pano de Iundo Ieito transparência. O velho pano de Iundo, Iundamentando a transparência das aplicações rotineiras, e destroçado para ser conservado na Iiguração de nova coleção para a possibilidade de nova compreensão que se sabe precisamente assim, ou seja, compreensão instaurada como marca destinadora. A arte da citação e a descoberta do que obscuramente comanda os processos de julgamento, e a sua destruição e a sua conservação em nova perspectiva de compreensão eivada de nova sensibilidade. Na arte melancolica o gênio, entediado com as circunvoluções repetitivas do cotidiano, ativa-se no exercicio de destruir e articular salviIicamente o velho instituido e obscurecido nas aplicações acintosamente evidentes e encobridoras do que as determina. O gênio torna possivel a revivescência do velho na nova citação em que possivelmente nesse processo tudo esta presente na dinâmica da reminiscência. Ademais, o gênio sabe que a totalidade do sentido permite aqui e ali encontros mais proIicuos do que os rotineiros, pois percebe a si mesmo na imensidão em que tudo se perde e tudo se acha e na qual esta a entoar o seu curto canto em Iorma de oração participativa. 'A conversa do gênio, porem, e oração¨. (II-1,93). O gênio ora, porque compreende que no silêncio a recordação e dadiva de sentido novo, descoberto nas brumas do passado de si. A atenção silenciosa e a oração descobridora capaz de articulação do novo por meio do re-ordenamento em citações do antigo presente, mas ate então encoberto. A conversa do gênio enquanto oração silente e atenta e a percepção da dadiva do pensamento compreensivo, mas ate então esquecida no deslumbramento da sua tomada de posse pela Iala meramente proposicional e aIundada no precipicio da imagem ilusoria alegando justiIicação de direito a separação, a cisão deIinitiva de sujeito e objeto, nada mais do que a aIirmação da contradição da linguagem. Enquanto na situação de oração, o gênio ao mesmo tempo sabe que a sua compreensão em instituição re-ordenadora expressa uma possibilidade em meio a totalidade do sentido. Na oração atenta e reIlexiva da-se conta de que ele mesmo enquanto ocorrência e gota d`agua no oceano e, como quer que se decida e Iale, e dialogo em que o 115 total das presentes possibilidades oIerece a dadiva que mesmo e por reminiscência. Por isso, o gênio, maniIesta-se, destruindo, desnudando e desnudando-se: o conjunto das suas palavras e ele mesmo e ele o sabe, a sua compreensão e ele e ele o sabe; as palavras novas recordativas são o que ele e em itinerario de si e que deixa cair a descrever a si mesmo, a ele que e o que precisamente esta a acontecer. 'Ao Ialar, as palavras vêm caindo dele como mantos¨. (II-1,93). Ao desnudar-se, colocando sob a luz a instituição de si, apresentando o sentido que mesmo o deIine, a palavra-compreensão que e e que sabe que e, então, pode oIerecer abrigos ao derredor que o escuta. A sua instauração criadora oIerece sugestões de compreensão que são paragens de pensamento em que cabe mais gente disposta a apreciar as novas paisagens e constituir a sua morada propria. Esta ai a vestir o ouvinte com a vestimenta de sua compreensão que então permanece ao dispor, muitas vezes a margem do instituido oIicialmente na compreensão naturalizada. Pois, 'as palavras do gênio desnudam, e são involucros nos quais o ouvinte se sente vestido¨. (II-1,93). Mas o proprio gênio tem a sua primeira e principal caracteristica na escuta silenciosa e atenciosa daquilo que sempre ja o constituiu, pois pressente que esta vestido com vestimentas que por ele mesmo ainda são completamente desconhecidas: sempre ja e algo a mais do que propriamente sabe. A conversa do gênio e oração na busca e no pedido pela descoberta do que ja sempre esta a determina-lo em sua compreensão. A propria resposta presente, mas agora sobrevindo e se descobrindo na oração como o cair das vestimentas e o passado do grande Ialante. O grande Ialante que no gênio escuta a contradição da linguagem e o mesmo que nele Iala como passado presente descobrindo-se. 'Quem escuta e o passado do grande Ialante, seu objeto e sua Iorça morta¨. (II-1,93). O grande Ialante que no gênio em atenção silente Iala enquanto passado presente e o discurso do cotidiano sistematizado, a força morta encaixotada num sistema compreensivo regular, ordenado e construtivo de Ielicidade programada, mas que traz em si as determinações com as quais se esta vestido sem se dar conta. O cotidiano precisamente como Iorça morta constituindo a compreensão do gênio e o seu objeto de atenção, ja que tal objeto e a Iala do grande Ialante enquanto Iorça morta quando não merecedora da escuta silente. Desse modo, o cotidiano constitui o passado presente do grande Ialante, a Iorça morta, o objeto de atenção do gênio, o seu motivo de oração enquanto pedido e procura por seu signiIicado, a eIetivação constante de um processo em que Deus Iala e escuta a contradição da linguagem enquanto intermitente possibilidade de descontrução do reducionismo imediato de um todo sistematizado em 116 Iorma de crença enquanto a pretensão esquecida como verdade absoluta. Realmente quem escuta e o proprio passado Ialante instituido de modo reduzido como atualidade. O grande Ialante e o passado instituido como a compreensão oIicial, a objetivação e a sua Iorça morta em comparação com a atividade do gênio. A Iorça morta tonitruante, barulhenta e esquecida de um cotidiano em aIirmação Iestiva e segura na certeza do seu objetivar esta em contradição com o gênio que, no mesmo cotidiano, desnuda a si e a todos em oração atenciosa. Desse modo a Iala do gênio e silenciosa em meio ao alarido aIirmativo geral, o qual, para sê-lo, necessita do ritmo da Iala silente e descontrutora, apontando mais alem para determinações tambem presentes e insuspeitadas. O sentido da expressão o grande falante estende-se, portanto, ao total do sentido no presente de agora ja sedimentado por construções do passado e suas proprias determinações, mesmo que o todo permaneça invisivel, embaçado que esta pela nevoa de uma totalidade atual com pretensões de absoluto. O gênio procura a e)poxh´ (epoche) suspensiva para compreender a compreensão em suas determinações mais abrangentes anulando-se na contemplação do mais imediato, pelo Iato de querer compreender suprimindo a sua compreensão rotineira em ocorrência, e no ouvir mais proIunda e atentamente os ecos de cantos mais distantes em meio a algazarra do cotidiano. 'O gênio Ialante e mais silencioso do que o ouvinte, como o que ora e mais silencioso do que Deus¨. (II-1, 93). Aquele que ora em atenção igual ao gênio e silencioso por que ocorre como reminiscência e desnudamento da compreensão artiIicialmente consagrada e absolutamente positivada. Alem disso, conta com determinações que não estejam imediatamente a superIicie da realidade administrada pelos principios objetivados para a recorrência do mesmo. Benjamin menciona, a proposito de KaIka, um dito de Malebranche: 'A atenção e a oração natural da alma¨. (II-2, 432). Quem ora e mais silencioso que Deus pelo Iato da escuta, da atenção e do silêncio para a compreensão possivel do novo por meio do que Ioi posto como ser Iixo. A oração constitui-se em silêncio criador na escuta do que vira a ser instituido como compreensão em ruptura para novos tempos. O gênio lembra em oração atenta e silenciosa o que mais Ioi silenciado Iazendo ver a repetição da maquina barulhenta em seus mecanismos de deIesa e justiIicação. Como qualquer maquina, ela Iaz todo o esIorço para se manter Iuncionando. O gênio, ao contrario, desobstrui silenciando e 117 desconstruindo os motivos e as justiIicativas de todo o alarido lembrando que tudo e apenas a obra em criação de si sem poder e sem necessidade de Iundamentação deIinitiva, ja que e constante resultado da condição de cisão da contradição da linguagem. A aIirmação de que o gênio Ialante seja mais silencioso do que o ouvinte supõe o estado em que o gênio e a voz que Iala no e a partir do interior daquele que escuta, isto e, a voz da signiIicação possivel, o todo recalcado ainda não signiIicado, a massa escura da totalidade do oceano em cuja superIicie a luz da compreensão se Iaz possibilidade. Não ha, portanto a possibilidade de um aIastamento para a contemplação de um objeto a ser analisado conIorme uma das perspectivas da contradição da linguagem. A voz da signiIicação possivel a si mesmo se gesta enquanto instauração em que o silêncio e sempre o intervalo descobridor. Trata-se da possibilidade do som signiIicativo de acordo com o ritmo da Iala humana que inclui em si o silêncio comandando o rumo do sentido. De acordo com o paradoxo da linguagem (GS II-1,93), o escutante signiIica, nesse caso, a perspectiva da articulação de sentido de acordo com os seus proprios esquemas que de Iorma inevitavel distorcem o dito, pois apresentam inevitavel interpretação tendenciosa de acordo com a sua conIiguração cultural tradicional. No ritmo da Iala humana 'O Ialante permanece sempre possuido pela presença¨ (II- 1,93), ou seja, esta em pleno desempenho, esquecido da escuta e ocupado no ordenamento interpretativo do que lhe advem como acontecimento de si. Todo o Ialante esta implicado no julgamento a acontecer de acordo com criterios e valores consagrados que supõe e, ao mesmo tempo, esta impedido da escuta. Como vimos, ate o gênio precisa Ialar apos a escuta, o que o Iaz perceber a angustia original da contradição da linguagem. Ele e possuido, enlouquecido a repetir gestos compreensivos ao inIinito, ocupado exatamente na expressão do passado de si, das determinações de que se desveste como mantos que caem em postura de oração atenta aos comandos em si ja sempre subjacentes. O Ialante e e permanece sempre possuido pelo exercicio presente da elocução do sentido que articula. Por mais que se esIorce na trilha da positivação de um passado separado, tal positivação historicista so pode ser a ilusão que se da pela constante repetição do mesmo de acordo com uma compreensão Iixada ou não. A positivação do passado, que o Ialante projeta mesmo numa intenção historicista, permanece inevitavelmente a expressão ocorrente de si. Desse modo, nunca podera dizê-lo de Iorma absolutamente objetiva, mas sempre ja como ocorrência interpretante de si pela imediatidade do 118 acontecimento. Tudo o que Ior que Iale esta a ser acontecimento Ialante na articulação de uma compreensão presente, tanto que todo o seu exercicio da linguagem e sempre percebido como comprometedor, perigoso e decisivo pelas instituições compreensivas sempre acompanhadas da possibilidade do esquecimento das suas Iundamentações. "Portanto ele e amaldiçoado: a nunca dizer o passado que ele, porem, indica¨. (II-2, 93). O presente constante e exatamente a impossibilidade do Ialante dizer o passado, pois ao dizê-lo e presente e e instauração. O dizer paradoxal contraditorio e exatamente o dizer analisante, interrogativo e instituidor do que e a se tornar passado positivo na intenção. O falante e amaldiçoado. Não ha como pedir ou exigir que se inicie algo de modo absoluto, ja que o pedido compromete a quem tenha a intenção de deixar ou partir para tal inicio, pois dizer o passado e não dizê-lo como se Iosse a absoluta descrição do acontecido, mas reinventa-lo sob determinada perspectiva. A pretensão de dizer interpretando e o constante aIastamento e a expulsão de onde se esta e o dar-se conta disso e a peregrinação no sentido. Ha uma constante vestimenta mascarada do novo suporte como sujeito absoluto para se justiIicar a pretensão do que se esta a dizer, o que e inevitavel e constitui o paradoxo. A vestimenta do deus instituido e sempre diversamente escamoteada num constante deslocamento Parece que a questão e realmente o inicio, que não ha, e a dependência das proprias condições de possibilidade por parte de interações e relações ja sempre havidas. A Iicção do inicio e a invenção de um deus objetivamente separado e garantidor da objetividade do que se esta a dizer, tendo o castigo por conseqüência na consciência do aIastamento de si mesmo: e a alienação e o seqüente aIastamento constitutivo que o Ialante em si mesmo percebe quando diz o outro-natureza num ordenamento de tempo controlado por metriIicação. O inicio absoluto possibilita a metriIicação e a inauguração da culpa e do direito, ao contrario da ideia de constante dependência e relação. Na linguagem qualquer explicação traz a necessidade da descrição da gênese do conteudo, das preocupações, da Irase, do conceito, de cada palavra: palavra a descrever sentido de palavra num circulo constante e sem Iim em que a cobra tempo e Iantasma criado e tentador de uma divisão Iundamental. Toda a vez que se conta com a tentação da cobra, linha do tempo, tem-se estado de objetivação das coisas. A objetivação exige a Iixidez instrumental da linguagem bem como a tentativa de exatidão Iundamentada do signiIicado. 119 Ao Ialar objetivando se esta na intenção de dizer sempre o passado, mas que trata de nova inauguração, ou expulsão do local em que se esteve: ~Portanto ele e amaldiçoado: a nunca dizer o passado que ele, porem, indica¨. (GS II-1, 93). A objetivação da linguagem e paradoxal: ajuiza inevitavelmente sempre, mesmo o geral, o universal e as suas proprias condições, pois o que se compreende como condições e e dito pela linguagem e pelo modo da proposição objetivadora inevitavel. Qualquer compreensão ocorrente e, assim, exatamente pela ocorrência julgante e a sua suspensão seria a eliminação da compreensão. Mesmo o dizer da sua ocorrência não escapa do processo, pois e julgante recordação a ser dita tambem. E inevitavel que o julgar se dê como ser em ou como ser em divisão, ou diIerença na suposição de uma identidade que a acompanha em termos de totalidade que a possibilitam. A corda bamba, o Iio da navalha esta entre, ou como divisa entre o todo como identidade suposta e o diIerente absoluto a Iormar mundos compreensiveis possivelmente inIinitos. Mas ser em e a propria impossibilidade de começo e a eterna dependência, e qualquer proposição de totalidade e, sob esse ponto de vista, um aspecto de mero deslocamento itinerante, ja que tambem ela necessita de suposição da parte que e enquanto diIerença e do todo em termos de identidade. O termo metafisica ai encontra um modo de centração quando e entendido não como Iundamento Iixo e separado para a justiIicação de juizo ocorrente, mas como ir ao Iundo (Untergang), como passagem a desaparição (Jergàngnis) ate onde da, um movimento em que as explicações objetivantes se separam e se distanciam cada vez mais. A fu´sif (Iysis) de metafisica denota a parada de ir ao Iundo como Iuncionamento estacionado, ou emperramento repetitivo, e o termo completo de metafisica abre-se para o sentido de uma movimentação dialogante e itinerante, alem dos limites impostos pela compreensão momentaneamente em mera operação repetitiva de sedimentação. E este tambem o sentido do Iim do Fragmento politico teologico quando aIirma da natureza: 'Pois messiânica e a natureza a partir da sua eterna e total passagem¨.(GS II-1, 203) O dizer que assim e, e o instituinte para que assim seja. O dizer seria ação inexplicavel e não analisavel, pois explicação e analise ja seriam comprometimento com o proprio exercicio do dizer. E se ha consciência do comprometimento, qual o sentido da explicação, analise, reIlexão, ou alegoria? Não seria isso o proprio exercicio da contradição da linguagem? Ou seja, dizer que o dizer e estatuinte; instituir que toda a explicação, 120 analise e instituinte? Desse modo a explicação de que toda a explicação seja comprometida a si mesmo compromete por exercitar a mesma atividade que se propõe denunciar como esquecida do Iato do comprometimento. O que resta? O dar-se conta desse Iato e dessa situação. Trata-se aqui da questão da experiência no sentido mais amplo possivel, isto e, a percepção de que surgem explicações, teorias, constelações, todas construções que se podem seguir, denunciar, perseguir em suas miriades de maniIestações, ou repetições na geograIia do tempo ja positivado. Junto a isso se conjuga a observação de si, da compreensão e na compreensão que mesmo se e. Ao querer Iazer considerações sobre o passado, o Ialante tera de se ater sempre ao instante do exercicio narrativo da linguagem a presentiIicar conteudos como se o proprio passado estivesse presente, mas objetivamente separado e sem o acontecimento decisivo da compreensão ocorrente. Indica o passado inaugurando o tempo em Iorma de narrativa e dialogo constante que sempre todos somos. Mas mesmo assim, Iala inevitavelmente da boca de um passado que agora precisamente e por tudo aquilo que Ioi. Ele constantemente se engana Ialando (er verspricht sich): objetiva indicando um passado que Ioi e com isso expressa o passado que no presente e e esta a inaugurar. Eu seu discurso carrega, sem se dar conta na maioria das vezes, a voz de todos os silenciosos e emudecidos, ou seja, o recado, a esperança e o desejo de todos os que se Ioram. O seu discurso de agora esta pleno das indicações, do sentido e das expectativas dos emudecidos e tambem ele nunca viu 'o local da luta silenciosa que o eu encetou contra os pais e os ancestrais¨. (GS II-1, 91). Na contradição da linguagem, numa especie de sonho, 'Utilizamos diariamente Iorças desmedidas como os que dormem¨. (GS II-1, 91). A catastroIe continua na boca do Ialante pelos julgamentos que promove 'E o que ele diz ja ha tempo incluiu em si a muda pergunta dos calados e os seus olhares lhe perguntam quando ira terminar¨. (GS II-1, 93). O Ialante compromete a sua alma com um passado Iixo, Iigura objetivada, imagem proibida desde o inicio, paisagem morta, e assim ele blasIema na continuidade da produção da catastroIe. Ele deve conIiar-se a ouvinte que e dinâmica do mesmo passado compreendida enquanto incrustada na propria compreensão presente. Jergangenheit (passado) e um passado entendido como passagem constante a acompanhar as instâncias do atual e, caso assim compreendido e a ser continua e atentamente escutado e procurado, e como que se tal inIinita dinâmica, presente na compreensão, levasse o Ialante pela mão a 121 Iim de ver o precipicio em que jaz a sua alma como parte da paisagem morta e petriIicada de um passado precariamente compreendido como objetivado por Iundamentações, sobre as quais crê que possam ser cada vez mais proIundas a ponto de constituir a imagem de um buraco sem Iundo desesperador. Na contradição da linguagem, o esquecimento da ocorrência de si como compreensão ordenada por Iundamentações do dizer tem um eIeito devastador. Mas Jergangenheit, ou seja, a passagem do passado como ouvinte na compreensão presente, e capaz de levar o Ialante em conversação a visão do abismo, ao vislumbre do inIinito apos a liquidação de Iundamentos rasos demais e tendentes a se constituirem em absolutos. A Jergangenheit como dinâmica de atração a descobrir-se pelo ordenamento da reminiscência leva o Ialante pela mão para leva-lo a situação de retorno, na qual inicia a visualizar o seu pertencimento ao todo inIinitamente maior do que a totalidade catastroIica, redutora e empedernida, em que enlouquece a sua alma comprometendo-lhe a essência numa compreensão apequenada. O passado como passagem presente pode ser lembrança e geração de inIinitas Iormas de compreensão a partir da riqueza subjacente as palavras propiciando a percepção do todo sempre maior do que as conceituações discursivas, de qualquer modo inevitaveis e separadas por objetivação conIorme a contradição da linguagem. O gênio em conversação, que percebe a si na contradição da linguagem, angustia-se na cisão entre um passado presente sempre Ialante em termos de objetivação e um passado presente em passagem capaz de reminiscência da ocorrência que se da num inIinito abismo suposto, o qual nunca podera nominar, mas que ao mesmo tempo o constitui. De qualquer modo em conversação, o gênio enquanto Ialante não pode deixar de acentuar o discurso presente e pelo qual necessita polemizar. 'Mas ja ai a prostituta o espera¨. (GS II-2, 93). A Iixação do discurso que assim se institui, apesar da dinâmica da reminiscência, e a compreensão da historia apequenada como positividade a reger causalmente o presente sempre a ressurgir, e a explicação historica que se coagula em Iorma de sistema numa comunicação cada vez mais mimetica; e de novo a historia naturalizada como passado Iixo, mas que, qual prostituta, aceita qualquer parceria interpretativa como dado somente objetivo sem a assunção da ocorrência de si; qual prostituta e a Iixação do passado que sempre se vende pela moeda alienada da Iundamentação garantida por deuses imaginarios, que conseguem Iazê-la esquecer dos seus compromissos consigo mesmo. A prostituição pode curiosamente ser a ouvinte como passado em passagem que se detem na possibilidade de nova construção Iixa, ou seja, a compreensão ja comprometida com o que compreendeu e, então, deIiniu num novo 122 engessamento. Ela e a predisposição para novas construções de sentido desde que positivadas, desbancando sem pejo qualquer rumo da tradição que se queira intocavel e absoluto. Ela e Iundamentalmente inIiel na aceitação de qualquer positividade, mas ao mesmo tempo e a companheira inseparavel da angustia do gênio. A prostituta no sentido de si mesmo como passado abre-se, compreende-se e vê a si mesma como vida vadia e mentirosa, como disIarce, como conIusão na relatividade da abstração teorica que desenha o esquema Iigurativo e imagetico da licenciosidade das interpretações, sem o peso da assunção da ocorrência de vida em sentido concreto. No sentido de uma dubiedade comprometedora, o passado (Jerganhenheit) desloca-se como inIidelidade de seu positivo ser compreendido para tornar-se relativo, aberto, dubio, passado presente somente aleatorio, e ate como possibilidade de somente crise quanto a qualquer compreensão positivada, ou somente passividade na aceitação de qualquer emergência de sentido. Ja ha tempo em que a prostituta ai esta a esperar, pois se trata da venda de si, da inIidelidade de si, do desmoronamento da vida abotoada, novamente engessada e administrada por principios solidamente esclerosados, a respeito dos quais se desistiu de reIletir. Em suma, e a relativização absoluta que como positividade entra pela porta dos Iundos igual a historicismo reducionista. 'Pois toda a mulher tem o passado e em todo o caso nenhum presente¨. (GS II-1, 93). A perspectiva da linguagem garantidora das suas proprias condições de possibilidade enquanto sentido conservado por determinada organização da tradição tem caracteristicas Iemininas. A diIerença da prostituta que tudo aceita numa relativização pela qual o proprio caos tem as suas possibilidades, mas que tudo não pode conservar, a mulher em geral e cultora do passado a ser conservado e repassado, da tradição, do entendimento deIinido, da compreensão normalizada, pois a situação de dubiedade e indeIinição de sentido não lhe agrada. O presente que a mulher não tem e a consciência da trama da tradição presente que ao gênio interessa e, a medida que não acontece, permanece sempre a vigência de algo ja instituido como signiIicado, o que, por sua vez expressa uma necessidade inerente a linguagem, ou seja, a Iidelidade a cultura tradicional como esteio para qualquer mudança de rumos de sentido. O presente como repetição por criterios seguros do passado em Iorma de cotidiano presente normalizado seduz a mulher- linguagem como necessidade para a tranqüilidade de pelo menos uma compreensão possivel. O presente como corte intermitente, ruptura e crise aguda constante do 123 esquecimento instaurado não lhe interessa, pois ha que ter sempre em qualquer processo de origem o vies do ordenamento construtivo, pelo qual algo se sedimenta em repetição a Iim de que o proprio sentido na linguagem seja possivel. A Iidelidade da mulher a qualquer projeto posto por inauguração, sem, portanto, a volubilidade da prostituta, espelha o sentido Iixo da linguagem conIigurada em discurso sempre necessario como parte da contradição da linguagem, pois permanecer sempre Ilutuando sem ritmo algum sobre o abismo Ieito de Iundamentação sem Iim e sem Iundo de um lado, e de outro, da compreensão enquanto ocorrência de si no suposto de uma totalidade inominavel, não e possivel. Um presente capaz de Ilutuação sem paragens de construção, mesmo que enganosa ou ilusoria, seria como Ulisses navegando somente pelos mares, sem desvio algum pelas ilhas de descanso e perdição, diretamente de Troia para Itaca, o seu lar deIinitivo, mas sujeito a constante ira de Netuno. O ritmo Ieito de navegação ocorrente com paradas em novas paisagens para o abastecimento de sentido a ser negado ou aIirmado e necessario a constituição da contradição da linguagem, ja que o não e o sim dela são a expressão do seu ser em ocorrência de qualquer modo. 'Por isso ela guarda o sentido antes da compreensão, ela impede o abuso das palavras e não permite que dela abusem¨. (GS II- 1, 93). A Iixação do sentido seria impossivel se não houvesse Iidelidade minima as palavras em exercicio, pois signiIicaria a destruição da linguagem por relatividade absoluta e por não haver ordem que exigisse o exercicio da repetição continuada de sentido determinado para que possa existir o reconhecimento de ser conIorme o logos de Heraclito, alem da necessidade de existir condição de possibilidade de um dizer compreensivel para a percepção de qualquer mudança. No abuso absoluto das palavras não ha compreensão, nem consciência de si. A Iixidez de um sentido pelo menos epocal em exercicio deve haver para que inclusive possa haver analise e, alem disso, escuta do que, alem do mero cotidiano, possa signiIicar. A escuta das palavras so pode acontecer na condição de possibilidade de haver sentido Iixo, mesmo que dogmatizado, hirto, Iuncionando como cadaver deIinido e enclausurado em determinadas situações. A mulher espelha a linguagem que representa, com sua Iidelidade, o equilibrio entre o precipicio abissal entrevisto por Anaximandro, em que recorrência alguma e possivel, e o logos de Heraclito, ordenador na repetição de mundos Iavorecendo a compreensão da recordação. 124 Impedir o abuso das palavras e conIiar no sentido de alguma Iorma Iixo como condição de possibilidade para que a propria percepção de ocorrência seja possivel, isto e, para que não se institua o delirio Iora de qualquer orbita de um canto de sereias que silenciaram a passagem do esperto Ulisses, conIorme o relato de Benjamin sobre KaIka (GS II-2, 415). A mulher, como representante da perspectiva central da linguagem, mesmo em qualquer inovação possibilita a ligação do Ialante em palavras costumeiras com a novidade do ainda não dito. Ela e o repositorio do possivel na conservação, manutenção e lembrança da totalidade do passado, mas tambem da indeIinição sempre possivel e a espreita de nova construção em Iidelidade. Ela traz em si a lembrança do possivel como as mulheres no Processo de KaIka, as quais espiam e observam o julgamento e a execução, isto e, são testemunhas da possibilidade existente de todo o passado que Ioi e que nelas se conserva a espreita de oportunidade de surgimento de nova construção. São tambem como as mulheres, criaturas hetairicas de KaIka, (GS II-2, 428) que lembram o inicio da vida da humanidade nos pântanos do passado mais remoto. Enquanto a prostituta e descrente por relativizar qualquer construção, a personagem da mulher representa a decisão por uma delas e a seqüente Iidelidade necessaria para que haja sobrevivência. 'Ela cuida do tesouro do cotidiano, mas tambem de todas as noites, o bem maior¨. (GS II-1, 93). O tesouro do cotidiano e o instituido que precisamente lembra as possibilidades das noites do passado presente, o bem maior, do ainda sono e sonho que podem ser recordados. Sem a oração atenta e reIlexiva do gênio, o cotidiano permaneceria Iorça morta, mas ja com o seu concurso, tendo-o ao mesmo tempo como seu âmbito e objeto, e a propria possibilidade do encontro com os tesouros nele resguardados. A mulher, portanto, traz consigo a riqueza da tradição presente no cotidiano que e condição de possibilidade de toda a riqueza da criatividade posterior. Mas inversamente, a noite angustiada do gênio em desnorteio pode ser amenizada pela lembrança presente do sentido Iixamente guardado nas palavras em uso e que lhe são a condição de pensar, pois se as palavras possibilitam o deslocamento do sentido, tambem são elas que estão a viabilizar qualquer desvio semântico como se Iosse o proprio veiculo que de modo seguro carrega o perplexo desviando-o da perdição total na mais escura noite da loucura. A linguagem assim e como a mulher que na Iirmeza do sentido em uso Iixo torna mais amenas as noites da perplexidade, do desnorteio e da ruptura possivel. E por isso que tambem cuida e possibilita o bem maior que são todas as noites. 125 Todo o gesto do cotidiano da linguagem em Iuncionamento e constituido em objeto de atenção pode ser compreendido como reIerência ao ancestral, uma vez, como a normalidade instituida enquanto respeitabilidade e justiIicada sobrevida, e, outra, enquanto possivel revelação de motivos presentes, mas por enquanto ocultos pelo misterio da sua transparência. 'Por isso a prostituta e a ouvinte¨. (GS II-1, 93). O lado da prostituição da linguagem, como ja visto, e a escuta de si mesmo na tentativa de programaticamente por em suspenso qualquer organização compreensiva inaugurando sucessivamente Iundamentações descobertas e com elas convivendo de modo relativista. Trata-se da possibilidade da mesma linguagem esquecer a Iidelidade da sua ocorrência ja em sentido sempre Iixo e se esvair na atividade da sua dissolução acompanhando aleatoriamente qualquer proposta de construção. A prostituta e ouvinte exatamente por ser inIiel ao estabelecido e da noticia de um mundo de possibilidades. E ouvinte, porque da ouvidos as vozes da analise e porque não e obediente ao cotidiano organizado muitas vezes ao modo do disIarce. Ela da ouvidos a novas Iantasias construtivas de rumos culturais e atravessa o sentido consagrado a tradição e conservação Iamiliar. E mercadoria corporal que aceita mudança de preço, ou, pelo menos, trata disso. Mas, talvez o mais importante seja o carater sugerido pela propria palavra prostituta: a banalização e o deboche do disIarce cotidiano que ela representa; ela ate indica o não cotidiano, bem como o desprezo e o ataque a ele, o contraponto em que o proprio cotidiano pode tomar consciência de si, ou seja, o certo, o correto, o respeitavel e ate o sagrado e desocultado em sua banalidade e em seu disIarce. Tem-se no seu olhar escutante e perscrutador o aIastamento necessario para a analise do que se e no cotidiano. Assim, 'Ela resguarda a conversa de pequenez, e dela a grandeza nada reivindica, pois diante dela a grandeza termina¨. (GS II-1, 93). A linguagem nessas condições abre-se abandonando a pequenez suposta do cotidiano para todas as suas possibilidades de sentido a ponto de constituir uma grandeza ate caotica. A grandeza enquanto sentido possivel na atividade da conversação nada reivindica da prostituta pelo Iato de ela mesma signiIicar a relativização por simples aceitação de todas as construções signiIicativas ediIicadas pela linguagem. Por isso, qualquer possivel deslocamento semântico em direção ao aproveitamento da grandeza de um sentido possivel na conversação para alem do cotidiano termina por ter que relativizar signiIicados Iixos prostituindo de qualquer maneira o ordenamento da compreensão rotineira. 126 'Toda a virilidade diante dela ja se extinguiu, agora se derrama uma torrente de palavras em suas noites¨. (GS I-1, 93). Qualquer tipo de construção signiIicativa consegue ter o seu lugar ao sol pelas possibilidades relativizantes de sentido da linguagem. Ela aceita aplicações narcisicas variaveis de criterios postos, como tambem inseminações do gênio que ja esta em Iase de implementação artistica do que escutou em tempos de atenção a rotina da vida que traz o ancestral em seu bojo. A prostituta que se torna voluvel aceitação eIetiva e passiva de qualquer narrativa historica de cunho historicista, sempre escuta a Iim de sempre em seqüência Iixar-se em qualquer tipo de transparência conceitual, que, inversamente, se torna a obscuridade do esquecimento mais completo aspecto caotico que expressa, ou seja, e a linguagem em delirio: 'Agora se derrama uma torrente de palavras em suas noites`.(GS-1, 93). 'O eterno passado presente novamente sera¨. (GS II-1, 93) De qualquer modo se conIirma a suposição de um passado (Jergangenheit) eternamente presente como acontecer as margens da oIicialidade compreensiva em repetição somente comunicativa, ou, um presente eternamente ja sido que se descobre por auto-nomeação, portanto, por auto-reIerência. Caso não acontecer a sua visão e escuta, a alma do Ialante permanece presa do passado apequenado que e tambem um presente em compreensão apequenada, sem grandeza, sem nomeação, sem volta a si, um presente em continuidade de queda e somente sobre-nomeação na construção de uma catastroIica Babel. Isso signiIica tambem que o todo entrevisto nunca pode ser a totalidade compreensiva completamente suposta, obrigando a continuidade da descrição expressiva ou nomeação dos Ienômenos que surgem pela boca do gênio em Iorma dos movimentos culturais, que, por sua vez, são escutados e avaliados na intenção da perspectiva ou da prostituição da linguagem em que tudo vale de modo relativista, ou na perspectiva de uma tradição determinada. Ai ate os sistemas IilosoIicos, como tambem a propria IilosoIia e Ienômeno entre outros como, por exemplo, o Surrealismo, o Comunismo, o movimento Dada e o Romantismo. No limite pode dizer-se que o eterno passado presente novamente sera como dimensão do Iuturo que nele esta inscrito como inIinita possibilidade de emergência a compreensão. O que se poderia querer mais do que o inIinito absoluto, sempre suposto em cada volteio do cotidiano? A linguagem sempre dele Iara parte assinalando algo como algo e ao mesmo tempo sendo assim a sua compreensão expressiva ocorrente, ja que de Iorma alguma e em momento algum pode ser prescindindo da sua suposição como condição de 127 sua propria possibilidade. A compreensão e, portanto, necessariamente peregrina em sua discursividade na linguagem que se da por conversação. Por isso, 'A outra conversação do silêncio e gozo¨ (GS II-1, 93), isto e, talvez a Iruição estetica da beleza, a rigidez absoluta da morte e os instantes do gozo sexual, situações em que ha uma passagem para a suspensão abrupta de qualquer possibilidade de compreensão, como se o silêncio dela resumisse a suposição de inIinito num momento so: as luzes apagam-se num curto circuito quando a compreensão quer abarcar em perplexidade o seu proprio suposto num gesto impossivel. O suposto de se dizer na compreensão itinerante sempre sera suposto como a priori absoluto e o indizivel dito sera apenas uma palida reIerência a uma totalidade inaugurada que supõe o que nunca podera dizer em seu processo de emergência localizado. O verdadeiro Iuturo busca a si mesmo nas brumas de um passado em que ja sempre esta inscrito e a compreensão de agora voltada aos seus supostos e a possibilidade da sua eIetividade. O gozo, a morte e a percepção da beleza são o silêncio de tudo, apos o que a compreensão, que pergunta pela luz de si, tambem se da como percepção da sua constante limitação. A consciência aguda da contradição da linguagem e região extremamente perigosa em que gozo, desespero e perplexidade se conjugam como se Iosse um dialogo, uma conversação entre o gênio e a meretriz: O Gênio - Eu venho a ti para descansar em tua companhia. A Meretri: - Entào te senta O Gênio - Eu quero sentar-me funto a ti - ha pouco eu te toquei, e tenho a impressào de fa ter descansado durante anos. A Meretri: - Tu me deixas inquieta. Se eu deitasse ao teu lado nào poderia dormir. O Gênio - Em cada noite ha pessoas contigo no quarto. Tenho a impressào como se eu as tivesse recebido a todas e elas me tivessem olhado gentilmente e se tivessem ido. A Meretri: - Da-me a tua mào - em tua mào adormecida eu sinto que tu esqueceste agora todas as tuas poesias. O Gênio - Eu penso apenas em minha màe. Posso falar-te dela? Ela me gerou. Ela gerou como tu. cem poesias mortas. Ela nào conheceu seus filhos, como tu. Seus filhos prostituiram-se com pessoas estranhas. A Meretri: - Como os meus. O Gênio - Minha màe sempre me olhou, me perguntou, escreveu para mim. Nela eu desaprendi todas as pessoas. Todas se tornaram màe para mim. Todas as mulheres me pariram, nenhum homem me gerou. 128 A Meretri: - Assim se lastimam todos os que dormem comigo. Quando eles comigo olham para dentro da sua vida, da-lhes a impressào como se cin:a grossa os sufocasse ate o pescoço. Ninguem os gerou e a mim eles vêm a fim de nào gerar. O gênio todas as mulheres, para as quais venho, sào como tu. Elas me pariram morto e querem receber coisa morta de mim. (GS II-1, 94). O gênio analisante de si, em travessia constante e ao tentar descrever-se nessa mesma experiência-travessia, percebe a sua inevitavel ligação com o passado coletivo agora presente em que ele mesmo deixa o seu proprio rastro. Ele percebe que qualquer compreensão que trouxer a luz, ou lhe suceder, ja e instauração compreensiva comprometida com materiais oriundos de todo o passado e a disposição no presente, isto e, a mãe tradição e a propria condição de possibilidade de o gênio expressar-se em compreensão e ser precisamente assim. E ao ser decidido por uma compreensão sistematizada por explicação construtiva, tais crianças, ou seja, constructos nascem mortos por imediato processo de sedimentação positivada, sistematização compreensiva e esquecimento de sua ocorrência alegorica e metaIorica. A prostituta como tradição morta por repetição em um cotidiano vasto e transparente ao senso comum aceita e incorpora as mais diIerentes excentricidades. Não sabe de si enquanto tradição presente em situação de intermitente decisão, imaginando-se naturalizada, sistematizada, com progressividade programada de acordo com o mesmo senso comum, este convicto de seu acerto por cultuar a cientiIicidade absoluta em que os Iregueses da inovação são esperados e aceitos como mera novidade. Por isso a prostituta e sempre tambem a ouvinte, e agente da novidade mercadologica, consumista do que vier a se apresentar numa posição relativista radical. Mas essa prostituta e esperta porque sabe de si: sabe do não que o sistema signiIica para todas as outras possibilidades que não Ioram implementadas, pois o sistema compreensivo dogmaticamente oIicializado mata muitas crianças na periIeria do seu âmbito. A prostituta generalizante e relativista e o seu sintoma: e contraponto enquanto positivação possivel. Por isso, o gênio na contradição da linguagem conIessa: 'Eu penso apenas em minha mãe. Posso Ialar-te dela? Ela me gerou. Ela gerou como tu: cem poesias mortas. Ela não conheceu seus Iilhos, como tu. Seus Iilhos prostituiram-se com pessoas estranhas¨. (Idem, 94). O gênio so pode Ialar de sua mãe como tradição presente na linguagem e responsavel pela luz da sua compreensão ocorrente quando supõe tambem a ocorrência no 129 esquecimento da sua positivação. Na escuta atenciosa como Iorma de oração, o gênio esta entre o receber o presente das intuições da criatividade de que se da conta em sua propria compreensão, das quais não pode indicar a procedência diretamente na linguagem, e, de acordo com a contradição da linguagem, a inevitabilidade da positivação das suas criações, das quais e obrigado a dizer que são suas e sobre elas ter a experiência de que muitas jazem no chão simplesmente liquidadas: Cem crianças mortas. Ambos, gênio e prostituta são o dialogo na suposição de interno e externo, pela qual a experiência se processa. O gênio na contradição da linguagem intui a dadiva da compreensão em todo o cotidiano e se dispõe a receber as reivindicações do passado presente. Por outro lado, o seu processamento em positividade de tudo o que surge para ser construido Iixamente para a repetição e a meretriz (Dirne). A Dirne, portanto, trata da temporalização, da possibilidade de historia construida enquanto signiIicado Iixo, o ser automatizado em semelhança mimetica. Por que Dirne (meretriz)? Mais uma vez, pelo Iato de a narrativa em termos de Era uma ve: sempre estar ao dispor de qualquer que queira repetir qualquer compreensão que surja, de ser exatamente a possibilidade da mimese em automatismo, de expressar o Iator responsavel pela instituição do resultado tradicional que somos e que repetimos em constante auto- instituição sem a intuição da dadiva, mas que ao mesmo tempo e sempre material de possivel recordação, des-esquecer, ou desvelamento. O gênio e responsavel pela interrupçào, ou ele e ela mesma, o Iundante, o originario, Ursprung, e, por isso, descansa com a prostituta que tudo aceita, ou seja, qualquer coisa que se apresente como possibilidade de positivação Iixa e capaz de repetição. De acordo com a citação, o gênio vai a prostituta para descansar, pois na sua condição não ha descanso possivel pelo Iato de sua compreensão estar ativada num retorno para si, num se volver a consciência de toda a compreensão objetivada ja em andamento em si para que seja admirada, nomeada e precisamente inaugurada como possibilidade de Iuturo: não tem onde reclinar a cabeça. O gênio senta-se para conversar, toca a prostituta e se sente como se ja estivesse descansando ha muitos anos, como se tudo o que o tivesse angustiado, o que tivesse compreendido e nomeado criativamente Iosse a prova do seu sono de positivação constante, o rastro de um sonho que so agora termina quando tambem percebe e leva em conta a inevitavel compreensão da necessidade de positivação na 130 linguagem. Tanto e assim que, na conversação entre as duas perspectivas da contradição da linguagem, a prostituta primeiramente diz que se deitasse com o gênio não poderia dormir, isto e, se simplesmente Iosse cooptada a assumir tambem o outro lado da linguagem não haveria qualquer positivação e, com isso, qualquer possibilidade de compreensão organizada. A inquietação da voragem que o retorno insistente do gênio representa simplesmente destruiria ate a existência provisoria de uma compreensão prudente em sua recepção de sentido. Cada positivação pela qual se Iaz a noite aquartelada do esquecimento merece a atenção receptiva por parte do gênio para que o olhar signiIicativo dela seja visto antes de ir-se esvanecendo em novo signiIicado. No encontro com a tradição o gênio recebe como dadiva a compreensão positivada das pessoas, pois delas depende para a leitura de novos atalhos em direção ao caminho de retorno para onde se volta a sua atenção. A prostituta pede a mão obreira do gênio e na qual então sente agora a dormência para o pôr da poesia, para a instauração do novo e nomeavel nos caminhos de retorno. Gib mir deine Hand (Da-me a tua mão): pegando em sua mão obreira Iaz o gênio esquecer-se da sua itinerância poetica, pois e a mão que Iigura o pôr do que e possivel ser poetizado. E como se a prostituta indicasse que agora e tempo de narrativa de tradução do que Ioi posto para que a propria tradição possa ser constituida no tempo de compreensão determinada, organizada e construtiva para a continuidade de si. Precisamente por isso o gênio recorda- se da sua mãe, a totalidade da tradição virtualmente presente na linguagem. A tradição viva e em processo de recordação constante no gênio como uma das suas caracteristicas e a propria possibilidade, a Ionte, o nascedouro de que tudo provem. Ele recebe noticias dela em seu proprio pensar e naquilo que compreende das outras pessoas. Quem poderia deixar de ser um indice dela, pois todas as pessoas o são mesmo na assim considerada menor participação no sistema comunicativo a perIazer a compreensão epocal coletiva. A quem contara sobre a sua mãe? A narrativa so acontece pela linguagem como uma de suas expressões nas Iormas de positivação na compreensão Iixa por parâmetros epocais. A mãe tradição e a prostituta da positividade do Era uma ve: se entrecruzam na contradição da linguagem. Trata-se de outra versão da situação de queda relatada no Gênesis. Ambas, a mãe e a prostituta geram Iilhos: cem poesias mortas. A mãe não conheceu os seus Iilhos, pois ou são positivados e dela se esqueceram, ou são por ela 131 mesma destruidos em Iavor de nova signiIicação que surge de seu seio. Tambem a prostituta não conhece os seus Iilhos, pois sempre muda em nova positivação. Os Iilhos de ambas prostituem-se constantemente: não podem permanecer na consciência da tradição, nem permanecer com a prostituta que sempre outros gera em detrimento dos anteriores numa positivação sem Iim. Como Iilho de toda a tradição da humanidade, como Iilho do homem, o gênio compreende que tanto ele mesmo, como todos os outros, e a ocorrência do encontro no seio da tradição, ou seja, de uma Iorma ou outra, todos estão como que no colo da grande mãe, chamada tradição, que sempre Ialou e Iala, manda noticias do acontecimento que ela mesma e por meio da compreensão eIetiva de todos. O gênio a todos vê como seus representantes, ou como sua expressão a ponto de conIundir a mãe tradição com todas as pessoas que então se tornam como que mãe para ele na escuta em que esta, todas as mulheres o pariram pelos signiIicados dai advindos, recebidos e guardados, e nenhum homem o gerou, porque tal representação no momento indicaria novamente a intenção da explicação por meio das categorias de causa e eIeito e isso, por sua vez, signiIicaria a volta a atividade das construções apequenadas com a sua inevitavel entronização de um criterio absoluto para Iins de proceder a julgamentos determinando o que pode e o que não pode Iazer parte do sistema em crescimento. Deste modo, cada um e como que um resumo, ou indice do total da tradição em acontecimento. Cada um e Iragmento de um todo sempre suposto, pars pro toto, ou seja, metonimia concreta e atuante da totalidade sempre suposta. A prostituta explica o lamento de todos os que a ela recorrem como positivação pelo Iato de olharem para dentro das suas vidas, isto e, para todo o passado positivado na presença de determinada biograIia, tendo a impressão de suIocamento, de limitação do ar da possibilidade de abertura para novo sentido. O signiIicado que se inscreveu como compreensão de vida aIigura-se como destino limitante. O que Ioi compreendido e dito mesmo na percepção da ocorrência torna-se escrita e destino sedimentado e, por isso, cada vez mais diIicil de combater. Alem do mais tambem o gênio dorme com a prostituta que e uma das perspectivas da contradição da linguagem. Quando os homens com ela olham para a sua vida, ou seja, a partir da sua perspectiva, parece que a cinza do vivido os suIoca e, então, ninguem os gerou, pois a historia parece naturalizada como destino e a grande mãe tradição que possibilita a compreensão e esquecida. Eles vão a prostituta para nào gerar, ou seja, a sua compreensão e naturalizada e, portanto, esquecem-se da pergunta inicial 132 plena de admiração pela ocorrência da compreensão: O que me acorda todas as manhàs, onde estas, lu:? Na positivação da queda, da prostituição da linguagem, as cinzas do vivido sobem a uma altura capaz de tudo suIocar numa sistematização dogmatica cerceando toda a possibilidade de retorno a uma visão mais ampla do que ja sempre esta suposto, queimando tudo a volta para liquidar com qualquer oportunidade de continuidade de relação. Tudo o que com a prostituta Ior positivado se Iaz narrativa historica Iixa compreendida e, nessa positivação prostituida, todos compreendem que ninguem os gerou, pois com ela tudo ja se tornou naturalização e os homens a ela vão para cumprir o seu destino automatico sem a consciência da geração que mesmo promovem e são no apoio que dão ao que ja ai esta. Ninguem os gerou, porque são e sempre serão as repetições do igual, mas ja agora sob a inIluência do encantamento alienado das explicações pela categoria de causa e eIeito, ou seja, prisioneiros da Iala estrategica para Iins de convencimento de acordo com alguma construção teorica ja em Iuncionamento, alguma conIiguração ideologica ordenando todos os Ienômenos de acordo com a linha do tempo e resultando na prostituta Era uma ve: como Benjamin mais tarde dira na XJI Tese de Sobre o conceito de historia (GS I-2, 632). A ideia da prostituição e a ideia da repetição do que se apresente como sugestão ordenadora, em parte, porque supõe a necessidade do instinto implantado para Iuncionamento automatico sem necessidade de reIlexão. A prostituição e a degenerescência, decadência que se expressa pela tranqüilidade da mera inovação a se tornar costumeira, repetição satisIeita em Iorma de normalidade instituida seja qual Ior, o gozo da repetição nas redes do instinto sedimentado. Assim como a prostituta e a positivação constante a ponto da relativização de qualquer sistema, qualquer poesia, qualquer construção que se apresente, toda a mulher e como ela, mas no sentido de uma decisão ja sempre tomada, mesmo que provisoria, por pelo menos um discurso que apresente a pretensão da segurança numa paisagem possivel e com horizontes deIinidos. Juntar os rastros de si para uma signiIicação concreta e coerente do agora com Iins de contar com a construção de um ponto logico e se viver o tempo adequado no ritmo do nascer e da morte das coisas e a caracteristica da signiIicação inscrita no uso imediato da linguagem. Benjamin identiIica tal caracteristica com a mulher em geral. Toda a mulher quer a positivação de um lugar ao sol numa paisagem cujos horizontes não sejam vitima da insistente destruição criativa, como na perspectiva 133 necessaria do gênio, e tambem não se obscureçam pela instalação da indeIinição de uma inIidelidade como que programada e sem possibilidade de aconchego que se paute por alguma menos regularidade, e ainda, alem disso, não imprensem a compreensão entre limites suIocantemente deIinidos a ponto de suscitar a claustroIobia para quem neles soIre por embotamento esquecido das suas possibilidades. Toda a mulher ai aparece como reconstituidora de paisagens possiveis a exemplo dessa outra perspectiva da linguagem que inevitavelmente permanece em exercicio com sentido deIinido para que tanto o gênio com as suas descobertas possa ser, quanto a prostituta na imediatidade da sua positiva inIidelidade a qualquer poesia apresentada. Entre o gênio descobridor e a prostituta da aceitação da positividade cambiante esta a mulher como suposição de exercicio e uso da linguagem sempre acompanhante de qualquer deIinição ou destruição de sentido. O gênio sabe que nasce como morte do sentido em uso inscrito nas palavras. O gênio destroi desconstruindo a normalidade da Iunção das palavras nos ediIicios compreensivos construidos. Mas essa mesma destruição signiIica precisamente o vir a ser de um natimorto possibilitado pela linguagem sempre em uso, mesmo nas mais tresloucadas intuições geniais. A constância do uso das palavras na eIetividade do seu exercicio presente, dinâmico e jamais deIinivel por completo e a possibilidade de ser tanto da genialidade da linguagem quanto da sua prostituição. As palavras morrem na boca do gênio em constante passagem devido a perda de seu sentido Iixo e as proprias palavras esperam-no em novo sentido, por sua vez Iixo tambem em nova narrativa Iigurando compreensão determinada. A genialidade e a morte que se Iaz presente na passagem de uma constelação compreensiva a outra e a linguagem em uso eIetivo entende-se como um sentido de antes e um sentido de depois. Assim a linguagem sempre pariu um gênio morto e sempre espera a sua morte como se tudo Iosse a exemplo dos dois lados que sustentam a ponte. Mas, mesmo assim, as paisagens da vida signiIicativa necessitam da ponte como passagem Ilutuante em seus intersticios. O gênio nesses termos nasce morto, mas e ao mesmo tempo a unica instância que sabe disso: sabe que seu nascimento como ponte depende dos esteios da instituição Ieitos instinto cultural, que Ioi produzido em serie pela maquina competentemente repetidora, na qual a Iormação do eu na luta travada contra os ancestrais e a luta contra a morte em Iavor do nascimento do mesmo eu em outro lugar, desta vez tentando descolar-se da tradição pelo inicio de nova construção. A linguagem em uso na Iigura de todas as mulheres, as 134 quais venho são sempre a paisagem antes e depois da ponte sobre o precipicio da morte. E precisamente por isso que a prostituta diz: 'Mas eu sou a mais corajosa para a morte¨ (GS II-1, 94). A prostituta aceita todo o tipo de morte: ela e a expressão da morte, o abandono do consagrado para o aceite e embarque em qualquer discurso estrategico, inclusive o novo surgente do gênio, tanto que com ela se põe a dormir. Seria a possibilidade do inicio de cada construção, de incessante começo de trabalho de empurrar a pedra morro acima como SisiIo, a inIidelidade que se traduz na Iacilidade de se convencer para o esIorço de sempre nova construção. O elemento Ieminino-construtivo de apoio na empreitada parece-se com a Iorça de atração divina a recolher a sua propria luz em cântaros sempre prestes a se quebrarem no esIorço de seleção e recolha. A prostituta diz que sempre esta disposta a travessia de qualquer ponte que leve a novas paisagens e, com isso eles, apos a conversação, gênio e prostituta vào dormir, ou seja, de algum modo ambos identiIicam-se pelo destemor em aventurar-se sobre as proIundezas dos precipicios nas passagens em que Iundamentos não são visiveis. Era uma ve: sempre servira de corpo para a atividade do gênio a vislumbrar novas signiIicações para a Ieitura de novas constelações ai tambem existentes pelo exercicio expressivo de palavras em uso na simultaneidade da ocorrência da compreensão. No uso inevitavel da linguagem em exercicio da-se a possibilidade da escuta do gênio e das elocuções sempre positivadas da prostituta: 'A mulher cuida das conversações¨ (GS II-1, 94). Ela concebe possibilitando a morte anunciada pelo gênio, ou seja, o silêncio ouvinte e criador inscrito em seu ritmo, e a meretriz (Dirne) que em sua inIidelidade recebe qualquer proposta provinda do bau do passado presente para a execução, isto e, o criador do ja sido em exibição prostituida numa compreensão de si que e esquecida e sistematizada. Portanto, a conversação mesmo entre as perspectivas da contradição da linguagem se da pelo cuidado dela mesma enquanto linguagem em não se perder no imponderavel da mudança do seu sentido, seja pela criação constante, seja pela inIidelidade de imposições de sentido em relativizações sucessivas. O que em silêncio se gesta a mulher recebe em silêncio aderindo, cooperando e apoiando. O elemento Ieminino simboliza a necessidade de desenvolvimento pratico e continuidade em uso da instauração eIetiva do sentido ja surgido. O que surgiu a luz do sol enquanto sentido devera ser de alguma Iorma velado, cuidado e desenvolvido, mantido na 135 duração para o Ilorescimento no proprio uso da linguagem. Nessa acepção a Iidelidade silenciosa na guarda, educação, alimentação ininterrupta representa a propria condição de possibilidade da transmissão do ja surgido, produzido, inventado, ou seja, da totalidade da tradição. Toda a linguagem tem como parcela maior esse elemento Ieminino necessariamente conservador da concepção e do descortino surgidos. Ela recebe o Iruto do silêncio no calar-se do sentido das suas palavras e com elas o acalanta, como se delas Iosse objetivamente separado assistindo ao seu desenvolvimento nas repetições convencionalmente estabelecidas. Mas essa caracteristica pode transverter-se em outra, ou melhor, signiIicar uma Iaceta a mais desse mesmo desenvolvimento: A prostituta inIiel. Ela e Ieminina, inIiel, mas curiosamente Iiel ao elemento Ieminino de outro modo. Pois, quem sempre recebe a nova direção a ser instituida? Quem abriga, por pouco tempo que seja, o novo sentido a ser consagrado por repetições interpretativas? Quem acalanta a nova especie de criança a ser desenvolvida a não ser a inIiel-Iiel ao receber o criador do ja sido na Iorma do gênio? O criador do ja sido e o personagem que rearticula, renova, revoluciona re-agrupa signiIicativamente o que ja Ioi e que esta virtualmente presente enquanto possibilidade no presente. O gênio escava por baixo da tumba das instituições em decomposição e encontra tesouros que oIuscam a tristeza melancolica das repetições, isto e, encontra os Iundamentos do instituido que tem sempre a possibilidade de abrigar pelo menos a memoria da totalidade epocal do sentido em processo e são, por isso, a Ionte maior de que podem jorrar novos sentidos em novos tempos. Devem eles então merecer a escuta das inIieis para que o proprio passado possa presentar-se renascendo no agora, um agora Iruto do processo de libertação de instituições automatizadas, naturalizadas, banalizadas, desumanizadas. O ja sido e recebido enquanto criação em Iorma de nova compreensão e modiIica o cotidiano instalado em seu Iluxo de repetições tranqüilas, domesticado e esquecido da instituição. A lembrança criativa re-institui instaurando o ja sido. Todo o novo e instituição em Iorma de lembrança do ja sido, ja que a criação e Ieita de materiais do passado presente oculto na instituição geral presente. As das dimensões da linguagem que são as do gênio criador, da prostituta relativista e da mulher mantenedora agrega-se uma quarta perspectiva que e a do 'lamento quando homens Ialam e que ninguem vigia¨ (GS II-1, 94). A mulher cuida das conversas. Ela recebe o silenciar e a prostituta recebe o criador do fa sido. Mas ninguem vigia o lamento quando homens conversam. A sua conversaçào torna-se desespero, ela ecoa no recinto surdo e 136 blasfemando ela se alça a grande:a. Dois homens funtos sempre sào revoltosos, por fim recorrem a ferro e fogo. Eles destroem a mulher pela obscenidade, o paradoxo estupra a grande:a. As palavras de sexos semelhantes reunem-se e se excitam pela secreta simpatia, surge uma ambigùidade sem alma, mal encoberta pela dialetica cruel. A revelaçào esta risonha diante deles e os força ao silêncio. A obscenidade vence, o mundo era construido de palavras. Agora eles precisam erguer-se e assassinar os seus livros e raptar uma fêmea, pois do contrario irào enforcar secretamente as suas almas (GS II-1, 94-95). Quando os homens conversam instala-se o lamento, pois a linguagem interpretativa que se desvia e aIasta da repetição automatizada e lamento, crise, revolta, pergunta, suspeita e, precisamente assim, possibilidade de criação do novo. Primeiramente e insatisIação com a situação interna e externa que mesmo são enquanto instalados, a qual se expressa como linguagem-lamento. A linguagem descritiva e interpretativa da sua propria compreensão ja e constante aIastamento e lamento de si, ja que, o que e, e linguagem em processo e percurso de mutação. De onde a insatisIação, a pergunta, a crise e o lamento que leva a tentativa de nova construção e a necessidade de adesão, de inIidelidade e de Iidelidade do elemento Ieminino perito na arte do desvelo em relação ao velho novo que surge? De onde no homem a irrupção do gênio com o seu impeto de reIormulação e rearticulação das regras da compreensão ja estabelecida para a implantação de sentidos de passado diIerenciados? A grande mãe tradição na linguagem não consente nenhuma guarda, não ha segurança, não ha possibilidade de previsão, não ha jeito de administração regular da irrupção do novo que sempre signiIica nova vida debaixo do sol, mas sempre imprevisivel em seu surgimento como, alias, a Iorça messiânica que, conIorme o Fragmento teologico politico, não permite a construção da teocracia. Messias e Iorça contraria pela compreensão iluminada do retorno, o surgir do inseto kaIkiano da Metamorfose pela visão aguda das circunstâncias e da percepção do sentido da liberdade kantiana como instauração abrupta de nova seqüência na maquinaria das produções do entendimento, liberdade sem possibilidade de processo adaptativo regulamentado socialmente, ou seja, simples interrupção da Iluência ininterrupta esperançosa dos valores em busca de Ielicidade enquanto dor do ausente. A linguagem em mutação e lamento e evolui para o desespero que ecoa ja como catastroIe Irente ou diante de ouvidos moucos: ninguem escuta, ninguem compreende a intrepidez de aIrontar o que ja e em curso de compreensão normal. Não ha espaço no 137 recinto da compreensão estabelecida para aquilo que intenta liquidar o proprio espaço, agora surdo para a linguagem não convencional. Quem poderia organizar o não convencional? 'A sua conversação torna-se desespero, ela ecoa no recinto surdo e blasIemando ela se alça a grandeza¨ (GS II-1, 94). De algum modo a propria linguagem se contorce rebelando-se contra o estatuto da sua naturalização na mera comunicação de objetividade instalada e maquinal, e contra, então, a escravidão que impede o aIastamento de horizontes viciados e a travessia para novos ares: 'Mas ninguem vigia quando homens conversam¨.(GS II-1, 94). São epocas de mutação e de desespero em que a linguagem se alça a sua grandeza possivel, ao repertorio insuspeitado da pletora do sentido a se descobrir como contorção na compreensão do cotidiano. E evidente, então, que a blasIêmia, com seu halito perigoso, baIeja a boa consciência instalada nos processos repetitivos. Pretender alçar-se a grandeza, por outro lado, e querer alçar vôo na pretensão de se despoluir das catastroIes em andamento em que se esta comprometido: voar para se perceber a si mesmo no vôo ja em andamento, o que e impossivel. Visibilidade total de si não ha, pois ela sempre estara comprometida com a condição de possibilidade da compreensão que e o que desde sempre em totalidade ja Ioi instaurado para qualquer possibilidade passada ou Iutura. O anjo encalacrado e apavorado da IX Tese de Sobre o conceito de historia (GS I-2, 697) e tambem um anjo perplexo que, pelo peso da poluição Ieita do que ele vê como tradição esclerosada e que lhe serve de condição de possibilidade da compreensão que tem e que o aIeta, não consegue alçar o seu vôo a alturas em que a contradição da linguagem não se exerça. O desespero traz a revolta, podendo Iinalizar com a utilização do Iogo e do Ierro em encrenca geral e guerra programada. O choque dialetico emerge Iirmando posições contrarias e proIundamente contrariadas a ponto de 'recorrerem a Ierro e Iogo¨ para impor-se como simples descoberta. 'Dois homens juntos sempre são revoltosos....¨. 'Eles destroem a mulher pela obscenidade...¨. As novas noções que se agregam para a Iormação de nova conIiguração compreensiva são levadas a se impor pelo descarte das antigas por meio do vilipêndio obsceno do que exatamente as possibilita na situação de contraponto. As acusações que se sucedem são dirigidas de parte a parte a unidade entre conteudo assumido como objetivo e o acontecer da sua deIesa de existência como sentido, de modo que 'o paradoxo estupra a grandeza¨, isto e, a revelação do novo ai se possibilita ate no esIorço alienado da Iirmação das posições em contraponto, mas sem, portanto, o acompanhamento compreensivo do 138 deslocamento de horizontes. O proprio paradoxo da linguagem transIigura-se como local da emergência de compreensões em revelação conIundindo indicações objetivas de conteudo com a percepção do seu acontecer. São 'as palavras de sexos semelhantes¨ que se reunem e se acirram em excitação 'numa secreta simpatia¨ exercitando o mesmo que na atividade do outro condena. E a linguagem em uso na construção guerreira na deIesa de Iundamentos assumidos. A linguagem ai se imbui da intenção de se tornar eIiciente em eIeito Iormal no convencimento para a aceitação de um conteudo como se ele Iosse objetiva e absolutamente separado, a exemplo da discussão soIistica retorica da estrategia politica, da missão para conversão dos que ainda não aderiram, da propaganda eIiciente para o consumo e o lucro, na programada deIesa ou acusação juridica e em toda programatica pedagogica do sistema educacional esquecida da reIlexão sobre si. A alma humana, deIinida pelo cuidado e pela criatividade constantes na linguagem, embate-se em ambigüidades semânticas entre esquecimento e vaga recordação, e se percebe em dialetica cruel entre a duração pela guarda do sentido e a sua eIetiva nova e diIerenciada emergência. Todos os percursos de travessia acarretam soIrimentos pela crise de se assumir e tomar posse do novo espaço no deslocamento de compreensão. Possibilidades de objetividades e subjetividades tornam-se Iantasmas nas noites e nos clarões de percurso em que qualquer norte não se sabe ou parcamente se adivinha. E a expulsão constante para Iora do Ialso paraiso da deIinição alocada como imagem verdadeira e absoluta em direção a precariedade da peregrinação em busca de nova terra e Iormação de patria. E povo geral no deserto a soIrer os percalços inerentes e necessarios a pedagogia de sua Iormação. Mas e tambem a possibilidade de se ouvir, entre o alarido desesperante, guerreiro e cego pela noite escura ou pela luz oIuscante em torno, o murmurio da Ionte da revelação que tudo isso signiIica. Nos percalços da contradição da linguagem surge o novo que poderia ser ouvido e recebido pelo instituido apoiado num determinado uso. O novo para si exige em deboche o aviltamento desse mesmo uso, a prostituição da mulher Iiel ao estatuido em mutação. Pela destruição da guarda Ieminina por meio de ridicularização e obscenidade o novo tem a possibilidade de vir a luz da regulamentação cotidiana. Ou seja, não ha vôo para alem das possibilidades da linguagem. O novo velho em seu retorno so consegue introduzir-se por rupturas no ataque a inercia da Iorça historica por meio de embates gerais no seio da linguagem. A interrupção que o novo representa em seu ataque obsceno a instituição 139 estabelecida e estabilizada instaura um jogo de Iorças historicamente ativas enquanto nova conIiguração compreensiva. A grandeza de uma recepção calma e tranqüila e diIicil de ocorrer entre os que estão embalados pela velocidade do estabelecido. O canto dos anjos de um nascimento inovador so os simples pastores nos limites dos campos e os demais despossuidos das regalias do sistema geral de compreensão podem ouvir. A recepção compreensiva para a construção organizada do novo e uma quimera que a totalidade epocal so consegue ouvir e apreciar como a sua propria decomposição. O homem que lamenta o instituido que e em linguagem, desgraça a mulher instituição e se torna amante inIiel da inIidelidade. As Iorças compreensivas historicamente agora agentes estupram a grandeza de um encontro receptivo possivel. Em meio ao embate comprometido e proIano do sentido a Iundar a historia e o tempo em construção da Ielicidade, o nascimento do sentido em revelação impõe-se como dinâmica de interrupção Iorçando ao silêncio da escuta. 'Risonha a revelação esta diante deles e os Iorça ao silêncio¨. (GS II-1, 94) Uma 'ambigüidade sem alma¨ surge porque tal 'dialetica cruel¨ escamoteia a beleza de uma conversação possivel em escuta mutua para a escavação dos Iundamentos das posições em jogo num retorno que Iizesse ver a precariedade das justiIicações em guerra de sentido. Na ambigüidade sem alma, uma parte acusa a outra de deIesa de posições meramente interesseiras, ou erradas, ou mal intencionadas num processo ate risivel a ponto de poderem perceber a revelação diante de si, o caminho andado e os rastros Ieitos e recolhidos no riso dos resultados presentes. Então ha que Iazer silêncio Irente ao que a linguagem em contorção pedagogicamente deu a entender. O que a linguagem ensina e que ate o seu uso guerreiro e obsceno na conIusão excitada da contradição da linguagem obriga a compreensão de que 'a obscenidade vence, o mundo era construido de palavras¨. Quem vence e a derrocada da tradição segura e costumeira na mão e na guarda da mulher. A transIormação pelo deboche sobre o construido e guardado como sagrado e naturalizado durante gerações e acontecimento destrutivo e violento, Ieito de criatividade e imposição, na maioria das vezes sem a percepção de sua relação com a justiIicação e a Iundamentação que em novo patamar o estabelece na continuidade da contradição da linguagem. A obscenidade a vencer e a sugestão de mudança agora eIetivada, outro rumo possivel pelos sentidos em embate e a interrupção da revelação audivel no silêncio da escuta. Nisso e possivel perceber que o mundo era Ieito de palavras, de compreensão esquecida de que o Iosse e alienada na conIiguração das objetividades e subjetividades. A expulsão do paraiso continua. A obscenidade e visivel e surge a vergonha do que se vê na visão em retorno: 140 rastro, historia, Babel, catastroIes gerais. E não se sabia, poder-se-ia acrescentar. O mundo era construido de sentido, de compreensão de si e não de circunstâncias externas e inexoraveis como destino. A obscenidade que vence e a que os homens são e que eles Iazem vencer: e seu novo auto-julgamento pela sua auto-aIirmação com o acompanhamento das possibilidades da linguagem em novo uso e em nova Iidelidade para que haja compreensão. 'Agora eles precisam levantar e assassinar os seus livros e raptar uma Iêmea, pois do contrario irão enIorcar secretamente as suas almas¨.(GS II-1, 95). E o que precisa ser Ieito por ser o unico a Iazer: mudar todas a versões existentes e Iixadas na escrita, incrementar a nova versão, decidir-se a construção das novas instituições e trabalhar e zelar pela reprodução. O rapto de Iêmeas como metaIora da possibilidade de introdução e implantação do sentido acentua que o mundo e Ieito de palavras e que Iora do sentido e das palavras não ha mundo humano. Ha que construir levantando bem alto a bandeira da decisão. EnIorcar a sua alma equivaleria a loucura da Ialta de decisão na incompreensão total sem o aporte de qualquer linguagem em uso, um onanismo teorico incapaz de promover a IrutiIicação da linguagem em qualquer paisagem compreensiva, uma guarda secreta por ocultação e negação de extroverter a sua paixão surgida precisamente na revelação da monotonia dos dias. Assim, o silêncio da escuta que possibilita a revelação somente pode ser identiIicado enquanto extroversão quando desagua como Ionte visivel no prazer do encontro na conversação ou na altercação guerreira, mas ambas responsaveis pela inseminação na guarda, no anelo e no desenvolvimento do novo sentido do mundo em que se juntam as palavras para a Iormação da circunscrição da nova constelação Iundamental. Benjamin menciona a poetisa SaIo de Lesbos como Ialante e pergunta como Ialava com as suas amigas. 'Como Ialavam SaIo e suas amigas? Como veio a ser que mulheres Ialassem? Pois a linguagem as torna sem vida. As mulheres não recebem dela nenhum som e nenhuma libertação¨ (Idem, 95). A questão que coloca e a de que SaIo e mulher, mas e tambem genial poetisa cuja lembrança permanece por todos os seculos, ou seja, Iala na consciência da contradição da linguagem sabendo do retorno da Iala sobre si mesma na auscultação do que consigo traz desde as caracteristicas de todo o sentido possivel inscrito no total da tradição, em seu reducionismo epocal em conIiguração transitoria, em suas possibilidades guerreiras na dialetica cruel, em sua atividade de uso na Ieminilidade da espera, da recepção, do desenvolvimento e da conservação do antigo para o nascimento do 141 novo sentido na emergência genial, ate a inevitavel e, por isso, sempre presente Iicção de objetividade absolutamente Iundamentada para a compreensão possivel. Por isso tudo, a poetisa SaIo e escrita poetica presente que na conversação ainda e capaz de ruptura pela dinâmica do retorno que impõe como acontecimento. A linguagem em seu uso como que apenas ainda a disposição da manipulação das objetividades do dia a dia então não se consuma em sua plenitude, pois permanece somente como atividade comunicativa de acordo com os criterios de julgamento subjacentes. Do mesmo modo, mesmo que plena de possibilidade de reconstituição do esquecido sentido dos milênios, toda a escrita necessita da reativação vibrante da escuta e do direcionamento objetivo que se lhe da. Sem a angustia da contradição da linguagem com todos os seus percalços a escrita e muda e esteril, não chegando a constituir objetividade e nem emergência do sentido de si como linguagem plena. E a escrita da qual aqui se trata não e so a dos livros, mas a escrita Iixada como compreensão ocorrente na Iala da mulher no cotidiano que Benjamin utiliza como analogia. A verdade do acontecer e a verdade da Iicção objetiva por Iundamentos, o que perIaz a contradição e a angustia do gênio, não conseguem separar-se para qualquer Ieitura de linguagem plena em que tais condições de possibilidade em exercicio concreto estivessem superadas. Ja sabemos que na caracterização das perspectivas da linguagem 'a mulher cuida da conversação e recebe o silêncio¨ conIigurando o acalanto quieto e o ritmo do tempo do que vem a ser para que a compreensão seja possivel e tudo não se perca na demência de diIerenciações inIinitas num imediato absoluto. Trata-se da capacidade de manutenção da linguagem em atividade numa conIiguração deIinida de determinada epoca. A linguagem, porem, não se completa apenas na manutenção das condições de compreensão normalizada para a construção de Iuturo a base de Iundamentos postos e aceitos como sugestão de desenvolvimento e a respeito dos quais na ha mais tematização. A mulher, então, ainda distante de SaIo, ai aparece como representação da convenção geral em sedimentação historica de acordo com a qual se implementa a construção do tempo e da epoca. A escravidão aos Iundamentos agora ja postos e aceitos no uso imediato da 'linguagem torna-as sem vida¨. Elas devem seguir ditames agora esquecidos e, por isso, desconhecidos e da linguagem 'elas não recebem nenhum som e nenhuma libertação dela¨ (GS II-1, 95), isto e, na atividade construtivista não recebem nenhuma noticia do passado presente, ja que estão obrigadas a se direcionar 142 completamente a repetição em Iorma de Iuturo e não ao voltar-se para a veriIicação das condições de possibilidade que ainda no presente estão a viger. Por isso a tagarelice as caracteriza: 'As palavras esvoaçam sobre as mulheres quando estão juntas, mas o sopro e pesado e mudo, elas se tornam tagarelas¨ (GS II-1, 95). Apesar da tagarelice sobre os assuntos do cotidiano, permanece nas mulheres a capacidade de escuta e a disposição para a aceitação do novo e ao seu apoio: 'O seu silenciar, porem, reina sobre o seu Ialar¨ (GS II-1, 95). Elas não estão de todo comprometidas com o que esta em andamento, pois as suas possibilidades são em numero inIinitamente maior do que o acalanto do Iilho do momento epocal. Elas têm muito mais a contribuir em termos de aceitação do diIerente inscrito na linguagem, pois sabem que o novo provem precisamente do mais antigo, do hetairico: 'A linguagem não carrega a alma das mulheres, pois elas nada lhe conIiaram; o seu passado nunca esta concluido¨ (GS II-1, 95). Assim, num presente de ruptura compreensiva a inconclusão do passado pode signiIicar a cada instante a instauração de uma recuperação parcial. O presente sempre esta sujeito a uma recepção compreensiva modiIicando a percepção acerca do passado que jamais se conclui. Nessa perspectiva da linguagem nada e estranho a mulher. 'Ao seu redor as palavras dedilham-nas e qualquer habilidade rapidamente lhes responde¨ (Idem, 95). A capacidade de adaptação a qualquer nova conIiguração e inerente a mulher, pois nela todo o passado esta virtualmente presente. As mulheres agora são o que os homens delas Iizeram e isso indica uma analogia com o processo ambivalente que se da tambem na linguagem. Como a mulher que continuamente se dispõe ao desvelo do novo para a sua conservação e com isso demonstra a ancestralidade das suas multiplas aptidões, assim tambem a linguagem em cada uma das suas contorções assinala a ambivalência de no presente inovar novos caminhos de compreensão dirigindo-se as condições de possibilidade inscritas e descobertas no passado e atuantes no agora. A rede que o gênio Ialante tece a partir da sua angustia criativa e que lhe proporciona a consciência da mudança de si no retorno a observação e a descrição do vir a ser a partir do cotidiano e o surgimento da linguagem para a mulher. A linguagem lhe aparece no gênio Ialante que com diIiculdade e muito cuidado procura cunhar com palavras o molde da imagem da amada que o silêncio dela inspirou e ela silenciando então escuta o que e inovação e mudança de ambos na conversação: 'Mas apenas no Ialante lhes 143 surge a linguagem, o qual atormentado espreme as palavras, pelas quais ele cunhou o silêncio da amada¨ (GS II-1, 95) O Ialante da conversação e criativo e retratou a amada criativamente: ele e aceito com a sua novidade Ieita de deslocamento de sentido. O Ialante- gênio nomeia instaurando o ja dito e agora lembrado. Sem nomeação em direção ao passado presente na admiração do ja dito e entalhado mesmo na tagarelice de agora, sem a conclamação da relação temporal ocorrente, sem um retorno ao que sempre era para a instauração do novo em Iorma de Iuturo, as palavras emudecem: 'Palavras são mudas¨ (GS II-1, 95). Que as palavras sem a sua relação com o suposto que não conseguem indicar possam ser mudas mostra a propria experiência da contradição da linguagem. Não ha como entender a linguagem enquanto apenas demonstrativa e denotativa, signiIicante de signiIicado, pois a propria denotação e o proprio signiIicado são palavra e signiIicado que não conseguem jamais escapar da jurisdição que instauram. A linguagem não e apenas a existência do som organizado de determinado modo. E certo que o som e sinal, mas tambem isso e signiIicado sem, portanto, a possibilidade de se alçar ao nada, ao ponto zero do sentido, para de la promover indicações absolutas. Cada uma das palavras e um signiIicado para dizer e articular outra, tanto que não ha palavra que exista sem apoio de outra para ser signiIicado instituido em termos de compreensão. Temos palavras a explicar outras, e tais outras a perIazerem a compreensão das primeiras. Uma palavra como signiIicante a apontar uma sensação, um conjunto de sensações a denotar coisa qualquer que seja, so e palavra signiIicante, porque o Iato-coisa ja esta a supor signiIicados anteriores que ja estão em correspondência com a primeira palavra como signiIicante. Ou seja, qualquer coisa so pode ser mencionada pelo signiIicante com o signiIicado, porque a coisa, qualquer que seja, ja e signiIicado suposto. Assim, qualquer palavra signiIicante sempre se da como exercicio de leitura interpretativa de signiIicante- signiIicado ja dado. O emergir de um sentido não pode ser explicado a não ser por outra explicação numa seqüência sem Iim, e o outro modo de concebe-lo e a Iigura cunhada pelo Romantismo, que e a da subitaneidade do relâmpago. So resta a constatação atenta na ocorrência de si em compreensão com a sua tentativa inerente de implementar ja alguma construção. A angustia reIlexiva do gênio na situação de experiência da contradição da linguagem e a descrição mais reIinada do ja ser em uso dos signiIicados. O sentido como palavra e a designação de um passivo ja acontecido a receber atenção de um ouvinte doador de revelação e o signiIicado e o passado de um ativo ja 144 sedimentado. A signiIicação e a consciência da elaboração de direção signiIicante atual. Deste modo signiIicante e signiIicado sempre estão irremediavelmente juntos, mesmo que indeterminados entre uma situação epocal e outra. Palavras são mudas quando isoladas, enquistadas e cooptadas num sistema comunicativo no qual a transparência parece total quando Iaz brilhar em demasia a objetividade separada dos objetos que indica. Pelo apoio obcecado para o sucesso de novas e multiplas sugestões de conIiguração de Ialantes instauradores de novos Iundamentos descobertos, 'A linguagem das mulheres permaneceu incriada¨ (GS II-1, 95), mas seguidora do novo em implantação, o que e, por outro lado, uma necessidade da propria linguagem numa das suas perspectivas, ou seja, voltada unicamente ao Iuturo no esquecimento de que o mesmo e relacionado com o que no passado Ioi instituido. E por isso que 'Mulheres Ialantes são possuidas por uma linguagem desvairada¨ (GS II-2, 95), por vezes num delirio Iuturista, missionario, soIistico, propagandista e incentivador pela adoção e acalanto de todos os Iilhos postos a luz do dia. 'Como Ialavam SaIo e as suas amigas?¨ - Permanece a questão Iundamental de como SaIo e as suas amigas Ialavam, pois a poetisa representa a genialidade da linguagem. A questão e a de saber como a contradição da linguagem era encarada entre ela e suas amigas, ou como resolviam a angustia provinda da escuta atenta no silêncio e a necessaria instauração positiva, ja agora na consciência de todas as implicações da linguagem. Sob o veu do presente encontra-se o passado com as suas inIinitas determinações, de modo que a totalidade do ja sido esta relacionada com o que agora presentemente ocorre sem que tal relação possa esgotar-se como compreensão deIinitiva e absoluta. No uso presente e eIetivo da linguagem encontra-se de modo encoberto a totalidade da riqueza do sentido daquilo que Ioi. A presença encoberta do passado no presente da linguagem de agora perIaz a condição de suposto de todo o seu uso eIetivo, tanto da pretensão de sua objetividade, como da compreensão do seu acontecer. Pela descoberta paulatina das relações do presente com o seu passado instaura-se o Iuturo. A descoberta do passado e a instauração do Iuturo dão-se na ocorrência da compreensão na linguagem que procura romper o Iluxo continuo e repetitivo em que esta enredada para se voltar em retorno as determinações de si mesma. Tais descobertas e simultâneas instaurações alocam-se no presente e são veladas na linguagem como nova compreensão do proprio passado, ate mesmo na Iorma de um entendimento que privilegia explicações pela logica de um desenvolvimento positivo da historia de modo dialetico ou não. Toda a explicação historica 145 tem o vies da instauração compreensiva enquanto pretensão de objetividade separada do seu dizer, mas não deveria esquecer o seu comprometimento com o acontecer da sua compreensão no exato momento da sua elocução. '- A linguagem e encoberta como o que passou, vindoura como o silenciar. Aquele que Iala nela traz o passado a tona. Dissimulado com linguagem, ele recebe o seu ja-sido-Ieminino na conversação¨. - (GS II- 2, 95) A caracteristica da mulher em analogia com a linguagem, que e a de acalanto das novas conIigurações compreensivas, na convulsão da linguagem e agora compreendida por aquele que Iala na conversação precisamente como o seu fa-sido-feminino enquanto passividade de uma compreensão em Iluxo, mas que neste momento recebe como se agregando a sua experiência de mudança de si. Aquele que Iala na conversação da-se conta do que era como compreensão em temporalmente esquecido e encoberto automatismo e, na recolha dos seus rastros, recebe-a agora na compreensão atual. O Ialante percebe a sua compreensão normalizada em Iorma de explicação e se da conta de que em sua linguagem em uso ela se ativava como sua pre-compreensão sempre subjacente nos juizos e Ieitos e decisões tomadas. Na linguagem carregada de sentido esta o passado virtual, ou seja, a possibilidade de resgata-lo como relação com o agora em eIetividade. O passado vindouro enquanto interpretação surge pela escuta no silêncio do signiIicado que possivelmente se da. Quem Iala, Iala pela linguagem dos seus ancestrais, mesmo sem o saber: ou em Iorma de repetição, ou em Iorma de interrupção da estrutura vigente para valorizar e promover uma versão contraria. E, ao Ialar ele ativa novamente o seu fa-sido-feminino de acordo com o paradoxo da propria linguagem na sua intenção de acalanto de nova objetividade, ou ainda, na construção e no necessario engajamento na mesma pela Iormação de coerência sistematizadora interna, justiIicação por supostos ainda não descobertos por tematização competente e anelo pela construção de si mesmo em acentuação da subjetividade. No silêncio atento a compreensão ocorrente esta a possibilidade da leitura do Iuturo no passado. Na presença de SaIo as mulheres continuam a silenciar na escuta do que ela diz instaurando pela sua poesia um passado presente pleno de possibilidades de Iuturo. As companheiras de SaIo apreciam em silêncio atento o que ela vem a dizer em novo volteio de linguagem, cultivando ate a solidariedade corporal em aIago mutuo para amimar novas compreensões e novos sentimentos a surgir das brumas de um tempo esquecido. 'Mas as 146 mulheres silenciam. Para o lado a que elas dão ouvidos, as palavras estão impronunciadas. Elas aproximam os seus corpos e se acariciam mutuamente¨ (GS II-2, 95). No retorno aos primevos clarões em que os seres se aIagam e acalantam, o Iuturo ao ritmo da poesia, a conversação libertou do objeto e da propria linguagem. Nessa condição não ha mais o esquecimento de que tudo o que se esta a dizer provem de um todo que conjuga a participação nele como suposição constante da linguagem com a possibilidade de ensaios de Iundamentação provisoria e itinerante. A contradição da linguagem desmancha-se pela recusa de um tempo de ediIicação absoluta, a qual Iomenta a distração da Iragmentação sem relação, voltando-se para perceber a beleza do ja criado e vivente para nomea-lo como ocorrência de uma compreensão relacionada. 'A sua conversação libertou-as do objeto e da linguagem¨ (GS II-2, 95). O silêncio entre as mulheres na escuta da poesia de SaIo não e demonstração de preocupação quanto a revelação de alguma verdade intencionada discursivamente, mas e a atenção voltada a emergência da recordação de um percurso verdadeiro e ja realizado, mas esquecido. No silêncio das mulheres trata-se do despontar da recordação maior de que o murmurio da linguagem ocorre como participação na totalidade inominavel do existente, e isso enquanto plena atividade de organização compreensiva, acariciante e sedutora no percurso das inovações escavadas no chão do todo do ser. A linguagem renuncia ao seu exilio reIlexivo em que a si se esquecera e volta a compreensão de permanência da imanência dos seus signiIicados em que mesmo o seu vies de escuta se da como possibilidade de movimentação criativa no todo que sempre supõe. A linguagem retorna a compreensão do acontecimento no todo que e a sua propria condição que sempre a acompanha. 'Mesmo assim, ela chegou a determinado ponto. Pois somente entre elas e quando estão juntas a conversação mesmo se extinguiu e se acalmou¨ (GS II-2, 95). No estado de calma a conversação chega a si mesma depois de conIigurar a sua propria circunscrição, pois chega a determinado ponto em que a angustia decorrente da contradição da linguagem alivia o seu peso pela percepção da participação na nomeação do todo ja sempre suposto. SaIo na Iala e as mulheres na escuta são a expressão do olhar da grandeza. 'Agora Iinalmente alcançou a si mesma: tornou-se grandeza sob o seu olhar, como a vida era antes da inutil conversação¨ (GS II-2, 96). A arvore do julgamento sobre bem e mal e tambem a arvore da vida conIorme o Gênesis. Se o julgamento pela linguagem que se perde na instituição de criterios Iantasmaticos de Iundamentações para a 147 produção de verdades absolutas e silenciado por sua propria desistência e se reinicia a compreensão da ocorrência da nomeação criativa, então se tem a dadiva da vida sem o esquecimento em pretensões absolutistas. O olhar como se Iosse a partir da totalidade do suposto, em que toda a Iala e divisão e reunião participativa nele, e o olhar da grandeza e, simultaneamente, a instituição dela na consciência da sua inevitabilidade. Nesta nova dimensão compreensiva 'as mulheres silentes são as Ialantes do Ialado¨ (GS II-2, 96), mas ja na superação de uma objetividade separada, alienada, Iixa para Iins operatorios num esquecimento das suas suposições. As mulheres como representação da linguagem são as Ialantes a interpretar o que ouvem sem mais ter, nesse caso, o problema da angustia exacerbada a respeito do Ialar enquanto pragmatica e signiIicação. A questão do sentido e do sentido da pragmatica desanuvia-se sob o olhar da grandeza. Não ha mais o problema da Ionte que se e, e então resta a tareIa do reconhecimento da implantação, da concretização, da eIetuação operatoria e da adequação de uma verdade ja estabelecida e em acontecimento que mesmo se e. Ha como que um entendimento de que ja se e o corpo da escrita da tradição naquilo que se compreende e o meio pelo qual a mesma tradição desenvolve as suas potencialidades a partir da pletora do seu sentido sempre presente como suposto em conversação ocorrente. As preocupações quanto a alguma Iundamentação ultima que a tudo pudesse sustentar e a intenção da sua justiIicação absoluta como um Atlas sustentando o mundo descambam num circulo de Iogo ao inIinito que tudo queima em sua segurança ou numa dialetica cruel que tudo devasta em seus processos de digestão incorporativa. Tais preocupações com seus resultados são Iormas de compreensão instaurada que sempre se autoriza a julgamentos supostamente baseados em chão tão Iirme que não permite uma escavação ulterior. Fora do circulo de Iogo da procura pelo achado deIinitivo que pudesse posar de escudo para julgamentos absolutos, a busca por Iundamentações não se esgota na deIesa intransigente de uma delas, mas apresenta-se como modo de ser numa postura de continuidade para admiração do encontrado e no prazer da recordação pelo caminho de busca ja andado. Sair do circulo signiIica o abandono das preocupações quanto a Iundamentação positiva, a sua negação completa ou ao acerto da sua Iorma, vindo a situar- se, então ja Iora dele, no assombro admirado do que se apresenta no Ienômeno do encontro. 'Elas saem do circulo, so elas vêem a concretização da sua curvatura¨ (GS II-2, 96). 148 A generosidade inerente ao sentimento de admiração pelo acontecer da construção signiIicativa a base de Iundamentos possiveis liberta do vicio de se esquecer da propria construção compreensiva mesmo na recepção silenciosa e, por conseguinte, tambem da petulância acusatoria. Qualquer acusação sempre se arroga ao direito de esquecer que os criterios que a movem são como a Iogueira de Caim, cuja Iumaça e Iaiscas voltam ao chão para o suIocar e lhe deixar as marcas de Iogo no seu rosto. O lamento acusatorio direcionado aos outros e como que movido pelo esquecimento da ma Iogueira com que se construiu a si mesmo, cujo resultado suIoca e deixa marcas proIundas vincando o proprio destino como rastro de si. O circulo de Iogo construido por Iogueiras, cuja ma construção e o desacerto do esquecimento dos seus absolutizados Iundamentos e criterios de validação e justiIicação, impede que se veja a sua curvatura. Os lamentos e as acusações, que se voltam aos acusadores julgantes, cessam quando saem desse circulo e vêem a sua curvatura. Então, 'todas elas não se acusam e lamentam entre si, elas contemplam admiradas¨ (GS II- 1, 96). Em vez de lamento e acusação emerge a admiração contemplativa do belo entrevisto nas construções compreensivas que se apresentam como sugestão e possibilidade. A poesia de SaIo na escuta de suas companheiras e o simbolo da beleza em ocorrência. Na poesia a linguagem leva a contemplação meditativa porque não tem pretensão cientiIica ou qualquer intenção de produção de conhecimento ao modo da objetivação justiIicada por principios arcaicos ainda agora esquecidos e ativados para operações de dominação, mas, pelo contrario, ela se reveste do carater de expressão do indiciamento e da descoberta dos mesmos, ja que nas operações cotidianas em andamento se mostram transparentes na logica da comunicação Iuncional. As palavras da poesia captadas na meditação compreensiva e silenciosa por aquele que ouve apresentam-se desnudadas da intenção da procriação repetitiva a espera da Iormação de Iuturos rebanhos massiIicados pela pobreza e pequenez de um discurso comum. As palavras da poesia sinalizam percursos Ieitos, caminhos andados, desvelo do que Iomos a se somar ao que agora somos, recordação de que estamos num âmbito intermediario entre a imediação da Iorma de uma compreensão recorrentemente consolidada e o que advem como signiIicado inscrito neste modo de ser que agora se desdobra. Sem a preocupação pela produção de conteudos que pudessem ser objetivados como que separadamente para a aceitação geral enquanto verdades coletivas engessadas numa percepção unica e somente Iuncional, a poesia no presente liberta pela reunião da recordação do que Ioi guardado nas arcas da 149 memoria e do indiciamento dos laços que amarram a compreensão para o esquecimento de si. A poesia não tem interesse para a produção do sempre igual movida pela cegueira de um desejo repetitivo e renitente a tematização. 'O amor dos seus corpos e sem procriação¨ (GS II-2, 96). Toda vez em que se instaura qualquer aIirmação de conteudo de mera objetivação, sucede a subtração da compreensão de que ocorre a intenção de aIastamento do imediato de si para se ter uma visão privilegiada, mas que se constitui em novo acontecimento a cada instante. A linguagem em ocorrência de uso pode então potencializar a sua capacidade de discurso, aliada a imediação da suposição de um todo em que se encontra e se estabelece dinamicamente. A recordação dinamiza-se a ponto de chegar ao limiar de uma imediação que não permite qualquer deslocamento de si para a possibilidade de mera descrição de cunho analitico. Trata-se do acontecer da palavra poetica que assim nunca e meramente descritiva. Falece, então, a pretensão a uma perspectiva que pudesse analisar e deIinir a impossibilidade meramente descritiva da palavra poetica, sem que ao mesmo tempo se subjugasse ao proprio veredicto. O olho divino descritivo que julga num discurso em processo de deIinições elimina-se no instante da compreensão do inevitavel insucesso da sua pretensão. A tentação de ajuizar, desde uma perspectiva absoluta, e ilusão que remete a percepção da contradição da linguagem ja como anuência identiIicatoria com a ocorrência de si na inIinita totalidade suposta sempre aberta precisamente a qualquer participação. Na poesia, o caminho da linguagem agradece como que se dando conta de que e possibilitado por todas as margens paisagisticas que o ladeiam. O caminho não se consegue dizer poeticamente a si mesmo sem ao mesmo tempo expressar o inIinito multiIacetado das margens que o acompanham. A compreensão poetica enquanto caminho andado agradece as margens que o negam, incluindo-as simultaneamente para que possa propriamente ser. A compreensão poetica e, por isso, espessa, Iechada, comprimida e dobrada, podendo a qualquer hora desdobrar-se como percepção continuada dos seus horizontes. As margens não descritas, mas, mesmo assim, Ieitas da presença de todo o passado que se maniIesta como acompanhamento na elaboração discursiva do agora como sua expressão, dão noticia de si enquanto percepção de beleza. A elaboração discursiva e aIirmativa de agora carrega consigo o conjunto das vozes dos seculos no registro do cotidiano. A Iala de agora conta com o silêncio dos seculos que o acompanham a cada instante como se ela Iosse a espuma brilhante na superIicie do imenso e proIundo oceano que a possibilita e a carrega em seu tempo e seu espaço sem Iim. Todo o burburinho das ondas em sua evolução expressa a dança do oceano em que ate os seus entrechoques, como 150 que acusações mutuas, signiIicam o descompasso e o seqüente tropeço no ensaio necessario para a coreograIia do todo. 'O amor dos seus corpos e sem procriação, mas o seu amor e belo de se contemplar¨. (GS II-2 96). No espanto, na admiração, na permanente insistência de interrupção do cotidiano não ha lugar para constituir casa, Iamilia e IrutiIicar Iilhos. O esIorço despendido na ediIicação objetiva de qualquer construção que se decidisse por qualquer Iundamento capaz de dar suporte a emissão de juizos deIinitivos, que Iavorecesse a promulgação de uma rede de julgamentos para a burocratização da vida, e substituido pela decisão a um Ilorescimento permanente, a insistente volta num retorno a visão do que a cada instante emerge enquanto beleza descoberta. A vida humana, Ieita de corpo e palavra em relação mutua, expressa, na imediação de si, a ocorrência simultânea dos seculos que se aIundaram no esquecimento da compreensão reduzida a suas abreviações Iragmentadas em ordenamento apos ordenamento entremeados de crise em crise, de susto a susto, de interrupção a interrupção. A permanência no Ilorescimento de um amor sempre belo de se contemplar traduz-se pela insistência da visão da ocorrência da paixão, da genialidade, da inteligência, do talento com que a vida se apresenta assim como ela e em corpo e palavra, desnudando vez por vez genialmente os seculos sempre presentes e encobertos. Suspender as oscilações entre IrutiIicação e Ilorescimento em Iavor do ultimo e perceber as Iorças reunidas e renovadas dos seculos em expressão muitas vezes paradoxal, desarticulada e apaixonada na vida de si e do outro. Voltar-se para a beleza do que ja esta assim em expressão na vida que transcorre em corpo e palavra e acontecimento belo de se contemplar, pois e o brilho da beleza subjacente a cada maniIestação de vida. Voltar-se nesses termos e ver a conIiguração do agora em maniIestação com tudo o que Ioi e perceber o luzir de Iorças que geralmente não são percebidas por uma compreensão reduzida as simples execuções dos ordenamentos em mera promoção de si mesmos. A observação acurada de preceitos como se Iossem imposições absolutas a ponto de escravização rotineira como Iorma de vida acostuma o olhar com as viseiras programadas. Ha um obediente aIã em enxergar apenas para o alto de ediIicios compreensivos em construção e nunca para a veriIicação da sua totalidade com a inclusão dos seus Iundamentos propostos. Ordenamentos compreensivos totalmente coletivizados tendem a produzir a incapacidade do olhar reduzido e a inibir desse modo a capacidade de visão. O idêntico e o diIerente são circunscritos exatamente ao ordenamento proposto para os Iins 151 da coletivização. Arriscar-se a olhar as proprias Iundamentações e suas aplicações nos meandros Iuncionais da coletivização compreensiva e parte do descortino da beleza encoberta. Alem da padronização administrada descobrem-se identidades e diIerenças insuspeitas a primeira vista, longe de qualquer engessamento pela reiteração do igual, mas proximo da coragem de aIirmar tranqüilamente a interrupção promovida pela recordação de um inIinito imponderavel presente. 'E elas arriscam o olhar juntas uma a outra¨. (GS II- 2, 96). Trata-se, então de um olhar mutuo, desanuviado, aberto e plenamente voltado a admiração pelo que o outro construiu como experiência de si como que propria e vital obra de arte a luzir em beleza pelo encontro dos seculos que promove. Tal olhar livra da asIixia da ânsia em exercitar julgamentos a base de criterios esquecidos da admiração mutua em espantada analise. As palavras deixam de ser escudo e espada para a guerra na deIesa de Iantasmas criados, cuja Iantasmagoria não vale a pena deIender. Tal olhar Iaz respirar enquanto as palavras extinguem-se no espaço. (GS II-2, 96). Um olhar que Iaz respirar a asIixia e palavras que se extinguem no espaço aponta para uma linguagem que não se quer unicamente conceitual no sentido da imposição de limites absolutos de signiIicado, mas e movida pela Iorça contraria no sentido de se voltar e se abrir a recordação dos seus movimentos de origem esquecidos na Iixidez de posições conquistadas. Tanto a aIirmação Ialante e voluptuosa de um lado, quanto de outro, a atenção silenciosa na conversa separadas, ambas agora se conjugam, porque tambem a Iala na linguagem e voltada a circunspeção e ao exame cuidadoso e admirado de si. Ha como que a volupia do silenciar mesmo numa Iala, ja que se compreende como agora ja ensaio, coletando em sua trajetoria ao mesmo tempo os indicios das origens dos conceitos que articula: não tem a pretensão preconcebida da sedução convincente para uma posição previamente estabelecida. De dialetica construtiva na intenção de mutua destruição chega-se a interrupção pelo espanto e pela admiração mutua do que na Iala e no silêncio se maniIesta, ou seja, uma constelação conjugando passado e presente numa compreensão maximamente abrangente. 'O silenciar e a volupia eternamente separados na conversa tornaram-se um so¨. (GS II-2, 96). A satisIação na admiração pela nova compreensão no redirecionar do sentido a partir da escuta silente e contemplativa, ja não mais como dialetica cruel, mas como Iruição, e o acontecimento da descoberta sobre si a exemplo de Ulisses, na volta para Itaca, depois de ter saido ao mar e a guerra e voltando de ilha em ilha, de sedução em sedução, de necessidade em necessidade, de susto em susto e de desastre em desastre. No estranhar da vivência na viagem pedagogica, oscilando entre o mar aberto e as varias ilhas 152 aconchegantes ou perigosas, a conversa tende ao retorno para o seu lugar de origem em que a recordação presente instaura o passado em Iorma de historia. A conversa como que termina em sua oscilação e ha mais compreensão sobre o passado mutuo e que consegue maniIestar-se pela escuta silenciosa e atenta. O presente conjuga-se com o passado a vir. 'O silenciar da conversa era volupia vindoura. Por outro lado, volupia era o silenciar passado¨, (GS II-2, 96), ou seja, da escuta silente passada tem-se agora o desenho do caminho andado, a visão do rastro, bem como a compreensão da itinerância da propria compreensão dos implicados na conversa. O vindouro no passado e o passado vindouro conjugam-se na volupia do silenciar. 'Entre as mulheres, porem, aconteceu a visão das conversas sobre o limite da volupia silenciosa¨. (GS II-2, 96) Os limites deIinidos sempre se encontram na impaciência da escuta e na pressa do julgamento para o ordenamento de tudo o que advem. Por isso, uma conversação que se entabula tendo por tema o limite da volupia gerada pela atenção silenciosa e precisamente a linguagem na permanência da admiração, do espanto, ate do susto sobre si: os Ialantes deleitam-se na expansão da compreensão alargando a sua circunscrição e liquidando com a sua imobilidade e pequenez. O que muitos poderiam chamar de inIelicidade pela insegurança, crise, e pavor pelo abandono do ninho teorico acalentado para dar condições as deIesas absolutistas em ataques Ialantes e doutrinarios, aqui no silenciar sobre os limites ha a volupia do desnudamento total das vestes que caracterizam as palavras do gênio, o mestre da escuta. O proprio gênio oscilante e primeiramente desesperado entre a escuta atenciosa do que lhe advem e a necessidade da objetivação Ialante, da qual sabe que cunha as marcas do seu ser, pode sentir o prazer voluptuoso quando encontra companheiros em seu itinerario de procura insistente e descoberta. Assim, parece que Benjamin responde a sua pergunta sobre como SaIo conversava com as suas companheiras. ~Ai surgiu a juventude das conversas obscuras¨. (GS II-2, 96). Trata-se dos limites entre o sonho e o despertar e a pergunta sempre sera sobre quando e sonho e quando e acordar. A visibilidade maxima da-se como intenção de estabelecer os limites precisos dos conceitos em uso a Iim de que possam ser considerados indiscutiveis: a clareza e a distinção que intenta possibilitar a transparência de qualquer conversa procura-se atender pela exata circunscrição dos conceitos utilizados. Mas tambem isso e construção ja que a ediIicação da delimitação asseptica de determinado numero de conceitos depende de mãos conceituais e cabeças compreensivas mergulhadas no imenso mar de possibilidades da linguagem que então assinala que os absolutos conceituais são 153 apenas esquecidas possibilidades inscritas em seu meio. A juventude das conversas obscuras e iconoclasta em relação aos altares da visibilidade oIuscante, ja que o brilho destes e Ialso e escravocrata por obrigar os adoradores a se prostrarem apenas nas suas proximidades, sem direito a movimentação mais ampla. A primeira vista o altar da visibilidade parece ser o simbolo da saude da linguagem e da vida pela segurança da terapêutica que supostamente oIerece, mas logo se maniIesta como apenas deslocamento para o tumulo de uma compreensão compenetrada na aplicação de objetividade a base de Iundamentos que esqueceu de compreender como possibilidades advindas no âmbito da linguagem. Por isso, o surgir das conversas obscuras signiIicando juventude conjuga-se com a recordação de escutar as determinações da compreensão ocorrente de agora, no volver-se em admiração ao que surge para ser inaugurado e constituir a verdade da experiência. 'A essência irradiou¨. (Idem, 96). Na compreensão da contradição da linguagem, o esIorço de ediIicação por Iundamento torna-se vão, pois a irradiação da essência da-se na movimentação de se voltar num retorno a procura pela descoberta dos Iundamentos que ja sempre estão inIinitamente subjacentes. As Iundamentações descobertas e inauguradas irradiam a essência enquanto continuidade da linguagem criativa e nomeadora. A tentação da pergunta da cobra do paraiso no Gênese procura tudo inverter: 'Teria Deus dito?¨ (Gênesis 3,1). Ela inaugura uma discussão a base de um Iundamento objetivado e separado da linguagem e com isso o engano da possibilidade de uma construção de signiIicações que pudesse ser absoluta num tempo como que no leito de um espaço inexistente. Em tal construção absoluta o homem nunca esta em casa e se engana na perdição com tal Iamiliaridade, pois ele e na verdade da viagem compreensiva que lhe apresenta paisagens primeiramente estranhas e, mesmo assim, estranhamente Iamiliares. 'A essência irradiou¨. (GS II-1, 96).
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2. ENSAIO APLICATIVO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: DUAS POESIAS DE FRIEDRICH HÖLDERLIN.
Num artigo escrito no inverno de 1915, Benjamin propõe-se comentar duas poesias do poeta Hölderlin e a relação entre elas a partir de um metodo. Antes de abordar diretamente o conteudo e o teor das duas poesias, Benjamin elabora uma reIlexão sobre a relação estetica e IilosoIica entre o poetizado, o poeta, a poesia e o critico ocupado com a analise da obra. Nessa reIlexão a contradição da linguagem transparece em sua ambivalência quando da acentuação do polo da linguagem e compreensão repetitiva, por um lado, e, por outro, do polo da noticia do poetizado que a poesia traz. Restringimo-nos a abordagem da primeira parte do texto de Benjamin que traz as suas reIlexões preliminares. Benjamin inicia com a constatação de que por tradição a estetica da arte poetica como ciência pura inicialmente deu mais atenção a identiIicação dos gêneros e teceu comentarios apenas sobre as grandes obras do classicismo, enquanto que o exame das obras não pertencentes a dramaturgia classica na maioria dos casos restringiu-se a questões Iilologicas em vez de esteticas no sentido estrito. E necessario reter logo do inicio desse texto a importância dos conceitos de metodo e tarefa: A tarefa da seguinte investigaçào nào se deixa enquadrar sem explicaçào na estetica da arte da poesia. Essa ciência como pura estetica dedicou suas forças mais nobres a sondagem de cada um dos gêneros da arte da poesia, entre eles a tragedia com maior freqùência. Dispensou-se algum comentario quase so as grandes obras do classicismo, porem, onde ele [o comentario] surgiu fora dos limites da dramaturgia classica foi, entào, em maior grau filologico do que estetico. Deve aqui ser experimentado um comentario estetico sobre duas poesias liricas, e essa intençào exige um comentario preliminar sobre o metodo. (GS II-1, 105). 155 Preliminarmente e possivel aIirmar que o conceito de tareIa procura denotar um determinado metodo que se entende numa continuidade da propria questão articulada pela arte poetica. A tareIa vem a ser a ativação de um metodo. O metodo, por sua vez, reIere-se propriamente a investigação do poema, e a investigação metodica ver-se-a ao mesmo tempo como tareIa comprometida com o proprio poema. E impositiva a imediata conclusão de que o comentario investigativo como metodo liquida com qualquer pretensão a alguma neutralidade para a produção de uma objetividade asseptica em relação ao poema. Embarcar nas questões da poesia implica comprometimento com a compreensão do seu conteudo e qualquer coisa que se disser ja sera a comprovação da ligação com a essência da poesia. Comentar o conteudo da poesia de algum modo ja e a propria continuidade das Iorças de sentido que lhe são inerentes a ponto de que a sua avaliação tem como suposição a propria tareIa poetica. A forma interna, aquilo que Goethe designava por teor [Gehalt], deve ser exposta nessas poesias. Deve ser averiguada a tarefa poetica como suposiçào de uma avaliaçào da poesia. A avaliaçào nào pode orientar-se pelo modo com que o poeta resolveu a sua tarefa, mas muito mais, e a seriedade e a grande:a da propria tarefa que determina a avaliaçào. (GS II-1, 105).
A critica analitica e avaliativa da poesia e determinada e reivindicada pela propria grandeza que origina e carrega a poesia. Ja os românticos pensavam assim, ou seja, que a critica e necessaria a poesia e constitui a sua continuidade em outras conIigurações compreensivas: a obra poetica continua a desenvolver as suas virtualidades na prosa do critico. A grandeza da tareIa e exatamente o voltar-se as pressuposições e não ser apenas vitima dos mitos instalados com os quais se coopera encarcerado numa compreensão que a si mesma não pode ou não quer compreender. Pois essa tarefa e derivada da propria poesia. Ela tambem deve ser compreendida como pressuposiçào da poesia, como a estrutura espiritual-intuitiva daquele mundo que a poesia testemunha. Essa tarefa, essa pressuposiçào deve aqui ser compreendida como o fundamento ultimo acessivel a uma analise. (GS II-1, 105).
Benjamin certamente quer dizer que se trata do Iundamento ultimo acessivel a uma analise imanente, mas não do Iundamento ultimo absoluto. A analise e um metodo que vai ate onde pode, sem ter o direito ou a pretensão de ultimar o seu proprio processo. A procura do Iundamento ultimo assim e substituida por uma continuidade de analise que a si mesma 156 se põe como tareIa numa identiIicação com a suposição da propria poesia e a sua possibilidade de avaliação. Nada sobre o processo do produ:ir lirico [lvrisches Schaffen], nada sobre a pessoa ou a concepçào de mundo do criador e averiguado, mas a esfera especial e unica em que se situam tarefa e pressuposiçào da poesia. (GS II-1, 105).
Mesmo ja nesses conceitos e possivel ouvir as reverberações da compreensão sobre a condição de possibilidade sempre presente - suposição - e a inevitabilidade do perIormativo instaurador de sentido a tareIa comprometida - como Dichten, pôr, inventar, responsabilidade quanto a objetivação e ao tempo, o ordenamento mitico do objetivado. Uma Iorma de pensamento experimental esta ai implicada como que um Ilorescer em Iorma de possibilidade de mundo. 'Essa esIera e ao mesmo tempo produto e objeto da investigação¨ (GS II-1, 105). A analise investigativa tambem ja se vê como comprometida em percurso e exercicio, pois diz que analisa o âmbito e ao mesmo tempo sabe que o esta produzindo como metodo e caminho. A analise ja não se vê apenas como pura produção objetiva, mas tambem agora enquanto ocorrência em decorrência da poesia, ou seja, o poetado continua a se maniIestar na atividade da propria analise. Ela mesma nào pode mais ser comparada com a poesia, mas e antes o unico verificavel da investigaçào. Essa esfera que para toda a poesia tem uma figura especial [feiçào, aspecto, molde Gestalt] e designada como o poeti:ado. Nela deve tornar-se acessivel aquele ambito caracteristico que contem a verdade da poesia. Essa 'verdade` que exatamente os mais serios artistas afirmam tào veementemente a respeito das suas criaçòes deve ser entendida como obfetivaçào do seu fa:er, como o cumprimento da respectiva tarefa artistica. (GS II-1, 105).
A objetivação Gegenstàndlichkeit - como cumprimento da tareIa traduz a ideia da criação de algo novo em direção ao aspecto intuitivo e espiritual, alem da mera descrição do ja existente no cotidiano repetitivo, costumeiro, caotico ou ordenado. E aquilo com que o gênio se desespera em 'MetaIisica da juventude¨, ou seja, a contradiçào da linguagem em que Deus espera. O gênio esta sempre na condição de ter que apresentar as suas descobertas na objetivação da linguagem. Toda obra de arte esta ai a vista de todos para ser objeto de analise no que signiIica pela linguagem paradoxalmente objetivante na sua expressão imediata. O poeta que permanecesse severamente no silêncio a Iruir o que lhe 157 advem sem qualquer elaboração concreta cometeria uma traição a revelação concedida. De qualquer modo e ingentemente seduzido pela novidade descoberta e como que obrigado a por mãos a obra para dar Iorma a sua criação singular que vem a ser a Iigura de uma unidade sintetica da ordem espiritual e intuitiva. Cada obra de arte tem um ideal a priori, uma necessidade inerente a si de estar ai. ( Novalis). O poeti:ado em sua forma geral e unidade sintetica da ordem espiritual e intuitiva. Essa unidade recebe a sua figura especial como a forma interna da criaçào singular. (GS II-1, 106).
A criação singular e representante reveladora de uma totalidade sempre presente virtualmente. O poetizado e suposição e tareIa, e ao mesmo tempo e produto e objeto da investigação. O poetizado se vislumbra no imenso sentido condensado em cada poesia particular, um sentido condensado atraves de milênios e que rege e comanda a vida em todos os caminhos e escaninhos de Iorma que os regidos e comandados mesmo na crença de sua propria autonomia seguem como que inconscientemente os seus preceitos. O poeta na poesia vislumbra, identiIica o suposto de si e de toda a vida e inaugura objetivando o inicio de um conhecimento mais amplo do que a cientiIicidade em aplicação ou o senso comum corrente. Por essa razão e que a critica, a analise, o comentario tem na poesia o poetado como Ionte inesgotavel em amplitude de interpretação. 'O conceito do poetizado e um conceito limite em dupla perspectiva. Ele e conceito limite primeiramente em relação ao conceito de poema¨. (GS II-1, 106). O termo conceito- limite, como se sabe, provem da IilosoIia kantiana e signiIica a região não deIinivel pelo pensamento conceitual reIerido as intuições puras do tempo e do espaço. A coisa em si e um conceito que nada deIine exatamente por indicar um âmbito alem de qualquer deIinição possivel, pois uma deIinição e sempre necessariamente reIerida as suas condições de possibilidade de acordo com a sintese das categorias e das intuições a ordenarem os dados da sensibilidade. Querer deIinir o âmbito do indeIinivel e intentar descrever o nada, o sem sentido, ou, talvez, o ainda sem sentido. Para Kant, em todo o caso, o conceito limite indica o corte entre a linguagem conceitual com Iundamento veriIicavel intersubjetivamente e a Iantasia a projetar delirios incapazes de consenso universal possivel. Benjamin em seu texto sobre a IilosoIia vindoura, baseado justamente numa acentuação da linguagem, ja pensa diIerentemente: mesmo conservando a tipologia da IilosoIia kantiana, propõe ir alem dela quando a percebe como um produto de uma epoca pobre em experiência e quando 158 indica a intuição como plenamente senhora de si para ingressar compreensivamente nos âmbitos existentes alem da meras deIinições epistemologicas ja obedientes a conIigurações epocais subjacentes e, portanto, ordenadoras. O conceito de poetizado como conceito limite em relação ao conceito de poema signiIica que este nunca podera por si so representar aquele. O poema e como que o local em que o poetado Iaz a sua apresentação no encontro com a investigação que a respeito dele e Ieita. As palavras do poema são o limiar em que se podera vir ao encontro do poetado numa criatividade continuada pela analise critica. O poeti:ado diferencia-se decisivamente como categoria de investigaçào estetica do esquema-forma-materia pelo fato de conservar a fundamental unidade estetica de forma e conteudo e, em ve: de separar a ambos, cunhar em si a sua imanente ligaçào necessaria. (GS II-1, 106).
O poetizado e, portanto, categoria de investigação estetica que não separa Iorma e conteudo, mas em seu exercicio continua a conter a ambos. Essa aIirmação veriIica-se de caso a caso nas poesias concretamente. Por outro lado, não e o caso de se transIormar o poetado numa entidade transcendente, pois ele esta ligado direta e organicamente as palavras da poesia passivel de interpretação tambem organicamente relacionada com aquele critico analisante que sobre ela se debruça em reIlexão. A poesia desse modo e limiar e ponto de encontro. No que segue, isso nào podera ser observado teoricamente, mas apenas no caso individual, fa que se trata do poeti:ado de poemas individuais. E aqui tambem nào e o lugar para uma critica teorica do conceito de forma e materia na significaçào estetica. Na unidade de forma e materia, portanto, o poeti:ado partilha com o proprio poema uma das caracteristicas essenciais. Ele mesmo e construido conforme a lei fundamental do organismo artistico. Diferenciado do poema ele e como um conceito limite, como conceito de sua tarefa, nào simplesmente ainda por uma caracteristica fundamental. (GS II- 1, 106).
Como ja anteriormente, aventa-se a indeterminabilidade quanto ao Iundamento ultimo do poetizado, ja que ele instiga a analise e a analise o produz sem cessar pela escuta hermenêutica. A diIerença no poema entre poema e poetizado e o conceito de tareIa deste, qual seja, o de ocupar o âmbito da possibilidade do que aparece incessantemente, mesmo na continuidade da analise do poema, pois a vida em seu sentido cotidiano transcorre 159 inconsciente de suas determinações miticas: e determinada e ordenada em diversos automatismos de explicação naturalizada, mas sem o entendimento de constelações que a preestabelecem como tal. O poetado não pode, portanto, ser compreendido como um âmbito de Iundamento ultimo ou deIinição unica e cabal. O poetado sinaliza uma abertura que instiga ao seu proprio desenvolvimento pela critica imanente: ele e um ser ai potencial e passivel de desvelamento. Ao contrario, somente por sua maior determinabilidade. nào por uma carência quantitativa de determinaçòes, mas por um ser ai [Dasein] potencial daquelas determinaçòes que no poema atualmente estào disponiveis e de outras. (GS II-1, 106).
Maior determinabilidade signiIica maior âmbito e extensão de determinação e não o contrario, ou seja, uma determinação mais rigorosa em termos de redução das possibilidades extensivas do conceito. O poema signiIica a sedimentação em unidade Iuncional e essa Iuncionalidade por si so não e o que deve reger o poetizado, pois este Iaz parte de uma esIera intuitivo-espiritual que se vai descobrindo como resultado e objeto da propria investigação, a qual, portanto, tambem ja se vê em relação com o mesmo âmbito em processo. Tornar visivel tal entrelaçamento que antes não se via e aspecto da tareIa: a unidade Iuncional do poema em si mesmo. O poema e Iilho de seu tempo e, portanto, do conjunto da conceituação caracteristica de sua epoca. A linguagem Iormal do poema não pode atravessar o limite da coisa em si pelo Iato de permanecer costumeiramente conceitual O poeti:ado e um relaxamento da firme uniào funcional que reina no proprio poema e ele nào pode surgir a nào ser por uma desconsideraçào [Absehen] de certas determinaçòes, enquanto que por meio disso torna-se visivel o entrelaçamento, a unidade funcional dos elementos restantes. (GS II-1, 106).
A visão e a analise da Iunção ja pressupõem um horizonte maior do que o âmbito da Iunção observada. Por isso, o poetizado esta alem, ou seja, e mais abrangente do que a poesia em sua linguagem Iormal Iuncional. Benjamin conta constantemente com o sentido da propria analise que esta a Iazer. Ele arca com a responsabilidade de elucidação do papel critico do poema que nesta atividade esta intimamente relacionado com o poetizado. 'Pois ele |o poema| e determinado pela existência atual de todas as determinações de tal Iorma que somente como tal ainda e concebivel uniIormemente¨. (GS II-1, 106). Caso 160 o poetizado se restringisse somente as determinações do poema, o mesmo apenas seria descrição de algo ja sabido em termos conceituais costumeiros. A soltura pela tareIa consiste nessa Iuga da precisão do ja determinado com seu convite a mimesis. Alias, permanecendo-se meramente na precisão conceitual das palavras utilizadas no poema, então ha apenas comunicação sem a possibilidade da analise reIlexiva sobre o mesmo e o posterior alargamento e a maior abrangência de sentido que ele em suas linhas sugere. Quem se propõe a uma intravisão no poema ja pressupõe a possibilidade de mais do que somente a elucidação conceitual das suas palavras. 'O tomar conhecimento |Einsicht - introspecção, intravisão| da Iunção, porem, pressupõe a pluralidade das possibilidades de ligação¨. (GS II-1, 106). A Iunção intuitiva e espiritual do poema so pode ser representada e executada pelo poetizado que nele se desenvolve como que num avanço ao encontro do âmbito da coisa em si e que bruscamente torna visivel o que antes era invisivel. O poetizado no poema concebe-se assim como revelação de um sentido ordenador possivelmente ja sempre presente, mas nunca vislumbrado ate o momento da descoberta criativa, da instauração por parte do poeta, o que explica em parte a expressão de Novalis, acima, toda a obra de arte tem um ideal a priori, uma necessidade inerente a si de estar ai. Tal modo de ver lembra novamente a interpretação das ideias platônicas como sempre presentes nas mais diversas copias do cotidiano em repetição, as quais podem ser indicadas no movimento de retorno do IilosoIo numa exigência de soltura ou libertação do esquecimento empedernido para se chegar ao patamar e a tareIa de as contemplar em sua Iorça de ordenamento. Tal modo de ver tambem pode indicar que o poetizado e no poema a constante noticia condensada de todo o sentido ja havido e que determina a vida em toda a sua multiIormidade. A condensação ordenada do poema exige, por sua vez, que se perceba de maneira acurada a direção que esta a imprimir para não se perder em devaneios e para que o poetizado possa aIlorar cada vez mais liberto de determinações especiIicamente contingentes. Assim, o tomar conhecimento [Einsicht] do arranfo [ordenamento] do poema consiste na captaçào da sua precisào [Bestimmtheit] cada ve: mais rigorosa. Para condu:ir a essa maxima precisào no poema, o poeti:ado deve prescindir [absehen von] de certas determinaçòes. (GS II-1, 106).
161 Se a primeira tareIa era a intravisão que o poema em suas determinações possibilitava indicando o poetizado para alem dos seus limites meramente conceituais, agora a tareIa constitui-se como assunção de soltura concretamente pedagogica relacionada diretamente com a vida amarrada e a sua possibilidade de libertação para mais vida. Poema e poetizado, ambos relacionados por seus limiares, não se esgotam em devaneios semânticos como que a parte de qualquer concretude, mas têm sempre preservada a sua aderência nas soluções da vida imersa na imediação da compreensão. Quando o poetizado incita a tareIa e a soltura esta a indicar termos que se completam, ja que a tareIa e soltar, e se soltar das amarras do cotidiano comunicativo, portanto, e a verdadeira vida como tareIa. Por meio dessa relaçào com a unidade de funçào intuitiva e espiritual do poema o poeti:ado em relaçào a ele mostra-se como determinaçào limite. [107] Ao mesmo tempo, porem, e conceito limite em relaçào a uma outra unidade de funçào, como com um conceito limite sempre, com efeito, apenas e possivel como limite entre dois conceitos. Essa outra unidade de funçào e, entào, a ideia de tarefa, correspondente a ideia de soltura, tal como o poema o e. (GS II-1, 106).
De um lado a unidade de Iunção intuitiva e espiritual do poema e agora do outro a tareIa e libertação que para o criador e a vida como unidade Iuncional extrema. A Ironteira, ou o limite entre os dois e o poetizado, antes descrito como um aIrouxamento da Iirme ligação Iuncional que reina no poema. Agora aqui a vida signiIica o extremo possivel de extensão de ser vislumbrado como unidade Iuncional, mas ao mesmo tempo parece que ja da a ideia de que o poetizado beira a criação como limite, ou pode expandir o limite para alem da estrutura existente desta vez não do poema, mas da vida. O termo Aufgabe, assim, indicaria a possibilidade de uma desistência do Iixo repetitivo e normatizado da vida e, ao mesmo tempo, tal desistência seria solução e desligamento como tareIa constante de expansão do limite via o poetizado em direção ao novo na propria vida, quando em que tal possibilidade de maior abrangência de vida pelo menos tambem denota a compreensão diIerenciada por ampliIicação de horizontes. Pois tarefa e soltura apenas in abstracto sào separaveis. Para o criador essa ideia da tarefa e sempre a vida. O poeti:ado se evidencia, portanto, como a passagem da unidade de funçào da vida para a do poema. (GS II-1, 107).
Eis ai, então, a indicação de que a unidade extrema em extensão Iuncional da vida e tareIa do poetizado, ja que esse tem como Iunção de avançar alem do limite alem das 162 limitações da compreensão cotidiana. A vida amarrada liberta-se pelo poetizado no poema para uma perspectiva maior: o poema consegue isso pela identiIicação que promove e mesmo representa, ou seja, ele indicia, descobre, identiIica e inaugura parte do que e pressuposto de tudo que esta a viger. O poetizado e como que um continuo deslocamento de Ironteiras em direção ao exterior dos limites da caverna platônica conIigurada como uma compreensão cotidiana alienadamente naturalizada em automatismos supostamente legitimados por sua mera existência esquecida das razões de sua imposição. O deslocamento da Ironteira Iaz com que ela seja a passagem da vida normatizada para o âmbito do poema a incluir em si o poetizado: o poema assim Iaz o papel de revelação do que desde sempre ja e, mas que estava envolto na penumbra da eIicacia aplicativa na normalidade do cotidiano em geral. A libertação, solução, ou soltura agora e vista como nova situação pela Aufgabe, isto e, desistência de Iixidez do posto no poema; como tambem a vida signiIica o movimento imprimido pelo poetizado e a nova situação captada no poema. Alem disso, os termos tarefa e soltura, ou libertaçào, parecem novamente remeter diretamente ao imaginario do Mito da Caverna de Platão em que as pessoas amarradas e obrigadas a ver o movimento das sombras-copias devem ser soltas pela tareIa do IilosoIo pedagogo, provocador e evocador de constelações esquecidas por operação repetitiva. O poema como soltura cumpriria a tareIa de perceber e criar inaugurando a constelação ideal mitica pela qual a vida cotidiana aparentemente caotica se move. 'Nele |no poetizado| a vida determina-se pelo poema, a tareIa pela libertação¨ (GS II-1, 107). Não se trata de tematizar a vida assim chamada historico-biograIica do poeta artista e que pudesse, a partir da sua vida elucidar algo e representar o poetizado. Tambem não se trata de evocar e deslindar a subjetividade criadora do artista para explicar a questão em pauta. O que interessa e a arte que cria, produz, determina um contexto de vida numa compreensão mais abrangente. O artista poeta como Iilho do seu tempo indicia as raizes da compreensão comum. Nào e a disposiçào individual da vida do artista que se encontra como fundamento, mas uma relaçào de vida determinada por meio da arte. (GS II-1, 107). Benjamin sugere que o conceito de mito pode ajudar na elucidação da diIerenciação entre uma circunscrição e outra: 163 As categorias pelas quais essa esfera e concebivel, a esfera de passagem de ambas as unidades de funçào, ainda nào estào prefiguradas e talve: tenham um apoio mais proximo nos conceitos do mito. (GS II-1, 107).
Fica-se primeiramente em duvida sobre se a Irase tem sentido positivo ou negativo, pois o mito e a Iorma da propria alienação, do sempre ja se estar determinado por ideias- Iorça de que não se tem consciência. Mas o mito neste contexto tem em parte um tratamento positivo. Trata-se precisamente do poetizado aparentado com o mito, mas a ser descoberto e inaugurado. Poder-se-ia dizer que a tareIa e constante em direção a descoberta do mito, que não e apenas o mito grego, mas que neste contexto chega a signiIicar toda a determinação das ideias que num passado presente oprimem o cerebro dos vivos. Como no mito da caverna de Platão, que procura explicar a ascese da vida imediata em direção ao reconhecimento das ideias Iundamentais que estão a reger a mesma vida, o poetizado enquanto tareIa e metodo tratam da intenção do poeta em sua arte. A expressão a vida e em geral o poeti:ado dos poemas da citação a seguir esta a primeiramente indicar que os poemas são uma especie de ascese a instituir perIormativamente e pedagogicamente uma compreensão de maior abrangência do imediatamente vivido. O acontecer de tal compreensão assemelha-se a revelação de algo que ja sempre acompanha a propria vida como Iator organizador, mitico e impositivo de relações. O poetizado, portanto, deve Iazer parte dessa esIera, dessa procura, como, alias, tambem a analise de Benjamin em questão, que procura depurar o poetizado em seu momento especiIico como conceito-limite entre o poema, de que o poetizado Iaz parte, e a vida de que o poetizado tambem Iaz parte. Nesse contexto um poema a descrever sentimentos, lances sentimentaloides, erra por completo a sua tareIa e vocação; Exatamente as mais fracas produçòes da arte referem-se ao imediato sentimento da vida, mas as mais fortes, de acordo com a sua verdade, a uma esfera aparentada com o mito. o poeti:ado. A vida e em geral o poeti:ado dos poemas - assim se poderia di:er, (GS II-1, 107).
Toda a vida e uma instituição poetica, uma Iorma instaurada de compreensão naturalizada, mesmo em suas explicações historicas, e não ha como ser diIerente, pois o provisoriamente Iixo em Iorma de preconceitos e a propria condição de possibilidade de ordenamento criativo perIormativo posterior. O esquecimento promovido e Iundamentado por valores absolutos, porem, constitui-se de amarras em que a vida como processo de 164 nomeação e olvidada para então se esquentar em inIerno repetitivo de SisiIo Ieito de demônios, sombras e soIrimento. Mas ha a possibilidade da obtusidade do poeta. Tal obtusidade do poeta maniIesta- se exatamente na sua intenção de revivescer na sua poesia a repetição de situações sentimentaloides, maniIestando a sua incapacidade reIlexiva, criativa, intuitiva e espiritual e, assim, vendo-se impossibilitado de vislumbrar a mitologia presente e vindoura, as ideias a reger a vida na pratica eIetiva e sentimental em geral. A incompetência poetica contenta- se em meramente descrever os seus estados de alma ou ânimo como vitima de um processo que desconhece totalmente e que julga dever cantar sem a tareIa de indicia-lo; não percebe nem o aspecto a priori da vida enquanto pratica imediata em mimesis inIinita objetivada como jogo de sombras no Iundo da caverna que percebe como se Iosse a propria clareza e transparência, nem a possibilidade de existência de tareIa e soltura. ...mas quanto mais o poeta quer transferir sem transformaçào a unidade de vida para a unidade da arte, tanto mais ele se mostra como grosseiro. Estamos acostumados a encontrar a defesa e ate a exigência dessa obtusidade em forma de 'imediato sentimento de vida`, 'calor do coraçào`, como 'disposiçào`. No exemplo de Hoelderlin torna-se claro como o poeti:ado oferece a possibilidade do fulgamento da poesia, isto e, pelo grau de unidade e grande:a de seus elementos. (GS II-1, 107).
O grau de união relacional e de grandeza dos elementos miticos perIaz o poetizado a ser descoberto, o qual, descobre-se ele proprio, sendo, então, o Iator ou a dimensão que possibilita o julgamento da poesia quanto a ela ser meramente repetição ou desvelamento do subjacente. A analise enquanto metodo imanente acompanha o grau de união e grandeza mencionadas e, com isso, ela mesma se capacita para o julgamento avaliador, Iazendo de qualquer modo parte do proprio processo poetico. As caracteristicas de união relacional e grandeza dos elementos miticos indicam a relação de todos os Ienômenos percebidos ligados com a proIundidade das justiIicativas, visões dos elementos miticos descobertos. Assim, união e proIundidade no sentido de grandeza são inseparaveis, pois de qualquer outro modo ter-se-ia a apresentação de apenas mais uma Iaceirice aplicada em seu embotamento. Ambas as caracteristicas sào inseparaveis. Pois quanto mais uma expansào frouxa do sentimento substitui a grande:a e a configuraçào dos elementos (que designamos como miticos aproximadamente), tanto menor torna-se a uniào, tanto mais 165 origina-se - sefa um amavel produto natural sem arte, sefa uma obra mal feita estranha a nature:a. (GS II-1, 107).
A expressão naturfremdes Machwerk |obra estranha a natureza| obriga a perceber o sentido de nature:a neste caso como natureza não alienada por objetivação esquecida, isto e, perceber que se entende a natureza ja sempre com a inclusão da nomeação poetica: tanto que Machwerk, obra do fa:er por fa:er, artesanato repetitivo seria assim a expressão da propria inconsciência embotada por desconhecimento e esquecimento dos preconceitos miticos que nela atuam. A consciência naturalizada seria a condição de um esquecimento alienado e objetivado por meio do proprio obscurecimento seguro de si, que prima pela desistência de cavoucar a procura dos seus Iundamentados. A coisa em si, o reino do nada, o alem do conceito limite não denota uma transcendência de outro mundo, mas pode ser simplesmente entendido como o âmbito da possibilidade enquanto vida. Sem a vida que e a unidade total, extrema e constante em que se da a possibilidade de ser, o proprio poetizado não se torna possivel. A vida e condição de possibilidade mesmo em estado cotidiano, amarrado, automatizado e alienado, pois não deixa de possibilitar a partir desse estado a continuidade ou a transIormação criativa de si, o que vem a ser a tareIa do poeta artista não perdido em obtusidade. 'A vida esta na base do poetizado como a sua ultima unidade¨. (GS II-1, 107). Quando na poesia não se depara com intuição organizada e desvelamento de um mundo espiritual, um mundo que antes da poesia acobertava-se com o brilho das suas aplicações repetitivas, nenhuma novidade acontece. A expressão a vida mesma na citação a seguir denota não a vida na plenitude das suas possibilidades eIetivadas, mas apenas a vida em seu transcurso normatizado em alienação organizada. A tareIa e justamente a interrupção, a ruptura com tal modo de vida para que em seu chão a intuição e o mundo espiritual possam revelar-se não a partir de algo externo a si, mas do seio de si como algo sempre ja presente e so vislumbrado pela instauração criativa da arte. Note-se que a analise do poema assume o seu papel de comprometimento com o resultado de sua atividade. Mas quanto mais cedo a analise do poema levar a vida mesma enquanto seu poeti:ado, sem encontrar formaçào de intuiçào e construçào de um mundo espiritual, tanto mais a poesia mostra-se - no sentido estrito - material, sem forma, insignificante. (GS II-1, 107).
166 A analise não conseguira depurar o mito absoluto subjacente a totalidade do acontecer, mas ira topar com elementos diversos organizados em constelação dinâmica. O ponto de vista da analise Iaz parte desse dinamismo, ja que não lhe e possivel o distanciamento de uma visão privilegiada desde Iora de todo acontecer. A vida nesse caso seria Ieita de oposições miticas, elementos instalados no Iundo da sua teia organizando-a dinamicamente e de Iorma necessaria. Ao passo que, na verdade, a analise das grandes poesias nào se encontra [stossen auf topar] com o mito, mas com a unidade engendrada pela violência dos elementos miticos em oposiçào dinamica [strebend tendente] como verdadeira expressào da vida. (GS II-1, 108).
O metodo de apresentação, ou seja, a analise critica proIundamente comprometida a ponto de se expressar precisamente na elaboração do conteudo que propõe, trata dos limites aventados que seriam o da poesia e o da vida. 'Precisamente dessa natureza do poetizado como âmbito contraposto a dois limites testemunha o metodo da sua apresentação¨. (GS II-1, 108). Não ha Iundo a ser visto, pois e o abismo sem Iundo que por ser sem Iundo Iaz com que se paire sobre ele. A apresentação não se pode perder na intenção de objetivar algum Iundamento ultimo que pudesse tudo esclarecer. Qualquer esclarecimento deIinitivo com intenções de transparência total signiIicaria a queda no esquecimento de que a apresentação como o retorno proporcionado pelo poetado na poesia não cessou, alias, a exemplo da propria vida. O interessante e que a atividade do poetizado em elaboração da-se como consciência da situação exatamente no suposto ou no sentimento irônico de que ele no poema não se deixa deIinir de todo, mas somente apontar como indicação de participação numa totalidade jamais objetivavel. 'Ela |a apresentação| não deve tratar da prova a respeito dos assim chamados ultimos elementos. Pois não ha tais elementos nos limites do poetizado¨. (GS II-1, 108). Não ha elementos que possam constituir-se em limites, Iundamentos gerais. Caso houvesse tais elementos o proprio poetizado perderia o seu sentido. A incompreensibilidade de elementos ultimos que pudessem Iundamentar a unidade total da poesia e a unidade extrema da vida e a razão de ser da poesia, a garantia da inesgotabilidade da vida e da dadiva da propria vida como criação e poesia nomeadora. O esgotamento da compreensão por meio de uma deIinição deIinitivamente absoluta e um absurdo do tamanho do seu esquecimento, que não leva em conta a total Ialta de 167 possibilidade de alguma perspectiva Iora, alem do todo do acontecer em compreensão, e, alem disso, não se da conta de que a objetivação de qualquer absoluto deixa de ser absoluto pelo proprio processo de objetivação nomeadora que se põe a parte do absoluto nomeado a inaugurar novamente o esquecimento. A analise do poetizado como esIera de relações compreende a compreensão como a Iazer parte ativa da mesma esIera e assim se entende a caminho enquanto metodo em exercicio. Pelo contrario, ha que se comprovar nada mais do que a intensidade da ligaçào dos elementos intuitivos e espirituais e, sem duvida, primeiramente em exemplos individuais. Mas precisamente nessa comprovaçào deve estar claro de que nào se trata de elementos, mas de relaçòes, como fa o proprio poeti:ado vem a ser uma esfera de relaçòes de obra de arte e vida, cufas proprias unidades de modo algum sào compreensiveis. (GS II-1, 108). O verdadeiro poema sempre visara o poetizado como tareIa, pois e a sua pressuposição. A verdadeira poesia não tem outra Iunção a não ser vislumbrar e constante e insistentemente descobrir o condensado ja poetizado comandando os processos vivenciais. O poeta e poeta porque institui o que ja sempre era, o que pode Iazer dada a sua atenção genial que o capacita para ver o disperso condensado e o condensado Iragmentando-se ao inIinito. A sua descoberta e nova vida debaixo do sol, pois e o acordar de um sono e sonho que so são notados na narração poetica que promove. O poeti:ado ira mostrar-se assim como a pressuposiçào do poema, como a sua forma interna, como tarefa artistica. A lei de acordo com a qual todos os aparentes elementos da sensibilidade e das ideias mostram-se como conteudos das funçòes essenciais, fundamentalmente eternas e chamada a lei da identidade. Com isso e indicada a unidade sintetica das funçòes. (GS II-1, 108).
O vocabulario utilizado remete em parte a Platão e Kant conIorme ja anteriormente mencionado. Mencionam-se a sensibilidade e as ideias entre as quais o entendimento compreensivo se constroi e com as quais a propria compreensão novamente se compromete por contar com elas como hipoteses da sua ocorrência. E como se houvesse um movimento constante de duas Iunções em que o entendimento se cria e que tudo isso supusesse a identidade como lei suposta a tudo, uma totalidade indizivel, da qual, no maximo, se pode dizer que dela se participa. E por isso que, em todo o caso, ha que se acentuar a consciência presente de que qualquer aIirmação e deIinição Iazem parte do processo dinâmico da unidade sintetica como suposição Iundamental e inevitavel. 168 'Ela e reconhecida a cada vez em sua Iorma especiIica como um a priori do poema¨. (GS II-1, 108). A identidade, o tautologico em que sempre se esteve, se esta e se estara, a unidade sintetica das Iunções: e disso que se trata. O universal dinâmico presente e visivel no poema singular ou o singular dinâmico criativo representando a unidade sintetica universal são as duas Iaces da mesma moeda. Toda a tematização ate agora e execução e exercicio de metodo em que a Iixidez deIinitiva viria a ser a sua propria anulação, aniquilamento. Portanto, a caminho não ha nem puro metodo, nem puro poetizado e nem tareIa absoluta. Encontrar-se como compreensão dinâmica numa suposta constelação dinâmica de relações e o nivel de soltura do esquecimento e da assunção da tareIa em vida e poesia. Depois de tudo o que foi dito, a averiguaçào do puro poeti:ado, da tarefa absoluta, deve permanecer o alvo ideal puramente metodico. O puro poeti:ado cessaria de ser conceito limite. seria vida ou poesia. (GS II-1, 108).
O poetizado permanece como compreensão de tareIa de soltura e soltura para a tareIa como dinâmica processual a vislumbrar a vida e a poesia. E o reino do possivel aos poucos concretizado e a constantemente se concretizar, sempre alem da compreensão imediata da vida e da poesia. . Não ha como Ialar do ponto de vista da totalidade sempre suposta, o que leva ao reconhecimento da necessidade do exercicio enquanto tal que se eIetua no constante singular. A propria movimentação analitica e aqui posta como prova ou Iundamento enquanto singularização de um suposto inevitavel da propria analise. Isto quer dizer ainda que se tem como claro que toda a Iundamentação e apenas experimental, provisoria, itinerante num espaço absoluto indeIinivel qual abismo de Anaximandro em que ha apenas a oportunidade de pairar sobre ele. Procurar a Iundamentação mais abissal não e o mal, mas sim atribuir valor absoluto a qualquer Iundamentação liquidando com o proprio processo. - Antes que a aplicabilidade do metodo sefa posta a prova em prol da estetica da lirica em geral, talve: tambem para ambitos mais amplos, interditam-se desenvolvimentos mais amplos. Somente entào se podera ter claramente como resultado o que e o a priori do poema singular, o que tal coisa e do poema em geral ou ate de outros gêneros de poesia, ou mesmo da poesia em geral. Mais claramente, porem, mostrar-se-a que sobre poesia lirica ha que, se nào provar, todavia entào fundamentar. (GS II-1, 108).
169 Benjamin propõe cuidado com a implementação do metodo na analise da lirica em geral. Na teorização apresentada por Benjamin, porem, ja e possivel perceber um agrupamento de concepções que indicam determinados pressupostos, os quais não mais serão por ele esquecidos em grande parte da sua obra. Trata-se dos seguintes A suposição de uma totalidade que não e acessivel ao entendimento reIerido apenas a consciência racional. A suposição da mesma totalidade expressando-se na atividade da arte e da IilosoIia critica. O envolvimento do analisante com a sua atividade. Mesmo que o analisante tenha a poesia por objeto da sua analise, como sujeito esta diretamente envolvido diretamente na consecução da obra precisamente por sua critica. A sua critica signiIica a continuidade da obra que assim tem um signiIicado maior do que a objetividade do autor, do critico e da propria obra individual. A continuidade da obra na critica que o critico apresenta ja e Iorma de tradução. A categoria do poetizado que e o Gehalt, isto e, teor posterior. A questão da inconsistência e vanidade da procura por Iundamentação absoluta e a permanência do Ilutuar sobre o abismo enquanto expressão do que objetivamente não e objetivavel. O aspecto de retorno para a liquidação de Ialsas totalidades, mitos, Iundamentos esquecidos. As poesias de Hoelderlin que Benjamin se propõe a comentar pontualmente de acordo com a sua elaboração IilosoIica previa são as que seguem:
Dichtermut ¡Coragem Poética| Hölderlin I, 428 - 1 a versão
Entào nào te sào aparentados todos os viventes? /Entào a propria parca nào te sustenta para prestares serviço? Por isso' Assim, anda simplesmente desarmado Adiante pela vida e nào te preocupes'
O que acontece, tudo sefa por ti abençoado, 170 Estefa voltado para a alegria' Ou entào o que poderia Ofender-te, coraçào' O que poderia Acontecer, la para onde tu deves ir?
Pois, como quieto na margem, ou na prateada Mare soando a distancia, ou sobre silentes Aguas profundas o leve Nadador avança, assim estamos tambem nos,
Nos, os poetas do povo, com pra:er, onde o que e vivo Respira e flutua ao nosso redor, alegremente, e afeiçoado a cada um, Confiante em cada um, como cantariamos De outro modo a cada um o deus proprio?
Entào, quando a vaga um dos corafosos, Onde fielmente confiou, afunda lisonfeira, E a vo: do cantor Agora silencia no salào a:ulante,
Alegre ele morreu e ainda se lamentam os solitarios, Seus arvoredos, a queda de seu maior amor, Reiteradamente soa da virgem A partir da ramada o seu canto amigo.
Quando apos o cair da tarde um dos nossos vem, Onde o irmào naufragou, de certo em muito pensa No advertente local, Silencia e anda mais armado.
Blödigkeit ¡Imbecilidade-Timidez] Hòlderlin I, 445
Entào nào te sào conhecidos muitos viventes? 171 O teu pe nào anda sobre o verdadeiro, como sobre tapetes? Por isso, meu gênio' Simplesmente entra Puramente na vida, e nào te preocupes'
O que acontece, tudo sefa oportuno para ti' Sefas concordante com a alegria, ou o que entào poderia Ofender-te, coraçào, o que Ai suceder, para onde tu deves [ir, para onde tu avanças]?
Pois, desde que celestiais qual humanos, um selvagem solitario, E os proprios celestiais, guia em direçào ao recolhimento [a meditaçào] O canto e dos principes O coro, por classes, assim tambem estavamos
Nos, as linguas do povo, com pra:er funto aos viventes, Onde muito se associa, alegremente e cada um igual, Aberto a cada um, assim, pois, ate Nosso Pai, o Deus do Ceu,
Que concede o dia pensativo a pobres e ricos, Que, na transiçào do tempo, nos os adormecidos Eretos sobre douradas Andadeiras, como crianças, condu:.
Tambem bons e aptos a alguem para algo somos nos, Quando chegamos, com arte, e dos celestiais Tra:emos um. Mas nos mesmos Tra:emos màos habeis.
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3. APRESENTAÇÄO DA CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM
In den Flùssen nòrdlich der Zukunft Werf ich das Net: aus, das du Zògernd beschwerst Mit von Steinen geschriebenen Schatten. (Nos rios ao norte do futuro Eu lanço a rede que tu Hesitante pesada tornas Com sombras escritas Com pedras). (Celan, P. Ausgewàhlte Gedichte, FrankIurt am Main, Edition Suhrkamp, 1968.)
O artigo Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem do homem Ioi escrito em novembro de 1916, em Munique. . Benjamin inicia o artigo sobre a linguagem de um modo que exige atenção acurada, pois Ioi construido de tal maneira que parece querer estabelecer desde o principio a compreensão de que ele mesmo se inclui no sentido que expressa a ponto de toda a maniIestação não poder contar com qualquer entidade ou Iator externo a linguagem em expressão, os quais pudessem observar a sua ocorrência em exposição propria. Cada manifestaçào da vida espiritual humana pode ser concebida como um modo de linguagem, e essa concepçào, ao modo de um verdadeiro metodo, torna acessivel, por toda a parte novas construçòes interrogativas. (GS II-1, 140).
A propria Irase em sua ocorrência ja quer ser compreendida como expressão da vida espiritual do homem comprometida ao modo da linguagem por um lado. Por outro, ela 173 apresenta a relação entre vida espiritual do homem sempre em Iorma de linguagem como um caso particular a Iazer parte da linguagem em geral que passa a explicitar em seguida. Portanto, a vida espiritual do homem esta como que imersa no âmbito da linguagem, porem, e apenas uma especie do total dele. O homem sabe da sua linguagem e, ao mesmo tempo por ela mesmo sabe que e apenas um modo, mas que não representa o todo da linguagem. Em suma, toda a vida espiritual do homem e uma especie de linguagem no âmbito geral do todo da linguagem e essa concepção expressa pela linguagem, por sua vez, não pode ser entendida como algo extra-lingüistico que a estivesse analisando de algum local aIastado para uma apreciação meramente objetivada. Por isso, essa concepção proporciona uma abertura ao modo de um verdadeiro metodo, um caminho que se cria e se anda por meio das interrogações que surgem exatamente no seio da mesma linguagem. Porem, ha que se ter cuidado. O verdadeiro metodo que se cria e se anda e possibilitado pela concepção aludida, que nesses termos, não induz apenas a reduzida atividade de perguntar, mas ele mesmo ja se percebe na consciência de que qualquer pergunta ja esta comprometida com uma construção. Questões que se colocam ja sempre trazem consigo as preocupações surgidas do meio de que provêm. Isto quer dizer que não ha porto para a observação geral em que Iossem possiveis descrições seguras de algo aIastado e sem relação com a propria pergunta, com a observação, com as descrições e precisamente com a distância instaurada. A linguagem, portanto, não pode ser suspensa para a analise dela mesma e, por isso, qualquer pergunta Iundamental embutida na analise da linguagem sobre si mesma deve estar acompanhada da consciência de que tambem este gesto Iaz parte da sua expressão. Se cada maniIestação da vida espiritual do homem pode ser concebida como um modo de linguagem, então, ai estão incluidas todas as produções culturais, cientiIicas e artisticas. E extremamente signiIicativo que a linguagem em geral e a especiIicamente humana logo de inicio são ligadas ao verbo mitteilen que signiIica comunicar, participar, notiIicar. Mas mitteilen e uma junção de mit (com) com teilen (repartir) evocando imediatamente a imagem de que se esta repartindo algo com alguem, ou repartido num conjunto dado sendo parte de uma totalidade. Os verbos mais adequados para conservar tal imagem são partilhar, participar, compartilhar. Mesmo o verbo comunicar, isto e, tornar comum, poderia ajudar na Iormação dessa imagem, se ele não Iosse ja por demais comprometido em seu uso costumeiro com uma acepção de linguagem que Benjamin quer exatamente evitar por considera-la burguesa. O Ialar da linguagem e tido como a propria 174 Iorma de participação numa totalidade desde sempre dada. E evidente que tal ideia evoca imediatamente a IilosoIia pre-socratica que ja nos primordios da cultura ocidental propunha o logoj heracliteano ou o nou``j anaxagorico como os ordenadores de cada uma das inIinitas partes num todo sempre suposto. Assim, a lingua ou a linguagem e entendida como o elo de ligação e, de algum modo, o proprio medium, o meio em que todas as partes estão a Iazer parte. A participação e linguagem, bem como toda linguagem e participação. E Iundamental notar que Benjamin não tem prurido algum de utilizar qualquer tipo de material cultural para explicar as suas questões. Percebemos nesse artigo que tanto o logoj grego, mencionado mais adiante, como tambem todas as narrativas dos primeiros capitulos de Gênesis usadas para a elaboração explicativa, ja são considerados como patrimônio lingüistico comum da humanidade, sem que se deva deixar intimidar a ponto de prescindir do seu grande potencial elucidativo. A constatação Iundamental, portanto, e a de que tudo e linguagem, sendo a do homem um caso particular e privilegiado. Pode-se falar de uma linguagem da musica e da plastica, de uma linguagem da fustiça que, de imediato, em nada se refere aquelas sentenças redigidas em alemào ou inglês, uma linguagem da tecnica, que nào e a linguagem tecnica dos tecnicos. Em tal contexto, linguagem significa o principio voltado a participaçào [comunicaçào] nos respectivos obfetos. na tecnica, arte, fustiça ou religiào.(GS II-1, 140)
Essas considerações levam a concluir que a matematica, a tecnica e outros não se pode reduzir a objetividade absoluta do seu Iuncionamento objetivo e a parte da linguagem como talvez se pudesse almejar, mas ja as suas Iormas de expressão em linguagem ciIrada reivindicam Iatalmente a comunhão participativa da linguagem pelo sentido que têm e ate pela propria intenção explicita de se expressar como objetiva no seio da linguagem. Tudo isso leva ao resultado de que não ha conteudo separado da sua expressão. Qualquer conteudo tomado como objetivamente separado da sua participação na linguagem e esquecimento Iundamental, ou seja, de que so pode ser em participação e, portanto, precisamente em Iorma de linguagem. Benjamin chama a atenção para o Iato de que a linguagem humana e ou baseada, ou Iunda a justiça e a poesia. A justiça esta intimamente ligada a linguagem, pois sempre emitimos juizos na imediação da Iala, restando saber qual e a relação entre linguagem e juizo, o que e um dos temas centrais em 175 toda a obra de Benjamin. A poesia esta evidentemente ligada a linguagem, mas de um outro modo, ja que não se propõe a emitir juizos absolutos. Justiça e poesia estão na base da linguagem ou Iundam perspectivas da linguagem, diIerentemente da tecnica e da plastica não imediatamente a ela reIeridas. Em uma palavra. cada participaçào de conteudos espirituais e linguagem, pelo que a participaçào por meio da palavra e apenas um caso especial, ou sefa, da linguagem humana, e do que lhe esta na base ou nela fundada (fustiça, poesia) (GS II-1, 140).
Quando a linguagem e estendida a totalidade das maniIestações humanas e, ainda mais alem, a propria natureza, parece que se institui uma separação drastica entre Iala da natureza e Iala humana, pois a aIirmação de uma natureza aparece primeiramente com os sinais de uma objetivação absoluta. E preciso lembrar que a linguagem humana Iala de uma natureza como se Iosse uma entidade absolutamente separada. Mas Benjamin esta a elaborar tudo pelo raciocinio da participação enquanto linguagem. Quando o homem Iala, esta participando, e quando a natureza Iala, esta participando tambem, tanto que de algum modo ha um encontro participativo em que os papeis de cada um ainda devem ser elucidados. Mesmo assim, deve-se logo levar em conta que o homem so pode participar com a sua linguagem e compreensão da Iorma com que vê o todo que ele mesmo propõe. Essa mesma totalidade so pode ser elaborada pela linguagem, sendo, então, que o proprio todo e Ialante na interação que o homem esta a estabelecer dele Iazendo parte. Um todo não pode ser separado de si enquanto a sua propria expressão, pois se Iosse separado da sua expressão e de algo outro, todo não seria. Portanto, não sendo separado, tem como caracteristica a linguagem que e precisamente participação, compartilhamento necessario para que o todo seja de Iato todo. A essência de qualquer coisa e ser parte relacionando-se assim, pois sem esta caracteristica simplesmente não e. O simples estar ai depende da suposição de um contexto totalizante e mesmo essa situação e participação no todo. Por isso: Mas existência da linguagem nào se estende apenas aos campos da expressào espiritual humana, a qual linguagem sempre e inerente em sentido estrito, mas se estende a simplesmente tudo. Nào ha acontecimento ou coisa na nature:a organica ou inorganica, que nào faça parte da linguagem de algum modo, pois e essencial a cada um participar o seu conteudo espiritual (GS II- 1,140).
176 Estamos sempre na linguagem compreendendo nela, articulando com ela, objetivando nela. Somos participantes por imersão num todo que de Iorma alguma dominamos, o que exatamente e esquecido na objetivação de um conhecimento que se quer separado da circunscrição lingüistica: a linguagem Iala muito mais e mais alem do que a mera subjetividade intentando apontar um objeto separado de si; na Iala maniIestamos muito mais do que intentamos expressar, pois carregamos conosco todo o sentido necessario para a construção do sentido reduzido que queremos expressar. Toda a Iala carrega consigo a totalidade da linguagem como sua condição de possibilidade. A Iala e imediata situação de se Iazer parte compartilhando de um modo que nunca enxergamos de todo. Por isso, e necessario alertar que na suposição inevitavel do todo articulado em linguagem, a cada instante e participação. 'Mas a palavra linguagem nesse uso de Iorma alguma e metaIora¨ (GS II-1, 141). Nada do que podemos pensar esta Iora da linguagem, ate mesmo o nada e o tudo que se diz. O silêncio pode ser cheio de ruidos de vozes que nos acossam do passado presente. A representação depende da linguagem com os perigos que ela mesma aponta: o esquecimento da objetivação separada. Esse esquecimento esta no centro da tematização sobre a linguagem humana. Pois se trata de um conhecimento pleno de conteudo o fato de nos nào nos podermos representar nada que nào participasse a sua essência espiritual pela expressào, o maior ou menor grau de consciência com que aparentemente tal participaçào esta relacionada, nada pode mudar o fato de que nada nos podemos representar na ausência da linguagem.(GS II-1, 141).
Não pode haver existência alguma a parte da relação com o todo, pois mesmo isso que se exprime enquanto existência da-se no suposto do mesmo todo em participação, ou linguagem. Caso se quisesse Ialar de Deus, não se poderia nomea-lo por ser inIinita suposição. Mas nem Deus, então, pode comungar da ideia de algo sem participação, ou seja, precisamente linguagem, pois Deus e participação de modo especial. Deus se diz participando. 'Uma existência que Iosse sem qualquer relação com a linguagem e uma ideia, mas essa ideia não permite IrutiIicar nem no circulo de ideias, cuja circunscrição aponta aquelas que são de Deus¨. (GS II-1, 141). A linguagem e expressão participativa e e existência, participação de conteudos, ou seja, não de tudo e nem de tudo numa vez so: e continuidade 177 e permanência. A linguagem permanece, porque os conteudos de que e Iormada lhe impingem o ritmo do tempo concretizando-se nas expressões que são ao inIinito e em todo o lugar. 'Certo esta apenas esse tanto, que nessa terminologia cada expressão deve ser contada a linguagem na medida em que ela Ior participação de conteudos espirituais¨. (GS II-1, 141). A expressão e possivel apenas como linguagem, sob o risco de nada podermos entender e ser. Mas havendo linguagem, deve-se retroceder, voltar, retornar para saber do que se trata, de que essência espiritual a expressão provem. Sae-se do meio da linguagem neste procedimento? Certamente não e possivel, pois como se poderia deixar de participar? Mas internamente a linguagem existem as Iorças coercitivas da compreensão que apenas na atividade de elucidação hermenêutica tem solução provisoria. E, antes de tudo, de acordo com a sua total e mais interna essência, a expressào deve ser compreendida apenas como linguagem, por outro lado, a fim de compreender uma essência lingùistica, e necessario sempre perguntar a que essência espiritual a imediata expressào entào corresponde (GS II-2,141).
A lingua não e instrumento pelo qual se pudesse carregar algo outro para despeja-lo em algum lugar: não e uma essência que e carregada de um lado ao outro por um veiculo chamado linguagem, pois ela ja e expressão imediata da essência. Num exemplo que se pode dar, a lingua alemã não e um veiculo a parte para a transmissão da cultura, do sentido ou do sentimento germânico, mas ja e a expressão disso na imediação da sua elocução. Pode haver tradução para outras linguas daquilo que na lingua alemã Ioi elaborado, mas essa tradução sera, então, conIorme a tareIa da tradução, uma nova criação, uma trans- criação constante, um novo envolvimento do tradutor a quem não e permitida a condição de mero intermediario de conteudos, mas de quem se exige a assunção da sua expressão realizada na leitura e na nova codiIicação que elabora. Alem disso, aponta-se aqui para o Iato de ser simplesmente impossivel um desligamento, ou uma separação de Ialante e linguagem enquanto objeto de analise como se Iosse separado, ao modo de se querer dizer algo a respeito do dito analisado sem ao mesmo tempo dizer, isto e, sem Iazer uso de palavras para dizer o dito. Como na questão do metodo, conta-se com um irremediavel comprometimento na analise de tudo ao modo do dizer, e, alias, tambem quando se aIirma que não ha envolvimento participativo na analise de qualquer coisa dita, pois, por obvio, dizer que não ha, necessita ser dito. Quem 178 Iala desta ou daquela maneira, nesta ou naquela intenção esta dialogando conIorme o que ja Ioi dito no texto de Metafisica da fuventude. A unica Iorma analitica mais distante do dizer e a escuta silenciosa, atenta e participativa. Mesmo assim, quem escuta tambem esta participando inevitavelmente, pois da precisamente a direção do sentido a partir da sua compreensão elaborada pelos procedimentos da linguagem. Isto significa. a lingua alemà, por exemplo, nào e expressào para tudo que por intermedio dela supostamente podemos expressar, mas ela e a expressào imediata daquilo que nela se participa [comunica]. Esse se e uma essência espiritual.(GS II- 2,141)
A essência espiritual e o que se diIerencia na atividade da linguagem enquanto participação. A diIerenciação para a qual se chama a atenção não e uma diIerença que pudesse chegar a imagem de separação. Pois a linguagem como participação expressiva de algo não pode ser a totalidade do que expressa, caso contrario haveria de imediato um esgotamento semântico e a Ialta de movimentação participativa da propria linguagem, ja que tudo estaria deIinido a primeira palavra. Mas o Iato de haver a linguagem enquanto relação sempre inovada, deslocamento de sentido e multiplicidade de sentido nas descrições das coisas, apresentação e contraposição de discursos, aponta para a inesgotabilidade da expressão de algo que Benjamin aqui chama de essência espiritual. 'Desse modo antes de tudo e evidente que a essência espiritual, a qual se comunica na linguagem, não e a linguagem mesma, mas algo que dela deve ser diIerenciado¨. (GS II- 1, 141). A hipotese de esgotar com a palavra a coisa dita, essência espiritual, a partir de criterios absolutos esquecidos signiIicaria esquecer que a linguagem e em participação propria na propria conIecção de tal opinião. A objetivação geralmente leva ao mal do esquecimento de que se esta a contar com criterios inatacaveis no dizer em ação dividindo tudo em sim e não. Enquanto isso, o estado de coisas e muito mais rico em detalhes a serem lembrados: tanto não se esgota o sentido da coisa com um dizer so, como tambem o proprio dizer e eivado de pressupostos em sua ocorrência de dizer. Esses pressupostos tambem levam consigo a condição de possibilidade do seu dizer, que tambem nunca havera de esgotar, pois qualquer aIirmação de esgotamento ja desenharia a aIirmação pretensiosa de Ialar de Iora da linguagem participativa num local para analise que nunca podera existir, ja que e participação. A linguagem humana enquanto participação, portanto, não pode querer identiIicar-se e determinar de maneira absoluta os elementos da participação, ou as 179 coisas, querendo, quem sabe, ate substitui-las. Benjamin esta a indicar que a participação em Iorma de linguagem e uma parte da essência espiritual, ou seja, a expressão dela, enquanto que sempre ha ainda um inIinito da mesma essência a ser expresso. Esta condição geral da linguagem geralmente e esquecida, na imaginação de que com uma palavra se esteja deIinindo e dominando, de uma vez por todas, as proprias coisas em toda a sua extensão e em toda a sua participação ainda possivel. A colocação dessa hipotese na IilosoIia leva a um precipicio que e a queda no esquecimento excluindo-se da participação na tentativa de permanecer do lado de Iora de uma totalidade que se pretende descrever unilateralmente, subjetivamente e a distância. A queda em tal precipicio e, então, o erro de se imaginar sem participação na totalidade que se esta exatamente a descrever e nela assim precisamente participar e, alem disso, colocar a hipotese de si mesmo enquanto descrição no inicio de um processo no qual, porem, ja esta inIinitamente no meio. A opiniào de que a essência espiritual de uma coisa consista em sua linguagem esta opiniào entendida como hipotese e o grande abismo que toda a teoria da linguagem ameaça cair, e permanecer flutuando sobre, exatamente sobre esse abismo e a sua tarefa. |Numa nota relativa a essa Irase consta: Ou e, ao contrario, a tentaçào de colocar a hipotese no inicio que fa: o precipicio de todo o filosofar?] (GS II-1, 141).
Para não cair no precipicio de uma objetivação absoluta, mas ingênua em sua concepção tambem participativa, ha que Iazer uma diIerença entre a essência da linguagem, que e a participação, e a essência espiritual de todo o modo inesgotavel. Tal diIerença e mais original e por meio dela se entende melhor o que se esta a Iazer de modo participativo numa teorização da linguagem. E impossivel alguem dizer que ira analisar a linguagem com outra linguagem sem ao mesmo tempo assumir que esteja expressando-se em participação na totalidade da linguagem que e precisamente participação de novo. Sempre permanecera no âmbito da mesma linguagem para elaborar algo que supõe melhor, mais logico ou mais coerente, mas nunca podera esgotar deIinitivamente o sentido de qualquer coisa, que aqui se chama essência espiritual daquilo que se expressa no dizer enquanto intenção de objetividade e suposição geral do mesmo dizer esquecido enquanto condição de possibilidade que o acompanha. Para repetir, a suposição da essência espiritual inesgotavel transluz do proprio exercicio da linguagem enquanto atividade tambem inesgotavel pela Ionte de que bebe sem nunca poder deixar de beber enquanto deslocamento semântico para circunscrever melhor a expressão ocorrente. A coisa 180 intentada e inesgotavel semanticamente como tambem o dizer em todas as suposições, pre- conceitos, pre-condições que o acompanham para que possa exatamente estar em exercicio de dizer. A suposição de inicio explicativo geral por meio do lo/goj da IilosoIia pre- socratica sempre ja trouxe consigo o mesmo problema em Iorma de paradoxo: como se pode propor o logoj como principio geral da totalidade suposta, se ele mesmo e o exercicio na linguagem ocorrente que quer Iundar, portanto, a si mesmo como absoluto, apesar da propria compreensão da sua ocorrência? Benjamin evidentemente não elimina a contradição, mas quer tê-la presente exatamente para tematização central. Ele sabe, que por mais soIisticadas que as elaborações no campo da IilosoIia da linguagem possam ser, elas geralmente incorrem no esquecimento desta contradição, ou seja, esquecem que estão participando como expressão precisamente deste modo numa totalidade, a qual sempre inevitavelmente são obrigadas a supor no mesmo instante em que elas estão em pleno desenvolvimento do seu discurso. Uma negatividade Iundamental e inerente a todo o dizer ocorrente, pois toda a participação expressando conteudos por deIinição sempre sera parcial em seu processo de mapeamento dos mesmos, sendo esta parcialidade precisamente a Iorma de participar. A diferenciaçào entre a essência espiritual e a essência da linguagem, a medida que participa, e a mais original numa investigaçào teorico-lingùistica, e essa diferença parece ser tào indubitavel que a identidade muitas ve:es afirmada entre a essência espiritual e a essência lingùistica forma um profundo e incompreensivel paradoxo, cufa expressào encontrou-se no duplo sentido da palavra L÷o(gof. (GS II-2,141).
Benjamin reporta-se, portanto, a palavra grega logoj, que desde os pre-socraticos nos acompanha como um enigma na tentativa de explicação da totalidade que inevitavelmente se supõe ao dizer e participar por um lado, e, por outro, a compreensão de que o proprio dizer e participativo no todo que supõe. A deIinição da identidade que se quer dizer quebra-se para diIerenciar-se da sua suposição, pois tudo se da como compreensão de que o dizer e o dito so podem ser quando Iazem parte de algo que ate nesse momento não Ioi dito deIinitivamente. Benjamin Iala do paradoxo, da contradição da identidade do logoj que se quebra em dois no mesmo instante da sua elocução. Compreender a compreensão so e possivel na continuidade da compreensão instaurando o tempo sucessivo e continuo como pecado original, ja que sempre precisa imaginar um 181 ponto de reIerência Iora da linguagem para dizer algo objetivo enquanto identidade em termos de algo enquanto algo. O suposto da diIerenciação entre as essências (sentido intencional da linguagem e sentido expressivo) e o que deve prevalecer em toda a investigação sobre linguagem, apesar de ter o curioso eIeito de se dever ter consciência da proibição de esquecer a propria renovada participação do investigador. Parece ser ja o prenuncio da propria proibição antes do pecado original no Jardim do Eden de não comer da arvore do conhecimento do bem e do mal, e da vida. O pecado original parece ser, nesta perspectiva, a propria invenção de um suposto absoluto, separado Iora do âmbito da linguagem, a Iim de pôr em duvida o dizer que esse mesmo suposto possibilita, permanecendo numa dialetica paradoxal que se convencionou denominar como expulsão do paraiso. Os pre-socraticos continuamente estabeleciam hipoteses teoricas da relação entre o todo e as suas partes e a critica que apresentavam uns aos outros tratava, entre outros aspectos menores, invariavelmente dos deIeitos do esquecimento da auto-inclusão do proponente na sua propria elaboração de sistema IilosoIico. Benjamin certamente teve presentes as semelhanças entre os antigos paradoxos gregos, bem como as interpretações possiveis da narrativa do Eden para tematizar a contradição da linguagem. O artigo Sobre a linguagem em geral e a linguagem humana Iaz jus aos esIorços de Origines na elaboração de uma sintese entre a IilosoIia grega e a incipiente teologia cristã. De qualquer maneira o paradoxo e insoluvel, mas e salutar enquanto alerta Irente a ingenuidades positivistas. Todo o cabedal IilosoIico sistematico ja arrumado tem os seus pes de barro na Ialta de recordação do aviso que a propria linguagem da na sua imediata ocorrência de participação no apontamento de algo que nunca podera dizer deIinitivamente. A teoria da linguagem que não contar com ele, erra desde o seu ponto de partida e exatamente e ele que e o ponto de partida de acordo com todo a angustia multimilenar do pensamento humano sedimentado na linguagem e por ela alimentado. Outro recado de Benjamin e o de que a contradição permanece como impasse ou solução da sua compreensão no centro da teoria da linguagem, ou seja, numa condição de depois da atividade do dizer ja dito, o local em que estamos, pois nos encontramos dependentes do ja dito de inumeros modos para então veriIicar a contradição continua havida e, inclusive, a ocorrer inevitavelmente no nosso dizer atual. Por outro lado, qualquer Ialante jamais podera promover algum principio enquanto resolução para a 182 construção de um discurso sem a presença do paradoxo, ou da contradição da linguagem: sempre sera insoluvel pelo Iato de que a sua solução seria precisamente o esgotamento da participação. Como ja visto, quem quiser resolvê-lo como se estivesse no inicio de tudo e Iora da linguagem para solucionar a questão que e o centro da linguagem, novamente Iaria o papel da cobra do Eden a propor o passado separado enquanto inicio de uma questão Iicticia e inexistente: 'Teria, por acaso Deus dito?¨ (Gênesis, 3,1). O esquecimento constitutivo na atividade da linguagem de propor sempre um inicio inexistente e a questão da cobra que se instaura enquanto tempo na propria compreensão possivel na articulação da linguagem. Quem sabe que esta no meio da linguagem, na participação, sabe simultaneamente que todo o começo e uma hipotese de instauração de começo que possibilita a sua Iundamentação e aplicabilidade a partir do esquecimento de que esta no meio, im Zentrum, na participação, ou na comunicação não no sentido instrumental, mas proIundamente vivencial. Por outro lado, quem explica a totalidade do universo a partir de uma hipotese tornada absoluta, simplesmente permanece no esquecimento de que tambem isto e a sua participação em ocorrência, e pode incorrer em qualquer tipo de retorica deslumbrada com a realização do movimento de apenas persistente rotação sobre si. 'Mesmo assim, enquanto solução esse paradoxo tem o seu lugar no centro da teoria da linguagem, mas permanece paradoxo e insoluvel ai onde ele se encontra no começo¨.(GS II-1, 141). A linguagem comunica, isto e, torna comum, visivel e compreensivel a sua essência espiritual propria. Ela tem a sua correspondente essência que e participação no sentido ativo como se Iosse a dinâmica que possibilita a tudo Iazer parte. E possivel entender, pelo modo com que Benjamin diz, que a linguagem participa Iazendo parte da essência espiritual com a capacidade, então, de expressa-la e, ao mesmo tempo, precisamente desse modo participa possibilitando a noticia do que e, mas simultaneamente tambem participa do todo de que Iaz parte e que inevitavelmente necessita supor em seu proprio acontecimento. 'O que a linguagem participa? Ela participa a sua correspondente essência espiritual¨ (GS II-1, 142). Esquecer-se de que se participa na linguagem e a queda, e o cair no esquecimento de que se esta objetivando como se tudo Iosse instaurado a partir do nada e desde o inicio. Todos os inicios propostos na ciência e na IilosoIia são ingenuidades esquecidas de que são ingenuidades. Elas Iazem de conta que ha um ponto alem do mundo, 183 da historia, da sociedade, do universo, da linguagem, e que permite a descrição desde algum inicio Iora do tempo para que o tempo se inicie seja como Ior entendido. Qualquer proposta de tempo, de espaço, de mundo e de linguagem, sempre ja Iaz parte do que propõe instaurando uma hipotese, da qual Benjamin diz que sobre tal precipicio ha que Ilutuar (schweben). A linguagem não e um instrumento que se possa dominar deIinitivamente por que dela se Iaz parte, podendo ate se dizer que somos linguagem. 'E Iundamental saber que essa essência espiritual torna-se participante na linguagem e não pela linguagem¨. (GS II-1,142). O Ialante de uma lingua não se comunica atraves da mesma como se pudesse ser algo outro completamente separado da lingua que Iala com todas a sua riqueza de sentido. De algum modo o Ialante ja sempre e, ele mesmo, a propria expressão do que esta a dizer. Por mais que tente objetivação separada de si como se houvesse algo Iora de si que se pudesse descrever sem a participação eIetiva dele mesmo na propria descrição, não o conseguira. O Ialante esta inevitavelmente comprometido com a sua Iala seja qual Ior a especulação ocorrente, ja que não ha a possibilidade da Iala humana de não dizer. A intenção de explicitação em termos apenas objetivos da sua subjetividade mais intima e distante por compreensão soIisticada, ou embaralhada em circunvoluções semânticas, e uma Ilor que se abre em participação diIusa em meio a um mormaço de verão: não esta a parte do seu dizer. A parte da essência espiritual em participação tem na essência lingüistica a sua condição de compartilhamento do todo, de modo que nada do que ha pode separar-se da sua expressão nesse mesmo todo. 'Não ha, portanto, nenhum Ialante da linguagem quando com isso se quer apontar aquele que se comunica por meio dessas linguas¨.(GS II-1, 142). Igual a essência da linguagem a essência espiritual não e de Iora, ou seja, a essência espiritual esta junto a participação da linguagem. A linguagem e parte da essência espiritual e nessa parte se identiIicam. Não se pode, portanto pensar que a linguagem veiculasse uma essência que e de Iora para dentro de si e para então participar. O Iora da linguagem desse modo não ha, pelo Iato de ela ser parte eIetiva da essência espiritual. 'A essência espiritual participa |Iaz-se parte| em uma linguagem e não atraves de uma linguagem isto quer dizer: não e de Iora igual a essência da linguagem¨. (GS II- 1,142). Tem-se, então, a tradução de uma essência na outra evoluindo para um so encontro dinâmico. Como, porem ja Ioi lembrado, a essência espiritual não se esgota na essência lingüistica que dela participa, pois a essência espiritual e muito mais vasta do que a 184 discursividade participante da linguagem humana. Ha que lembrar de novo: por mais que a linguagem se dê enquanto objetivação, sempre Iara parte, isto e, participara de um todo que no seu discurso objetivante no ritmo do tempo jamais podera dizer deIinitivamente. A linguagem participa por estar no meio e nunca no inicio de nada ao modo objetivo, por mais que se esqueça das hipoteses de um abismo, sobre o qual precisa Ilutuar como que sabendo que tera de gaguejar soluções continuamente, aIundando, porem, num sem Iundo quando esquece querendo estaquear Iundamentos sobre um sem Iundo. 'A essência espiritual e idêntica a essência lingüistica apenas a medida que e participante¨. (GS II-1, 142). As palavras que se usam na linguagem humana, portanto, ja perIazem o encontro com a essência espiritual a ponto de se identiIicarem. A compreensão das palavras ja Iaz parte de um âmbito caracterizado como espiritual e lingüistico que sempre e parte de um todo maior do que pode dizer em sua participação discursiva e Ialante. Mas e importante que se acentue a aIirmação: todas as palavras ja são parte pela sua expressão comunicativa a ponto de que em cada palavra ha a espiritualidade participante, mesmo que seja numa totalidade que jamais pode alcançar com a sua participação por meio de deIinições continuadas. 'O que e comunicavel |participante| numa essência espiritual isto e a sua essência lingüistica¨.(GS II-1,142). As coisas têm ou perIazem uma essência espiritual da qual a linguagem Iaz parte. Mas a linguagem participa de parte dessa essência, mas não diz a totalidade possivel e deIinitiva. As coisas na linguagem são apenas parte delas, isto e, na linguagem alcança-se participação apenas numa parte das coisas. Na linguagem, parte das coisas esta deIinida, mas nem de longe tal deIinição chega a ser a totalidade do possivel das coisas. As coisas, por sua vez, portanto, têm parte na linguagem por sua essência espiritual. A linguagem, portanto, participa a essência correspondente das coisas, mas a parte espiritual destas apenas na medida em que estiver resolvida na essência lingùistica, na medida em que e participante.(GS II-1, 142).
A linguagem não e algo que instrumentalmente se pudesse utilizar para somente descrever e deIinir as coisas como se Iosse separada tanto do Ialante e quanto das coisas, Iora das coisas. Ao contrario, ela mesma, a linguagem, tambem se identiIica como a propria participação das coisas nela mesma. A parte espiritual da essência identiIicada a 185 linguagem identiIica-se de novo com as coisas que nela são participantes enquanto ditas. A participação enquanto linguagem tambem participa do todo que mesmo supõe e essa e a diIiculdade da contradição. 'A linguagem participa a essência lingüistica das coisas¨. (GS II-1, 142). A linguagem e uma coisa que aparece na participação e a participação e o aparecer. Como se poderia duvidar de que ha o Iato da linguagem, mesmo que objetivada como coisa e que Iosse a parte de algum Ialante? O cetico que dissesse que não ha linguagem estaria a se contradizer de Iorma completamente estulta, pois estaria a participar do que nega que existe. Quanto mais negar, mais ira provar exatamente o contrario. 'A aparência mais evidente disso, porem, e a linguagem mesma¨. (GS II-1, 142). A linguagem e participação, tem o sentido da participação e so pode ser enquanto participação. Portanto, ela não tem algo externo a si para trazer daqui para la, um o que, um objeto a mais do que ela mesma seja, mas participa, ela mesma enquanto essência espiritual das coisas, identiIicada com a sua propria essência. O que da linguagem e o seu proprio Iato. 'A resposta a pergunta: o que a linguagem participa? diz, portanto: cada linguagem participa a si mesma¨. (GS II-2,142). Benjamin ocupa-se com um exemplo curioso para alcançar clareza neste estado de coisas: e o exemplo da lâmpada como coisa que tem a sua linguagem, de acordo com o combinado desde o inicio de que a linguagem e geral, pois o que ai esta Iaz parte do compartilhamento do todo que se supõe. Ha, portanto, a lâmpada mesma e o acontecer participativo da lâmpada que e a sua essência espiritual enquanto linguagem. Nada se saberia da lâmpada se não Iosse a sua expressão na linguagem. Mas algo pode ser sem se expressar? Parece que não, pois o ser de alguma coisa esta diretamente ligado a sua expressão. A lâmpada mesma, alem do que dela percebemos em sua expressão não seria uma Iicção objetivada e separada de novo? Sabe-se que não, pois o esgotamento cabal do sentido mesmo sendo da lâmpada nunca sera realizado. A linguagem desta lampada, por exemplo, nào participa a lampada [toda] (pois a essência espiritual da lampada, na medida em que e participante, de modo algum e a lampada mesma), mas a lampada-linguagem, a lampada na participaçào, a lampada na expressào.(GS II-1,142).
186 A linguagem das coisas e a sua essência lingüistica. Isto quer dizer que ha o Iato de se Ialar coisas Iazendo-as participar na linguagem e isso e a sua essência, e essência percebida como participação. 'Pois na linguagem a questão se da assim: A essência lingüistica das coisas e a sua linguagem¨.(GS II-1,142). Não seria tautologia uma tal aIirmação? Não seria o mesmo do mesmo se dizer que a essência lingüistica das coisas e a sua linguagem? Mas a participação e a continuidade da linguagem enquanto participação num todo que sempre prima pela impossibilidade de ser dito deIinitivamente. A tautologia não se põe na Irase por essa razão, pois a linguagem sempre Iicara aquem da identiIicação absoluta, ja que nunca sera alcançada pela diIerença que se institui precisamente como participação, ou seja, como linguagem. A identidade, ou o mesmo nunca poderão ser ditos pelo simples Iato de que dizer e participação continua. A tautologia aqui se reIere a totalidade sempre suposta na ocorrência do dizer. A indicação do e como imediação tem o sentido de acentuar a impossibilidade de se dizer algo como algo independente do dizer. Diz-se algo como algo dizendo, mas jamais não dizendo; mas precisamente ao dizer algo como algo, na intenção da identidade, tal dizer ja esta comprometido com a participação. O e trata da ocorrência da imediata participação que não pode ser esquecida na pretensão de se dizer algo como algo. Caso houver tal esquecimento, novamente se esta nas garras da ingenuidade metaIisico- positivista que precisa cair no esquecimento para objetivar um criterio absoluto do seu dizer que e sempre exatamente ocorrente e instaurador de hipoteses esquecidas. Assim, o acontecer da comunicação e a linguagem em acontecimento de participação sempre reIerida ao dizer em dinâmica. A compreensào da teoria da linguagem depende de aclarar essa frase, que tambem liquida completamente qualquer aparência de uma tautologia. Essa frase e completamente sem tautologia, pois ela significa. isso que numa essência espiritual e participante, é sua linguagem. Neste 'e` (igual a 'e imediato`) baseia-se tudo. (GS II-1, 142)
Instituir a lâmpada como entidade separada da linguagem e ai começar a calcular as relações de aproximação com aquilo que primeiramente se separou absolutamente, e começar de um inicio Iicticio. A lâmpada na linguagem ja sempre Ioi lâmpada-linguagem e a lâmpada mesma ainda esta em elaboração inIinita de sentido participativo. Mesmo como invenção de lâmpada em si ela permanece reIerida a um dos aspectos da compreensão em plena essência da linguagem em percurso participante. 187 O que numa essência espiritual e participante, nào aparece de forma mais nitida em sua linguagem como ainda ha pouco se disse na passagem, esse carater de ser participante e a linguagem mesma. Ou, a linguagem de uma essência espiritual e imediatamente aquilo que nele e participante.(GS II-1, 142).
O todo suposto so pode ser todo apenas tambem pela suposição necessaria da participação eIetiva e compartilhada de todas as suas partes, participação que se denomina linguagem. Por isso, a linguagem e o meio no sentido tambem de ubiqüidade participante da essência espiritual e imediação para que o todo possa ser. O medium da linguagem, o medial, e o seu carater de imediação e ubiqüidade participante na essência espiritual, de inevitabilidade de participação imediatamente expressiva apontando diIerenças e identidades em seu percurso e tendo a grande identidade como pano de Iundo sempre suposto, mas a qual nesse percurso nunca podera deIinir cabalmente, pois mesmo qualquer deIinição dela sera nova participação eIetivamente posta no permanentemente suposto. A magia positiva da linguagem e primeiramente a sua eIetividade imediata do dizer, que e uma Iorça pratica incontrolavel pelo dizer, pois qualquer dizer e eIetivo, magico, interIerente na instituição de diIerenças constantes que propõe no ritmo do tempo. Ha como que uma instauração involuntaria enquanto verdade a acontecer, que não se pretende, a partir de uma objetivação, a qual constantemente se pretende como verdade. E como a situação do paraiso: o homem ouve a voz da proibição da objetivação no esquecimento de que seu Ialar e eIetivo, participante, criador-instaurador numa totalidade incomensuravel. Mas a voz da proibição da Grande Lei ja sempre vem atrasada porque proibe algo que ja desde sempre aconteceu como participação eIetiva na objetivação da linguagem mesmo esquecida. A tentação, ou o esquecimento da construção separada sem a assunção da magia da participação constante continua ate nova recordação envergonhada em que de novo o homem ouve a voz que lhe pergunta sobre o lugar em que esta: Adão, onde estas? E a voz quase sempre acontece no Iim de uma construção esquecida quando a recordação melancolica soIre um processo de identiIicação com a ruptura do castelo de cartas: era-se precisamente isso, sem o saber ate então, pelo Iato de esquecer da magia comprometedora da linguagem. Por isso, o medial e o problema Iundamental da teoria da linguagem que como teoria geralmente esquece da sua auto-inclusão no sistema compreensivo proposto como se Iosse objetivamente separado e Iundamentado por criterios incontestaveis. O medial 188 signiIica, como ja dito, que não ha a possibilidade do inicio absoluto, mas que ja sempre se esta no meio da participação. O que em uma essência espiritual e participante, nisso ela participa mesma, isso significa, toda a linguagem participa a si mesma. Ou mais precisamente. toda a linguagem participa a si mesma, ela e o 'Medium` da participaçào no sentido mais puro. O medial, isto e a faculdade de imediaçào de toda a participaçào espiritual, e o problema fundamental da teoria da linguagem, e caso se quiser denominar de magica a essa faculdade de imediaçào, entào o problema original da linguagem e a sua magia. (GS II-1, 143).
A magia da linguagem aponta para o inIinito, ou seja, para a impossibilidade de em seu discurso dar conta do proprio inIinito, ou inicio absoluto, ou Iundamento absoluto que propõe. A magia e o sentido da participação da parte que em sua dinâmica reverbera no todo que constantemente pressupõe. Pode ate propor um todo suposto, mas esse mesmo gesto de suposição e colocação de Iundamento navegara sempre em algo inIinito pressuposto que mesmo sinaliza em sua participação. Isto, por outro lado, signiIica que a pressuposição esta a indicar a si mesma no discurso itinerante e participativo, ja que a participação não podera nunca nessa compreensão propor inIinito separado. 'Ao mesmo tempo a palavra sobre a magia da linguagem aponta para algo outro: para sua inIinitude...¨ (GS II-1,143). Tudo esta na linguagem e ela não e o instrumento que traz algo de Iora para dentro. Como a conhecida mônada de Leibniz que não tem janelas e, portanto, da a ideia de algo que não tem Iora nem dentro, assim tambem e a linguagem para a qual não se pode trazer conteudos de Iora para dentro, mas o que se chama conteudo ja Iaz parte do espirito da linguagem e deve ser articulado de outro modo. Conteudos dentro da linguagem como se Iossem carregados por ela estariam a indicar a sua instrumentação e separação deIinitiva dos elementos para a possibilidade da objetivação. A sua instrumentação signiIicaria a sua redução pela possibilidade de manipulação por algo de Iora dela. Mas a incomensuravel inIinitude da linguagem não pode ter um âmbito de Iora, pois toda a tentativa de manipulação verbal de conteudos ainda se da no âmago da linguagem. E dai que decorre o seu aspecto magico, pois a mesma tentativa de manipulação exterior da linguagem desde sempre esta Iadada ao Iracasso, ja que e instauração no interior da linguagem em uso, e tal instauração nada mais e do que a eIetivação da participação. 189 Ela e condicionada pela sua imediaçào. Pois, precisamente pelo fato de pela linguagem nada se compartilhar, aquilo que na linguagem se compartilha nào pode ser limitado ou medido de fora, e, por isso, e imanente a cada lingua uma infinitude incomensuravel toda especial. E a sua essência lingùistica que indica o seu limite e nào os seus conteudos verbais.(GS II-1,143).
Do mesmo modo como todas as coisas partilham a sua essência espiritual na participação pela suposição de um todo, tambem o homem que propõe esta condição total deve tambem se auto-incluir. Sua essência espiritual expressa-se, então, em sua linguagem especiIica Ieita de palavras, pela qual participa nesse todo. A essência lingùistica das coisas e a sua linguagem, essa frase aplicada aos homens exprime. a essência lingùistica do homem e a sua linguagem. Isso significa. o homem compartilha a sua propria essência espiritual na sua linguagem. A linguagem do homem, porem, fala em palavras.(GS II-1, 143).
O homem compartilha a sua essência a medida que e compartilhavel, pois não e toda ela que na sua essência lingüistica esta presente, como tambem não estava na linguagem em geral. Caso o homem identiIicasse a totalidade da sua essência espiritual na linguagem de uma vez por todas, então ja estaria completamente deIinido e não necessitaria mais da continuidade da linguagem em participação, alias, não mais estaria participando e tambem não mais Iaria parte do todo que pressupõe. A caracteristica da participação que e a expressão ininterrupta do homem e a de que ele nomeia todas as coisas. Não conhecemos outra linguagem nomeadora alem daquela que e a do homem, mas apenas outras que não são nomeadoras. A especiIicidade da linguagem do homem e a nomeação de todas as outras coisas. O homem, portanto, compartilha a sua propria essência (a medida que e compartilhavel) na medida em que nomeia todas as outras coisas. Mas, conhecemos ainda outras linguas que nomeiam as coisas? Nào se faça reparos no sentido de que nào conhecemos linguagem alguma fora a do homem, pois isso nào e verdadeiro. Apenas uma linguagem nomeadora nào conhecemos alem daquela do homem, por meio de uma identificaçào de linguagem nomeadora e linguagem em geral a teoria da linguagem despofa- se da compreensào mais profunda. A essência lingüistica do homem e, portanto, que ele nomeia as coisas. (GS II-1, 143).
E possivel perguntar pela razão de tal nomeação, mas a resposta ja esta dada pela propria caracteristica da participação. O homem participa lingüisticamente nomeando, pois 190 e a sua maneira de participar. Por isso, a pergunta pela razão da nomeação equivale a pergunta sobre com quem o homem compartilha e de que modo. Pois a sua parte e ao modo da nomeação de todas as outras criaturas. Ha a participação de todos, desde lâmpada ate raposa, e tal participação de todos possibilita a parte do homem que e nomear tudo. Para que nomeia? Com quem o homem compartilha? Mas esta questào no homem e outra em relaçào a outros compartilhamentos (linguagem)? Com quem a lampada se comunica? A montanha? A raposa? Aqui, porem, a resposta di:. ao homem. Isso nào e nenhum antropomorfismo. A verdade dessa resposta prova-se no conhecimento e talve: tambem na arte. Alem disso. se lampada e montanha e raposa nào se comunicassem, como ele entào poderia nomea-los? Mas ele as nomeia, ele se compartilha a medida que ele a elas nomeia. (GS II-1, 143).
A expressão indagadora alemã wie teilt der Mensch sich mit? poderia ser traduzida simplesmente por como o homem se comunica? E, então, desta Iorma perder-se-ia a riqueza sugestiva com a qual Benjamin elabora toda a questão. Por isso, essa mesma indagação deve ser acatada na sua sugestão que traz do seu imaginario original que e: como o homem fa: de si parte? Ou. Como o homem expressa a si como parte? Ou: Como o homem expressa a sua participaçào? Pois e conIorme a sua maneira de participação que o homem compartilha. Por isso, compartilhar a sua essência espiritual em nomeação das coisas, e ele mesmo em acontecimento de participação. Isso resulta em que os nomes que da perIazem a sua Iorma de participação que, por sua vez, e a sua essência lingüistica, a qual, por sua vez, e expressão da sua essência espiritual, do seu acontecer no todo que sempre supõe na sua linguagem em compreensão itinerante. Antes de se responder a essa questào, vale examinar mais uma ve:, como o homem expressa a sua participaçào? Ha que se fa:er uma grande diferença, colocar uma alternativa, diante da qual a essencial opiniào incorreta sobre a linguagem com certe:a se trai. O homem compartilha a sua essência espiritual pelos nomes que ele da as coisas? Ou nelas? No paradoxo dessa questào esta a resposta. (GS II-1, 143).
Os nomes ja são imediatamente a expressão da linguagem humana e não um instrumento pelo qual o homem apresentaria a sua essência. Os nomes ja são a essência partilhada e denotam o mais intimo compartilhamento com tudo aquilo que e nomeado. Não e possivel aceitar que e pelos nomes, por meio deles, no uso deles como se Iosse um terceiro elemento que a participação acontece, mas ja imediatamente neles o homem 191 expressa a sua essência espiritual. Os nomes das coisas Iazem parte do ser do homem que e constante expressão nomeadora, de modo que nunca podera dizer que esta num outro local separado da sua propria expressão participativa que assim o caracteriza. A totalidade do que o homem nomeia e o seu mundo que ao mesmo tempo ele mesmo e. Quem ai acredita que compartilhe a sua essência espiritual pelos nomes, por outro lado nào podera aceitar que partilhe a sua essência espiritual, - pois isso nào acontece pelo nome de coisas, portanto de palavras, pelas quais ele designa uma coisa.(GS II-1, 144).
Quem acredita na possibilidade de instrumentar os nomes estaria a negar a sua essência participante e comprometida no contexto do todo em que exatamente assim participa. Benjamin denomina esta elaboração Iiccional a concepção burguesa da linguagem, pois divide o indivisivel, ou seja, a palavra como instrumento de comunicação, a questão de conteudo veiculada pela palavra e o destinatario receptor. Tal concepção esta então a esquecer a drastica objetivação que comete, pois imagina que a sua teorização seja objetiva alem e independentemente da linguagem a expressar exatamente esta opinião com estes elementos em principio absolutamente separados. E ele, por outro lado, so pode aceitar que estefa comunicando uma questào a outros homens, pois isso acontece por meio da palavra. Essa concepçào e a concepçào burguesa da linguagem, cufa insustentabilidade e va:io deve decorrer com crescente nitide: no que segue. Ela di:. o meio da comunicaçào e a palavra, o seu obfeto a questào [a coisa], o seu endereço o homem. (GS II- 1, 144).
A concepção contraria a concepção burguesa e aquela que Benjamin desenvolve enIrentando a contradição inerente a linguagem e que se nega em dividir a linguagem em elementos pretensamente objetivos por meio de uma teoria objetiva tambem esquecida da sua imediação como participação, como linguagem. De uma Iorma abrupta identiIica a contradição da linguagem, que e a propria impossibilidade de uma deIinição separada sem participação e que se expressa na constante nomeação participante enquanto essência espiritual do homem, com o compartilhamento com Deus. O nome que e a essência espiritual do homem compartilha com aquele que na tradição e indeIinivel e que neste contexto ate agora Ioi elaborado como o todo sempre necessariamente pressuposto mesmo nas varias tentativas de colocação de principios determinados enquanto suposição deIinitiva. Tem-se ai a aIirmação da contradição que e um paradoxo em si, pois Deus ai e 192 compreendido como suposto que constantemente se anula como circunscrição objetiva distanciando-se cada vez mais na atividade de dizer. 'A outra, pelo contrario, não conhece nenhum meio, nenhum objeto e nenhum endereço da participação. Ela diz: no nome a essência espiritual do homem compartilha com Deus¨. (GS II-1,144). A essência espiritual do homem expressa-se no nome, e a sua linguagem. Sempre o homem sera caracterizado pelo comprometimento absoluto do que diz enquanto nome seja o que Ior que estiver nomeando. Sob este ponto de vista e interessante observar o milenar desejo desesperado de lavar as mãos para preservar a Iicção da pura objetividade, como o expressa Pilatos no Iim do seu Iamoso dialogo com o acusado Irente a multidão e se Iazendo de desentendido quanto ao dito no inicio da conversa Irente a multidão: a pergunta es tu o rei? recebe a resposta tu o di:es! Por parte do acusado trata-se da eliminação de qualquer criterio ou Iundamento Iora da linguagem que pudesse oportunizar o grau zero de participação responsavel no veredicto Iinal. O acusado indica o gesto de auto-absolvição Pilatos como participação ativa no processo de julgamento. 'Deus espera na contradição da linguagem¨ e uma aIirmação ja de Metafisica a fuventude (GS II-1, 93). O nome tem no ambito da linguagem unicamente este sentido e esta incomparavel grande significaçào. que ele e a mais interna essência da propria linguagem. O nome e aquilo pelo que nada mais e em que a linguagem a si mesma de modo absoluto se comunica.(GS II-1, 145).
O nome e a caracteristica da linguagem do homem: e a sua essência espiritual e o seu jeito de participação, portanto pode ser destacada como a linguagem, hierarquicamente superior as outras linguagens existentes. Benjamin não se cansa de destacar a importância do nome, porque a compreensão da inevitabilidade da participação do homem depende desse conceito: o homem não conseguira desviar-se da nomeação, alias, bem entendido, o homem e a propria nomeação como participação no todo. Caso se quisesse dizer o que a linguagem e deIinitivamente, poder-se-ia inventar de tudo, mesmo assim toda a invenção permaneceria na caracteristica de nomear e esse nomear seria simplesmente a continuidade da participação. A perspectiva de uma instauração em continuidade signiIicativa como participação Iaz-se presente, pois mesmo a colocação da linguagem participativa enquanto nomeação e tambem percurso participativo, de modo que e exato e sempre circular quando 193 Benjamin expressa a dinâmica entre essência, compartilhamento e nome, sempre a volta ao nome num retorno persistente: qualquer dizer e nome. No nome a essência espiritual, que se compartilha, e a linguagem. Onde a essência espiritual em seu compartilhamento e a propria linguagem em sua absoluta totalidade, unicamente ali ha o nome, e ali ha o nome unicamente. GS II-1, 145).
Ha que lembrar que a propria contradição da linguagem e elaborada enquanto linguagem em participação, não sendo possivel, como ja Ioi indicado quanto ao aspecto cetico, que se elimine o Iato de participar dizendo algo, porque dizer algo ja sempre e o Iato de participar. A contradição não pode ser eliminada nem numa objetivação de principio Iundante, nem na compreensão dela em percurso: toda a objetivação de algum principio Iundante torna-se percurso e todo o percurso supõe um todo em que participa sem poder dizê-lo como principio deIinitivamente, pois a linguagem e limitada a participação, mesmo em vista da sua hierarquia superior no Iato de ser nomeadora. A participação seja qual Ior esta no meio e e simplesmente linguagem. E este o aspecto intensivo da totalidade, pois o extensivo enquanto inIinito desapareceu, não havendo nem Iora, nem dentro. A totalidade intensiva so pode ser assim, ja que a preocupação extensiva esvaiu-se. A totalidade imparcial não pode ter nem extensão, nem tempo. O tempo e a extensão instauram-se no percurso do discurso ao modo da participação. Isto tambem signiIica que a centralidade da linguagem humana e Iundamental, pois todo o signiIicado ja articulado historicamente depende da linguagem, bem com o proprio ordenamento em Iorma de tempo. Na linguagem em exercicio participativo ocorre a instauração continuada ou não do sentido ja exposto como essência do homem. Na continuidade da participação lingüistica do homem dando nomes a sua presença participativa continua, pois e exatamente a sua continuidade que conIigura a expressão da sua essência. Assim, passado, presente e Iuturo tambem estão no acontecimento participativo da linguagem no todo. No seu dizer, este sendo participativo em simplesmente linguagem, o homem desloca, mexe e conIigura sentidos milenares numa concepção de tempo que recebeu. A continuidade do discurso do homem sobre tudo e simultaneamente a continuidade da maniIestação da linguagem das coisas num encontro que jamais podera ser objetivado, pois a propria elocução de tal objetivação seria a continuidade do encontro. Mas o discurso do homem sobre as coisas ja e o encontro e e este aspecto que indica a diIerença entre a linguagem do homem e das coisas. A partilha 194 dos nomes ja perIaz o encontro. Por isso, a realização desse encontro jamais podera desIazer-se pelo erro de querer instaurar uma diIerença em que um conteudo diverso de algum instrumento linguagem em comunicação esteja exposto em algum lugar como objeto absolutamente separado. A participação enquanto expressão espiritual na nomeação da a ideia de uma totalidade intensiva sempre em exercicio: dizendo o mundo, o mundo e nomeado, a essência espiritual do homem se expressa e o encontro simultaneamente se da. Expressando-se deste modo na nomeação do encontro, o homem vive desse encontro apos a nomeação, ou seja, esta no nome que signiIica o encontro, ou no encontro que signiIica o nome. O nome como parte de herança da linguagem humana, portanto, garante, que simplesmente a linguagem sefa a essência espiritual do homem, e apenas por isso e que unicamente a essência espiritual do homem e, sem resto, partilhavel entre todos todas as essências espirituais. Isso fundamenta a diferença entre a linguagem humana e a linguagem das coisas. Pelo fato, porem, de a essência do homem ser a propria linguagem, por isso ela nào pode comunicar-se por meio dela, mas somente nela. A sintese dessa totalidade intensiva da linguagem enquanto essência espiritual do homem e o nome. (GS II-1, 145).
A natureza esta na linguagem do homem e a nomeação Ieita e em ato nesse encontro e a expressão do homem. A Iala da natureza, naquilo que ela expressa enquanto sua essência esta no dizer do homem que assim nomeia esse encontro que ele mesmo e, ou seja, a sua expressão espiritual como parte proponente de participação num todo que precisamente nesta Iorma de participar ele e obrigado a reconhecer como condição de possibilidade do seu exercicio. Chegar a esta compreensão e chegar a linguagem pura que e capaz de em seu exercicio não se esquecer da contradição da linguagem sempre a espreita para a instituição do esquecimento na objetivação, a qual e esquecimento do acontecer em que o homem esta imerso sendo enquanto participante em linguagem nomeadora. Sendo o homem aquele que nomeia, depreendemos disso que a partir dele a linguagem pura fala. Toda a nature:a, a medida que se comunica, participa na linguagem, portanto, no homem por fim das contas. (GS II-1, 145).
O homem e senhor da natureza na expressão que e em participação no todo ao modo de Iomentar o encontro participativo daquilo que nomeia. A essência lingüistica das 195 coisas que nomeia e a possibilidade da sua expressão. O homem e o Iormador de mundo a medida que nomeando Iomenta a participação no encontro como natureza. O homem esta no nome como expressão instantânea de si mesmo, e estar no nome e estar no mundo que se esta a dizer. 'Por isso ele e o senhor da natureza e pode nomear as coisas. Apenas a partir da essência lingüistica das coisas ele chega por si mesmo ao conhecimento delas no nome¨. (GS II-1, 145). Dizer o mundo nomeando as coisas de acordo com a sua essência espiritual e na continuidade do encontro da-se a continuidade da criação. O todo, que no exercicio da participação caracterizada sempre e suposto e inesgotavel neste mesmo exercicio, na linguagem da nomeação e pressuposto e, precisamente como pressuposição esta presente nessa Iorma de expressão que na linguagem so e apreensivel como a sua contradição, ou seja, a objetivação da linguagem enquanto participação ao modo da nomeação. A contradição e a propria criação que continua na nomeação pelo simples Iato de que, para ser, a linguagem precisa da suposição do direito de participação em dar nomes ao que se apresenta e encontra, o proprio direito de ser, e, simultaneamente necessita da suposição da inesgotabilidade do seu exercicio participativo como encontro nomeante. A criação de Deus, deste modo, nunca e completa enquanto houver nomeação na lembrança da participação ocorrente em inIinitas proposições de objetivação na compreensão da sua condição e do seu carater provisorios. O homem continua a nomear a si mesmo em tudo o que continua a nomear em multiplas perspectivas. A nomeação expressa-se, então como a linguagem das linguagens, porque abarca todas as outras. A criaçào de Deus consuma-se a medida que as coisas recebem o seu nome do homem, a partir do qual unicamente a linguagem fala no nome. Pode-se denominar o nome como a linguagem da linguagem (caso o genitivo nào denote a relaçào do instrumento, mas do meio) e nesse sentido, sem duvida, pelo fato de falar no nome, o homem e o falante da linguagem. Pela designaçào do homem como o falante (isto, porem, por exemplo, e conforme a biblia certamente o doador de nomes. 'como o homem denominaria todos os seres viventes, assim eles deveriam chamar- se`) muitas linguas incluem esse conhecimento metafisico. (GS II- 1, 145).
Benjamin procura especiIicar melhor o que entende por linguagem dos nomes indicando que ela e exclamação do sentido de expressão constante daquele que assim participa por um lado, e, por outro, e invocação de si mesma, e instauração do que ai se 196 expressa. A linguagem não pode ter para si uma explicação da sua origem, pois toda a explicação ja se daria novamente no âmbito dela mesma com todos os seus recursos. O principio da sua origem encontra-se nela mesma como ja participação desde sempre, ja que ate o tempo inicia a se desenrolar a partir da contradição que lhe e inerente e que tambem depende da sua expressão em seu percurso. E como ja vimos, o seu percurso supõe a contradição entre objetivação e expressão a instaurar o tempo. Ausruf (exclamação, expressão) e Anruf (evocação, instauração) na linguagem do nome e o homem que se expressa como exclamação de si mesmo e simultaneamente e instauração do mundo nomeado ao qual pertence. O homem pronuncia a si mesmo como exclamação de si na simultaneidade da nomeação ao modo de instauração do mundo, agora como encontro participativo de si com o nomeado. Mas o nome nào e unicamente a ultima exclamaçào, mas e tambem a propria invocaçào da linguagem. Com isso no nome aparece a lei essencial da linguagem, pela qual pronunciar-se a si mesmo e pronunciar todo o resto e o mesmo. (GS II-1, 145).
So a linguagem do homem e pura na nomeação universal, a qual tambem e a sua essência espiritual e que se compreende enquanto compreensão na participação do todo. No nome, a totalidade intensiva agora se reIere a perspectiva da expressão da linguagem do homem que e a possibilidade de abarcar a essência espiritual de todas as coisas, e a totalidade extensiva reIere-se a instauração, ao mesmo tempo, do mundo das coisas em continuidade para que o encontro aconteça. De um lado a essência em sua Iaculdade de nomeação para participação e, de outro, a essência participante em objetivação na culminação do paradoxo aludido. De um lado o dizer em ocorrência e, de outro, o dito pensado enquanto objetivação em validade universal. A culminância dos dois aspectos seria a linguagem pura. A objetivação para a validação universal extensiva, em termos de essência participante, num todo ja posto, e incompleta, melhor, sempre sera incompleta enquanto não Ior de novo capaz de escapar da objetivação e se tornar lingüistica, isto e, capaz de participação. Por isso, como ja visto, o todo dito nunca sera o todo deIinitivo, porque tambem ele continua a Iazer parte na participação do homem em linguagem. A culminância da linguagem do homem na totalidade intensiva e extensiva e a sua verdadeira expressão, a pura linguagem a Ilutuar sobre o precipicio e não incorrendo no erro da teoria da linguagem burguesa em sua procura por solidiIicações abstrusas. 197 A linguagem e nela uma essência espiritual apenas se pronuncia puramente ali, onde ela fala no nome, isto significa. na nomeaçào universal. Assim, no nome culminam a totalidade intensiva da linguagem enquanto a essência espiritual absolutamente capa: de participaçào e a totalidade extensiva da linguagem como a essência universal participante (nomeadora). De acordo com a sua essência participante [mitteilenden], ou sefa, a sua universalidade, a linguagem e incompleta onde a essência espiritual, que a partir dela fala, em toda a sua estrutura nào e lingùistica, isto e capa: de participaçào [mitteilbar]. Somente o homem tem a linguagem completa de acordo com a universalidade e intensidade. (GS II-1, 145)
A essência espiritual das coisas, na medida da sua expressão, e lingüistica como a linguagem do homem? Se a essência das coisas realmente Ior lingüistica então se tem ai o âmbito do encontro entre linguagem nomeante e a essência espiritual das coisas que e tambem linguagem. Em outros termos, o que se tem e a linguagem la e ca. Um conteudo da linguagem não ha, por que em todo o lugar a essência espiritual e participação simplesmente, isto e linguagem em geral de novo. O que se poderia chamar conteudo novamente ja e participação. Frente a esse conhecimento, uma pergunta e possivel sem o perigo de confusào, a qual, sem duvida e de maxima importancia metafisica, mas que neste lugar pode primeiramente ser apresentada em toda a clare:a como uma questào terminologica. A saber, se a essência espiritual nào so dos homens (pois isso e necessario) mas tambem das coisas e com isso a essência espiritual em geral, deve ser denominada lingùistica na perspectiva da teoria da linguagem. Se a essência espiritual e idêntica com a essência lingùistica, entào a coisa, de acordo com a sua essência espiritual, e mediaçào da participaçào, e o que nela se participa de acordo com a relaçào medial e precisamente este proprio Medium (a linguagem). A linguagem e entào a essência espiritual das coisas. A essência espiritual desde o principio e posta como capa: de participaçào, ou antes, precisamente e posta no ambito da faculdade de participaçào, e a tese. a essência das coisas e idêntica com a essência espiritual a medida que a ultima e capa: de participaçào, torna-se uma tautologia com a sua expressào a medida que. Um conteudo da linguagem não ha; enquanto participação a linguagem compartilha uma essência espiritual, isto e, a Iaculdade da participação simplesmente. (Idem, 146). (GS II-1, 145).
Se não ha conteudo então tudo se da em termos de participação que se Iaz nos meios de densidade diIerenciada: o nomeante em sua expressão lingüistica participativa e o 198 nome do participante em sua linguagem, ambos em si separados, mas unidos no âmbito do processo de participação daquela linguagem que e nomeante. Na linguagem dos nomes ha correspondência entre as duas esIeras perIazendo o encontro. As diferenças das linguas sào aquelas dos meios que se diferenciam, por assim di:er, por sua densidade, portanto, de forma gradual, e isso na dupla perspectiva conforme a densidade do participante (nomeante) e do comunicavel na comunicaçào (nome). Essas duas esferas, as quais puramente separadas, mas, mesmo assim, unificadas apenas na linguagem humana dos nomes, correspondem-se naturalmente. (GS II-1, 146).
Nesta questão dos graus e necessario recordar insistentemente que Benjamin esta a bater-se com a questão da objetivação. Chegar-se a um resultado que minimamente insinuasse conteudos separados da linguagem seria o mesmo que ter perdido a batalha. Os conteudos, portanto, devem ser compreendidos como participação expressiva de quem os propõe. As coisas são conteudo? Benjamin resolve que não são, porque, com parte da sua essência espiritual, estão a se expressar lingüisticamente num encontro com a nomeação da linguagem nomeante do homem. Os antigos conteudos que dai resultariam seriam no nome, então, vistos como diIerença entre graus em que um pode ser traduzido no outro superior ate a linguagem dos nomes como se Iossem graus de ser em analogia com os graus espirituais da Escolastica. Exatamente este estado de coisas permite que se Iale de metaIisica da linguagem. Esse termo quer expressar a necessidade de se pensar para alem da objetivação, simplesmente de acordo com a etimologia grega que desde sempre sugeriu, primeiramente, um âmbito da Iu`sij como resultado de todo o conjunto de explicações estabelecidas objetivamente e em que todos se compreendem pelas explicitações e aplicações mais variadas do dia a dia e, depois, a possibilidade de um Meta, um alem do que Ioi posto, perguntando pelas justiIicativas da Iundamentação de toda a compreensão ocorrente. O novo que dai pode surgir e sempre revolucionario, percepção de destruição da estrutura compreensiva de uma epoca, encarada por alguns como caos e por outros como revelação de novos tempos. Neste contexto, a revelação se da como resultado da percepção da contradição da linguagem, quando a objetivação do todo suposto e percebida como tendo entrado, enquanto conteudo separado, pela porta dos Iundos em Iorma de totalidade extremamente reduzida pelo esquecimento da nomeação participante e impedida de deIinir por completo qualquer todo em seu percurso de participação atenta ao seu caminho necessitado de 199 intermitentes recomeços e desvios. A revelação simplesmente se daria no se dar conta de que todos os Iantasmas criados são Iormas de participação, resultando dai a necessidade de uma analise atenta e minuciosa dos mesmos Iantasmas objetivados, ja que em seu sentido de desaparição são eles os indicadores do novo rumo da participação. Para Iorçar o entendimento da passagem da Iu÷sij para a metaIisica, Benjamin repete a aIirmação da identidade de essência espiritual com a essência lingüistica: a esclerose instalada como uma totalidade reduzida e apenas um recado para a sua necessaria quebra e destruição a Iim de que o novo possa instaurar-se. A linguagem dos nomes tem o estatuto de revelação continua: os nomes são a expressão da abertura constante, da criação continua, da Offenbarung que signiIica processo de abertura alem da mera repetição nas pistas de corrida da objetivação. A revelação da-se na quebra da objetivação pela linguagem recolocando a mesma objetivação no seio da mesma linguagem simplesmente para novo procedimento de graduação do ser. Volta-se ao local em que se esteve com todos os navios queimados no porto. Para a metafisica da linguagem decorre da identificaçào da essência espiritual e lingùistica, que conhece apenas diferenças graduais, uma gradaçào de todo o ser em camadas graduadas. Essa gradaçào, que acontece no interior da propria essência espiritual, nào se deixa mais incluir sob nenhuma categoria superior, e por isso ela leva a gradaçào de toda a essência espiritual e lingùistica conforme graus de existência ou graus de ser, como fa a escolastica estava acostumada em relaçào as espirituais. A identificaçào da essência espiritual com a essência lingùistica e, porem, de tanta abrangência metafisica na perspectiva da teoria da linguagem, porque ela condu: para aquele conceito que sempre de novo se ergueu como que por si no centro da filosofia da linguagem e que constituiu a mais profunda ligaçào com a filosofia da religiào. Trata-se do conceito da revelaçào. (GS II-1, 146).
Nas questões da linguagem tem-se a retidão do dito que se repete em seu sentido e sua aplicação enquanto dizer resultando numa compreensão companheira sem maiores sobressaltos. Pode ser de diIicil deciIração, mas a obstinação na Iidelidade aos mesmos criterios de compreensão representa a garantia do entendimento Iinal. O resultado deste movimento compreensivo e invariavelmente a objetivação mais acentuada. Apenas a revelação do impronunciavel, a partir do ainda impronunciado no velho esquema sistêmico-compreensivo, e que pode trazer a linguagem novamente a sua pureza na compreensão da contradição da linguagem. O conIlito acerba-se a ponto de insolubilidade 200 quando se imagina poder programar o dizer do ainda não dito. Como seria possivel se a propria compreensão aIerrada em toda a sua extensão a linguagem Iicaria enredada ainda ate nas questões de sua auto-programação? 'Em meio a toda a Iormação lingüistica vige o conIlito do pronunciado |dito| e do pronunciavel |dizivel| com o impronunciavel |indizivel| e o impronunciado |não- dito|¨.(GS II-1, 146). O termo impronunciavel denota simplesmente a possibilidade alem da compreensão em objetivação ocorrente. Esta palavra indica o sentido de uma ultima, ou mais alta, ou mais proIunda, ou mais abrangente essência espiritual em termos de derradeira totalidade intensiva em participação total. 'Na consideração desse conIlito vê-se, pela perspectiva do impronunciavel, ao mesmo tempo a ultima essência espiritual¨. (GS II-1, 146). Quando se pensa no sentido inverso, isto e, que a mais alta essência como possibilidade de participação na linguagem sempre ja tenha sido dita, tem-se a seguinte tese: o dito, tudo o que ja Ioi pronunciado, mesmo que compreendido objetivamente, ja e expressão em que esta depositado tudo o que se quer saber e todas as possibilidades de percepção da participação. O mais pronunciado, o mais proximo da compreensão costumeira com a colaboração de todas as areas do saber e dos textos ditos sagrados, e exatamente o local da proIundidade do abismo de onde brota o sentido da revelação. O cotidiano e revelação pura sem que se saiba. E proximo e distante como a aura na volta a distância extremamente proxima da linguagem em uso tornando simplesmente clara a relação entre espirito e linguagem. Claro, porem, e que na identificaçào da essência espiritual com a essência lingùistica essa relaçào da proporçào inversa entre ambos e contestada. Pois ai di: a tese. quanto mais profundo, isto e, quanto mais existente e efetivo o espirito, tanto mais pronunciavel e pronunciado, como, pois, por certo se da no sentido dessa identificaçào, ou sefa, tornar simplesmente clara a relaçào entre espirito e linguagem, de modo que o lingùisticamente mais existente, isto e a expressào fixada, o lingùisticamente mais pregnante e inalteravel, em uma palavra. o mais pronunciado sefa ao mesmo tempo o espiritual puro. (GS II- 1, 146).
A revelação deste modo estaria simplesmente na escuta da inviolabilidade da palavra, na volta a linguagem enquanto participação e compreensão de que ate o antigo conteudo, mesmo objetivado, e expressão participante. Por este vies trata-se de ler o mundo objetivado como expressão caracteristica da divindade da essência espiritual. Na 201 suspensão da objetivação na compreensão da participação o mundo torna a ser nomeado. O mundo ja pronunciado por objetivação e assim recorrentemente compreendido a ponto de perIazer a Iorma de ser do que assim se apresenta e precisamente o livro aberto do qual e possivel haurir o sentido em sua ocorrência. Exatamente isso e o que o conceito da revelaçào di:, quando ela toma a intocabilidade da palavra como a unica e suficiente condiçào e caracteristica da divindade da essência espiritual que nela se pronuncia.(GS II-1, 147).
Para a religião, portanto, não ha o impronunciavel, nem o impronunciado. Tudo ja Ioi dito e pronunciado, mas ele e solicitado no nome. A religião para Benjamin indica o retorno para a compreensão da participação eIetiva em todo o dizer. Pelo Iato de lhe ser inerente o reconhecimento da participação na linguagem e toda a palavra ser inviolavel para usos objetais, a religião não conhece o impronunciavel, que de qualquer modo seria objetivação de algum alem, mas aposta no dizer a respeito do ja sempre dito. Ai esta delineado o aspecto da revelação. A religião esta baseada, portanto, na aposta da linguagem nomeante enquanto tradução de tudo o que ja Ioi pronunciado e esquecido na esclerose do esquecimento objetivado. Assim ela acontece enquanto revelação continuada num processo de Offenbarung: abertura constantemente nomeante Irente aos portões da objetivação. Benjamin cita Hamann, o qual sempre se preocupou com os exageros da racionalidade triunIante da sua epoca e que deIende que antes da razão sempre ja se esta na linguagem para ediIicar em participação a ediIicação objetivada da autonomia da razão. O mais alto ambito espiritual da religiào e (no conceito da revelaçào) ao mesmo tempo o unico que nào conhece o impronunciavel. Pois ele e solicitado no nome e se pronuncia na revelaçào. Aqui, porem, se anuncia que unicamente a suprema essência espiritual como aparece na religiào, baseia-se no homem e na linguagem nele, enquanto toda a arte, sem exceçào da poesia, mesmo que em sua completa bele:a, baseia-se nào na suprema essência do espirito lingùistico, mas num espirito da linguagem obfetal. 'Linguagem, a màe da ra:ào e da revelaçào, seu A eW`, di: Hamann. (GS II-1, 147).
O homem na linguagem do nome pronuncia as coisas, mas tem na linguagem delas o seu ponto de encontro para a nomeação. A linguagem do homem e sonora e completa por ser linguagem participante em dar nomes a todas as coisas. Ja a linguagem das coisas e muda e magica em sua comunhão em que participam materialmente. O homem articula 202 sons que são os simbolos materiais da sua participação em signiIicação espiritual. A instauração expressiva do homem enquanto Iormador do mundo e a magia da sua linguagem. O som e dito e o seu dizer e participação, a magia instaurativa enquanto participação da ordem que a nomeação apresenta e dita e a propria compreensão que isso tudo signiIica e dita na continuidade do dizer, que tambem e dito. Entre as palavras, discursos e narrativas ja pronunciadas para veriIicação da possibilidade de expressar melhor a essência da linguagem, Benjamin recorre a uma tradição especiIica, Iazendo ja uma interpretação dos primeiros capitulos de Gênesis. Ele a escolhe, porque trata da linguagem, e linguagem e a sua tradição deu-se como conservação de um dito importante para a acentuação da centralidade do dizer humano como nomeação. E Benjamin introduz a narrativa chamando antes a atenção para a questão Iundamental: Deus, ou, como ate a pouco, o todo, soprou o halito no homem, sendo isso simultaneamente vida, espirito e linguagem. O simbolismo logo indica que o homem e participação no todo como linguagem que remete a vida e ao espirito. Mesmo nas proprias coisas a linguagem nào e completamente pronunciada. Essa frase tem um duplo sentido conforme o sentido figurado e o sentido direto. As linguagens das coisas sào incompletas, e elas sào mudas. As coisas e negado o puro principio formal lingùistico o som. Elas podem apenas comunicar-se mutuamente numa comunidade mais ou menos material. Essa comunidade e imediata e infinita como a comunidade de cada participaçào lingùistica, ela e magica (pois ha tambem uma magia da materia). O fator incomparavel da linguagem humana e que sua comunidade magica com as coisas e imaterial e puramente espiritual, e para tanto o som e o simbolo. Esse fato simbolico a Biblia expressa quando di: que Deus soprou o halito no homem, isso e simultaneamente vida e espirito e linguagem. (GS II-1, 147)
E imprescindivel acentuar a liberdade que Benjamin se da na escolha de textos de apoio para elaborar a questão da contradição da linguagem: o texto de Gênesis e visto como importante no conjunto dos textos da tradição, sem que haja imediato comprometimento com alguma ingênua compreensão historicista. Trata-se de uso dos aspectos descritivos de material milenar, que apresenta uma versão teatralizada da situação humana e a importância capital da linguagem. A Biblia e linguagem pronunciada com amplo aspecto de participação e ao mesmo tempo aborda especiIicamente a linguagem como realidade Iundamental logo no seu inicio. Ela se considera revelação e como tal procura apresentar uma narrativa que indica as questões Iundamentais da linguagem. 203 Quando, no que segue, a essência da linguagem e considerada na base dos primeiros capitulos de Gênesis, entào, com isto, nào se trata nem de perseguir uma interpretaçào biblica como meta, nem mesmo agora de por ao pensamento reflexivo a biblia enquanto verdade revelada obfetivamente como fundamento, mas se deve encontrar aquilo que resulta do texto biblico quanto a nature:a da propria linguagem, e a Biblia e antes de tudo por isso insubstituivel, porque essas elaboraçòes no principal a acompanham no sentido de que nelas a linguagem e pressuposta como uma realidade final, apenas a ser considerada em seu desenvolvimento, inexplicavel e mistica.A medida que a Biblia a si mesma se considera revelaçào, precisa necessariamente desenvolver os fatos fundamentais. (GS II-1, 147).
Benjamin inicia com o aproveitamento da segunda narrativa de Gênesis, que em seu imaginario e muito mais antiga do que a primeira com que a Biblia começa, porque põe a divindade como se Iosse oleiro conIeccionando um bonequinho de barro no qual inspira o seu halito sagrado que Benjamin interpreta como vida, espirito e linguagem para eleva-lo sobre o resto da natureza. Nessa segunda versão a criação do homem não e pela palavra da divindade, mas a palavra lhe e transmitida apos a Ieitura barrenta: Deus não Iala e so transmite ao homem a capacidade da palavra junto com seu halito signiIicando a sua propria essência em termos de vida, espirito e linguagem, enquanto que o resto da natureza permanece muda. A vontade de Deus enquanto absoluta possibilidade deve ser pensada como imediatamente criativa em que a propria ocorrência do pensar, nomear e compreender passo a passo sugere ler e seguir todos os seus rastros. A segunda versào da historia da criaçào, que narra sobre o soprar o halito, ao mesmo tempo informa que o homem foi feito de terra. Esse e o unico lugar em toda a historia da criaçào, na qual se fala sobre um material do criador, no qual ele expressa a sua vontade que geralmente por certo e pensada como imediatamente criativa. Nessa segunda historia da criaçào a feitura do homem nào aconteceu pela palavra. Deus disse e aconteceu -, mas a esse homem nào criado pela palavra e repassada a dadiva da palavra, e ele e elevado sobre a nature:a. (GS II-1, 147).
Na primeira versão da criação que parece mais elaborada e, portanto, historicamente posterior, a palavra e incorporada ao homem a medida que e nomeado na ritmica conhecida: Iaça-se ele criou ele chamou. A palavra ai e imediatamente criativa e nomeante: ela instaura de imediato aquilo que nomeia e, por isso, a linguagem e palavra e nome. 204 Essa peculiar revoluçào do ato da criaçào quando se dirige ao homem, porem, nào e menos claramente marcada na primeira narrativa da criaçào, e num contexto completamente diferente ele garante com igual determinaçào a relaçào entre homem e linguagem a partir do ato da criaçào. A multiforme ritmica do ato da criaçào do primeiro capitulo de certo permite uma especie de forma fundamental, do qual unicamente o ato da criaçào do homem diverge. E certo que ai em nenhum lugar se trata, nem no homem e nem na nature:a, de uma expressa relaçào ao material, do que eles foram criados. E se a cada ve: nas palavras 'ele fe:` e pensado um criar a partir da materia, deve aqui ser deixado em suspenso. Mas a ritmica pela qual se reali:a a criaçào da nature:a (conforme Gênesis I) e. faça-se ele criou ele chamou. Em atos de criaçào individuais (I,3,I,14) aparece apenas o 'faça-se`. Nesse 'faça-se` e no 'ele chamou` no inicio e no fim dos atos aparece cada ve: a profundamente nitida relaçào do ato da criaçào com a linguagem. Com a criativa onipotência da linguagem ele inicia, e no fim a linguagem, por assim di:er, incorpora o que foi criado, ela o nomeia. Ela e, portanto, a parte criativa, e o consumado, ela e palavra e nome. (GS II-1, 148).
Interessa a Benjamin a identiIicação de Deus com a palavra criativa e nomeadora enquanto âmbito total e absoluto do conhecimento. Nome e conhecimento estão relacionados de modo absoluto em participação total e enquanto Medium total. Neste meio de totalidade de participação o homem participa nomeando as coisas, mas como parte Iazendo-o conIorme o conhecimento. Em Deus o nome e criativo, porque e palavra, e a palavra de Deus e conhecedora, pois ela e nome. 'E ele viu que era bom`, isto e. ele o tinha conhecido pelo nome. A relaçào absoluta do nome com o conhecimento consiste unicamente em Deus, apenas ai esta o nome, porque ele e profundamente idêntico com a palavra criativa, o Medium puro do conhecimento. Isto significa. Deus fe: as coisas reconheciveis no nome delas. O homem, porem, nomeia- as conforme o conhecimento. (GS II-1, 148).
A especiIicidade do homem e que ele não Ioi nomeado como aconteceu com as outras criaturas na criação, portanto, não esta subjugado a palavra, mas a palavra lhe Ioi conIiada com toda a sua carga criativa e instauradora. Como palavra, Deus e criador em instauração absoluta. O homem como palavra e conhecedor apenas em parte, e isto signiIica que as suas palavras são reIlexo da essência criativa da palavra de Deus no nome enquanto participação. O nome participativo, como a expressão ja diz, ativa-se na participação analitica numa circunscrição que, se comparada, e ilimitadamente criativa Iorça da palavra de Deus. A palavra participativa em exercicio analitico e hermenêutico 205 jamais podera prescindir em sua atividade de participação da palavra absoluta enquanto suposto sintetico. Sempre havera uma a necessidade da suposição dessa diIerença Iundamental. Na criaçào do homem a triplice ritmica da criaçào da nature:a cedeu a uma ordem completamente diferente. Nela, portanto, a linguagem tem um outro sentido, a trindade do ato e tambem aqui preservada, mas precisamente no paralelismo manifesta-se o distanciamento com tanto maior vigor. no triplice 'ele criou` do versiculo I, 27. Deus nào criou o homem a partir da palavra, e ele nào o nomeou. Ele nào queria subfuga-lo a palavra, mas no homem Deus livremente abandonou a palavra que lhe tinha servido como Medium da criaçào. Deus descansou quando no homem deixou a sua criatividade entregue a si propria. Essa criatividade, dispensada da sua atualidade divina, tornou-se conhecimento. O homem e o conhecedor da mesma linguagem em que Deus e criador. Deus o fe: a sua imagem, ele criou o conhecedor a imagem do criador. Dai e que necessita de explicaçào a frase. A essência espiritual do homem e a linguagem. A sua essência espiritual e a linguagem na qual houve criaçào. Na palavra foi criado, e a essência lingùi stica de Deus e a palavra. Toda a linguagem humana e apenas reflexo da palavra no nome. O nome alcança tào pouco a palavra como o conhecimento a criaçào. A infinitude de toda a palavra humana sempre permanece como essência limitada e analitica em comparaçào com a infinitude da palavra de Deus absolutamente ilimitada e criativa. (GS II-1, 149).
O nome proprio que o homem recebe reveste-se de enorme importância nesse contexto. O homem não e nomeado por Deus como as outras criaturas, mas e o unico de todos os seres que recebe o nome proprio como que para se nomear a si mesmo na continuidade da criatividade na nomeação de todas as coisas. O homem assim e criativo pelo nome, ja que pela nomeação ele e Iormador do seu mundo. No modo dessa mesma participação em linguagem o nome do homem e seu proprio destino, pois Iaz o seu nome. Com o seu destino no nome proprio em sua participação nomeante de todas as coisas expressa a sua comunhão com Deus, o qual, por sua vez, permanece com a sua palavra criativa no homem assim caracterizado. Percebe-se que Benjamin na analise do texto biblico tem a oportunidade de corroborar e ate enriquecer com mais detalhes a sua concepção de linguagem. A imagem mais profunda dessa palavra divina e o ponto em que a linguagem humana alcança a participaçào mais intima na infinitude divina da simples palavra, o ponto em que ela nào se pode tornar palavra e conhecimento finitos. isso e o nome 206 humano. A teoria do nome proprio e a teoria sobre o limite da linguagem da linguagem finita e infinita. De todas as criaturas o homem e o unico que nomeia o seu igual, como entào tambem e o unico que Deus nào nomeou. Talve: sefa intrepido, mas custa a ser impossivel nomear nesse contexto o versiculo 2, 20 em sua segunda parte. que o homem deu nome a todas as criaturas, 'mas para o homem nào se havia encontrado uma afudante que estivesse ao seu lado`. Como, entào tambem, Adào nomeou a sua mulher logo que a recebeu. (Jaroa no segundo capitulo, Eva no terceiro). Com a doaçào do nome os pais consagram os seus filhos a Deus, Ao nome, que eles ai dào nào corresponde entendido metafisicamente e nào etimologicamente nenhum conhecimento, conforme o modo de eles tambem denominarem as crianças de recem nascidas. De acordo com a severidade do espirito, tambem nenhum homem deveria corresponder ao nome (conforme o seu sentido etimologico), pois o nome proprio e a palavra de Deus em sons humanos. Com ele a criaçào de Deus e garantida a cada homem, e neste sentido ele mesmo e criativo, como a sabedoria mitologica o expressa na intuiçào (que certamente nào raro se encontra), que o nome do homem e o seu destino. O nome proprio e a comunhào do homem com a palavra criativa de Deus. (Esta nào e a unica, e o homem conhece ainda uma outra comunhào lingùistica com a palavra de Deus). (GS II-1, 149-150).
Os aspectos ja enumerados das sugestões da narrativa biblica cooperam para negar a concepção burguesa da linguagem, pois, pelo visto, a palavra nunca e apenas sinal de outra coisa, mas ja a simples menção e constitutivamente participante no mundo do homem, em sua Iorma de participação. O nome das coisas e dar-lhes a conhecer o seu nome pela participação nomeante do homem. Novamente aqui deve ser ressaltado o aspecto do encontro pela participação mutua que lingüisticamente se constitui. Se a concepção burguesa pelo seu vies objetivante representa o esquecimento da riqueza da dadiva da palavra, a concepção mistica tambem incorre em erro quando toma a palavra como a propria essência da questão. A coisa em si mesma não tem palavra humana para se nomear, ela Ioi Ieita e nomeada, mas e muda em sua magica participativa para chegar a conhecer o seu nome pela palavra participativa nomeante do homem. Descartada a concepção burguesa, bem como a mistica, ha que se alertar para o engano de entender a nomeação do homem como criação espontânea. A palavra do homem não cria as coisas espontaneamente como Deus, pois ja esta no meio da participação em que nomeia o que Ioi criado Iomentando o encontro na Iormação do seu mundo e do seu destino a medida que as coisas se lhe comunicam. Tal encontro participativo mutuo continua enquanto permanecer a silenciosa e muda magia de Deus na natureza para a 207 continuidade da possibilidade da participação do homem que a nomeia de acordo com a sua tareIa. Pela palavra o homem esta ligado a linguagem das coisas. A palavra do homem e a linguagem das coisas. Por isso nào mais pode surgir a representaçào que corresponde a visào burguesa da linguagem, que a palavra se relacione arbitrariamente com a questào, que ela por meio de alguma convençào sefa o sinal convencionado [posto] das coisas (ou do seu conhecimento). A palavra nunca da simples sinais. Equivoca, porem, tambem e a recusa da teoria da linguagem burguesa em troca de uma mistica. Pois, conforme ela, a palavra e simplesmente a essência da questào [coisa]. Isso e incorreto, porque a coisa em si nào tem palavra. ela e criada a partir da palavra de Deus e conhecida em seu nome conforme a palavra humana. Esse conhecimento da coisa, porem, nào e criaçào espontanea, ele nào acontece a partir da linguagem de modo absolutamente ilimitado e infinito como ela, mas o nome que o homem da a coisa consiste na maneira como ela se lhe comunica. No nome a palavra de Deus nào permaneceu criativa. ela em parte tornou-se receptora, mesmo que receptora de linguagens. Essa recepçào esta voltada para a linguagem das coisas mesmas, das quais novamente a silenciosa e muda magia da nature:a de Deus resplandece. (GS II-1, 150).
O encontro da essência lingüistica do homem e da essência lingüistica das coisas na palavra humana e por Benjamin indicado como recepção e espontaneidade, lembrando com esses termos a IilosoIia kantiana da Critica da ra:ào pura. O âmbito da recepção e da espontaneidade parece perIazer a circunscrição em que se da o encontro da participação do homem e das coisas participantes com sua essência lingüistica que não e sonora e espiritual, mas muda e material como que remetendo tambem as questões da sensibilidade discutidas nesse contexto kantiano. Assim, o que e mudo e sem nome, que e o mundo das coisas, vem a receber o seu nome sonoro na palavra humana para a Iormação de mundo. Essa Iormação de mundo assim entendida e o processo de tradução de uma linguagem na outra. As coisas dão o seu recado numa linguagem muda recepcionada pelo homem e este as traduz em suas palavras participando precisamente desse modo no todo que sempre e obrigado a supor. A linguagem das coisas traduzidas na linguagem humana e o mesmo processo de nomeação pelo qual o homem se deIine no todo que pressupõe. Para recepçào e espontaneidade simultaneamente, como se encontra nessa exclusividade da ligaçào apenas no ambito lingùistico, a linguagem tem a sua palavra propria, e essa palavra tambem vale para a recepçào do sem nome no nome. Trata-se da traduçào da linguagem das coisas para a linguagem do homem. (GS II-1, 150). 208
A tradução e de algum modo a propria linguagem, pois o vir a ser do homem nomeante em participação ja se da como nomeação de si pela nomeação das coisas ao modo da tradução. Se não houvesse a circunscrição onde a tradução acontece, tambem não haveria a tradução. Assim, a linguagem superior do homem ja traz consigo a tradução de parte da linguagem muda das coisas e essa e a sua participação ao modo de ser parte no todo. Toda a linguagem superior ja e tradução de todas as outras. As linguas humanas envolvidas nessa tradução primeira entrelaçam-se Iormando um continuo de transIormações de uma a outra nas traduções promovidas. Essas transIormações, em termos dos explicados graus de ser, não repassam conteudos simplesmente como se Iossem a parte de uma e outra lingua, mas a lingua tradutora investe numa torção de si a exemplo da nomeação das coisas em que se Iorma um campo comum de participação mutua altamente criativa por ser precisamente nomeante. E necessario fundamentar o conceito de traduçào na mais profunda camada da teoria da linguagem, pois ele e por demais abrangente e potente para poder ser tratado posteriormente numa perspectiva qualquer, como as ve:es se opina. O seu completo significado ele recebe na compreensào de que toda a linguagem superior (com exceçào da palavra de Deus) pode ser comparada como traduçào de todas as outras. Com a mencionada relaçào das linguas como relaçào de Mediums de variada densidade, a tradutibilidade das linguas e concedida de modo entrelaçado. A traduçào e a conduçào de uma lingua na outra por meio de um continuo de transformaçòes. A traduçào percorre continuidades de transformaçào e nào ambitos de igualdade e semelhança. (GS II-1,151).
A possibilidade da tradução das coisas ja se deu na criação quando o homem Iicou responsavel pela nomeação participativa em tornar sonoro o que não tem nome na linguagem das coisas. Benjamin expressa-se a respeito da nomeação divina de tudo como identidade. E a garantia da palavra criativa e do nome para a tareIa de tradução posterior e a identidade ja sempre dada, enquanto que o homem e linguagem em participação subsistente na diIerença da continua tradução. A tradução em constante transIormação perde o seu carater aleatorio quando e pensada no suposto da identidade, que aqui Benjamin explicita como parentesco de toda a tradução em Deus. A traduçào da linguagem das coisas na linguagem dos homens nào e apenas traduçào do mudo para o sonoro. ela e a traduçào do sem-nome no nome. Isso, portanto, e a traduçào de uma linguagem imperfeita numa perfeita, ela nào pode fa:er nada mais 209 do que algo em favor, isto e, o conhecimento. A obfetividade dessa traduçào, porem, tem a garantia em Deus. Pois Deus criou as coisas, a palavra criativa nelas e o germen do nome conhecedor, conforme Deus tambem nomeou cada coisa no fim, depois de ter sido criada. Mas evidentemente essa nomeaçào e apenas a expressào da identidade da palavra criativa e do nome conhecedor em Deus, nào a soluçào pre-concebida daquela tarefa que Deus atribui expressamente ao homem. a saber, nomear as coisas. A medida que recebe a muda linguagem sem nome das coisas e a tradu: para o nome em sons, o homem soluciona essa tarefa. Ela seria insoluvel, se a linguagem dos nomes do homem e a linguagem sem nome das coisas nào ficassem aparentadas em Deus, dispensadas a partir da mesma palavra criativa, que, nas coisas, teria sido a participaçào da materia em comunhào magica, no homem, a linguagem do conhecimento e do nome em espirito bem-aventurado.(GS II-1, 151).
A Iim de dar suporte a sua interpretação do texto biblico como documento Iundamental para exempliIicar a importância da linguagem e as questões que na elaboração surgem, Benjamin traz o testemunho de Hamann novamente e o pintor Mueller. Hamann acentua a simplicidade da linguagem quando compreendida na sua tareIa participativa de nomeação enquanto palavra viva em transIormação de si para a Iormação de mundo e destino, e nisto a palavra viva era Deus. O pintor Mueller colabora com a ideia do aperIeiçoamento do homem pela palavra numa ligação entre intuição e nomeação participativa na Iormação do mundo. Na pintura de Mueller, os animais recebem um sinal de Deus para reconhecimento, o que signiIicaria a maravilhosa comunhão de tudo com Deus na linguagem. Essa concepção pretende ser uma explicação na evolução do conhecimento e na compreensão geral do homem na linguagem. Tudo o que o homem produz em ternos de conhecimento e ao mesmo tempo nomeação tradutora em serie no todo de que Iaz parte na Iorma do grande paradoxo, ou da contradição da linguagem: tudo o que o homem disser sera participação no todo e não o todo desde o inicio ordenando sempre a partir de nova criação. Haman di:. 'Tudo o que o homem ouviu no inicio, com os olhos viu...e suas màos tatearam,...era palavra viva, pois Deus era a palavra. Com essa palavra na boca e no coraçào a origem da linguagem foi tào natural, tào proxima e facil como um brinquedo de criança...` O pintor Mueller, em sua poesia ' O primeiro despertar e primeira noites bem-aventuradas de Adào`, [152] pòe Deus a chamar o homem para a doaçào dos nomes com estas palavras. 'Homem da terra, aproxima-te, torna-te mais perfeito no intuir, torna-se mais perfeito pela palavra'` Nessa ligaçào de intuiçào e nomeaçào e pensada intimamente a participante mude: das coisas (dos animais) em direçào a linguagem de palavras do 210 homem. No mesmo capitulo da poesia do poeta expressa-se o conhecimento de que apenas a palavra, da qual as coisas foram criadas, permite ao homem a nomeaçào delas a medida que essa palavra, nas multiplas linguas dos animais, mesmo que mudas, comunica a si mesma de acordo com o quadro. Deus da aos animais, em serie, um sinal, a partir do qual eles comparecem diante do homem para a nomeaçào. De uma forma quase que sublime a comunhào da linguagem com Deus e assim doada a criaçào muda no quadro do sinal.(GS II-1, 151-152).
Apesar de toda a identidade no grande todo, ou em Deus, a palavra das coisas e inIinitamente distante da palavra humana, como esta tambem em sua participação ocorrente enquanto continua nomeação tradutora esta inIinitamente distante do absoluto. Como vimos, o nome das coisas se da ao modo da tradução numa dinâmica criativa na linguagem humana. As linguas existentes são todas elas traduções da linguagem das coisas, mas ja são imperIeitas, pois a tradução nomeante perIeita Ioi a linguagem paradisiaca, ela Ioi perfeitamente conhecedora. Posteriormente iniciou-se a multiplicidade das linguagens num estagio agora de quantas traduções da linguagem das coisas, tantas novas linguas. A medida que a palavra muda na existência das coisas permanece tào infinitamente distante atras em relaçào a palavra nomeante no conhecimento do homem, como esta, por outro lado, certamente permanece em relaçào a palavra criadora de Deus, esta dado o fundamento para a multiplicidade das linguas humanas. A linguagem das coisas so pode ingressar na linguagem do conhecimento e do nome na traduçào quantas traduçòes, tantas linguas, a saber, uma ve: logo que o homem caiu da condiçào paradisiaca, que apenas conhecia uma lingua. (Conforme a biblia, essa conseqùência da expulsào do paraiso acontece, sem duvida, mais tarde). A linguagem paradisiaca do homem deve ter sido a perfeitamente conhecedora, ao passo que, posteriormente mais uma ve: todo o conhecimento na multiplicidade da linguagem diferencia-se infinitamente, de qualquer modo tinha que se diferenciar num nivel inferior enquanto criaçào no nome.(GS II-1, 152).
A linguagem nomeante era perIeita e, deste modo, a participação do homem na criação era tambem conhecedora dos sinais dados por Deus as coisas. Benjamin argüi que conhecimento ja no paraiso havia, pois Deus desde o inicio ja sabia e a participação do homem ja era a de Iormação de conhecimento a ponto de que tudo estava muito bem. Portanto, a arvore do conhecimento deve signiIicar outra coisa do que a proibição do conhecimento, ja que isso seria perIeitamente absurdo. Na verdade, trata-se da retirada do nome do conhecimento, de um conhecimento sem nome, da invenção de uma entidade 211 divina Iora da participação nomeante com estatuto de absoluto separado para, por outro lado, Iazer o papel de Iundamento para a possibilidade do julgamento. Deus e posto para Iora da propria participação nomeante e não mais e entendido como identidade na qual e pela qual a ocorrência da participação e possibilitada, mas sem nunca a poder deIinir. Agora Deus deIinido e de Iora da participação e Iundamento para a separação e aIastamento de tudo. E o esquecimento da contradição da linguagem pendendo para apenas o lado da objetivação. O Ilutuar sobre o abismo cessou e o homem então inicia a queda no mesmo abismo sempre a procura de novos Iundamentos. Trata-se aqui do no gordio da compreensão da objetivação que deve ser cortado para a possibilidade da volta. O corte seria as amarras da objetivação para a compreensão da contradição da linguagem com sua ambivalência de participação em diIerença tradutora no suposto da identidade ja sempre subjacente. Com a objetivação a palavra perde a sua magia tornando-se instrumento de objetos separados uns dos outros. Portanto, que a linguagem do paraiso tivesse sido perfeitamente nomeante, isso tambem a existência da arvore do conhecimento nào pode encobrir. Suas maçàs deveriam proporcionar conhecimento sobre o que e bem e mal. Deus, porem, fa havia conhecido no setimo dia com palavras da criaçào. E, vefa, era muito bom. O conhecimento para o qual a cobra sedu:, o saber sobre bem e mal, e sem nome. Em sentido mais profundo ele e nulo [sem efeito], e esse saber e precisamente o unico mal que a condiçào paradisiaca conhece. O saber sobre bem e mal abandona o nome, ele e um conhecimento de fora, a imitaçào sem criatividade da palavra criadora.(GS II-1, 153).
O pecado da queda, por incrivel que pareça e a invenção de Deus como Iundamento de tudo por separação pela qual e colocado como garantia do julgamento sobre o bem e o mal. E a invenção da origem absoluta para possibilitar o entendimento do tempo em linha e instituir o passado absolutamente positivado de modo objetivo. Inventa-se Deus em Iorma de idolo para poder condenar e esquecer que a condenação e tambem participação no todo que sempre se supõe. A natureza perde o parentesco com o homem e torna-se um absoluto outro no esquecimento de que tambem isso e participação. Inventam-se miriades de justiIicativas para milhares de construções teoricas por meio da linguagem para tanto instrumentada esquecendo-se que tambem tudo isso e participação do sentido de cada vez mais aIastamento de uma com compreensão da contradição da linguagem em que Deus espera. 212 O continuo esquecimento na objetivação na decadência da linguagem cumpre o veredicto da cobra de ser como Deus em imagem, pois a imagem Iormada da divindade separada e a projeção participativa do homem que no esquecimento dessa dobra nela se Iixou para o julgamento. O nome sai por si mesmo desse conhecimento. o pecado da queda e a hora do nascimento da palavra humana, na qual o nome nào mais vivia ileso, a qual saiu da linguagem do nome, da conhecedora, para se tornar, por assim di:er, expressamente magica a partir de fora. A palavra deve comunicar algo (fora de si mesma). Este e, de fato, o pecado da queda do espirito da linguagem. A palavra como externamente comunicante, por assim di:er, uma parodia da palavra expressamente em participaçào na relaçào com a expressamente imediata, a palavra criadora de Deus, e a decadência do espirito da linguagem bem-aventurada, da linguagem adamitica, a qual esta entre as duas [anteriores]. Portanto, no fundo de fato existe identidade entre a palavra que conhece bem e mal de acordo com a promessa da cobra e a palavra externamente comunicante. (GS II-1, 153).
O conhecimento sobre o bem e o mal sem a participação no nome resulta no entendimento de Kierkegaard que o denominou tagarelice. O homem da queda e essencialmente tagarela na segurança de si e esquecido da questão central. E, conIorme tambem Kierkegaard, a unica solução e o julgamento de si mesmo em que pecado e castigo identiIicam-se, pois caso se quisesse achar um juiz para o julgamento para tal queda na objetivação, então se estaria reiterando ad infinitum o mesmo gesto. O processo da culpa e do castigo leva a morte do pecador com a sua volta a linguagem nomeante e participativa. 'A palavra julgadora castiga o despertar de si mesma como a unica e proIunda culpa a espera¨. (GS II-1,153). A lembrança acompanhada da compreensão da volta, do retorno a participação, e de diIicil execução propria, uma vez iniciado o movimento de queda na objetividade. A lei, a Grande Lei e o castigo da espera diante da porta da lei pedindo e apresentando argumentos variados para entrar deIinitivamente com um Iundamento absolutamente convincente, que simplesmente não existe, e por isso, morre de velho e a mingua, ou, num processo do qual o homem nem sequer se reconhece culpado, como nos escritos de KaIka. A espera e a continuidade da queda e do castigo, a insistente atualização da magia da objetivação numa constante procura por novos Iundamentos, pois todos eles se esvaem um apos o outro. A espera e a sentença continuada. O conhecimento das coisas consiste no nome, porem, o conhecimento sobre o bem e o mal e tagarelice no sentido 213 profundo como Kierkegaard concebe essa palavra, e conhece apenas uma depuraçào e elevaçào sob o que tambem o homem tagarela, o pecador, foi subordinado. o fui:o [fulgamento]. Sem duvida, o conhecimento sobre bem e mal e imediato a palavra fulgadora. A sua magia e outra daquela do nome, mas magia do mesmo feito. Essa palavra fulgadora expulsa os primeiros seres humanos do paraiso, eles mesmos a exerceram seguindo uma lei eterna de acordo com a qual essa palavra fulgadora castiga o despertar de si mesma como a unica e profunda culpa e espera. Ja que a eterna pure:a do nome foi maculada, elevou-se no pecado da queda a mais severa pure:a da palavra fulgadora, da sentença. (GS II-1,153).
Tem-se agora dois tipos de magia: a do nome enquanto participação e a do julgamento que se da na quebra da compreensão da imediação participante da linguagem. Os dois tipos de magia mencionados equivalem a compreensão que recorda o esquecimento na objetivação e a incompreensão do esquecimento da objetivação. A magia da linguagem enquanto participação nomeante instaurador e a magia da instauração da espera na culpa e sentença da queda em objetivação com Iundamento posto e esquecido. Benjamin arrisca uma terceira conseqüência desse estado de coisas que e a tentativa de entendimento da abstração da propria linguagem como queda. Abstrair da linguagem tentando Iazer dela um objeto de analise separado da linguagem em execução e talvez querer cumprir a tareIa mais vã de objetivação. Pois, no Iim das contas, a colocação de bem e mal signiIicou o abandono da linguagem participativa, mas tal abandono e seu proprio julgamento a respeito do que não existe juiz para julgar sobre bem e mal, a não ser a eterna recorrência: a linguagem e seu proprio chão. A eterna recorrência do igual e queda em cascata no precipicio sem Iundo a procura por Iundamento Iazendo abstração de si enquanto linguagem nesse processo. Não se consegue mais pairar acima desse buraco sem Iundo. Para o contexto essencial da linguagem a queda do pecado tem um triplice sentido (sem aqui mencionar ainda outros). A medida que o homem abandona a pura linguagem do nome ele fa: da linguagem um instrumento (ou sefa, um conhecimento adequado a ele), e, com isto de qualquer modo, tambem numa parte em simples sinal, e isso tem por conseqùência a multiplicidade das linguas. O segundo sentido e que agora se eleva da queda do pecado uma nova magia, que nào mais descansa bem-aventurada em si mesma, a magia do fulgamento enquanto restituiçào da lesada imediaçào do nome.O terceiro sentido, cufa suposiçào talve: se possa arriscar, seria que se deva procurar no pecado da queda a origem da abstraçào enquanto capacidade do espirito da 214 linguagem. Pois bem e mal enquanto inominaveis, enquanto sem nome, permanecem exteriores a linguagem do nome, que o homem precisamente abandonou no abismo da colocaçào dessa questào. (GS II-1, 153-154).
Tudo isto signiIica que todos os Iundamentos postos são substituições do nome verdadeiro que exigiria a compreensão continua da participação ocorrente, uma manutenção inabalavel da compreensão da contradição da linguagem. SigniIica o desabaIo de Kant quando conclui que as Iontes secretas do entendimento não são acessiveis ao proprio entendimento. Kant, alem disso, coloca as ideias como Iicções que devem ser descobertas continuamente no processo empirico, ideias que não mais se pode provar, mas sob as quais Iundamos o nosso julgamento Isso tambem Iorça o aspecto dedutivo esquecido da analise da colocação do Iundamento em que a dedução se da. Lembra igualmente Platão quando Iala de steresij e metexij como dois direcionamentos contrarios em meio aos quais numa situação medial o pensamento se da supondo uma totalidade inapreensivel e apenas suposta como sumo bem.. Porem, na perspectiva da linguagem existente, o nome so oferece agora o fundamento em que seus elementos concretos enrai:am. Os elementos abstratos, porem, - assim talve: se possa supor enrai:am-se na palavra fulgadora, na sentença. A imediaçào (isto, porem, e a rai: lingùistica) da participaçào da abstraçào esta dada na sentença. Esta imediaçào na participaçào da abstraçào instituiu-se fulgadora quando no pecado da queda o homem abandonou a imediaçào na participaçào do concreto e decaiu no abismo da mediaçào da mediaçào, da palavra como instrumento, da palavra và, no abismo da tagarelice. Pois mais uma ve: isso deve ser dito tagarelice foi a questào sobre o bem e o mal no mundo apos a criaçào. A arvore do conhecimento nào estava ai por causa dos esclarecimentos sobre bem e mal que ele poderia dar no fardim de Deus, mas como um emblema do processo ao perguntador. Essa colossal ironia e a marca da origem mistica do direito. (GS II-1, 154).
A queda na objetivação tem como gesto simultâneo, como ja visto, a Iormação da imagem do Iundamento separada a oportunizar deduções. Portanto, quanto mais imagens e Iundamentos separados em construção qual Torre de Babel, tanto mais linguas. Pela intuição das coisas o homem a linguagem ainda se dissolvia no homem, mas no aIastamento dessa intuição e pela Iormação de imagem separada o homem Ioi roubado de um Iundamento que o acompanhava como condição de possibilidade sempre suposto, mas 215 em sua ocorrência nunca alcançavel e sem intenções de alcançar, pois a verdade era a participação e não a adequação entre linguagem e coisa separada. Apos a queda do pecado, que pela feitura da instrumentaçào da linguagem havia posto o fundamento para a sua multiplicidade, so podia ser mais um passo para a confusào das linguas. Ja que os homens tinham maculado a pure:a do nome, so precisava reali:ar-se apenas ainda o afastamento daquela intuiçào das coisas, pela qual a sua linguagem dissolve-se no homem, a fim de roubar o homem do fundamento comum do fa abalado espirito da linguagem. (GS II-1,154).
A concepção da linguagem a base de sinais arbitrarios resultou na sua servidão, pois desse modo ela Ioi rebaixada a instrumento. Como instrumento sem compromisso ela Iavorece o seu dispêndio descuidado na tagarelice, a qual, por sua vez Iavorece a tolice da grande construção objetiva da Torre de Babel. A torre Iaz com que as proprias coisas tambem acabam na tolice como conseqüência da tagarelice. Sinais devem confundir-se onde as coisas se enredam. E acrescida a servidào da linguagem na tagarelice a servidào das coisas na tolice como a sua conseqùência quase inevitavel. No abandono das coisas, que perfa:ia a servidào, surgiu o plano da construçào da torre e com ele a confusào das linguas. GS II-1,154).
A natureza que ja era muda em sua linguagem e se Iazia sonora na linguagem humana, agora, com a maldição do campo da objetividade, a maldição de Deus, a natureza entre em luto, pois ja não tem mais tradutor para a lingua sonora e espiritual do homem. Antes, de acordo com a pintura de Mueller, as criaturas saltavam de alegria pelo encontro acontecido, no qual haviam recebido o seu nome pela participação no mundo dos homens. Agora, porem, Ioi decretada a sua separação, a interdição do encontro que a deixa em proIunda tristeza, em luto pela morte da nomeação participativa. A vida do homem no espirito da linguagem pura era bem- aventurada. A nature:a, porem, e muda. Por certo e possivel perceber nitidamente no segundo capitulo de Gênesis, como essa mude: nomeada pelo homem tornou-se mesmo bem-aventurança apenas de nivel inferior. O pintor Mueller fa: Adào di:er a respeito dos animais que o abandonam apos ele os ter nomeado. 'e observou a nobre:a com que saltavam afastando-se pelo fato de o homem lhes ter dado um nome`. Porem, apos a queda do pecado muda profundamente o aspecto da nature:a com a palavra de Deus que amaldiçoa o campo. Agora inicia a sua outra mude: que indicamos como a profunda triste:a da nature:a. (GS II- 1,154-155). 216
A natureza lamenta pela morte da linguagem, pois ela mesma se torna mais muda do que ja era antes da objetivação. A natureza iniciaria um lamento se lhe Iosse emprestada a linguagem. Mas sem linguagem, nem isso pode Iazer, ja que não conta com mais nada para participar quando não nomeada na linguagem humana. Por isso Benjamin diz que resta apenas o som de um lamento junto com o IarIalhar das Iolhas das plantas. E um lamento mudo e sensivel sem tradução. E uma verdade metafisica que toda a nature:a iniciaria a se lamentar se lhe fosse emprestada a linguagem. (Pelo que 'emprestar linguagem` antes de tudo e mais do que 'fa:er com que fale`). Essa frase tem um sentido duplo. Ela significa primeiro. a nature:a iria lamentar sobre a linguagem mesma. Mude:. este e o grande luto da nature:a (e em favor da sua libertaçào esta na nature:a a vida e a linguagem do homem, e nào apenas do poeta, como se presume). Em segundo lugar essa frase di:. a nature:a iria lamentar-se. O lamento, porem, e a expressào mais indiferenciada e impotente da linguagem, ela contem quase apenas o halito sensivel, e, mesmo onde rumorefam plantas, funto soa sempre tambem um lamento. Mas a inversào dessa frase introdu: ainda mais fundo na essência da nature:a. a triste:a [luto] da nature:a torna-a muda.(GS II-1, 155).
No luto ha perda de algo essencial: o termino da possibilidade da participação que e a elaboração de si na suposição do todo. Enquanto ha elaboração participativa o todo não e alcançado pela pressuposição que representa. Mas quando não ha nem mais esta participação a tristeza sente-se como que nomeada apenas pelo inominavel, sem nomeação humana, mas somente idêntica ao Iundo sem Iundo da identidade absoluta, abismo so intuido pela negatividade da suposição. Ja ser nomeado pela voz do som humano e não poder nomear-se a si traz rastros de luto: quanto mais agora em epoca de multiplicidade conIusa objetivada na dispersão das mais diversas linguas. Tambem a centralidade participativa da natureza no encontro com a linguagem do homem deslocou-se, espalhando-se na dispersão das linguas. A sobre-denominação como quebra da linguagem participativa e a Iragmentação da linguagem do nome em todas as linguas existentes e dentro delas as inumeras teorizações a base de criterios objetivados. A sobre-nomeação, por sua vez, conjuga-se com a sobre-determinação que e o resultado das Iundamentações postas como absolutas e as suas aplicações sucessivas combatendo-se caotica e tragicamente na catastroIe em andamento, sem tradução que satisIaça. 217 Em todo o luto ha a mais profunda tendência para a mude:, e isto e infinitamente muito mais do que a incapacidade ou aversào a participaçào. A triste:a do luto assim se sente conhecida fora a fora pelo inominavel. Ser nomeado mesmo que o nomeante sefa um semelhante aos deuses ou um bem-aventurado talve: sempre permaneça um pressentimento do luto. Porem, quanto mais ser nomeado nào a partir da bem-aventurada, unica linguagem paradisiaca dos nomes, mas a partir das centenas de linguas humanas, nas quais o nome fa murchou, mas que mesmo assim conhecem as coisas de acordo com o veredicto de Deus. As coisas nào têm nome proprio a nào ser em Deus. Pois, na palavra criativa Deus as chamou pelo seu nome proprio. Na linguagem dos homens, porem, elas sào sobre-denominadas. Na relaçào da linguagem dos homens com a das coisas ha algo que se pode aproximadamente denominar como 'sobre-denominaçào`. sobre- denominaçào como profunda ra:ào lingùistica de toda a triste:a (visto a partir da coisa) e toda a mude:. A sobre-denominaçào como essência lingùistica da triste:a aponta para uma outra relaçào peculiar da linguagem, ou sefa, para a sobre- determinaçào que domina na relaçào tragica entre as linguas dos homens falantes. (GS II-1, 155-156).
Alem da sobre-determinação pelas linguas existentes separadas e comprometidas com a objetivação como que cada uma construindo a sua propria Torre de Babel, existem ainda outras especies de linguagem como a da plastica e da pintura, ambas sem som, talvez mais proximas a linguagem muda das coisas e tradutora dela numa linguagem inIinitamente superior, por meio do que talvez se possa entender a linguagem material muda entre as coisas. Ja a poesia esta ligada a linguagem dos nomes Ha uma linguagem da plastica, da pintura, da poesia. Assim como a linguagem da poesia esta fundada, se nào unicamente, entào funto em todo o caso na linguagem dos nomes do homem, assim e bem possivel pensar que a linguagem da plastica ou da pintura talve: sefa fundada em algumas especies de linguagem de coisa, que nelas se exponha uma traduçào da linguagem das coisas numa linguagem infinitamente superior, mas ainda mesmo talve: da mesma esfera. Trata-se aqui de linguas sem nome, nào acustica, de linguagem a partir do material, por este vies ha que se pensar na comunhào material das coisas em seu compartilhamento. (GS II-1,156).
Na objetivação geral continua, mesmo assim, a ideia de um todo inseparavel e em solidariedade a Iormar um mundo, porem, e a ideia de um todo de coisas separado de quem o diz. Novamente encontramos em Benjamin a sua ligação com a IilosoIia pre-socratica e ate de Iorma mais nitida. A relação do todo e da parte constantemente insinuada, agora esta dita diretamente e se esclarece em sua tematica Iundamental. As diversas versões do todo 218 nos pre-socraticos em parte padeciam da angustia de nomear o todo, esquecendo-se da sua propria participação nomeante nesse todo, angustia que continuamente moveu com as suas aguas os moinhos da IilosoIia. Como ja anteriormente dito, um todo separado, todo não e e, por isso, e inseparavel. Mas a linguagem, o logoj que o diz objetivando Iaz parte do todo ou não? A solução de nele incluir o logoj ou o nou÷j anaxagorico e nova objetivação como cobra que morde o proprio rabo. 'Alias, o compartilhamento das coisas e certamente de uma tal especie de solidariedade que trata o mundo em geral como um todo inseparavel¨. (GS II-1, 156). A teoria ou concepção dos sinais de acordo com a pintura de Mueller em que se vêem as criaturas recebendo individualmente marcas de Deus para depois saltar de alegria pelo Iato de ter uma identidade diante do todo, mas ainda não na linguagem do homem, deveria ser conservada para o entendimento da linguagem da arte que exatamente procura traduzir a linguagem da natureza. A arte de algum modo reconstitui o processo identiIicatorio original procurando retroceder ao âmbito ainda não comprometido com a linguagem totalmente objetivada. A arte assim seria reconhecedora de sinais que a linguagem objetivada na realidade esqueceu ou apagou na sobre-denominação. A arte talvez ainda Iosse o resquicio de linguagem que resta para ouvir o lamento da natureza e de todas as coisas. Ouvir o apelo e escutar que se esta sendo visto e conclamado. Como e que a natureza nos vê? Não queremos nem saber enquanto não Iormos prejudicamos pela sua propria tristeza e morte. Para o conhecimento das formas de arte vale a tentativa de concebê-las todas como linguas e procurar a sua relaçào com as linguas da nature:a. Um exemplo, que e natural por ser da esfera acustica, e o parentesco do canto com a lingua dos passaros. Por outro lado e certo que a linguagem da arte fa:-se compreender apenas numa relaçào profunda com a doutrina dos sinais. Sem esta toda a filosofia da linguagem permanece em geral completamente fragmentaria, porque a relaçào entre linguagem e sinal e original e fundamental (para o que a relaçào entre linguagem humana e escrita apresenta apenas um exemplo bem particular). (GS II-1, 156)
A leitura pela tradução dos sinais das coisas na arte para que as coisas e criaturas tenham uma linguagem inIinitamente superior e possam superar seu luto de certo tambem esta em contraposição com a linguagem objetivada, Iadada a ser instrumento apos a queda. E evidente que as duas não coincidem. 219 Em todo o caso existe a possibilidade de uma linguagem enquanto compartilhamento em co-participação que na contradição da linguagem leva em conta o suposto de uma identidade total inapreensivel, sob pena de se anular precisamente como participação se quisesse Iundamentar a sua propria eliminação; como tambem existe a linguagem humana apos a queda no erro da Iundamentação que a elimina como participação. Esta ultima e atual, por outro lado, em seu processo de espera e um simbolo da não participação, do juizo e da sentença em andamento. A linguagem humana tem, portanto, mesmo assim, um lado simbolico como que apontando para a não participação que lhe Iaz Ialta e para o nome sempre presente como possibilidade de compreensão de participação. Encarar a linguagem humana apos a queda enquanto simbolo e ja compreender de algum modo a sua contradição sempre presente. Isto oportuni:a indicar uma outra contraposiçào que perpassa a totalidade do campo da linguagem e tem importantes relaçòes com o mencionado sobre linguagem em sentido estrito e linguagem como sinal, contraposiçào que de modo algum coincide sem mais com esta. Ha, pois, linguagem em todo o caso nào unicamente enquanto compartilhamento da co-participaçào, mas simultaneamente simbolo da nào co-participaçào. Esse lado simbolico da linguagem esta conectado a sua relaçào com o sinal, mas se alastra, por exemplo, de certo modo tambem sobre nome e fui:o. Estes nào têm unicamente uma funçào participativa, mas, intimamente ligada a ela, muito provavelmente tambem uma funçào simbolica, para a qual aqui nào foi chamado a atençào pelo menos expressamente.(GS II-1, 156).
Deus e a unidade da movimentaçào da linguagem (GS II-1, 157), eis a ultima Irase do texto que resume toda a contradição. Se Deus Ior compreendido como entidade separada para esteios e muletas precarias na Iormação do mundo separado de quem o diz com tudo o que signiIica, então tal compreensão promove a queda na objetivação, no esquecimento dela e na catastroIe tragica em andamento ao modo como o anjo da IX tese de Sobre o conceito de historia a vê com olhos arregalados. Se Deus como todo Ior impossivel de ser dito no exercicio participante de nomeação das coisas, a compreensão na linguagem aceita a sua limitação e se propõe a prestar atenção a Offenbarung, ao que se revela em cada gesto sedimentado pelos milênios a Iora e a cada suspiro do cotidiano. Apos estas consideraçòes permanece desse modo um conceito purificado de linguagem, mesmo que tambem este possa ser imperfeito. A linguagem de uma criatura e o Medium no qual a sua essência se comunica. A corrente ininterrupta dessa participaçào [comunicaçào] flui por toda a nature:a, do existente mais inferior ate o homem e do homem para Deus. O homem comunica-se com Deus pelo nome que ele da a nature:a e a seu semelhante (no nome proprio), e a nature:a ele da o nome conforme a comunicaçào que ele dela recebe, pois tambem a nature:a inteira e perpassada por uma linguagem muda sem nome, do residuo da palavra criativa de 220 Deus, que no homem conservou-se como nome conhecedor e sobre o homem conservou-se pairando como fui:o fulgador. A linguagem da nature:a e comparavel a uma senha secreta, que cada sentinela passa adiante em sua propria linguagem, mas o conteudo da senha e a linguagem da sentinela mesma. Toda linguagem superior e traduçào da inferior ate que se desenvolva em ultima clare:a a palavra de Deus, que e a unidade da movimentaçào da linguagem. (GS II-1, 157).
Na contradição da linguagem e possivel dizê-la sem contradição? Parece que o que não da para dizer e a propria contradição, pois e impronunciavel ja que se diz que em toda a pronuncia ela e pronunciada. E o mesmo caso da totalidade suposta que, quando pronunciada Iaz parte de uma suposição ainda não pronunciada. Rebente-se o caleidoscopio que sempre traz novas imagens de ordem objetiva e, nesse gesto, rebente-se a parte objetiva, precisamente o esquecimento na contradição, e ai surge a revelação. Com esta chave no bolso e possivel ouvir com atenção redobrada os grandes discursos que emergem na superIicie do mundo e tentar traduzi-los de volta para a linguagem do nome. E uma chave ambivalente e contraditoria, pois o seu usuario sabe que esta diretamente implicado no que diz sobre o dito, pois o que diz pode ediIicar-se por um lado em estatuto do processo, do juizo, da sentença, da queda, da tagarelice e, por outro, em indicação de retorno ou ate ja volta a participação nomeante. O dito pode ser vario: Kant, Fichte, Hegel, Romantismo, Goethe, Hölderlin, Proust, Baudelaire, KaIka, Marx, Kraus, Brecht e muitos outros. No universo, a importância de uma Iolha que cai esta em se saber ate que ponto e o seu destino ou a sua liberdade: ela empurra ou esta sendo empurrada?
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4. POSICIONAMENTO FILOSÓFICO: SOBRE O PROGRAMA DA FILOSOFIA VINDOURA.
O texto de Benjamin sobre o que deva ser a IilosoIia por vir inicia com a lembrança ou ate aIirmação de uma tareIa peculiar da IilosoIia: supõe que ela toma, capta, ou haure (schòpft) proIundas premunições 'tiradas da epoca e de um sentimento de antecipação de um grande Iuturo¨ (GS, II, 157). A partir das Iontes da epoca e do sentimento antecipatorio, a sua tareIa de captação continua com o trabalho de relacionar as premunições com o sistema kantiano para que essas mesmas premunições possam tornar- se conhecimento. Em outros termos, a IilosoIia constata as premunições da epoca que so poderão tornar-se conhecimento quando organizadas pelo seu encontro com o sistema kantiano. Vai-se direto ao ponto, ou seja, sentimentos e pressentimentos gerais enquanto Ienômenos que surgem de maneira inesperada e dispersa no tempo adquirem relevo na paisagem da historia quando captados pela atenção IilosoIica para serem elaborados no âmbito de um sistema, e, nele, então, desIrutarem do estatuto de conhecimento. A questão abordada e milenar. Desde o seu surgimento na Grecia antiga ela se repete: a IilosoIia tem algum compromisso com alguma tareIa especiIica? E mera atividade de analise sem a suposição de um conjunto de conceitos sistematicamente organizados que a possibilitasse e sem, ainda alem, o abrigo de uma totalidade sintetica anterior? A IilosoIia e mera Iormação de sistema? E mera retorica sem o compromisso nem de consciência construtiva numa totalidade ja dada e nem de processo avaliativo analitico? Qual e o signiIicado da atividade IilosoIica? E indicado logo no inicio do texto que a IilosoIia deve prestar atenção aos pressentimentos existentes na epoca e ao mesmo tempo os Iiltre, analise, relacione com o sistema kantiano. Pressentimentos a solta sem uma teoria sistêmica em que Iossem incorporados, ou com que Iossem medidos e ordenados em Iavor de pelo menos uma parca 222 compreensibilidade, poderiam talvez levar ao obscurantismo irracional, ao pavor, ou ao entusiasmo a comungar com a simples Ialta de pretensão de rumo. O que são tais pressentimentos? Facilmente se depreende que são os Ienômenos culturais nas mais diversas areas. Por que Benjamin os chama de pressentimentos? Porque todas as aIirmações culturais aparecem em Iorma de explicações, descobertas que trazem algo do passado a luz. Basta ver o termo utilizado para pressentimentos, que e Ahnungen, com o sentido primeiro de ancestralidades que do passado se eIetivam como candidatas a instauração de Iuturo. Tais pressentimentos, por sua vez, merecem a atenção da atividade IilosoIica que exatamente nisso tem o seu sentido, ou seja, a tematização do que se apresenta como Ienômeno dessa natureza, Ienômeno rico de sentido e não apenas Ienômeno, mas ja experiência tornada historica. Não se consegue deixar de ligar imediatamente a aIirmação sobre tal tareIa da IilosoIia com um dos veredictos de Kant, que resume parte da sua posição IilosoIica, isto e, da aIirmação de que os Ienômenos dados na sensibilidade em geral permaneceriam cegos caso não houvesse um sistema conceitual organizador, o qual, por sua vez, seria vazio se nada lhe Iosse Iornecido como atividade de sistematização. Como ja Ioi dito, de acordo com essa tareIa, a IilosoIia deveria observar os Ienômenos sui generis que em cada epoca surgem, coleta-los e elabora-los como Ienômenos de acordo com o modelo do sistema kantiano. A relação com o sistema kantiano proporcionaria a continuidade historica, isto e, não aconteceria a Ialta de entendimento dos Ienômenos enquanto Iatos dispersos e, quem sabe desconexos na historia, pois ele seria o unico capaz de decisivo alcance sistematico (Band II-1, 157). Alcance sistematico signiIica a inevitabilidade de suposição de alguma conIiguração sistematica geral para a propria compreensão seja possibilitada. Para Benjamin, algum vislumbre de sistema e possivel e ate algum sistema provisorio descoberto e capaz de explicar a intenção de sedimentação de determinada realidade. O que não se recomenda e a entronização deIinitiva e deIesa intransigente de algum sistema absolutizante e plenamente objetivo, sob pena de recaida no essencialismo. Benjamin Iala sobre o modelo kantiano e não de uma imitação pura e simples. Como se conIigura a relação do modelo com o que o autor tem em mente? E a perspectiva da transcendentalidade, da suposição sempre inevitavel e incontornavel de um criterio a ser tematizado para toda a objetivação que se da comumente na linguagem e, ao 223 mesmo tempo, a suposição Iundamental de que qualquer absoluto assim o e apenas pela sua expressão em dizibilidade, o que sempre conIigura a contradição da linguagem. Esse alcance se deveria ao Iato de que o sistema kantiano não privilegia imediatamente a extensão e a proIundidade do conhecimento por si mesmos, mas de que estas se expressam enquanto justiIicação. E a questão da justiIicação necessaria e ao mesmo tempo inutil enquanto absoluto. Alias, Platão e Kant teriam a exclusividade na acentuação da 'justiIicação¨do conhecimento como sendo 'extensão e proIundidade¨ isto e, identiIicaram-nas sem bani-las da IilosoIia. Os dois conceitos, 'extensão e proIundidade", são o que se pode querer e ter apos a ingenuidade da vontade por Iundamentação ultima e apos a descoberta da contradição da linguagem em termos de objetivação inevitavel. Extensão e proIundidade descrevem o proprio abismo a que toda a Iundamentação esta sujeita. Benjamin julga que Platão e Kant dimensionam o abismo com respectivamente o mundo das ideias e o sistema transcendental e se dão provisoriamente por satisIeitos com as metaIoras Iinais. E preciso acentuar que aquilo que em Kant eram os dados imediatos dos sentidos apanhados pela capacidade receptiva do sistema categorial para que Iossem transvertidos em conhecimento justiIicado racionalmente, agora em Benjamin e ampliado em termos de pressentimentos e premunições, que surgem como Ienômenos no âmbito da historia e necessitados de elaboração por justiIicação, numa visão de conjunto denominada sistema capaz de promover continuidade compreensiva. Não se tratam mais de meros dados oIerecidos a capacidade receptiva da sensibilidade de Iorma igual em todas as epocas, mas ja de vagos sentimentos elaborados a partir de vivências historicas concretas e mutantes de epoca em epoca. Os dados da sensibilidade mudam de conIiguração e acentuação de epoca em epoca e assim não ha como Ialar deles como dados trans-historicos. A obra de arte na era da reprodutibilidade tecnica trata exatamente desses resultados do artigo sobre Kant para mostrar como a sensibilidade muda ampliando-se pelos meios da tecnica. A alocação de tais Ienômenos e o simples Iato de estes surgirem no panorama da historia parece constituir, numa primeira visada, as proprias condições do que se denomina historia: de um lado, um Iator sistêmico continuo em condições de elaborar Ienômenos que 224 surgem e, de outro, os Ienômenos que na epoca pululam e que, quando merecedores de analise sistematica, têm o devido direito de Iazerem parte de um ordenamento em termos de conhecimento. Portanto, para haver conhecimento devera haver justiIicação, argumentação, esclarecimento sobre o que se quer dizer, por meio de descrição do acervo de Ienômenos que se dão em Iorma de pressentimentos de rumos possiveis, e não mera valorização dos mesmos por crença não relacionada e, assim, injustiIicada por não ter merecido qualquer sistematização. Conhecimento sem o processo exigente de justiIicação extenso e profundo não seria resultado da luta pela objetivação da certeza inscrita na propria elocução do dizer, mesmo como expressão, mas mero consentimento ao Iortalecimento de ditames, quem sabe, de dogmas e de crenças multiIormes e em descontrole. Entre os pressentimentos variados encontrar-se-ia tambem aquele que anuncia um desenvolvimento ilimitado e ousado da IilosoIia e, por estar relacionado exatamente com filosofia, requereria a contrapartida de uma luta tenaz por certeza a partir do processo de justiIicação. A propria IilosoIia como procura por verdade e unidade por intermedio do processo justiIicante apareceria no cenario da historia tambem como pressentimento, mas acompanhado sempre da exigência de assumir o seu vies de sistematização ja ocorrente por ocasião das suas argumentações. Haveria, portanto, o perigo de tambem a IilosoIia se perder no ilimitado e na ousadia sem reIerência, sem relação e sem solução de continuidade, possivelmente na barbarie. Contra isso seria necessario que se ative a luta pela 'certeza, cujo criterio e a unidade sistematica ou a verdade¨. (GS II-2, 158). A verdade seria a unidade sistematica sempre vislumbrada e pela qual se luta por certeza, isto e, a luta pela certeza do conhecimento teria por meta relaciona-lo com a sistematicidade ja subjacente, o que equivaleria a verdade. A verdade, portanto, não e considerada como uma posse que se pudesse apresentar, ou um estagio que ja se tivesse alcançado. Ela e o pressuposto de um ideal sistematico a ser descoberto e que move toda a luta pela certeza do conhecimento por meio da procura das condições de justiIicação ao molde de Platão e Kant. Como se vê, os conceitos de pressentimento, sistema, criterio, justiIicação, conhecimento, certeza e verdade aos poucos vão tomando importância na elaboração da IilosoIia Iutura em termos de apresentação de rigor racional, como que conIigurando uma previa deIesa contra qualquer ataque do que posteriormente se va dizer de inovador e que 225 talvez pudesse ser interpretado como caminho livre para o relativismo inconseqüente e para o caos teorico. A acentuação do valor IilosoIico da justiIicação, identiIicado em Platão e Kant como representação de extensão e proIundidade, parece indicar ja a exigência de explicitação caracterizada por um processo de exibição continuada a procura de maximo rigor conceitual na alocação dos Ienômenos que surgem na historia, os quais, por sua vez, eles mesmos tambem a perIazem quando elaborados pela atividade IilosoIica. Mas o autor constata que o sistema kantiano tem deIiciências quanto a capacidade de completa consecução da tareIa preIigurada. Ha criticas a Iazer. O impedimento de uma aceitação cabal do sistema kantiano em si e deIinido como sua deIiciência de uma verdadeira consciência de 'tempo e de eternidade¨, ou seja, a realidade com a qual Kant queria elaborar as condições de certeza do conhecimento e considerada como de grau inIerior, 'talvez da classe mais inIerior¨ (GS II-1, 158). Assim como toda a teoria do conhecimento, tambem a de Kant teria dois lados, dos quais um apenas recebeu a devida aclaração |explicação, Erklàrung|. De um lado, estaria o movimento da pergunta pela certeza do conhecimento que e permanente e, de outro, a pergunta pela 'dignidade de uma experiência que era passageira¨ (GS II-1, 158). Se a experiência e a constante percepção de Ienômenos que surgem concomitantemente com a sua elaboração visando a Iormação de conhecimento pela tareIa da procura por uniIicação, e possivel que se possa ver a experiência e o conhecimento como passageiros, pois elaboração sistematica de Ienômenos e esIorço sem conclusão deIinitiva. Imaginar que se pudesse chegar a alguma elaboração deIinitiva por meio dos Ienômenos de apenas uma epoca talvez Iosse o equivoco. Cada epoca teria, portanto, os seus Ienômenos a exigir elaboração continuada bem como, então, haveria experiência continuada e não deIinitivamente Iixada como conhecimento absoluto e Iinal. Existiria, portanto, a possibilidade de avaliação das experiências de outras epocas como a de Kant, que teria sido reduzida e pobre para uma IilosoIia verdadeiramente consciente do tempo e da eternidade. A totalidade do tempo e o tempo passageiro indicam a suposição de totalidade em cada evolução temporal de cada epoca, e a decretação de um tipo de experiência para o todo elimina o todo suposto na experiência, o que talvez seja o erro cometido por Kant, ou seja, o de não levar em conta, na experiência da sua epoca, a totalidade da experiência 226 possivel decretando então apenas a experiência do Iluminismo como unica possivel universalmente. O entendimento de experiência parece apontar para a existência de sedimentação de conhecimentos anteriormente ja elaborados a desIrutar o status de senso comum que acompanha a todos como pressuposto. Fica em aberto, por enquanto, o que e que o autor entende por 'verdadeira consciência de tempo e de eternidade¨. Talvez possamos arriscar a interpretação provisoria de que a eternidade represente o suposto movel do Iato descrito como a existência da constante pergunta por certeza do conhecimento pelo criterio da verdade e da unidade, e o tempo, por sua vez, seja entendido como o local panorâmico de aparecimento caotico de Ienômenos ainda não conIigurados e pendentes de algum ordenamento sistematico. A eternidade equivaleria ao absoluto suposto sistematico total, sempre presente em qualquer atividade de sistematização discursiva em seqüência temporal e contingente. O interesse assumidamente universal da IilosoIia sempre e pela validade intemporal do conhecimento e, ao mesmo tempo, pela certeza de uma experiência temporal. Eis ai, uma indicação Iundamental para o entendimento da questão da tareIa: o interesse pela certeza do que seja experiência e do que não possa ser. Quem constitui validamente o que pode ser considerado como Ienômeno a ser elaborado em termos de experiência? Quem poderia possuir o monopolio de decisão quanto ao que possa Iazer parte do acervo de experiências de uma epoca? Não poderia a reunião de um determinado numero de experiências ja acusar unilateralidade, ou pobreza, ou repressão, ou Ialta de atenção mais acurada? Fenômenos epocais apanhados, descritos e justiIicados para Iazerem parte da experiência perIazem uma das proprias condições para que exista conhecimento sistematizado. Mas a questão e: como se da o encontro entre capacidade sistematica e o que surge no seio da historia? O sistema se sustenta por justiIicação, mas o que resta e a pergunta a respeito do que não se consegue justiIicar para então não poder Iazer parte do que Ioi promovido como justiIicado. Portanto, o ponto critico parece ser a experiência, sobre a qual se pode perguntar: quem tem certeza dela? O que ela e? Como pode ser descrita? Em todo o caso, a experiência de uma epoca e temporal e não pode ser eternizada. A inconsciência desse Iato teria conIundido Kant. Mesmo que nos Prolegomena tenha tido a intenção de depreender os principios da experiência a partir das ciências, 227 especialmente da Iisica matematica, na realidade isso não teria acontecido, pois a experiência da epoca não se assemelhava com tais ciências. Ainda permanecia vigente o velho conceito de experiência, relacionado não so com a consciência pura, mas, ao mesmo tempo, com a consciência empirica que Kant dividia com seus contemporâneos, no âmbito limitado a sua epoca, em Iorma da concepção de mundo do esclarecimento, não muito diIerente dos seculos anteriores da Modernidade. De que constava a pobreza da experiência da epoca de Kant? A resposta direta de Benjamin e a de que o esclarecimento não reconhecia 'autoridades` que pudessem Iornecer conteudo superior a experiência. Certamente não autoridades as quais se devesse submeter sem critica. Em todo o caso, autoridades que poderiam ter Iornecido a experiência da epoca uma importância metaIisica maior e cuja Ialta teria inIluenciado o pensamento kantiano de modo a limitar o seu conceito de experiência tornando-o pobre. Tratar-se-ia, em suma, da reconhecida marca do esclarecimento e da modernidade em geral que e 'a cegueira religiosa e historica¨.(GS II-1, 159). De que cegueira se trata quando a religião e a historia são nomeadas como se a simples menção bastasse? Parece evidente que não se possa esperar que a resposta a pergunta seja a indicação de alguma religião empiricamente constituida junto com alguns dados esquecidos da historia, pois a questão parece exigir uma explicitação bem mais ampla e sistematica. Trata-se de que o esclarecimento e a modernidade são crentes e não sabem disso: ha uma crença ingênua em uma razão super-historica vista como Iato incontestavel sem ulterior justiIicação. Caso a razão se exerça como justiIicação continuada a construir o estatuto de si, de qualquer modo não poderia deixar de justiIicar as condições de seu proprio exercicio, que são as determinações dos aspectos religiosos secularizados e historicamente assim transIormados. As autoridades não reconhecidas pelo esclarecimento, mas mesmo assim a inIluenciar de Iorma não transparente a propria construção das condições de possibilidade da crença na razão como inicio e principio absoluto, transIormaram a intenção de clariIicação racional em cegueira quanto ao que lhe antecede. Ao alcançar os seus resultados epocais, o proprio processo de justiIicação se anularia em sua intenção de extensão e proIundidade caso supusesse ter chegado a verdade enquanto unidade sintetica Iinal. A razão justiIicada como derradeiro Iundamento exibe o esquecimento de que ela mesma ainda pode ser objeto de justiIicação a inclui-la numa sintese mais ampla que deve pressupor. A analise constante que a razão promove deveria, 228 portanto, Iazer pressupor a anterioridade de sinteses ja Ieitas que aparecem em Iorma de Ienômenos, bem como de sinteses supostas e não tematizadas que perIazem as proprias condições, o proprio estatuto da razão em seu exercicio de justiIicação discursiva continuada. A crendice racional ingenuamente cega, porque crente apenas em si, e Ieita da Ialta de reconhecimento da religião enquanto sintese de dados determinantes, mas reprimidos, ou ainda não descobertos, e da historia que narra a transIormação semântica e conceitual desses mesmos dados e, ao mesmo tempo, sempre inaugura certa interpretação sobre si mesma. A propria atividade de justiIicação ativada por determinado sistema deve pressupor balizas que possibilitaram tal sistematização por um lado, e, por outro, deve supor que o conjunto de Ienômenos, arrolados sob essas condições para Iazerem parte da experiência, não pode ser considerado deIinitivo. A atividade justiIicante deveria permanecer entre duas Irentes, ou seja, uma vez, aquela que e Ieita da constante justiIicação das suas proprias condições que consegue estabelecer pela percepção e nomeação de Ienômenos para a elaboração pelo sistema que de si vislumbra e, outra vez, o resto que não Ioi ainda nomeado nem das condições de sistematização e nem do que ainda não Iaz parte do sistematizado. O processo de justiIicação aparece, ele mesmo, como constante possibilidade de descrição dos mais variados Ienômenos, bem como das condições da propria descrição sistematizada. Benjamin julga de extrema importância a decisão sobre quais os elementos do pensamento kantiano deveriam ser assumidos e promovidos, quais deveriam ser 'transIormados e quais rejeitados¨. (GS II-1, 159). Não quer simplesmente incentivar a utilização aplicada do sistema kantiano em si, mas, pela preservação da sua tipica, visa a elaborar epistemologicamente a Iundação de um 'conceito superior de experiência¨. (Idem, 160). Kant mesmo nunca teria negado a possibilidade da metaIisica, mas apenas exigido a apresentação dos criterios de uma tal possibilidade. A elaboração de uma metaIisica Iutura enquanto experiência superior, tendo por base a tipica kantiana, seria a exigência e a tareIa da IilosoIia. Isso parece ser a propria marcha da metaIisica, isto e, não nega-la, pois isso ja implicaria em ma metaIisica objetivada como nomeação doutrinaria de uma divindade erigida como criterio para o que se diz, mas sim a constante Jerwindung, em termos de uma superação no acompanhamento do compreendido na procura do que supõe ao ser 229 assim. A metaIisica e o bater constante as portas da linguagem, um observar as escadas pelas quais se subiu e se jogou Iora, uma construção de escadas ao reves para descer as proIundidades e extensões de onde se veio. Os conceitos de experiência e metaIisica convidariam a uma revisão de Kant em Iavor da IilosoIia Iutura. Mas apenas isso não basta, pois o conceito de conhecimento de Kant tambem apresentaria deIiciências causadas pela ja mencionada vacuidade da experiência da epoca. Seria, portanto, necessaria a criação de um novo conceito de conhecimento, bem como de uma nova representação do mundo. A teoria do conhecimento de Kant não inclui a metaIisica, pelo Iato de que 'ela mesma traz em si elementos primitivos de uma metaIisica inIrutiIera, que exclui qualquer outra¨ (GS II-1, 160). E preciso indiciar que isso ja e repetição da acusação da pobreza epocal anteriormente abordada, ou seja, metaIisica idêntica em seu parentesco com a religião, em suas relações com o tema da totalidade e da Iormação do mundo. Alias, para a teoria do conhecimento qualquer elemento metaIisico e um germen doentio que se expressa exatamente quando acontece o isolamento do conhecimento 'da experiência em sua total liberdade e proIundidade¨ (GS II-1, 160). A IilosoIia se desenvolve quando liquida tais elementos metaIisicos da teoria do conhecimento e se remete a uma experiência metaIisicamente mais pleniIicada. Ha, portanto, uma relação direta entre a experiência epocal pobre demais para levar a verdade metaIisica e uma teoria do conhecimento ainda incapaz de indicar suIicientemente 'o local logico da pesquisa metaIisica¨, (GS II-1, 161), se bem que a expressão kantiana metafisica da nature:a tenha o sentido da pesquisa da experiência a base de principios garantidos pela teoria do conhecimento. Mas a insuIiciência epistemologica em relação as questões da experiência e da metaIisica localiza-se, em primeiro lugar, na teoria do conhecimento como elementos de metaIisica especulativa em termos da concepção ainda não superada de sujeito e objeto em geral. Em segundo lugar, na precaria superação da relação do conhecimento e da experiência com a consciência empirica. Mesmo que Kant e os neokantianos tenham superado a natureza de objeto da coisa em si como causa das sensações, permanece ainda 'por eliminar a natureza de sujeito da consciência conhecedora¨ (GS II-1, 161), a qual ai esta como analogia da consciência empirica. 230 Na teoria do conhecimento tais elementos permanecem como rudimentos metaIisicos e pedaços de uma experiência rasa daquele seculo. Por detras de tudo isso ha uma mitologia que promove a representação de um eu corporal-espiritual que individualmente recebe sensações para, por meio delas, Iormar as suas representações. Tal mitologia e semelhante a qualquer outra como, por exemplo, do que se sabe de povos de cultura primitiva que se identiIicam com plantas e animais, ou de dementes que em sua percepção se identiIicam com objetos, ou de doentes que culpam outros seres por sua doença, ou ate de videntes que aIirmam captar em si mesmos as percepções dos outros. A experiência kantiana, no que se reIere a representação de recepção de percepções, assemelha-se a qualquer outra metaIisica e mitologia, so que moderna e inIrutiIera para a religião. Qual e a questão? A experiência, reIerida a consciência individual do homem corporal e espiritual e não concebida como 'especiIicação sistematica do conhecimento¨ (GS II-1, 162) de qualquer modo sempre sera mero obfeto do verdadeiro conhecimento e, ainda, apenas numa perspectiva psicologica, isto e, todas as consciências conhecedoras empiricas são especies de consciências dementes, entre as quais ha meramente diIerenças de grau de valor, cujo criterio, porem, não pode ser a correçào |a certeza| de conhecimentos. Uma das tareIas principais da IilosoIia vindoura, por isso, sera a determinação do verdadeiro criterio para a diIerenciação de valor das Iormas de consciência:, pois 'aos modos de consciência empirica correspondem outras tantas especies de experiência¨. (GS II-1, 162). Comparados ao que se reIere a verdade, tratam-se de Iantasia e alucinações. 'Pois, uma relação objetiva entre a consciência empirica e o conceito objetivo de experiência e impossivel¨. (GS II-1, 162). A genuina experiência deve consistir na consciência transcendental (teoria do conhecimento) sem ligação com qualquer coisa relacionada ao que e subjetivo. Benjamin esta a indicar que o transcendental e tambem uma experiência, talvez por elaboração da reIlexão IilosoIica ao modo de Kant, portanto, não um dado absoluto como conhecimento anterior a qualquer conhecimento empirico, mas a depuração das condições pelas quais todas as experiências da epoca se dão. Consciência empirica e conceito de consciência psicologica se identiIicam. O autor ainda menciona a Escolastica como tempo a ser examinado para poder talvez elucidar a relação entre conhecimento puro e conceito de consciência psicologica. 231 Ha que se perguntar se ainda serviria o conceito de consciência. Pois a consciência transcendental e de especie diIerente da empirica restando para a IilosoIia uma tareIa problematica central, ou seja, o de veriIicar a relação da consciência empirica psicologica com o âmbito do conhecimento puro. Nessa questão deparamo-nos com o ponto logico (GS II-2, 163) de muitos problemas abordados recentemente pela Ienomenologia: 'A IilosoIia consiste em que na estrutura do conhecimento se encontra a da experiência e a partir da qual deve desenvolver-se¨. Benjamin esta a dizer que a propria IilosoIia se desenvolve como experiência ja Iazendo parte do conhecimento puro de que se necessita para a continuidade do proprio exercicio IilosoIico. Então, em outros termos, e compreensivel que o exercicio de analise IilosoIica tambem depende de tudo o que se põe de lado como sendo errado e ainda como sendo alem do discursivo, pois ha sempre algo maior na propria compreensão Iinita e de que o homem Iaz parte como consciência empirica. A experiência e uma totalidade de determinações da tradição com cuja plenitude a consciência psicologica nunca atina. A IilosoIia e o cavoucar experiencial a procura dessas determinações sedimentadas historicamente e alocadas como se Iossem teologicas, ou ate o prestar atenção e permanecer na escuta dessas noticias e sugestões provindas não do nada, mas do esquecido e reprimido que aparece como que do nada. Trata-se da organização tradicional construtiva e a ser aplicada, que se apresenta e aparece como instauração historica. A consciência empirica estaria como que mergulhada, ou a navegar numa experiência a distância determinante maior, a qual por sua vez Iaz parte do conhecimento. A IilosoIia seria a tareIa do desenvolvimento reIlexivo, ciente da sua Iinitude. Ciente da Iinitude, porque a propria programação e tentativa de conservação de racionalidade, visualização historica e percepção disso. Ha ciência da participação numa totalidade que nunca se podera deIinir por mais ensaios de totalidade que se empreenda e se aplique na ação concreta a partir da compreensão que se tem. O conhecimento e uma estrutura em que esta tambem a experiência. A IilosoIia desenvolve-se como experiência em conhecimento, ou ate e o proprio desenvolvimento possivel como atividade de desconstrução da ingenuidade objetiva e dos Iantasmas que nos comandam nas produções de objetivação e exercicio compreensivo maquinal. Tal estado de coisas expressa a ideia de que ja sempre somos compreensão inevitavel em andamento comprometidos com bonecos que desconhecemos a exemplo do mito da caverna. 232 Essa experiência circunscreve entào tambem a religiào, a saber, enquanto a verdadeira religiào pela qual nem Deus nem o homem sào sufeito ou obfeto da experiência, mas assim que essa experiência consiste no conhecimento puro que somente a filosofia pode e deve pensar Deus enquanto sua essência. (GS II-1, 163).
Surge, então, a pergunta: por que somente a IilosoIia? Talvez porque apenas ela enquanto atividade sui generis de escuta e atenção necessita do suposto da totalidade enquanto tareIa sempre a deIinir; porque apenas ela como Ienomenologia esta preparada para escutar e dispor-se a escuta do que esta a vir a ser, entendendo-se ela mesma como vir a ser. A propria ideia de divisão entre subjetividade e objetividade a Iazer parte da auto- compreensão e suspensa enquanto deIinitiva, permanecendo apenas como experiência aplicada da modernidade. A IilosoIia enquanto disposição a itinerância compreensiva e não Iixada para propositos de mera aplicação debruça-se sobre as diIiculdades de deIinição de si como compreensão, como trans:endentale Schein, como ponto logico absoluto a ser constantemente elucidado. Capta-se como compreensão de que e tareIa de compreender por meio da linguagem, ou seja, como circulo a querer constantemente produzir o transcendental de si como na ideia veiculada pelo mito do paraiso, como ponto cego sempre anterior e condição de qualquer dizer, mesmo que seja o dizer do seu suposto, como o nada de que tudo provem e que parece que a IilosoIia pode pensar como sendo exatamente Deus, o inominavel, indeIinivel, o proibitivo e a propria proibição. A religião enquanto suposição de ligação e relação de todas as determinações anteriores sem possibilidade de esgotamento semântico cumpre o papel de indicação da Iinitude humana. A religião e a aposta de uma relação ja existente e a determinar, e Iaz parte da experiência do homem, isto e, ela e indicadora da sua divida, da sua Iinitude, incompletude, e o salva das varias crendices do esquecimento mecanizado. E necessario notar que, do mesmo modo que Deus, o homem tambem não pode ser sujeito ou objeto da experiência. Qual seria o estatuto do homem, então? Visto pelo lado negativo, o homem não pode ser suporte, ou Iundamento pelo Iato de que a experiência e algo que lhe transcende, mas de que Iaz parte (e a questão do organismo em Kant e em todos os românticos; a questão da Natur de Hoelderlin, como interpretação do paragraIo 45 da Critica do Jui:o de Kant e motivo de celeumas entre Fichte, Schelling e Hegel com Hölderlin a respeito da possibilidade de um Iundamento que geneticamente pudesse ser 233 responsabilizado pelo todo que ha); e não pode ser objeto exatamente pelo Iato de Iazer parte do processo de Iorma possivelmente ativa em participação. Visto pelo lado positivo trata-se da perspectiva da instauração e do saber disso. O autor Iala da verdadeira religião, na qual nem Deus, nem o homem são sujeito, ou objeto, portanto, não susceptiveis de deIinição cabal por proposições, mas apenas como possibilidade inevitavelmente sempre suposta de totalidade e de si. Em outros termos, Deus seria o conhecimento puro apenas pensado pela IilosoIia, ja que Deus seria a essência do conhecimento puro, mas sem possibilidade de objetivação como se Iosse a expressão do Sou-o-que-sou veto-testamentario, ou lo/goj enquanto atividade deIinidora sem deIinição. A IilosoIia tem a tareIa de pensar Deus e o homem exatamente como possibilidade? Ha que atentar para o Iato da junção entre homem e Deus como percurso e possibilidade de percurso em junção com a categoria da relação. Da-se a lembrança de que toda a sugestão de totalidade concreta e encarada como ensaio de abertura para muito mais. Assim, a teoria do conhecimento vindoura devera deixar de lado as entidades metaIisicas de sujeito e objeto procurando investigar a genuina esIera do conhecimento (GS II-1, 163). - Um novo conceito de conhecimento e de experiência seria constituido, mas sem que ambos se reIerissem a consciência empirica. Por outro lado, exatamente por isso deveria permanecer o Iato pleno de sentido de que as condições de conhecimento Iossem as da experiência. Tal novo conceito de experiência, Iundado em novas condições de conhecimento, constituiria propriamente o ponto ou lugar logico, bem como a possibilidade logica da metaIisica. Tem-se a impressão de que o apelo a logica tem a intenção da justiIicação possivel de acordo com a posição programatica do autor. Em outros termos, seria a apresentação da ideia de que pelo entendimento novo do que seja experiência inevitavelmente haveria novo conceito de conhecimento, ja que ambos se relacionam intimamente. O conceito novo de entendimento de experiência programado procura liquidar a ideia da existência de sensações imediatas que pudessem existir sem a interIerência ja havida dos ditames da historia e da cultura. Sentimentos e sensações ja estariam nesse caso proIundamente comprometidos com o que se pensou e acumulou emocionalmente no seio da sociedade, tanto que o imediatismo natural das sensações seria uma especie de delirio e loucura como ja Ioi anteriormente expresso. A possibilidade de determinar as sensações como 234 historicamente determinadas temos ja em Marx, e ela da azo a muitas inIerências quanto a importância da estetica. Pelo Iato de haver determinação cultural naquilo que o homem sente, todos Ienômenos da cultura recebem dai a sua importância, pois parece insondavel a totalidade de possibilidade de rumo e novas emergências que socialmente podem acontecer no coletivo civilizacional e cultural. Por isso, o corpo do homem não e apenas produto de adaptação animal, mas tambem o proprio processo cultural em andamento. Toda a IilosoIia empirica seria assim apenas uma expressão de uma epoca aIeita a crendices tomadas por absolutas. Mas o ponto zero historica e culturalmente neutro das sensações nunca e alcançado e experienciado, pois ja sempre ha corpo aIetado pela cultura. Kant sempre teve a metaIisica como problema e a experiência como unico Iundamento, porque o seu conceito de experiência, como ja visto, excluia a possibilidade da metaIisica. Pela preocupação de Kant com a metaIisica nos Prolegomena, poder-se-ia inIerir que o Iator de distinção da metaIisica não e a ilegitimidade dos seus conhecimentos, mas o seu poderio universal ao relacionar imediatamente, por meio de ideias, a totalidade da experiência com o conceito de Deus. O raciocinio e de que se a ciência assim concebida e algo suspeito, ou ate crendice levando a humanidade ao desastre, então o conhecimento propalado pela modernidade tambem não e tão seguro, cuja caracteristica de certeza viria a ser a sua pior expressão. O conceito de Deus tem o poder da abertura, e conhecimento legitimo a relacionar imediatamente ideias e experiência. Ideias regulativas, quem sabe, a possibilitar o ordenamento da propria experiência enquanto compreensão. Para Benjamin ha a necessidade da liquidação do historicismo ingênuo, mas ao mesmo tempo tambem a inevitabilidade da experiência organizada sistematicamente como condição de possibilidade para dizer o que se diz. O acerto das elaborações compreensivas ate aqui parece conIirmar-se quando Benjamin aIirma que com tudo isso não se possibilita Deus, mas a experiência dele e a sua doutrina. Deus como limite, ou nada, ou impossibilidade de deIinição, ou espaço silencioso em que a experiência se da, ou condição absoluta que se da como expressão da dizibilidade: seria essa a experiência religiosa? Uma experiência que Iala da totalidade das determinações e que nunca consegue chegar a si como totalidade compreensiva ou mundo como totalidade objetivada, mas em expressão constante. InIerimos que todo o artigo sobre 235 a IilosoIia vindoura tem subjacente a si a contradiçào da linguagem como criterio de relação e avaliação dos caminhos IilosoIicos possiveis. Portanto, na elaboração da IilosoIia vindoura trata-se da tareIa da criação de um conceito de conhecimento que relacione o conceito de experiência exclusivamente com a consciência transcendental e com isso possibilite não apenas experiência mecânica, mas tambem, de Iorma logica, experiência religiosa. ConIorme Benjamin, ha sinais de evolução no proprio neo-kantismo. Um dos problemas centrais do neo-kantismo, porem, Ioi o de liquidar a diIerença entre a intuição e o entendimento. Com essa mudança no conceito de conhecimento, logo se promove tambem uma mudança no conceito de experiência. Por certo a redução de toda a experiência a experiência cientiIica não Ioi intentada tão exclusivamente por Kant como no neo-kantismo. Certamente havia em Kant uma tendência contra a Iragmentação e divisão da experiência em setores cientiIicos particulares e na metaIisica 'se deve encontrar a possibilidade de Iormar um continuo sistematico da experiência¨ (GS II-1, 164). InIelizmente o neokantismo desenvolveu uma mudança do conceito de experiência na perspectiva da Iormação extremamente mecânica do relativamente vazio conceito de experiência iluminista em curiosa correlação com o conceito de liberdade, o qual, por isso, tambem devera ser alvo de reIormulação. Poder-se-ia ate deIender, conIorme Benjamin, o ponto de vista de que com a descoberta de um novo conceito de experiência, enquanto um possivel ponto logico da metaIisica, a diIerença entre natureza e liberdade suspender-se-ia. Mas nesse conjunto de reIlexões apenas se trataria de um programa de pesquisa e não de provas a esse respeito. Ha, porem que se dizer que e inevitavel a reIormulação da transição entre doutrina da experiência e doutrina da liberdade, mas isso não pode redundar em amalgama de liberdade e de experiência. A tricotomia tipica do sistema kantiano deve ser preservada, mesmo que se tenham duvidas, por exemplo, sobre se a etica deve relacionar-se ainda com a segunda parte do sistema, ou sobre se a causalidade por liberdade deve ser entendida de outro modo. Em geral, a tripartição de todo o âmbito da cultura pelo sistema kantiano e algo que o distingue sobremaneira dos seus antecessores. Por outro lado, a dialetica Iormal apos Kant não deixa abertura para uma não-sintese de dois conceitos predeterminados como tese e antitese, o que do ponto de vista sistematico cada vez mais se exigira, ja que uma outra relação e possivel entre as mencionadas tese e antitese. 236 Mesmo que a tricotomia kantiana deva ser preservada para a divisão da IilosoIia, esquemas particulares do sistema ja merecem reparos, como por exemplo, da Escola de Marburg que ja iniciou com a eliminação da diIerença entre logica transcendental e estetica e o que se pode complementar com a revisão total da tabua das categorias. Exatamente nisso se pode aspirar a uma transIormação do conceito de conhecimento, angariando um novo conceito de experiência, pois as categorias aristotelicas são arbitrarias e Kant as direcionou unilateralmente para a experiência mecânica, alem de apresenta-las isoladamente e numa desconexão, que Iaz pensar na possibilidade de relaciona-las a uma doutrina das ordens ou liga-las logicamente com conceitos originais anteriores. Uma doutrina geral dos ordenamentos seria viavel, a qual incluiria não so a mecânica, mas, por exemplo, tambem os conceitos Iundamentais da geometria, ciência da linguagem, psicologia, ciência natural descritiva. Alem disso, seria preciso atentar para a necessidade de tematizar as soluções do vir a ser do proprio conhecimento a Iim de encarar o problema sobre Ialso e sobre erro, a sua estrutura e o seu ordenamento logicos, bem como do mesmo modo sobre o verdadeiro. (GS II-1, 167). 'O erro não deve mais ser explicado a partir do errar, como a verdade tambem não mais a partir do correto entendimento¨. (GS II-1, 167). Na IilosoIia moderna em geral surge o reconhecimento de que o ordenamento categorial possa ser por graduação multiIorme e tambem não so por experiência mecânica, para que a arte, o direito, a historia e outros âmbitos ainda pudessem orientar-se pela doutrina das categorias. Mas no âmbito da logica transcendental surge um dos maiores problemas, ou seja, o das Iormas de experiências cientiIicas (biologia) que Kant la não tratou e a questão e sobre por que não. Alem disso, ainda restaria a pergunta pela relação da arte com a terceira parte do sistema e da etica com a segunda. O conceito da identidade, desconhecido por Kant e não mencionado na tabua das categorias, talvez tenha papel importantissimo como principio supremo e como apto para Iundamentar, alem da esIera do conhecimento, o uso da terminologia de sujeito e objeto. 'A dialetica transcendental na versão kantiana ja indica as ideias de que consiste a unidade da experiência¨. (GS II-1, 167). Como ja visto, para um conceito de experiência mais proIundo, continuidade e unidade são imprescindiveis, o que se consegue pelas ideias numa perspectiva não vulgar e não meramente cientiIica, mas metaIisica. A convergência das ideias com o conceito supremo do conhecimento deve ser demonstrada. 237 A doutrina kantiana com seus principios relacionou-se com uma ciência, Irente a qual pode exercitar-se em suas deIinições. O mesmo acontecera com a IilosoIia moderna, sendo que a sua transIormação e a sua correção de orientação por um conceito de conhecimento unilateralmente matematico-mecânico dever-se-a promover como relação do conhecimento com a linguagem, como ja no tempo de Kant, Haman o Iazia. Para Kant, o Iato de que todo o conhecimento tem a sua expressão na linguagem, e não em Iormulas e numeros, Iicou em segundo plano. Na reIlexão sobre a essência lingüistica do conhecimento chegar-se-a a produção de um conceito de experiência capaz de abranger sistematicamente setores que Kant não conseguiu incluir. O setor a ser mencionado por primeiro e o da religião. Resumindo a exigência ...a base do sistema kantiano produ:ir um conceito de conhecimento que corresponda a um conceito de experiência, da qual o conhecimento e doutrina. Em sua parte geral uma tal filosofia poderia ela mesma ser denominada teologia, ou seria anteposta a esta, caso incluisse elementos historico-filosoficos. (GS II-1 168). Experiência e a variedade unitaria e continuada do conhecimento. (GS II-1, 168).
No pos-escrito ao mesmo artigo, Benjamin continua com a sua programação de pesquisa, chegando aos seguintes resultados. A relação entre IilosoIia e teologia deve ser clariIicada melhor. Trata-se primeiramente da relação entre os conceitos de teoria do conhecimento, metaIisica e religião. A IilosoIia tem um aspecto critico e um aspecto dogmatico, teoria do conhecimento e metaIisica. Essa divisão signiIica simplesmente que se pode construir uma doutrina a partir do que primeiramente de Iorma teorico-critica e instituido como conceito de um conhecimento, sendo diIicil mostrar o local em que termina a parte critica e inicia a parte dogmatica, 'pois o conceito de dogmatico somente quer indicar a transição da critica para a doutrina, dos conceitos gerais Iundamentais para os particulares¨.(GS II-1, 169) O total da IilosoIia e, portanto, teoria do conhecimento critica e dogmatica. A parte dogmatica da IilosoIia não se identiIica com as ciências particulares, de modo que surge a pergunta pelos limites entre IilosoIia e ciência particular. O termo 'metaIisico¨ quer dizer que não ha esse limite e a cunhagem de 'experiência¨ para 'metaIisica¨ signiIica que na parte metaIisica ou dogmatica da IilosoIia a experiência esta contida virtualmente. Qual e então a relação entre IilosoIia e religião? Primeiramente se deve constatar que se trata da 238 relação entre IilosoIia e doutrina da religião, ou seja, da relação entre conhecimento em geral e conhecimento da religião. FilosoIicamente a questão da existência da religião, da arte, etc., so pode ter relevância em termos do conhecimento IilosoIico de tal existência. 'A IilosoIia pergunta absolutamente sempre pelo conhecimento em que o conhecimento da sua existência e apenas uma modiIicação da pergunta pelo conhecimento em geral, se bem que incomparavelmente distinta¨. (GS II-1, 170) Em seus questionamentos, a IilosoIia em geral nunca podera vir a topar com a unidade do ser-ai |Dasein|, mas apenas sempre com novas unidades de legalidades |Geset:lichkeiten|, cujo integral e exatamente Dasein. O conceito original, o conceito genetico, na perspectiva da teoria do conhecimento tem Iunção dupla. Primeiro, ele se especiIica desde a Iundamentação do conhecimento em geral ate os conceitos de conhecimentos separados e modos de experiência. E este o seu lado mais Iraco em seu sentido metaIisico: não chega a constituir uma totalidade concreta de experiência e nem um conceito de existência. Mas por outro lado, ha uma unidade da experiência, a qual o conceito de conhecimento se reIere de modo imediato como doutrina em seu desdobramento continuado. Esta totalidade concreta de experiência, o objeto e o conteudo desta doutrina, e a religião. Mas essa religião e dada a IilosoIia apenas como doutrina. A Ionte do Dasein encontra-se na totalidade da experiência e apenas na doutrina (religião) a IilosoIia, como Dasein, topa com um absoluto e, com isso, com a continuidade na essência da experiência. Talvez tenha sido essa a negligência do neokantismo. Em perspectiva puramente metaIisica o conceito original se expande de modo imediato a totalidade da experiência, diIerentemente do âmbito das suas especiIicações nas ciências. 'Que um conhecimento seja metaIisico signiIica rigorosamente: por meio do conceito genetico do conhecimento ele se reIere a totalidade concreta da experiência, isto e, ao Dasein¨. (GS II-1, 171). O conceito de existência IilosoIico deve legitimar-se Irente ao conceito de doutrina religioso, e este, por sua vez, Irente ao conceito genetico na perspectiva da teoria do conhecimento. Devem cumprir-se as exigências de unidade virtual de religião e IilosoIia, bem como a integração do conhecimento da religião na IilosoIia, e por Iim, a integridade da tripartição do sistema. Não se pode deixar de conjeturar sobre o que isso possa signiIicar. Um ponto logico enquanto experiência capaz de suspender a diIerença entre natureza e liberdade não e nada desprezivel. Haveria mais indicações a esse respeito no texto, mesmo que o autor recue em sua sugestão ao dizer que se trata apenas de um programa? Ja anteriormente (GS II-1, 161 239 e163) havia mencionado o ponto logico que ultimamente a Ienomenologia haveria abordado, e isso quanto a relação entre o conceito psicologico de consciência e o conceito da esIera do puro conhecimento. Juntando as duas menções do ponto logico metaIisico talvez se pudesse inIerir que se trata de uma posição Ienomenologica (Husserl) a Iruir o que surge de alem da imediata crença no mundo assim posto para a compreensão costumeira. Tratar-se-ia da pergunta pela metaIisica e de tudo o que ela supõe quando surge, isto e, a insatisIação quanto ao que Ioi explicado sobre a natureza e sobre o homem que dela Iaz parte, admiração, interesse, percepção da mudança de si em relação aos supostos descobertos sobre a propria compreensão nas explicações que são eIetivadas para o entendimento do mundo. A metaIisica assemelha-se com a atividade IilosoIica de modo muito proximo. A metaIisica não pode mais ser entendida como o criterio divinizado em Iorma de metaIora na qual tudo se explica. Mas exatamente quase o contrario disso, ou seja, o indiciamento do que se alocou como Iundamento irrepreensivel, como chão que da certeza para toda a corrida de elucubrações Iuturas e, assim, a entronização provisoria ate a queda da coroa entronizada para proIundezas maiores, ou deslocamentos de linguagem quase ao modo de Wittgenstein em seus jogos de linguagem, mas sem a deIinição ultima de jogos, pois tambem Wittgenstein não se da conta da contradição da linguagem em que sempre novo Deus espera como e dito em Metafisica da fuventude (GS II-1, 92). MetaIisica, assim, e sempre sinal de impasse, de passagem, de ponte que liga algum lugar a lugar nenhum por enquanto, a terra desconhecida, ao abismo mais proIundo e extenso, ou a permanência na oscilação entre busca de Iundamento ultimo e a sua destruição pela descoberta de que se trata de constante expressão do inominavel que são assim se denomina.
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5. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA TAREFA DO TRADUTOR: A TAREFA DO TRADUTOR.
Benjamin detecta problemas IilosoIicos na atividade de tradução. Não se trata primeiramente de questões de pratica convencional de tradução, mas do sentido mais proIundo de qualquer tradução. Os problemas a que alude são diretamente relacionados com os resultados de Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens. Trata-se da seguinte questão: como se pode traduzir a dimensão da linguagem, que, de acordo com a contradição da mesma, não comunica, não repassa um conteudo, não transmite algo alem de si mesma? A linguagem que participa imediatamente apenas a si mesma e passivel de tradução? Se a linguagem não deve ser vista como sistema de sinais de algo transmissivel, como e que se poderia traduzir a sua imediação, que impõe limites intransponiveis para tanto? Como ja visto em Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens ha a perda da imediação da linguagem interpretada como queda vindo a ocorrer a multiplicidade das linguagens comunicativas, todas elas na intenção desastrosa de sinalizar algo alem de si enquanto objeto separado. Em cada linguagem historicamente alocada ainda existem os vestigios da linguagem em imediação expressiva, Iragmentos de verdade de uma unidade primeira. A questão e, portanto, a de como e possivel traduzir esses resquicios de uma linguagem para a outra, sem cair sempre de novo nas tentações da objetivação. A tradução assim considerada desde o inicio e imbuida de uma tareIa que e exatamente a descrita, ou seja, a recuperação do que Ioi perdido e esta a se perder. Sob esta otica, Benjamin aIirma que na elaboração de qualquer obra não se deve levar em conta alguma consideração ou cuidado quanto ao leitor, pois não tem relevância para a Iunção e a tareIa da linguagem. A obra de arte não precisa minimamente levar em 241 conta o conhecimento de qualquer receptor pelo Iato de que não pode haver estrategia de conhecimento ou intenção competente na transmissão de algum conteudo. A obra não deve prestar-se a comunicação no sentido costumeiro e, por isso, não e necessario o conhecimento, ou a captação do que comunica. Ela esta excluida de qualquer relação comunicativa e, assim tambem de qualquer relação de sujeito-objeto. A questão então e sobre o que, então, numa construção lingüistica pode ser reconhecido alem do seu carater comunicativo. Alem de todo o teor comunicativo quanto a conteudo concerne a linguagem o teor não predicativo que, então, se apresenta como a tareIa precipua da tradução. Esta tareIa tem como alvo o âmbito da linguagem dos nomes, o teor de verdade da propria obra, tudo isso bem alem do que a intenção dos meros sinais. O teor do conteudo, isto e, o teor coisal |Sachgehalt| pertence totalmente as preocupações de comunicação intersubjetiva com todas as suas variantes, e deve ser estritamente diIerenciado do teor de verdade |Wahrheitsgehalt|, que supõe 'a existência |Dasein| e a essência do homem em geral¨ (GS IV, 9), o que, por sua vez, não pode ser objeto de tematização cientiIicista. A tradução não deve, portanto, ter a intenção de repassar conteudos articulados por linguagem proposicional. Pois, o que 'di:` uma obra poetica? O que ela comunica? Muito pouco aquele que a compreende. O seu essencial nào e comunicaçào, nào e proposiçào. Mesmo assim, aquela traduçào que quer comunicar nào poderia transmitir nada alem do que a comunicaçào portanto, algo inessencial. Isto, portanto, entào tambem e um sinal de reconhecimento da ma traduçào. Mas o que na obra poetica permanece alem da comunicaçào e mesmo tambem o mau tradutor concorda que se trata do essencial nào vale em geral como o inconcebivel, misterioso, poetico? Aquilo que o tradutor somente pode restituir a medida que tambem poeti:a? Dai de fato provem um segundo indicio da ma traduçào, que entào se pode definir como uma transmissào de um conteudo inessencial. (GS IV, 9).
A dimensão do inconcebivel, misterioso e poetico e a mesma daquela dos nomes. Mesmo com essa identiIicação, resta a pergunta como e que então a parte essencial da linguagem se parece para que se pudesse ter segurança numa eventual tradução, pois ambas as dimensões estão presentes na linguagem, tanto a meramente inIormativa de conteudos, como a que e caracterizada como poetica. Na obra original a ser traduzida as duas dimensões não se distinguem a primeira vista e, por isso, os cuidados no trabalho de tradução nesses termos são imprescindiveis. Em primeiro lugar deve-se depreender da 242 propria questão que uma tradução não interessada em conteudos, mas em algo que acompanha essa dimensão material trata na verdade de uma Iorma e que e identiIicada como sendo a tradutizibilidade da obra. Ha que acentuar que se trata, então, da obra e não do tradutor: a obra de arte e traduzivel ou não, algo que a propria constituição dela decide. Tudo depende da possibilidade de se a verdade inscrita na obra e traduzivel ou não, e isso quem decide e a obra, pois e ela que por sua propria Iorça aspira e leva a tradução. E certo que a obra não se transIorma em algum sujeito para si mesmo, mas que simplesmente a obra, assim como e, exige a sua tradução de acordo com a sua essência (GS IV, 10). Em sua constituição pratica, a obra e uma construção Iinita como outra qualquer e, portanto, e historica. Desse modo a dimensão do incondicionado, do poetico, do misterioso em seu teor depende de uma lingua Iinita e historica, estando ela em constante perigo de desaparecer. A tareIa, então, e impedir que esse desaparecimento aconteça, pois na atividade da tradução o tradutor mesmo se envolve com a vida da obra como se Iosse a sua propria. A necessidade da tradução decorre do encontro acontecido entre tradutor e obra e tal teor vital de verdade exige atualização e renovação, pois signiIica a Iorma de existência mesma da obra. Mas ha que acentuar mais uma vez que não se trata de traduzir a obra original assim como Ioi historicamente constituida, mas aquilo que constitui a sua verdade em termos de um sentido que exige traduzibilidade sucessiva. E a verdade da qual aqui se Iala não depende do conhecedor que a pudesse manipular como se Iosse objeto. A verdade enquanto sentido da obra original de algum modo ja esta presente no tradutor, pois o conhecimento que o mesmo dela tem e questão da critica que em relação a ela promove. A conexão entre obra original e sua tradução e questão do seu signiIicado e da sua possivel critica. A relaçào pode ser denominada como natural e, mais precisamente, uma relaçào de vida. Assim como as expressòes de vida estào intimamente conectadas com o vivo sem que lhe signifique algo, assim emerge a traduçào do original. Sem duvida, nào tanto da sua vida, mas mais da sua 'sobrevivência`. Pois a traduçào e posterior ao original e designa, nas obras significativas, o estagio da sua continuidade de vida, as quais nunca encontram os seus tradutores escolhidos na epoca do seu surgimento. (GS IV, 10).
O recado da citação e no sentido de que a necessidade da tradução decorre da essência da obra que deste modo exige a continuidade da sua existência. A historia, neste caso, e vista por Benjamin como um processo que não pode ser comparado com a mera 243 permanência na dimensão temporal. Ela e considerada como um acontecer constante Ieito de ações, mudanças e movimentos. Por isso, quando a vida e mencionada na citação, trata- se do processo historico em que as essências são aIetadas e aIetam. A vida das obras e participação num processo que e comparavel a vida humana, pois Iazem parte do proprio vir a ser ja desde que Ioram instauradas no acontecer da historia, o que, por sua vez, signiIica que jamais podem ter o carater de puro objeto manipulavel por alguem. As obras têm, portanto, uma vida historica que aIeta a sua evolução, ou seja, a medida que o processo de desdobramento do seu teor de verdade acontece pelas traduções Ieitas, esse mesmo teor não pode ser objetivado de uma vez por todas. A ideia e a de que o saber misteriosamente poetico da obra não pode ser evidenciado por proposições interessadas em objetivação e, deste modo, ele e inesgotavel, podendo somente ser revivido por constantes atualizações e novas apropriações. A obra não permanece a mesma, e a razão disso e a de que, com a sua dimensão poetica, ela não e recebida pelo tradutor como um objeto do qual se pudesse distanciar, mas, pelo contrario, o saber que ela traz esta proIundamente imbricado com aquele que sabe. Se em cada tempo atual a obra deve tambem ser atualizada por sua propria exigência, então esse saber não pode ser isolado da situação historica concreta em que e traduzida e o signiIicado desse teor em seu desenvolvimento ativa-se de Iorma descontinua na historia, a exemplo da vida do homem que se transIorma constantemente permanecendo, porem, na sua identidade. Os tempos em que a obra continua a se desenvolver pela Iorma descrita são por Benjamin denominados de tempos de Iama. Os tempos de Iama, porem, denotam algo mais, isto e, que a tradução e apenas uma das expressões possiveis da obra. A tradução como que segue a Iama da obra constituida de muito mais do que a tareIa tradutora. (GS IV, 11). A realização do desenvolvimento da obra no que concerne a tareIa da tradução tangencia questões tanto de linguagem como de historia do uso da mesma, e as preocupações de Benjamin, portanto, devem ser entendidas a partir da sua interpretação do pecado original. Na exempliIicação da historia do paraiso o teor de verdade e relativo a linguagem dos nomes numa presença constante. Mas a queda na comunicabilidade de conteudos objetivados levou ao esquecimento e ao seqüente desconhecimento atual de tudo isso, de modo que agora a verdade das obras de arte necessita atualizar-se continuamente como Ioi descrito. A presença pura e imediata da verdade original em unidade Ioi 244 substituida pela linguagem objetivadora numa Iunção meramente semiotica que nesse vies se Iragmenta continuamente. A tareIa da tradução deve ser o movimento contrario que e o da recuperação da unidade perdida quando na Iragmentação alucinante ela ressalta a dimensão do poetico. A verdadeira tradução, portanto, e sempre um passo no sentido da reconstituição do que as proprias linguas em Iragmentação supõem, ou seja, uma identidade expressiva original que representa a propria condição de possibilidade delas. Deste modo a tradução Iaz acontecer algo extremamente importante, que e a suposição de que todas as linguas têm um Iundo de semelhança apesar da sua diIerenciação em termos semioticos. Alem de tratar do desenvolvimento da obra original, a tradução, portanto, indica uma mudança de relação entre as linguas, chamando a atenção para o que elas têm de semelhante e impondo, assim, uma cesura ao movimento de Iragmentação inIinita. O suposto de identidade aventado e o Iato de que e possivel a expressão em desenvolvimento de um teor de verdade idêntico, apesar dos diIerentes sistemas de designação pelas linguas historicas. Pela tradução, as linguas Iinitas entram em relação com a linguagem dos nomes que perIaz uma unidade virtual. As linguas Iinitas reunem-se em torno dessa linguagem como que em torno de um lugar vazio. E por este motivo que Benjamin deduz a impossibilidade de uma tradução que Iosse comum a todas as linguas, pois se trata de uma tentativa intermitente, de um germen de apresentação de um signiIicado, o qual permanece oculto, mas ao mesmo tempo determina a relação entre as linguas na tradução. Trata-se de uma convergência peculiar. Ela consiste em que as linguas nào sào estranhas entre si, mas, abstraindo todas as relaçòes historicas, sào a priori aparentadas entre si naquilo que querem di:er, mas nunca estào em condiçòes de di:er. (GS IV, 12).
Quando a tradução costumeira intenta a reprodução de um determinado conteudo e uma lingua para a outra, Benjamin da a entender a sua impossibilidade. O conhecimento de que Iala não procura a objetividade, pois não se realiza com a reprodução de alguma realidade a parte. A tradução, por isso, não pode pretender expressar o mesmo igual ao original por meio de proposições. Em suma, e um saber não proposicional que aparece, pois aquele que sabe não pode ser apartado do seu saber em situação. Esse saber em situação enquanto modo de ser do teor de verdade e que perIaz a vida da obra, proibe, por isso, qualquer semelhança de conteudo objetivado entre original e tradução. 245 O carater dinâmico e historico da linguagem, conIorme Benjamin, deve ser auscultado das palavras em si mesmas quando desenredadas de todas as suas relações. De um lado rechaça a ideia de que a mudança da linguagem provenha do seu uso pratico nas necessidades sociais, como tambem a ideia de que o signiIicado seja elaborado unicamente pelo sujeito capaz de relativizar e ir alem de qualquer sentido ja constituido como se este Iosse objeto. O sujeito Ialante sempre ja Iaz uso de palavras cujo sentido posteriormente pode compreender de Iorma mais ampliada, reduzida, ou ate diIerente, e, no instante da elocução, a consciência de qualquer modo esta enredada nas aplicações das palavras em termos de objetivação nas lides do cotidiano em geral. E possivel se dizer que as palavras têm um signiIicado em si mesmas que aos poucos, alem do uso imediato, pode ser entrevisto por interpretações tradutoras sucessivas. E por isto que a vida das obras deve Iormar uma elaboração continua de descontinuidade entre original e tradução, o que analogicamente tambem traduz as relações entre presente e passado, isto e, somente pela tradução do presente o passado se atualiza para Iazer parte do que atual. Sobre a tradução se pode dizer: Ela esta tào distante de ser a igualdade muda de duas linguas mortas que, como a questào mais propria de todas as formas, precisamente lhe cabe prestar atençào aquele amadurecimento tardio das palavras estranhas nas dores de parto das proprias. (GS IV, 13).
O parentesco das linguas não e de ordem genetica e nem a linguagem dos nomes deve ser entendida como a linguagem original no sentido historico. Alem do parentesco historico, onde pode ser procurado o parentesco de duas linguas? De qualquer modo, nem na semelhança de obras poeticas, nem naquelas nas semelhanças das suas palavras. Antes de tudo, todo o parentesco das linguas alem do historico consiste no fato de que em cada uma delas enquanto totalidade apenas algo e considerado de cada ve:, a saber, o mesmo, mas o que, mesmo assim, a nenhuma delas e dado alcançar individualmente, a nào ser pela totalidade das suas intençòes confuntamente confugadas. a linguagem pura. (GS IV, 13).
A linguagem pura que na citação e mencionada não e de cunho instrumental na indicação de objetos, mas e a linguagem dos nomes ainda não conspurcada por proposições que pretendem objetivação absoluta. O homem caido na compreensão meramente voltada a comunicação de objetos perdeu inexoravelmente a linguagem pura, a qual, porem, 246 permanece como ideia regulativa enquanto ideal de toda a Iala e de todo o conhecimento. A linguagem proposicional procura constituir o mundo das coisas. As proposições que objetivam o saber conceitual têm a pretensão de se relacionar entre si como a realidade que supostamente captam como num mundo paralelo e como num total de estados de coisas. Assim, neste aspecto todas elas diIerem entre si tendendo a Iragmentação cada vez maior. Mas a unidade que as supõe, o mesmo teor de verdade, a mesma ideia Iorma um pano de Iundo que a totalidade do conhecimento proposicional com que se expressam nunca pode ser realizado. São, portanto, diIerenciadas quanto ao saber proposicional que decai na objetivação, mas tem a sua unidade suposta pelo seu teor não proposicional. Benjamin explica: Enquanto todos os elementos individuais, as palavras, frases, relaçòes das diferentes linguas se excluem, essas linguas se complementam em suas intençòes mesmas. Captar mais precisamente essa lei, fundamental para a filosofia da linguagem, esta na intençào de diferenciar o visado da forma de visar. Em 'Brot` e 'pain` o visado certamente e o mesmo, ao passo que na forma de visar nào e. Na forma de visar esta, pois, a ra:ào de porque ambas as palavras significam ao alemào e ao francês algo diferente, de porque para ambos elas nào sào substituiveis, e ate, por fim, aspiram excluir-se mutuamente, de porque, porem, elas quanto ao visado, tomado por absoluto, significam o mesmo e o idêntico. (GS IV, 13).
Na Iorma de visar não trata da Iorma diIerente quanto a um conteudo, como se esperaria na linguagem proposicional em que se utilizam diversos signiIicantes para o mesmo signiIicado. A relação e outra e se resolve como expressão, da que cada linguagem e capaz para visar um incondicionado que lhe e condição de possibilidade. A Iorma de visar de cada lingua e a Iorma imperIeita de uma reIerência Iinita a uma ideia. O conceito de pão em alemão e em Irancês e substituivel quando estes visam o mesmo objeto a Irente, mas não e substituivel quando se leva em conta o carater de experiência que nunca pode reIerir-se a um objeto simplesmente. O teor de experiência expressa um signiIicado que nunca podera ser captado deIinitivamente, pois subjaze a cada uma das experiências particulares e sempre diIerentes entre si. Não se podera dizer de Iorma predicativa o que e o pão em si mesmo, mas as Iormas de visar reIerem-se diIerentemente a uma coisa so: todas elas realizam a totalidade de uma perspectiva em que a coisa se da, mas precisamente em cada perspectiva de modo diverso. 247 Cada uma das perspectivas e uma versão da totalidade, mas não a totalidade mesma. Na Iorma de visar o que aparece não e algo diIerente, mas e o idêntico que aparece diverso. As perspectivas não são meramente partes Iragmentadas de um inIinito, mas são expressões diversiIicadas do mesmo. Com essa Iorma de pensar ja não mais se esta na linguagem de intenção proposicional que so se reIere a objetos. Por isso e que na Iorma diversa de visar e possivel vislumbrar a complementação que cada uma signiIica para a outra em relação e a partir da suposição da linguagem pura. Nas linguagens individuais em que não ocorre a complementação para a percepção mais imediata do visado, ha um longo processo de mutação vocabular para emergir da linguagem objetal. O visado constantemente suposto permanece velado nas linguas. Quando, porem, estas crescem de tal modo ate o fim messianico da sua historia, e, entào, a traduçào, a qual se inflama na eterna sobrevivência das obras e na infinita revivescência da linguagem, que sempre de novo pode promover a prova sobre aquele sagrado crescimento da linguagem, ou sefa, quào longe o que nela esta oculto se encontra afastado da revelaçào, quào presente lhe podera se tornar o saber sobre essa distancia. (GS IV, 14).
Em todas as linguas encontra-se a verdade, mas de Iorma velada. O sentido da complementação por intermedio da tradução e a redução das linguas em direção ao visado, a restituição da linguagem do paraiso. Ha um evidente entrecruzamento entre a concepção de linguagem e de historia em Benjamin. Os elementos do estagio Iinal de uma revelação total estão proIundamente incrustados em cada atualidade (GS II, 75). Do mesmo modo os elementos da verdade sem a intenção da objetivação estão encobertos pelos conteudos elaborados pela subjetividade da consciência que se quer exclusivamente autônoma. Fragmentos da linguagem dos nomes estão inscritos na discursividade da linguagem proposicional. De acordo com o dito, as traduções so poderão existir onde acontecem as diversas Iormas do visar e, neste sentido, toda a tradução e provisoria. A linguagem pura e expressão da experiência da qual, entre outros, decorrem tambem as convicções religiosas. A doutrina religiosa, por sua vez, pode constituir uma experiência que promove a germinação de uma linguagem superior. A tradução procura aproximar-se dela, ou ate a ela se aliar quando elimina o vies do ajuizar do conhecimento: o ajuizar intermitente a base de criterios absolutizados e uma caracteristica Iundamental do conhecimento objetivador e proposicional. E claro que com tudo isso a obra original a ser traduzida perde o seu carater 248 de comunicação, mas, por outro lado, se eleva a altura superior da linguagem, sem, porem, chegar a linguagem dos nomes da linguagem pura visada pelo tradutor. Acresce-se a isso que tal esIorço em alcançar o visado apresenta uma diIerença entre a palavra poetica do original e a tradução. Ao visar exclusivamente o teor de verdade contido no original, o tradutor elabora outra relação entre âmbito do saber e âmbito da linguagem, entre teor e conteudo. (GS IV, 14s). Quando a tradução tem como alvo pura e exclusivamente o poetico, abandona o âmbito discursivo em que o original se encontra. Benjamin compara a unidade de proposição e Iormas de saber conjugadas no original com a unidade de uma Iruta e a sua casca, as quais, quando separadas como no caso da tradução que privilegia uma das partes, são comparaveis a um manto real que jogado ao longe não permite conclusão alguma sobre a Iigura que vestia. A tradução não e, portanto, construção de identidade entre ela mesma e a obra original e, então, o seu estatuto e o de signiIicar 'uma linguagem superior a ela e, com isso, permanece em relação ao seu teor inadequada, violenta e estranha¨. (GS IV, 15). Para precisar melhor a diIerença quanto a elaboração de linguagem entre o autor original e o tradutor, Benjamin apresenta a imagem do primeiro na condição de estar em meio a linguagem como numa Iloresta na montanha. A linguagem para o autor e algo que surge como natureza agreste e o seu trabalho e o da orientação no sentido de encontrar a sua propria linguagem. O autor tem ao seu dispor todo o matiz concreto de todo o material da linguagem repassado pela tradição, de modo que a intenção dele em relação a linguagem e intuitiva. (GS IV, 16). A tradução, porem esta Iora dessa Iloresta, pois ela se encontra frente a ela e, sem a adentrar, ela chama o original para dentro, para dentro daquele unico lugar, onde a cada ve: o eco da linguagem propria consegue promover a repercussào de uma obra da linguagem estranha. (GS IV, 16).
O autor da expressão as suas proprias experiências, enquanto que o tradutor transIorma a obra quando transverte o seu teor para uma linguagem estranha. A tradução, portanto, e transIormação, a qual não pode ser posta na conta do tradutor como sujeito que sabe, mas da propria linguagem que produz os seus multiplos ecos. Esta tambem e a razão de não poder haver metodo de tradução enquanto um caminho predeIinido. 249 Nào ha musa da filosofia, tambem nào ha musa da traduçào. Tacanhas, porem, como os artistas sentimentais a querem elas nào sào. Pois ha um gênio filosofico, cufa caracteristica mais propria e o desefo por aquela linguagem que se manifesta na traduçào.(GS IV, 16). Pode uma tradução do teor de uma obra ser Ieita a contento sem a transmissão do seu conteudo? A obra em todo o caso apresenta uma so linguagem, a qual correspondem duas Iormas de saber. Não poderia acontecer que as condições de tradução são destruidas quando se deixa de restituir o sentido a Iim de traduzir apenas o que se reIere a linguagem pura? De que Iorma o saber não predicativo esta oculto na predicação das linguagens historicas? Como pode ser compreendida uma linguagem que com os seus meios insuIicientes procura antecipar a linguagem pura? A contradição da linguagem retorna e retoma os seus direitos de modo avassalador. A tradução como a obra, portanto, permanecem na contradição da linguagem entre objetivação e expressão. Pela tradução as palavras não são simplesmente reduzidas a sua condição de lexia, mas são utilizadas em novo contexto de tal Iorma que se torna, então, possivel que a linguagem possa visar a linguagem pura. No reino intermediario entre linguagem historica e linguagem pura esta a tradução com a sua tareIa, o que lhe possibilita levar as linguagens Iinitas pelo caminho da complementação. Benjamin compara esse processo de complementação ja abordado como a junção de cacos para a reconstrução de um recipiente quebrado, isto e, num trabalho aIanoso de recolha, as palavras merecem um ordenamento numa disposição especial para visar o mesmo saber, o mais Iundamental. A concepção de tradução de Benjamin, portanto, parte da suposição geral de que, alem do sentido predicativo na denominação de objetos, ha bem perto dele e, mesmo assim, inIinitamente longe, sob ele oculto ou, mais detalhadamente, por ele reIratado e mais poderoso do que toda a comunicação, algo ultimo, decisivo. Alem do comunicavel, permanece em toda a lingua e suas formaçòes algo nào-comunicavel, algo que, dependendo do contexto em que e encontrado, e simboli:ador ou simboli:ado. Simboli:ador apenas nas formaçòes finitas das linguas, simboli:ado, porem, no vir a ser das proprias linguas. E aquilo que no vir a ser das linguas procura apresentar-se, elaborar-se ate, isto e aquele nucleo da propria linguagem pura. Mas se este nucleo, sefa oculto ou fragmentado, mesmo assim esta presente na 250 vida enquanto o proprio simboli:ado, ele simboli:ado so reside nas formaçòes. Se esta ultima essência, que e a propria linguagem pura mesma, nas linguas se encontra presa apenas ao lingùistico e suas mudanças, entào ela esta comprometida com o sentido pesado e estranho. Livra-la deste sentido, tornar o simboli:ador no proprio simboli:ado, recuperar ao movimento da linguagem a linguagem pura formulada, e esta a poderosa e unica capacidade da traduçào. Nessa linguagem pura, que nada mais visa e nada mais expressa, mas que enquanto palavra inexpressiva e criadora e o visado por todas as linguas, toda a comunicaçào finalmente, todo o sentido e toda a intençào encontram uma camada em que estào destinadas a extinçào. (GS IV, 19).
A tradução, portanto, movimenta a linguagem em direção contraria ao da subjetividade que se quer autônoma na produção de proposições: a Iorma do saber que amealhou esta Iadado a extinção. A tareIa da tradução e livrar o verdadeiro da sua disIormidade enquanto realidade em paralelo, livrar os seus elementos inscritos na linguagem Iinita. O processo de tradução nesses moldes e caracterizado como processo de restituição da unidade perdida, de retorno ao ser. Para promover o retorno da multiplicidade das linguas a unidade suposta, a causa da dispersão e da Iragmentação deve ser conhecida e superada. Conhecida ela e pela contradição da linguagem e a tradução e o movimento de superação. Nào e do sentido da comunicaçào que ela [a traduçào] tem a sua consistência, comunicaçào a respeito da qual a tarefa da fidelidade e precisamente emancipar-se. Na linguagem propria, contudo, se confirma liberdade por causa da linguagem pura. Aquela linguagem pura que no estranho esta exilada deve ser salva na linguagem propria, libertar pela recomposiçào a linguagem presa na obra e a tarefa do tradutor. (GS IV, 19).
A comunicabilidade deve ser superada na tradução: esta e a tareIa. Imbuida dessa tareIa, por sua vez, ha que transcender a linguagem discursiva. Quanto menos valor e dignidade a sua linguagem tem, quanto mais for comunicaçào, tanto menos ha o que ganhar com isso na traduçào, ate que a completa preponderancia daquele sentido, muito longe de ser alavanca para uma traduçào sem forma, a frustra. Quanto maior a obra vem a ser, tanto mais ela mesma permanece ainda intradu:ivel no contato maximamente fugidio do seu sentido. (GS IV, 20).
Benjamin da um exemplo da diIiculdade na relação entre tradução e original. Ele expressa que a diIiculdade e como que uma tangente tocando um circulo apenas num 251 determinado ponto, e que a lei da sua continuidade ao inIinito e ditado pelo contato. Do mesmo modo a tradução toca Iugidiamente o original num inIinitamente pequeno ponto para, então, seguir a lei da Iidelidade da liberdade do movimento da linguagem num percurso proprio. (GS IV, 20). Benjamin tambem considera as traduções tardias de Hölderlin como modelo e arquetipo de transposições que não almejavam conteudos conceituais da linguagem. Mas ai reside o perigo do silêncio. As traduções de SoIocles por parte de Hölderlin Ioram as suas ultimas. 'Nelas o sentido cai de abismo a abismo ate ameaçar perder-se nas proIundezas sem Iundo da linguagem¨. (GS IV, 21). Fato e que, depois destas traduções, Hölderlin emudeceu na loucura. Em todo o caso, parece haver o perigo do emudecimento quando a linguagem perde completamente qualquer alvo de comunicação. Mas, de acordo com Benjamin, ha um paradouro proporcionado pelo texto sagrado 'em que o sentido deixou de ser o divisor de aguas para a linguagem caudalosa e a revelação caudalosa¨.(GS IV, 21). No texto sagrado as diversas Iormas de saber não estão em conIlito. E numa conIiança mutua entre original e tradução ai se uniram a literalidade e a liberdade na versão da tradução interlinear. Pois em qualquer grau todas as grandes obras, mas maximamente as sagradas, contêm entre as linhas a sua traduçào virtual. A versào interlinear do texto sagrado e o arquetipo e o ideal de toda a traduçào. (GS IV, 21).
Numa tradução interlinear as palavras e as Irases do original tornam-se citações na escrita de vida do proprio tradutor, pois do texto emerge a verdade que, por um lado, ja o inclui na obra e, por outro, ao mesmo tempo, atualiza a mesma na concretude da vida.
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6. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM NA ARTE E NA FILOSOFIA: ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÄO.
Não e ocioso sempre relembrar que e preciso recomendar cuidado Irente a linguagem de Benjamin: não ha nenhuma palavra que não esteja cuidadosamente escolhida, ja que o assunto e exatamente a apresentação do pensamento IilosoIico. No texto Origem do drama barroco alemào encontra-se uma seqüência de Irases lapidares, cada uma como que resumindo um assunto ja amplamente discutido e a espera da criatividade do leitor para inscrever-se num dialogo ja iniciado. De acordo com a tese de que a contradição da linguagem e o ponto Iocal a ser compreendido para a compreensão da atividade IilosoIica de Benjamin, examinaremos os elementos sob este prisma. 'E proprio da escrita IilosoIica deparar-se sempre de novo a cada expressão com a pergunta sobre a apresentação¨. (GS I-1, 207). A escrita IilosoIica soIre com a consecução da sua apresentação a cada novo acontecer de si. A apresentação escrita vem a se constituir numa questão talvez pelo Iato de se conceber o pensamento e a Iala como anteriores acontecimentos mais imediatos. O pensamento necessita da escolha cuidadosa das Iormas literarias em que possa ser mais bem apresentado, o que ja supõe preocupação a respeito dos eIeitos e da Iorma do que se pensou. O pensamento, antes imediato, e agora acompanhado dos cuidados estrategicos da apresentação exigindo uma relativa sistematicidade pedagogica que antes não tinha. O pensamento aprisionado em considerações valorativas quanto a sua melhor apresentação escrita certamente pode soIrer interrupções e desvios em seu percurso. Quando primeiramente apenas parece acontecer em cadeias de raciocinio sem intenção, agora na apresentação e pressionado a obediência aos ditames de um dizer melhor: aspectos pedagogicos, teleologicos, sistematicos, de 253 justiIicação, de crença de acerto e de calculo quanto a eIeitos lhe são impostos.Por isso, se diz: 'Certamente em sua Iorma acabada sera doutrina, mas ao mero pensamento não e dado o poder de lhe conIerir tal Iorma integral¨. (GS I-1, 207). A doutrina e a Iorma acabada da apresentação, pois ja e um arteIato, cujo conjunto engloba em si os aspectos antes mencionados, na suposição de poder responder a todas as possiveis objeções. A doutrina apresentada, enquanto suposição de acerto didatico completo, desenha a intenção de uma determinada totalidade compreensiva, que acredita ser inatacavel a partir da sua exterioridade, ja que os seus limites externos são completamente invisiveis para ela. Tal determinada totalidade compreensiva, didatica e doutrinariamente estabelecida, recorre necessariamente somente aos seus proprios esteios, considerados inabalaveis por ela, e a sua repetida auto-alimentação pela sua movimentação em busca da preservação estrategica de si. O pensamento realizado didaticamente na Iorma da doutrina tem ja a pretensão da completude e lhe restam, então, apenas os modos de dizer o mesmo. 'A doutrina IilosoIica consiste em codiIicação historica¨. (GS I-1,207). A codiIicação historica da doutrina IilosoIica podera ter dois aspectos. O primeiro e o de que a doutrina enquanto tal representa ja os eIeitos dela mesma no tempo: e narrada repetidamente e interpretada de modo que o seu cerne não soIra solução de continuidade a ponto de se converter em compreensão burocratizada insistentemente. Ela necessita de tal codiIicação historica, ja que so pode sobreviver como comprometida acentuação do conjunto de esteios supostos que procuram lhe garantir continuidade compreensiva: precisa ser dita, apresentada continuamente e re-acentuada. A doutrina IilosoIica remete ao conjunto de elaborações de pensamento, questões Iundamentais surgidas em termos de perguntas e ensaios de resposta desde o seu inicio na IilosoIia grega ate agora, e tentativas de sistematização experimentadas, a ponto de Iormar um repertorio de constante reIerência do proprio pensamento em curso, como tambem de re-elaboração criativa e re-contextualização necessaria. A doutrina IilosoIica entende-se, portanto, reIerida a sedimentação do pensamento humano, ou codiIicado em textos, ou elaborado e apanhado em compreensão no dialogo pratico da vida. Tal doutrina eIetivamente colabora na pre-Iormação do pensamento atual e, por isso, em grande parte nele se reconhece nas questões mais proIundas que exigem maior atenção em sua 254 ocorrência subterrânea atual, maior diIiculdade de articulação lingüistica e, por isso mesmo, maior diIiculdade de apresentação. Tais elementos e diIiculdades de apresentação das questões da doutrina IilosoIica indicam o envolvimento direto de quem com eles se relaciona de Iorma criativa, ja que esta tratando de seu proprio pensamento, da sua propria linguagem, daquilo que mesmo e no conjunto dos resultados de tal codiIicação historica. O grau de diIiculdade apresenta-se, então, principalmente no impedimento da pretensão de construção objetiva, como se Iosse unicamente um conteudo a parte da linguagem usada precisamente na sua apresentação. Não e possivel relacionar-se com o conjunto do repertorio IilosoIico como se Iosse para selecionar, somar e dividir elementos para o uso instrumental em alguma empreitada ja de inicio construtiva e objetivamente pre-elaborada. Alem disso, como ja indicado, o uso do repertorio IilosoIico e imediato no comprometimento do proprio pensamento e da linguagem em atividade de analise. 'Assim, ela tambem não pode ser conjurada more geometrico¨. (GS I-1, 207). Ja que assim e, a doutrina não pode ser invocada como um conhecimento objetivado que ao longo do tempo tende a permanecer o mesmo, sem parecer necessitar de interpretação e sempre renovada atualização. Apesar da codiIicação historica a doutrina necessita a cada vez da sua apresentação pela linguagem, perIazendo uma totalidade de compreensão por parte de quem a expõe ao modo do comprometimento com ela. A matematica e a geometria em sua Iorma de linguagem especializada pretendem ter chegado a um grau de objetivação não mais sujeita as variações do pensamento em re-elaboração no curso da historia. O seu estatuto pretendido e o da objetivação absoluta para a produção de certeza a respeito do proprio discurso. A sua verdade e a verdade da certeza evidenciada na repetição igual dos seus processos de aplicação. O caminho enquanto metodo a ser seguido e atraves do passo ja sistematizado por codiIicação sem permissão de desvios, sob pena de ocorrência de erros em seu Iluxo automatizado. Desse modo não pode haver problema de apresentação descritiva reiterando os seus percursos necessariamente pre-determinados. O conhecimento objetivado, portanto, não tem o problema da apresentação pelo Iato de ja estar pronto e ao dispor da possivel aplicação pratica. Ele subsiste sob as condições da combinada adequação as coisas e promove seguramente a certeza da compreensão que se reitera recorrentemente a base de principios aceitos e assim estabelecidos. A abstração matematica aqui não e vista como linguagem ordenadora sujeita 255 a apresentações interpretativas, mas como mecanismo teorico Iixo capaz de ser repetido inIinitamente nas aplicações adequadas as coisas. Não se trata, portanto, do que acontece no âmbito da linguagem em geral, no qual, mesmo expressando doutrina historicamente codiIicada, ha espaço de manobra suIiciente para apresentação diversiIicada de acordo com nuances interpretativas. O termo verdade, portanto, na circunscrição da linguagem não serve como signiIicado de certeza na adequação das palavras as coisas conIigurando conhecimento. A verdade expressa na linguagem não e conhecimento produzido na intenção de adequação do termo a algo exterior a si. Quào nitidamente a matematica prova que a total eliminaçào do problema da apresentaçào, conforme qualquer didatica severamente obfetiva o reivindica, e o signum do genuino conhecimento, assim de modo decisivo igualmente se da a sua renuncia aquele ambito da verdade, que as linguas visam. (GS I- 1, 207).
Portanto, o ordenamento didatico da apresentação como e possivel enquanto pretensão nas ciências em geral e na matematica, nunca sera capaz de incorporar a totalidade do que acontece nas especulações IilosoIicas a base da doutrina elaborada por seculos de historia. O metodo na filosofia e diIerente da apresentação didatica. A apresentação da IilosoIia como pensamento deve ter um caminho, ou seja, um metodo, diIerente da doutrina em repetição recitativa ou das convencionais certezas do conhecimento exempliIicado pela matematica. 'Aquilo que nos projetos IilosoIicos e metodo não e absorvido no seu ordenamento didatico¨. (GS-I, 207). O pensamento IilosoIico enquanto propriedade projetiva segue por um caminho impossivel de ser apanhado por qualquer estrutura sistematica que se entenda como Iixada e capaz de recorrência continua. O seu acontecer e esoterico a ponto de obrigar a reIlexão exatamente da sua apresentação diIerenciada. O esoterismo e o seu carater de acontecimento inedito a exigir constante reIlexão quanto a sua expressão escrita, pois não pode ser concebido e não pode considerar-se pronto para alguma produção em serie como se Iosse algo plena, absoluta e abstratamente codiIicado e, assim, sujeita a apresentações more geometrico. O descarte da caracteristica de imprevisivel acontecimento enquanto esoterismo em relação a algo capaz de recorrência não lhe e possivel, sob pena de deixar de ser exatamente o que e: diIerença em relação a qualquer recorrência. A negação de que 256 seria esoterismo (metaIisica) lhe e proibida pelo Iato exatamente de ter consciência da impossibilidade da sua repetição e da experiência da sua diIerenciação Irente ao conhecimento ja posto e capaz de reiteração: e vitima de insuIiciência estrutural. Por outro lado, no caso de o pensamento IilosoIico querer enaltecer-se do seu esoterismo estaria julgando a si mesmo e deixando novamente de ser o que deve ser, ou seja, acontecer imprevisivel e, por isso, esoterico, pois a vangloria traz consigo intenções de estrategia e supõe produto teorico acabado a espera de aplicação. 'E isso nada mais signiIica que um esoterismo lhes e proprio, que não conseguem descartar, lhes e proibido de negar e o qual os julgaria ao ser gloriIicado¨. (GS I-1, 207). Apesar dos seus aspectos de repetição, a doutrina não permite a intenção da dicotomia explicita e deIinitiva entre sujeito e objeto, pois o sujeito inclui-se a si mesmo no que propõe objetivamente como conjunto de pensamento apresentado didaticamente. A doutrina apresentada procura ser o desenho daquele que a expõe, o qual, por outro lado, e consciente disso. O apresentador expõe a doutrina como imediatamente ligada a si enquanto expressão da sua propria posição. Desde o ensaio esoterico sem compromissos com alguma estrutura didatica, mas no imediato da expressão de pensamento, ate a Iorma acabada da doutrina como codiIicação das sucessivas recepções historicas, ha vigência da coincidência entre a aIirmação da consciência de ser e o conteudo aIirmado de Iorma objetivada na linguagem. O apresentador apropria-se do conteudo aIirmado para que seja a expressão de seu ser em compreensão do mesmo. O conteudo aIirmado revela-se como a compreensão consciente e apropriada de quem o apresenta. O conteudo apresentado aIirma-se como testemunho consciente da compreensão do apresentador. O estado de coisas assim explicitado não ocorre com o conceito de sistema do seculo XIX, pois procura ser uma especie de rede a incluir todas as perspectivas, menos a posição nele auto-incluida do apresentador. E curioso observar como a insistência da objetivação sistematica e pertinaz na sua abordagem do dito em termos de conhecimentos independentes da compreensão de quem os apresenta e absolutos quanto a certeza da sua validade. O conjunto sistematico e considerado como um universo em que tudo se ajeita a maneira da logica, mas no qual seu apresentador não se inclui enquanto compreensão ativa como quem o promulgou para dele Iazer parte exatamente enquanto arauto e expressão de si. A possibilidade de que o sistema conIigurado possa ser doutrina vivenciada e o que o seculo XIX ignora. O apresentador observador neste caso se compreende como segundo 257 elemento apartado do sistema que aponta em termos de solução para a integração de todos os conhecimentos. 'A alternativa da Iorma IilosoIica, estabelecida pelos conceitos da doutrina e do ensaio esoterico e aquela que o conceito de sistema do seculo XIX ignora¨. (GS I-1, 207). O sistema entendido como rede tecida com conceitos e entre conceitos para apanhar a verdade como se Iosse objeto separado e proprio da modernidade. Os conhecimentos, nesse caso, ocupam a Iunção de capturar e enredar uma verdade vista como mera objetivação enquanto alvo a ser constantemente alcançado por conquista. O pretenso resultado e a posse da verdade pelos conhecimentos como se ela Iosse coisa e manipulavel a qualquer hora. Neste raciocinio, os conhecimentos cumprem a tareIa de serem instrumentos e possuidores da verdade, completamente separados e independentes de quem os propõe. Uma tal verdade e presa nesse caso pelos conhecimentos instrumentados para a sua captura em Iavor das mais diversas aplicações, ou seja, a verdade como adequação. A verdade, como Ioi dito, não e aquela entendida pela linguagem que e a participação (Mitteilung) inevitavel num todo que pressuposto. Enquanto ele |conceito de sistema| determina a filosofia, esta corre o risco de se acomodar num sincretismo que procura capturar a verdade numa teia de aranha estendida entre conhecimentos como se de fora ela voasse em sua direçào. (GS I- 1, 207).
Com o tema da verdade Benjamin aborda a condição pre-reIlexiva desse termo em relação a arte. A verdade não pode ser capturada nem pelos encantos da consciência e nem pelas capacidades autônomas da mesma, e a abordagem de um saber que não se pode comunicar de modo meramente discursivo e precisamente a tareIa do IilosoIo. O IilosoIo, alem de ter a tareIa da tematização de um saber pre-reIlexivo, tambem se torna critico de arte quando este saber ai aparece. Portanto, pelo Iato de que 'aquele âmbito que as linguas visam¨ não permitir nenhuma abordagem no sentido da objetivação positiva por intermedio de conceitos e proposições, e que a escrita IilosoIica tem de se 'deparar a cada expressão de novo com a pergunta sobre a apresentação¨. Ja que o caminho de uma explicação por proposições diretas e objetivas esta de antemão vedado para a abordagem desse assunto, então, a Iorma da apresentação indireta e necessaria para tanto. Benjamin quer mostrar indiretamente o teor intrinseco de uma Iorma de arte que não pode ser objeto de abordagem direta. A apresentação desse modo e uma tentativa de abordar um saber que 258 de outra maneira permaneceria sem possibilidade de tematização, e a Iorma de Iazê-lo e reunir e dar atenção aos elementos das obras em que uma determinada ideia subjaze, ou se cunha, ou transparece. A diIiculdade esta em que se pode Ialar sobre uma ideia, sem, porem, capta-la de todo a maneira da predicação direta, como more geometrico. A IilosoIia neste caso se vê obrigada a superar o modo dominante dos axiomas cientiIicos que secularmente neste dominio Ioram consagrados. A racionalidade triunIante desde seculos isola as condições de validade Iazendo-as provir de principios que se reputam inatacaveis pelo Iato de ter seus esteios garantidos por um Iundamento ultimo e inatacavel. Principios e Irases ai tentam Iormar-se num agrupamento em que um se reIere ao outro como se Iosse uma conjuração Iormando uma rede para a captação da verdade para a produção de um saber proposicional como construção livre de contradições. E essa concepção de verdade enquanto certeza proposicional que agora e relativizada por Benjamin, a medida que toma por impossivel a separação absoluta do dizer em relação a alguma realidade objetal desvinculada da linguagem. Nesse caso, a verdade não e resultado exposto e separado por meio de uma mediação instrumental da linguagem, mas no âmbito da propria linguagem imediatamente inteligivel. Para a inteligibilidade da verdade no sentido de Benjamin ha que perceber a possibilidade do uso de conceitos não no sentido de produção positiva de objetos separados, mas o que neles se expressa pelos mesmos conceitos. Aquilo que não pode ser objeto do entendimento objetivador deve poder ser acessivel ao pensamento Iinito enquanto percepção de dizibilidade, isto e, na situação e no procedimento dêiticos. A atenção que a IilosoIia da a essa situação Iaz com que pareça esoterica Irente a toda a atividade esquecida na produção de proposições na intenção de objetivação absoluta. A questão da apresentação que Benjamin aborda decorre da interpretação da queda paradisiaca, apos a qual não e mais possivel captar a verdade em si e diretamente, porque o homem a partir dai inevitavelmente toma linguagem como mera comunicação para denotação do que considera objetos então completamente separados de si mesmo. Por isso, a IilosoIia, enquanto tareIa de mostrar a verdade nas coisas que são, entra em choque com o conceito de ciência tradicional e com qualquer outra IilosoIia que se compreenda na obrigação de produzir sistemas Iechados, nos quais se regride a compreensão de verdade enquanto decorrência logica entre Irases ate chegar aquela que a tudo Iundamenta e que não necessita de ulterior Iundamentação. Tal compreensão leva a redução de tudo a racionalidade dos procedimentos, processo comum em todas as ciências. Grande parte da atividade IilosoIica segue nessa trilha na tentativa de encontrar o principio maximo do 259 saber alem de toda a ciência, na ilusão de que algum dia a IilosoIia possa Iundamentar a si mesma de modo absoluto. E exatamente esse aIã que Benjamin rejeita. Mesmo que a IilosoIia vise o incondicionado, o conhecimento de que aqui se trata so e possivel a partir da experiência. A experiência possibilita um conhecimento que e acessivel na sua apresentação, a qual, por sua vez, não se reduz a mediação de prova racional, mas supõe ser imediatamente inteligivel e de algum modo participavel pela linguagem. A ediIicação doutrinal da IilosoIia Ioi trabalho de seculos, num movimento que não pode ser reduzido ao more geometrico que a razão como num passo de magica pudesse reconstruir de modo recorrente. A doutrina da IilosoIia não esta simplesmente ao dispor do pensamento como se Iosse um objeto a sua Irente, pois ele exatamente dela depende enquanto codiIicação historica. A codiIicação historica da doutrina IilosoIica reivindica uma constante apresentação em que a verdade não esta implicada como dedução ou ordenamento por principios, pois de antemão ha que se dar conta do Iato de que a atualidade do pensamento e proIundamente aIetada precisamente pelo corpo doutrinal do que ja Ioi estabelecido nos caminhos de um sincretismo IilosoIico. Mas tal sincretismo doutrinal que aIeta o pensamento da atualidade tambem não pode ser tecido de modo atilado como uma rede para apanhar uma verdade que vem de algum lugar de Iora. Uma rede deste tipo suporia novamente a construção conexa de um sistema Ieito das partes desconexas elaboradas desde o passado distante a Iim de apanhar toda a verdade possivel e subsumir todo o particular que pudesse aparecer. Tal procedimento conIiguraria um 'universalismo instruido¨ (GS I-1, 207) que, a partir do que ja sabe e resolveu quanto a aceitação de criterios para a coesão do sistema, se exercita na pratica de Iazer a mediação para novos conhecimentos. Uma IilosoIia expositiva em apresentação não pode entender-se como possuidora de um sistema arrecadado passo a passo da historia do pensamento para a ediIicação intencional deIinitiva da verdade absoluta, mas deve precisamente romper com tal intenção. O sistema invariavelmente aparece como um mundo objetivamente elaborado pelo pensamento de um sujeito. Ao inves disso, a IilosoIia que se expõe na apresentação ativa- se na Iorma do tratado em que a verdade emerge de modo não intencional. Ela não procura mais captar sistematicamente o multiplo particular numa generalidade do principio e do conceito e renuncia ao mesmo tempo a elaboração do conhecimento de modo Iixamente argumentativo. Quer-se mostrar a verdade em seu ser, mas não como algo pensado e a ser provado atraves de proposições. Tem-se, portanto, uma diIerenciação em relação ao 260 conceito de verdade em que a posição de Benjamin e a negação de que a mesma possa ser captada pelo pensamento e explicitada conceitualmente por proposições. Esse exercicio impos-se em todas a epocas, as quais se deram contas da essencialidade indescritivel da verdade, numa propedêutica que, por isso, se pode designar com o termo escolastisco de tratado, porque ele contem, mesmo que de forma latente, a indicaçào dos elementos da teologia, sem os quais a verdade e impensavel. (GS I-1, 208).
Os elementos da teologia que na citação são mencionados reIerem-se a um incondicionado impensavel como conteudo e inacessivel ao conceito, ou seja, são o que Benjamin promulga como sendo as ideias. O saber relativo as ideias, alem de diIerenciar- se do saber por proposições objetivas, tambem não permite sistematização, de modo que sistema e tratado não se conjugam. O sistema exige conexão argumentativa em que a verdade então aparece em Iorma de proposições, enquanto que a ideia procura expor as coisas de tal modo que uma verdade indizivel diretamente em termos objetivos mesmo assim se torne inteligivel. Tal verdade e exposta, portanto a maneira do desvio, a maneira indireta, e isso como conseqüência da queda paradisiaca, que se movimenta em direção da pretensão de Iundamentação competente e da expulsão em direção ao proprio vicio na procura de Iundo, o qual a cada vez se apresenta como Ialso. O tratado, por isso, procura metodicamente o desvio, mas, mesmo assim, na condição de ter de utilizar conceitos para o ordenamento do seu proprio percurso a Iim de que um teor |Gehalt| intrinsecamente imanente possa aparecer. Benjamin compara esse mesmo metodo com um mosaico, e com essa imagem procura distancia-se da Iigura do sistema. O tratado em seus desvios nunca podera apresentar a verdade num Iôlego so, mas, apenas apos muitas tentativas, a soma dos caminhos Iaz surgir a imagem requerida. Renuncia a intençào em seu movimento continuo e a sua primeira caracteristica. Incansavel, o pensamento começa sempre de novo e minuciosamente volta a propria coisa. Esse tomar folego sem cessar e a forma mais propria da contemplaçào. Pois, ao considerar um mesmo obfeto nas varias camadas de sua significaçào, ao mesmo tempo ela recebe ao mesmo tempo um impulso para o seu sempre constante recomeço, bem como uma fustificaçào para o seu ritmo intermitente. Assim como o mosaico nào perde a sua mafestade na fragmentaçào caprichosa de suas particulas, assim tambem a contemplaçào filosofica nào teme perder o seu impeto. Ambos sào formados de elementos isolados e disparatados, nada poderia manifestar mais poderosamente o impeto transcendente sefa da imagem de santos, sefa da verdade. (GS I-1,208). 261
Benjamin assim deixa claro como pensa a diIerença entre sistema e tratado. O caminho a verdade e vedado justamente ao logos de intenção deIinidora e, para não se perder nesse caminho largo de queda livre, a reIlexão interrompe a continuidade de conceito a conceito para voltar a propria coisa. O tratado, deste modo, se elabora de pedaços de pensamentos em justaposição a Iim de tornar inteligivel aquilo que discursivamente em ligações diretamente objetivas e inconcebivel. A renuncia a argumentação diretamente explicativa e em seu lugar um procedimento de imediação expositiva tem por conseqüência o impeto da apresentação. O tomar Iôlego da reIlexão tem precisamente o sentido de interromper o Iluxo da intenção de instrumentação e comunicação de algo Iora, e de assim voltar ao encontro das coisas em que sujeito e objeto estão intrinseca e diretamente conjugados. Pelo tomar Iôlego da reIlexão a separação e superada num passo em direção a unidade paradisiaca perdida. Na contemplação, por sua vez, o saber proposicional passa ao segundo plano e essa inversão tem conseqüências. Na primeira versão da introdução ao texto sobre o drama barroco Benjamin diz: Pois nào ha passagens entre os estratos de sentido. O que os separa e o crescente desaparecimento do teor coisificado [Sachgehalt], na qual uma consideraçào interpretativa deve ver o vaso do teor de verdade [Wahrheitsgehalt]. Quanto mais vitreas as paredes desse vaso (para continuar na imagem) se mostrarem, tanto mais visivel sera o teor de verdade nele contido. (GS I-3, 927).
O sentido e o de que as coisas articuladas pela consciência supostamente produtora das coisas se tornam transparentes para o teor de verdade nelas mesmo contido enquanto autêntico ser. Apos a queda, a unidade inIinita não pode mais ser reconhecida de modo perIeito e, por isso, ela aparece em sempre diIerentes camadas de sentido que, por sua vez, não são reIeridas ao teor de objeto enquanto proposições sobre ele para a sua maior Iixação. As camadas de sentido se explicam pelo Iato de que o inIinito no Iinito so pode maniIestar-se de modo Iinito e elas, então, correspondem aos pedaços de pensamentos que compõe o mosaico da verdade, mas, sem duvida, de modo Iragmentado no decorrer dos tempos. A verdade não pode apresenta-se como um conjunto de proposições em Iorma de sistema. Mas qual e a essência e a identiIicação da verdade? Para tanto Benjamin apresenta as ideias: 'Caso a apresentação quiser aIirmar-se como autêntico metodo do tratado IilosoIico, então ela deve ser exposição de ideias¨.(GS I-1, 208). A diIiculdade da 262 objetivação da verdade e a de que as ideias não são objetivaveis, pois pertencem a um âmbito inteligivel alem de toda a predicação possivel e intenção de manipulação racional. Benjamin recorre a Platão e a sua conhecida teoria das ideias, mas não deixa de modiIica- la a seu modo. A verdade que agora corresponde as ideias torna-se a elocução do nome de Deus, do todo alem de tudo, que garante a identidade entre mundo real e ideal a ponto de promover a unidade entre espirito e materia e a unidade do multiplo. O tratado desse modo lembra e reitera os resultados de 'A linguagem em geral e a linguagem dos homens¨, mas tambem a IilosoIia dos pre-socraticos e seus principios do ser que permanecem em seu estatuto sem se tornarem conteudos da consciência. O principio, ou Deus não e mais reduzido aos resultados da capacidade da razão, mas se maniIesta em todos os processos da natureza em geral. A natureza deixa de ser cartesianamente a res extensa, a substância extensa, morta e manipulavel pela res cogitans, a substância pensante enquanto Iundamento no individuo consciente, mas inclui tanto um quanto o outro. Desse modo estamos diante da recusa e rejeição do conceito de natureza da modernidade. Assim, o homem com todas as suas capacidades não so esta colocado na circunscrição da natureza com todo o seu pensamento historico e a pletora de sentido que ja elaborou, mas tambem diante de uma evidência, isto e, a participação numa ultima verdade que no exercicio do seu ser deve supor inevitavelmente. Por este vies chega-se a concepção de experiência de Benjamin, quando procura eliminar a dicotomia de racionalidade e sensibilidade e quando em decorrência pensa o pensar como pensamento ja sempre Iazendo parte da natureza. Tal identidade na ideia, por sua vez, não pode ser pensada como um agrupamento sistematico de conhecimentos a base de Iundamento absolutamente seguro em alguma parte do inIinito, pois mesmo este gesto esta incluido no que se deve supor. Por esta razão tambem a verdade não pode ser um objeto do conhecimento, pois este sempre supõe a divisão entre subjetivo e objetivo, em que algum subjetivo particular põe-se a si mesmo como substância primeira capaz de tudo ordenar a seu gosto. E necessario reconhecer, portanto, duas Iormas de saber, isto e, conhecimento e verdade. Conhecimento da-se por conceitos enquanto ações de pensar que pretendem reconhecer algo como algo em Iorma de proposições sobre a natureza e supõe um sujeito dela separado. Conhecimento e um ter. O seu obfeto mesmo se determina pelo fato de ele dever estar contido na consciência mesma - mesmo que sefa transcendental. Cabe a ele o carater de posse. Para essa 263 possessào a apresentaçào e secundaria. Ela fa nào existe enquanto algo em exposiçào. (GS I-1, 209).
O conhecimento e, portanto, considerado como um produto separado de quem o produz e, desse modo, lhe e vedada a possibilidade de exposição. Em vez da apresentação ele e positivado como objeto. Nesses termos, a verdade deve ser compreendida numa imediação que esta alem da atividade do sujeito da consciência que intenta produção do conhecimento como se Iosse a verdade derradeira. Metodo, para o conhecimento um caminho de conquistar o obfeto e sefa por produçào na consciência para a verdade e apresentaçào dela mesma e, por isso, lhe e concedida ao modo de forma. Nào e apropriada a esta forma uma correlaçào na consciência, como o metodo do conhecimento o fa:, mas um ser. O principio de que o obfeto do conhecimento nào se coaduna com a verdade sempre de novo sera comprovado como uma das mais profundas intençòes da filosofia em sua origem, a doutrina platonica das ideias. (GS I-1, 209).
Com Platão, Benjamin deIende o ponto de vista de que não ha passagem do conhecimento para a verdade, pois a ideia não da acesso a linguagem predicativa. Trata-se de ontologia, pois a ideia e o Iundamento do proprio ser das coisas tambem nelas imediatamente imanente, e não a razão para conhecimento delas como que separadas. 'O ser do objeto vive do ser da ideia. Essa determinação da ideia enquanto ser deIine ao mesmo tempo a verdade enquanto ser¨. (GS I-3, 928). Sendo, portanto, o conhecimento caracterizado como ligação proposicional de sujeito e predicado com a possibilidade de apenas captar estados de coisas, ele nunca podera captar o absoluto pelo qual exatamente se expressa. A verdade não como resultado de proposição, mas como ser e a condição para que se Iaça experiência, pois e desse modo que no Iinito o inIinito se encontra. E o que acontece de Iorma inconsciente na expressão da arte, enquanto que na IilosoIia o mesmo se da de modo reIlexivo na apresentação. Na IilosoIia, portanto, a verdade não e elocução de conhecimento, mas apresentação, exposição, mostra do seu ser. Não sendo um apanhado de proposições, ela Iorma na sua exposição uma imagem do ser apresentando a imediata unidade do que pode ser objetivado, mas de modo nenhum na intenção de reduzir a multiplicidade a alguma generalidade. O tratado neste caso e o modelo para se conseguir visualizar a relação entre unidade e multiplicidade de acordo com o exemplo do mosaico. 264 O mosaico não Iorma uma soma de uma multiplicidade geral para chegar a uma verdade unitaria, mas ele se apresenta de tal modo que cada Iragmento representa a verdade a seu modo de maneira diversa, ou seja, de uma maneira em que os Iragmentos se completam exatamente pela diIerença para Iorma o quadro geral. Os proprios Ienômenos são a razão da unidade, mesmo que so a partir da sua conjunção a Iigura da verdade surja. O contrario se da no âmbito do conhecimento, pois decorrente da estrutura reIlexiva das proposições e possivel perguntar pela razão dos conhecimentos, sem, porem, poder por em duvida o Iundamento no qual se esteiam. O curioso e que o principio possibilitador da unidade do conhecimento não pode ter intenções proposicionais, sob pena de ter que levar adiante a sua procura por Iundamento. O Iundamento e posto e sancionado por aplicações sucessivas, mas um Iundamento ultimo não se encontrara por ser a propria contradição do proprio pensamento proposicional, ou seja, o Iundamento ultimo não consegue Iundamentar-se a si mesmo apesar de dever Iazê- lo. (GS I-1, 209 s). Benjamin estriba-se em Platão que considera um mestre para lhe garantir as convicções a respeito da verdade, isto e, que nem o sujeito pode ser principio do saber, nem que a respeito desse principio possa saber-se algo jamais, mas que a verdade e um incondicionado. Em conseqüência disso, a verdade enquanto ideia deve ser considerada antecedente a qualquer principio, de modo que ela não e capturada por nenhum grupo de conceitos, mas apenas dada a contemplação curiosamente não no conhecido ceu platônico e, sim, precisamente nos Ienômenos, no encontro entre o homem e as coisas. A verdade e inalcançavel para o conhecimento e para tanto a Iigura de Socrates e paradigmatica nos dialogos de Platão. Socrates pergunta de tal modo os seus interlocutores que a Ialta de Iundamentação dos pretensos saberes vai ao Iundo. Desta Iorma a ironia socratica expõe a incompatibilidade do conhecimento humano em relação a verdade divina. Essa verdade o homem não comanda, mas a soIre em sua propria pele. No Svmposion esse comprometimento passional chama-se Eros. Socrates diz que apenas sabe as coisas sobre o Eros (177 D) como que desistindo dos saberes da razão por serem sempre insuIicientes. Socrates apenas sabe que não sabe como que indicando a impossibilidade do homem saber a verdade divina, mas ao mesmo tempo soIre a ânsia erotica de juntar-se aos deuses. O Eros assim e considerado uma Iorça cosmica pelo Iato de juntar novamente o que antes ja estava unido. O Eros aspira a unidade superior que inclui em si ate o que e Iinito. Nessa exempliIicação se percebe que a concepção sobre o principio das oposições de Heraclito e incorporada por Platão para explicar a junção do separado, bem como tambem a relação 265 entre verdade e beleza. A unidade dos contrarios de Heraclito acrescida da concepção da ordem harmônica de Pitagoras da a Platão a solução de que a união dos contrarios aparece enquanto beleza. Beleza e então a aparência sensivel da ideia, da verdade. Em conseqüência surge no homem a ânsia de captar esta unidade do divino e do humano, o que vem a ser a IilosoIia. A relação que Platão Iaz entre verdade e beleza e imprescindivel para toda a tentativa IilosoIica ligada a arte, mas e tambem 'insubstituivel para a determinação do conceito de verdade¨ (GS I-1, 210). A verdade e denominada bela e se aproximar dela e o intuito de Eros. Mas mesmo neste caso chega-se a um impasse pelo vies proposicional, pois a beleza como aparência sensivel da verdade, permanece um misterio indemonstravel como a propria ideia tambem sempre e. O IilosoIo e precisamente surpreendido e enternecido pelo Eros sem poder decidir por si mesmo se segue a beleza ou não: e sempre seduzido . Desse modo a ocupação com a IilosoIia e a arte não pode ser objeto de Iundamentação e legitimação, sob pena de se auto-condenar. Mas a procura compromete na imediação da sua Iorça levando o IilosoIo a liquidar a separação de teoria e pratica a ponto de se tornar religião sem igreja. Nunca, porem o Eros consegue alcançar a beleza para, então, possui-la. O caminho do homem e o caminho do meio, da mediação entre extremos, isto e, entre a ignorância sem perguntas, porque não consegue nem Iazê-las e do saber, que não mais conhece perguntas, porque ja tem todas as respostas. O movimento da historia e o caminho do meio e que tem a verdade como rumo, mas não como resposta. Esta e tambem a razão de porque a apresentação expositiva no tratado não tem limites. A beleza da ideia e inalcançavel e, mesmo assim, merece a perseguição do entendimento. Ela, porem, Ioge preservando a sua inocência no altar da verdade. Eros a segue em sua fuga, nào como perseguidor, mas como amante, de tal modo que a bele:a foge de ambos para manter a sua fulguraçào. dos inteligentes por terror e dos amantes por medo. E apenas este pode testemunhar que a verdade nào e desnudamento, que aniquila o segredo, mas revelaçào, que lhe fa: fustiça. (GS I-1, 211).
A Iulguração da beleza indica a sua determinação de não poder ser objetivada, Iixada conceitualmente. Por isso, quando a inteligência do entendimento a persegue para deIini-la, ela Ioge de terror, pois ela e a verdade em Iorma de sensibilidade que jamais podera ser objetivada. A Iulguração, ou o aparecer |Schein| e o modo mais proprio da verdade e ela o Iaz desocultando-se em Iorma de beleza. A beleza torna o inteligivel visivel 266 por vislumbre para aquele que respeita a intocabilidade da verdade sem querer reduzi-la as questões do entendimento. Platão descreve a verdade como o teor |Gehalt| do belo. Mas ele nào se manifesta no desvelamento e sim num processo que pode ser caracteri:ado como um incêndio do involucro, que penetra na esfera das ideias, como uma queima da obra, durante a qual sua forma atinge o ponto mais alto da sua intensidade luminosa. (GS I-1, 211).
O que queima no processo de chegar ao âmbito da verdade e o teor coisal |Sachgehalt| da obra, as realidades como produto da comunicação instrumental, tudo o que se reIere ao vies proposicional. De acordo com a imagem da citação depreende-se que a verdade não se esconde atras das Irases, mas se encontra imediatamente presente. A chama do incêndio e simbolo da verdade, ou ideia que esta ligada ao mundo real, sem poder existir apartado dele. Este e o paradoxo da arte em que a verdade se conjuga com a sensibilidade em objetos que podem ser resultado dos produtos do entendimento. A estrutura ôntica do cosmos e entrevista e pressentida no paradoxo da arte. Tambem a IilosoIia assim se parece. Tudo o que os IilosoIos disseram no sentido da objetivação por proposições não pode ser conIundido com o teor de verdade que seus textos contêm. Em Hegel certamente a ideia da dialetica e intocavel. Tanto as obras de arte, quanto os sistemas IilosoIicos podem ser considerados como imagens da ideia, da verdade. Se a tarefa do filosofo e exercitar-se no profeto descritivo do mundo das ideias, de tal modo que o empirico por si mesmo nele penetra e nele se dissolve, entào ele assume a posiçào mediadora entre o pesquisador e o artista.(GS I-1, 212).
A Iulguração da beleza garante a presença da verdade, a qual por sua vez não e acessivel a linguagem proposicional objetivadora. A tareIa da IilosoIia, então, e precisamente a de possibilitar a verdade por exposição. Mas a sua tareIa não e nem a do artista puro e nem cientista declarado. Não se pode imaginar que no culto a beleza a ideia ira aparecer por si mesma, nem pode querer usar a linguagem proposicional para algo que ja lhe antecede. O IilosoIo desse modo esta entre a intuição artistica e o conceito na intenção cientiIica, de acordo, alias, com as palavras de Goethe escolhidas como distico no inicio do texto 'Origem do drama barroco¨: 267 Ja que nem no saber e nem na reflexào um todo pode ser relacionado, porque aquele falta a dimensào interna e a este a dimensào externa, temos que pensar a ciência necessariamente como arte se dela esperamos alguma forma de totalidade. E nào temos de procurar esta forma no geral, no excessivo, mas, como a arte sempre se apresenta em cada obra totalmente, assim tambem a ciência deveria manifestar-se toda ve: em cada obfeto. (GS I-1, 217).
Platão resolveu a questão da tematização indireta para apanhar o lado expressivo da linguagem, ou seja, da relação entre intuição e conceito, por meio do dialogo, enquanto Benjamin se Iaz valer do tratado. No tratado, portanto, a ideia não aparece como na imediação da verdade por meio da Iulguração da beleza num misto de intuição e sensibilidade, mas numa estrutura conceitual, permanecendo numa situação em relação a arte que e de parcial semelhança e diIerença. A Iorma do tratado e semelhante a arte, porque como ela não pode enunciar a verdade ao modo de proposições, e e separada, porque de qualquer modo necessita da utilização de conceitos para exposição da ideia. Por um lado, a IilosoIia não pode ser reduzida a um apanhado de pensamentos, por outro, apenas com os pensamentos chega a determinada unidade. O pesquisador dispòe do mundo para a dispersào no ambito da ideia a medida que no conceito ele a divide por dentro. Ele se liga ao filosofo pelo interesse na extinçào da mera empiria, ao artista, porem, liga-se pela tarefa da exposiçào. (GS I-1, 212).
A verdade na IilosoIia de qualquer modo dever ser estruturada conceitualmente, mas de maneira que ela transcende a apresentação estruturada, pois o que e a ideia não pode ser Iormulado positivamente. Mas, mesmo assim, a ideia e pela IilosoIia veiculada de outro modo do que na arte, pois nela a compreensão se da na atividade da consciência como se pudesse penetrar a existência sensivel da verdade, sem, porem, agora se conIundir colocando as suas determinações acima dela. Apenas desta maneira e numa determinada disposição os conceitos podem constituir-se nas pedrinhas de mosaico para em conjunto Iazer aparecer a imagem da verdade. Tal unidade, porem, não pode conIigurar um sistema ao modo de generalidade em que os conceitos entre si Iormam uma conexão dedutiva e, por outro lado, não pode apresentar-se simplesmente como um apanhado descontinuo e desconexo de conhecimentos particulares. 'A coesão sistematica mais não tem em comum com a verdade senão aquela outra exposição que procura certiIicar-se por conexões de conhecimentos¨ (GS I-1, 213). 268 Os conceitos no tratado têm o carater Iuncional da mediação para, no processo do conhecimento, livrar os Ienômenos e reIeri-los a verdade, sem, portanto enredar-se em conexões dedutivas de intenções sistematicas. O sistema como que enreda os Ienômenos numa conexão relacional em que todos os elementos necessitam determinar-se mutuamente. O tratado, pelo contrario, na sua visada ao incondicionado, procura a superação precisamente desse modo de relação que se da em Iorma de conexão argumentativa. De que modo diIerente do que uma conexão ha de se pensar a unidade da verdade? A solução se da quando se recorda da ligação existente entre o inIinito, que e a ideia, e o Iinito, que são os Ienômenos. Por si mesmo uma unidade ja e propria ao multiplo não apenas enquanto soma, de tal modo que precisamente na sua limitação deve transparecer a mesma unidade que ja esta dada. Pois, o Iinito apenas se da, ou e, porque nas suas multiplas aparições enquanto diversidade de entes ja aparece um ser que permanece idêntico a si. Mas ha que se dizer imediatamente que tal ser idêntico a si seja inacessivel a compreensibilidade do entendimento, pois tambem ele e Ienômeno que ai se inclui, de modo que se trata de se compreender o mero aparecimento do ser que se vislumbra numa imediação nunca totalmente deIinivel. O conceito tem ao mesmo tempo uma Iunção analitica e uma Iunção sintetica, pois ele tem a Iaculdade de dividir o que esta unido e novamente unir o que esta disperso a Iim de apresentar os elementos de qualquer obra. Na primeira versão da introdução ao texto sobre o drama barroco Benjamin explica: Essa autêntica unidade do verdadeiro nào e mais dissolvivel em elementos, mas apenas desmontavel em partes. Essas partes, porem, as ideias, sào daquela nature:a peculiar que pode ser indicada pelo exemplo de uma lenda. Ela trata das pedras que cobrem o Sinai. Como Salomon Maimon relata, estas estariam cunhadas com o desenho de uma folha (arvore), cufa estranha nature:a seria logo se constituirem em cada bloco de pedra que por sua ve: tivesse sido quebrado de um grande bloco e assim ate ao infinito. As ideias sào tais partes da verdade, nas quais unicamente a regra das mesmas esta cunhada, intata, mesmo que em tamanho minusculo. Pensar a sua fusào nào seria menos absurdo do que a fusào final das pedras, que, alias, antes de tudo sào notaveis pelo fato de que elas cobrem o Sinai ao modo de uma unica estrada. A divisào, porem, continua e e possivel ao infinito. Os conceitos, aquelas elementos intermediarios, pelo lado das ideias constituem as suas partes, pelo lado dos fenomenos os seus elementos. Eles salvam os fenomenos fustamente pelo fato de que 269 na divisào em elementos lhe concedem participaçào no ser das ideias enquanto partes delas. (GS I-3, 934).
A exempliIicação tem o intuito de Iazer ver que o inIinito cunhou no sensivel as suas impressões de modo a se tornar visivel. Nesse movimento a cada conceito e atribuida uma multiplicidade de Ienômenos e a cada ideia uma multiplicidade de conceitos. Mas a relação entre elementos e conceitos e diIerente da relação entre conceitos e ideias, pois os conceitos não entram em nenhuma relação na apresentação da verdade pelo Iato de a sua unidade ser diIerente da unidade da ideia. A imagem das pedras no Sinai corrobora a questão. Cada pedra quebrada traz em si a estrutura e a inIormação do bloco maior, mesmo que apresente Iorma muito diIerente. Assim tambem cada conceito contem em si a ideia e cada ideia, por sua vez, a unidade original de que proveio, de modo que o uno se maniIesta no Ienômeno menor e mais insigniIicante. Por meio desta concepção Benjamin exempliIica o carater epistemologico da exposição, ou apresentação. Quando diz que os Ienômenos não estão contidos nas ideias, esta a indicar que enquanto objetos assim elaborados pela consciência não podem estar, pois, de acordo com o pensamento tradicional os conceitos recolhem as caracteristicas do que e dado, as quais, reunidas, constituem objeto. Deste modo, pelas indicações tradicionais, o conceito se correlaciona com o objeto ditando-lhe os limites quanto a extensão e conteudo. Benjamin propõe uma relação diIerente: as ideias não se reIerem as qualidades dos Ienômenos e tambem não constituem as suas leis abstratas. Nesta questão ele segue igualmente a compreensão do ser de Platão no sentido de que a origem do ser não pode ser ela mesma um ente e que, por isso não pode mais ser objeto de predicação. A presença do inIinito no Iinito se da num regime de representação da ideia no Ienômeno. Benjamin a compara com a relação que ha entre as constelações e as estrelas. A conIiguração não e dada, mas surge pelo trabalho dos conceitos que ordenam as coisas nesta Iorma de constelação, a qual, por sua vez, representa a Iorma inteligivel de ser dos Ienômenos que a constituem, ou seja, e mostrada por uma imagem de Iorma não discursiva. Na constelação as coisas não estão sujeitas ao poder dos conceitos, pois o seu ser não e elaborado por um juizo de conhecimento, mas, com a ajuda dos mesmos conceitos as coisas são libertadas para a apresentação de si como de Iato são. Benjamin Iala de 'interpretação objetiva¨ (GS I-1, 217) como sendo um procedimento em que as coisas Ialam por si mesmas maniIestando o seu teor ao modo de uma auto-exposição da verdade. A concepção deve ser entendida no sentido de que a ideia se maniIesta imediatamente de Iorma Iisionômica no mundo das coisas, em alguns dos elementos dos 270 objetos que mediante os conceitos são então coordenados. Mesmo assim, a reunião e o ordenamento dos elementos dos objetos não obedece a costumeira Iorma abstrativa de enIileirar o particular de acordo com caracteristicas, ou notas comuns, mas de acordo com uma conexão estrutural. Deste modo, o pertencimento mutuo não se da de acordo com uma regra geral, mas visa uma estrutura comum e Iundamental. Como no exemplo citado, os elementos mais diIerenciados das coisas cumprem o seu papel na estrutura a ponto de que nessa ordem de constelação o particular e conservado. Desse modo a unidade que a ideia expressa pode ser realizada pelo que e unico e ate pelo que e oposto, diIerentemente da ordem estabelecida pelo conceito na ordem do entendimento, que sempre pauta pelo que e comum para abarca-lo sob seus cuidados. O mundo e a elocução da palavra de Deus, a unidade alem que ate as ideias expressam e, nele mesmo, o oposto, o singular e o reverso não so existem, mas, de acordo com a evidência da ideia, tambem comprovam a validade da interpretação IilosoIica em sua eIetividade. Tais elementos perIazem a Iiguração em seus extremos e são de especial valor para a interpretação IilosoIica. Como formaçào do confunto, no qual o unico e extremo se encontra o seu igual a ideia esta circunscrita. Por isso, esta errado compreender as indicaçòes mais gerais da linguagem como conceitos, em ve: de entendê-las como ideias. O geral e a ideia. Em vista disso, o empirico e tanto mais penetrado, quanto mais precisamente pode ser compreendido como extremo. (GS I-1, 215).
Em tudo isso ha uma inversão em que a verdade se torna real e eIetiva, mas tambem que a realidade objetivada não e imediatamente a verdade. Enquanto elocução da palavra a ideia e empiria no momento da elocução e e idêntica ao mundo Iisico, sem antes nunca ter sido, pois não ha o inIinito enquanto inIinito, mas somente no Iinito. Esse estado de coisas, porem, ainda não quer e nem pode indicar o Uno, pois se assim Iosse, ja teria sido vitima do ordenamento conceitual proposicional ativado pela consciência, que simplesmente o teria degradado a uma substância. As ideias são a origem do ente: num continuo mutante elas acontecem como estruturas. Pelo Iato de não haver um mundo das ideias separado, a propria ideia não tem oportunidade de se mostrar em algo outro que não Iosse o mundo dos Ienômenos. Portanto, a ideia e origem de algo com o qual ela e idêntica, mas ao mesmo tempo não e ela mesma. Elas se apresentam na conIiguração dos elementos. 271 As ideias nào sào dadas no mundo dos fenomenos. Surge, portanto, a questào sobre o se tipo da nature:a ha pouco abordada, e se e imprescindivel a entrega de toda a responsabilidade sobre a estrutura do mundo das ideias a famosa intuiçào intelectual. Se em qualquer parte se torna angustiantemente nitida a fraque:a de que todo o esoterismo da filosofia participa, entào e na 'visào`, prescrita aos adeptos de todas as doutrinas do paganismo neoplatonico enquanto maneira de conduta. O ser das ideias de modo algum pode ser pensado como obfeto de uma intuiçào. Pois mesmo a sua mais paradoxal circunscriçào como intellectus archetipus nào consegue definir a peculiar doaçào previa |Gegebensein| da verdade que enquanto tal nào consente qualquer tipo de intençào, muito menos se ela mesma aparecesse como intençào. (GS I-1, 215).
O ser das ideias, portanto, não pode ser objeto da consciência. E quando Kant e Fichte concebem a intuição como produto da consciência, Benjamin percebe nisso a intencionalidade subjacente da objetivação que ele mesmo se dispõe a criticar, pois novamente a consciência seria posta como o Iundamento ultimo, sem se auto-incluir nas mesmas aIirmações e reduzindo tudo de novo a simples objeto depurado conceitualmente. Por isso, ele acentua a verdade como doação previa |Gegebensein| a tudo que se possa dizer e deIinir. Mesmo com a denominação da intuição intelectual como intellectus archetipus não se deixa enganar quanto as intenções de poder da consciência. A intuição como Iorma de conhecimento intuitivo malogra quanto a imediação do dado, inclusive da consciência, e, por conseqüência, quanto a imediação da verdade. A intuição em geral enquanto ocasião dos Ienômenos originais não e ainda o verdadeiro, mas e o local de onde o nome emerge. Como da percepção intuitiva surge o nome, que abriga o teor de verdade da imagem surgida, assim tambem acontece na elaboração do tratado em que a ideia se torna compreensivel no nome. Em sua imediação o nome e origem dos Ienômenos empiricos perIazendo o seu ser e, deste modo, o tratado em sua conIecção tem o sentido de ser a exposição do nome. Como algo referido as ideias o ser da verdade e diferente do modo de ser dos fenomenos. Portanto, a estrutura da verdade exige um ser que em sua falta de intençào se iguala a simplicidade das coisas, mas que em constancia lhe seria superior. A verdade se estabelece nào como um opinar [meinen] que pela empiria encontrasse a sua determinaçào, mas como a força que cunha a essência dessa empiria. O ser afastado de toda a fenomenalidade, de quem e propria essa força, e o |ser| do nome. (GS I-1, 216).
272 A diIiculdade da questão se da pelo Iato de que não ha como dizer novamente o que signiIica o nome ja que o nome e o que sempre ja signiIica. Caso se quisesse indicar o que o nome signiIica, dever-se-ia apontar simplesmente para a exposição e permanecer calado, pois e a apresentação expositiva que primeiramente da acesso a um saber que não depende da elaboração intencional nem do entendimento, nem da intuição. Precisamente esse modo de ser sem intenção dos nomes e que carrega junto de si a possibilidade da doação previa das ideias. Elas [ideias], porem, nào sào dadas numa linguagem original, mas numa percepçào original, na qual as palavras possuem a sua nobre:a nomeante sem perdê-la para a significaçào descobridora. (GS I-1, 216).
Essa curiosa expressão demonstra a preocupação de Benjamin em justiIicar em sua concepção de linguagem a inclusão das ideias platônicas enquanto sentido como que nivelado a signiIicação da propria linguagem. A signiIicação descobridora, ou ate nomeante, são as palavras-ideias que por serem ideias não perdem o seu garbo e estatuto de doação previa. Desta Iorma as ideias são palavras e conceitos de palavras endeusados, portanto palavras de Deus que em sua elocução tornam o mundo objetivo possivel (GS I-1, 216). Esta justiIicativa deixa evidente que Benjamin concebe toda a questão dita epistemologica da Origem do drama barroco alemào como a continuidade Iiel ao que elaborou no texto de A linguagem em geral e a linguagem dos homens, apesar da junção das ideias platônicas interpretadas ao seu modo. A nobre:a nomeante e a significaçào descobridora, alem disso, remetem para a recordação da interpretação do Gênesis ja Ieita no texto sobre a linguagem, que acentua de modo inequivoco a dimensão anterior a separação de sujeito e objeto, na qual o homem se encontra na natureza numa imediação inacessivel ao seu entendimento e na qual emerge a Iaculdade de nomear, então, com a participação ativa das proprias coisas. Esta dimensão, por sua vez, e inacessivel a predicação a base do conhecimento das coisas, porque e suposto de qualquer predicação. Todas as linguas historicas têm, portanto, como que duas dimensões: a dimensão proposicional que ja se da na intenção do conhecimento dos objetos pela atividade da consciência, e a dimensão do nome agora indiretamente perceptivel pela apresentação expositiva no tratado quando liquida ritmicamente a intenção de separação de sujeito e objeto. As linguas em suas palavras, então, são ao mesmo tempo logos enquanto predicação ordenadora por parte da consciência e nome enquanto saber não predicativo 273 expressivo e, por assim dizer, teologico pelo Iato de restar inIinitamente um suposto que a tudo possibilita. A contradiçào da linguagem desse modo possibilita o conhecimento das coisas como se Iossem absolutamente separadas de quem usa a linguagem de modo instrumental e, ao mesmo tempo, a percepção do comprometimento absoluto do Ialante com o que diz ja que lhe e impossivel dizer-se, dizer as coisas e dizer a propria consciência, sem a linguagem pela qual precisamente se identiIica como ser humano. A IilosoIia enquanto apresentação expositiva tem como tareIa tender para a elucidação do nome nas coisas, apesar da contradição da linguagem. A tareIa da IilosoIia enquanto exposição esta, portanto, diretamente reIerida a recordação contemplativa do que ja Ioi elaborado e do que ai Iala. A capacidade do silêncio na recordação contemplativa e a tareIa da IilosoIia na escuta do dito, no ouvir do nome. 'Porque a IilosoIia não se pode dar o direito de Ialar ao modo da revelação, isso pode unicamente acontecer pelo recordar-se que remete antes de tudo a uma percepção original¨. (GS I-1,217). O saber original ao modo da linguagem dos nomes pre-reIlexiva não e acessivel a IilosoIia e, por isso, ela se expressa atraves da apresentação expositiva no tratado prestando atenção aos conceitos e as palavras em geral quanto ao que sugerem em termos de recordação. O saber original se da a perceber indiretamente por desvios quando o homem compreende que não e a sua memoria em atividade transitiva a responsavel pela recordação, mas o acalento dela, que as proprias palavras lhe proporcionam. A recordação encontra-se velada nas proprias palavras a espera da verdade. Para expressar esse estado de coisas Benjamin aventura-se na aIirmação de que o pai da IilosoIia não e Platão, mas sim Adão quando ainda não conhecia as limitações da consciência. A razão disso e que se pode compreender que mesmo Platão sempre esteve exposto a contradição da linguagem e que a Iigura de Adão e a indicação da Iigura humana a respeito da qual se supõe que num primeiro momento tenha estado livre dela da Iala paradoxal. A recordação como sugestão que as palavras indicam trazem simultaneamente a noticia da novidade alem das repetições da linguagem proposicional e a restituição do que Ioi perdido nas brumas do esquecimento de algo que esta imediatamente presente. Nesta renovaçào reconstitui-se novamente a percepçào original das palavras. E assim a filosofia no transcurso da sua historia, que tantas ve:es foi obfeto de deboche, e uma luta pela exposiçào de algumas poucas e sempre as mesmas palavras das ideias.[...] Estas estào completamente isoladas para si, o que meras palavras nunca conseguem. E assim as ideias reconhecem a lei que di:. 274 todas as essências existem em completa autonomia e intocaveis nào somente pelos fenomenos, uma ve: que tambem o sào entre si. Como a harmonia das esferas nas revoluçòes dos astros que entre si nào se tocam, desse modo a existência do mundus intelligibilis consiste na distancia intransponivel entre essências puras. Cada ideia e um sol e se relaciona com seu igual como exatamente sois se relacionam entre si. A relaçào sonante de tais essências e a verdade. (GS I-1, 217).
A imagem das esIeras celestes que não se tocam entre si em suas revoluções tem o sentido de apresentar as ideias enquanto responsaveis pela conIiguração do real que se da de acordo com uma ou com outra na sucessão da historia. As essências enquanto ideias estão isoladas umas das outras como periodos historicos estão, caracterizando-se de determinado modo diIerente um em relação ao outro e conIigurando em sua totalidade o ceu da historia. A visibilidade de uma constelação so se da plenamente a partir de outra, constituindo-se então em diIiculdade maior a percepção precisamente daquela em que o homem se encontra relacionado com as coisas que são. Migrar de uma constelação a outra somente por simples vontade racional e impossivel, pois a mesma e parte constituinte da atual. Resta a relação sonante entre as essências que tem o signiIicado da vibração da linguagem Iormando em sua contradição como que a moldura de toda a imagem. Sobre a verdade ser a relação sonante entre os sois ha que compreender que somente pelo aIastamento recordativo das objetivações de realidade em esquecimento recorrente e possivel visualizar a imagem de si no local em que sempre se esteve. O som das palavras noticia os ecos distantes da imediação em que tudo se conIigura. A proximidade aparece como o mais distante e o distante como o mais proximo e, por isso, a verdade e inacessivel ao Ialante em sua imediação discursiva e em sua solidão numa estrela so: ele deixa de ouvir a relação sonante entre todas as epocas, pois se trata de atentamente ouvir. No sentido exposto o Trauerspiel, ou seja, o jogo ou a representação do luto, enquanto tratado ou ensaio IilosoIico-artistico e uma ideia que vem a tona apenas na escuta, na atenção recordativa aos diversos elementos e na sua exposição detalhada. Por isso, Benjamin primeiramente apresenta opiniões sobre o Barroco que intentavam a classiIicação dos materiais precisamente da Iorma que Benjamin acha impossivel como, por exemplo, a tematização de Burdach em termos de nominalismo, ou ao modo de verismo, sincretismo e indução, ou a maneira de gêneros de arte em Croce. Contrapondo-se evidentemente a esta Iorma de abordagem, Benjamin aventa a possibilidade de 275 circunscrever todo o material a disposição por meio da ideia em vez de insistir em classiIicações por conceitos. 'O que, porem, tais nomes enquanto conceitos não conseguem, eles realizam enquanto ideias, nas quais não e o homogêneo que chega a garantia, mas o extremo a sintese¨. (GS I-1,221). Benjamin pretende reIormulação, ou ate a substituição dos conceitos historicos gerais por ideias. Onde os conceitos costumeiros apenas viam multiplicidade sem nexo, a ideia supõe unidade das diIerenças e ate a necessidade dos extremos, pois o primeiro criterio não e a classiIicação por conceitos no sentido proposicional. E de outro modo que a ideia se relaciona com o ambito das classificaçòes. Ela nào determina nenhuma classe e nào contem em si aquela generalidade na qual consiste a respectiva classe conceitual no sistema de classificaçòes. (GS I-1,218).
A unidade do que a ideia possibilita e uma Iorça inteligivel que sustenta a variedade do sensivel para que ele possa ser e, por isso, ela inclui em si o singular e o estranho. A diIerença que se estabelece entre a classiIicação conceitual e a ideia em ultima analise se reIere a uma concepção diversa do ser, exatamente pelo Iato de que a ultima acentua a necessidade do extremo e do estranho que Iorça a consciência a perceber a sua propria inclusão quando no processo de classiIicação como que os põe de lado na tentativa de inaugurar um âmbito do não-ser descartavel. A ideia não se da imediatamente no Ienômeno para que a consciência possa implementar o manuseio cientiIico da classiIicação para dividir e descartar uma materia a disposição. A imediação distante da ideia que conjuga toda a realidade não pode deixar de incluir a propria atividade redutora da classiIicação e, por isso, a ideia mesma não pode simplesmente ser deIinida como Iorma que a materia mesma da a si. Esta tambem e a razão de porque se pode dizer que a unidade das coisas e metaIisica, pois toda a realidade inclui o perceptor e ja sempre e conjugada por uma ideia a ser descoberta pelo processo possivel da recordação. O ser reduzido as determinações categoriais e aos sistemas de classes merece a desconIiança e a discordância de Benjamin, e tambem por isso se expressa no sentido de que as classiIicações historico-literarias não conseguem se legitimar. Os conceitos de gênero determinam as obras literarias conIorme caracteristicas exteriores, enquanto que, no caso inverso, e o teor das mesmas e que se torna responsavel pela ideia que as conjuga. 276 Como ja visto, nem a ideia nem o teor de verdade podem ser objeto de proposições articuladas pela consciência, o que leva exatamente a decisão de diIerenciar Trauerspiel |drama, representação de luto| e tragedia, que de acordo com o sistema de classiIicação costumeiro podem ser considerados do mesmo gênero, mas não de acordo com o seu teor |Gehalt|. Esse teor e capaz de reunir as obras num determinado gênero, porque ele se expressa em seus elementos Iormais por meio dos conceitos. O que deste modo ele reune dando unidade as epocas e aos gêneros literarios são as ideias que pela recordação da experiência aIloram, podendo neste movimento haver correspondência entre ideias historiograIicas e historico-literarias. O metodo, portanto, não pode seguir a ingenuidade do verismo. A metodica 'pelo contrario, deve partir de intuições de ordem superior do que aquela que o ponto de vista de um verismo cientiIico apresenta¨. Deve antes de tudo ser decidido se a ideia e uma abreviatura indesefada ou se, pelo contrario, em sua expressào linguistica funda o verdadeiro teor cientifico. Uma ciência que apela para o protesto contra a linguagem das suas investigaçòes e um absurdo Ao lado dos sinais da matematica, as palavras sào o unico meio de exposiçào da ciência, e elas mesmas nào sào sinais. (GS I-1,222).
A concepção durante todo o tempo deIendida por Benjamin e a de que antes dos dados cientiIicos ordenados via indução e dedução ha a ideia que tudo abarca e que não se averiguou, permanecendo completamente deslocada a questão de 'como na realidade Ioi |?|¨ (GS I-1, 222). Essa pergunta conduz ao imponderavel, dado a multiplicidade dos Iatos que não mais consente a Iormação de alguma unidade. Tal multiplicidade tenta-se, então, arrebanhar numa visão sincretista pela qual paradoxalmente o que e deIinido aparece de Iorma isolada. Tanto Croce como Burdach permanecem na concepção de ser de Aristoteles quando determinam o universal e o particular como pertencentes a uma esIera por meio de classiIicações por classes conceituais. Precisamente esta Iorma de classiIicação Benjamin substitui pela ideia. Critica como tambem criterios de uma terminologia, a amostra da doutrina das ideias filosoficas sobre a arte, nào se forma sob o criterio externo da comparaçào, mas de modo imanente num desenvolvimento da linguagem das formas da obra, que fa: brotar o seu teor as custas do seu efeito. (GS I-1,224).
277 A linguagem das Iormas e elaborada pelos elementos das obras pelos quais as ideias se exprimem e que são possiveis de serem ordenadas conIorme o exemplo do mosaico. O gênero, então, se transIorma em ideia, que não mais permite a sua articulação proposicional positiva, do que decorre a inclusão e junção de elementos diIerentes entre si, Iormando a unidade como no mosaico. E possivel aIirmar-se que, diante da ideia, as proprias obras se tornam secundarias, pois o teor que perIaz a ideia pode estar representado nelas apenas de modo Iragmentario e, mesmo assim, Iormar o mosaico. Caso, porem, uma obra tiver um teor bem diIerente de todas as outras, então ela pertence a outro gênero. 'Uma obra signiIicativa ou ela Iunda um gênero ou o suprassume e reune ambos no mais perIeito¨. (GS I-1, 225). Uma obra, por si so signiIicativa e diIerente de todas as outras, estaria a expressar outra ideia. De acordo com a sua concepção declarada, Benjamin inicia a sua investigação do drama barroco determinando a Historia como o seu teor. Em decorrência disso, ordena os elementos Iormais num mosaico que evidencia ou deixa transparecer a ideia da Historia. Como se sabe, o teor e que e o Iator de identidade e não as notas externas. Em geral se supunha que o conceito devesse estar de acordo com as obras, ou ainda, que ele devesse pautar-se por elas. Agora, porem, e o contrario, pois as obras seguem a ideia. O conceito não consegue gerar as obras, no que precisamente diIere da ideia, pois esta vem a ser a origem da ideia. Como se da isso? A verdade e incondicionada e na obra se maniIesta em imediação não apreensivel por proposições objetivantes, por isso a obra mesma tem o seu Iundamento em si mesma, e não apenas num sujeito que se julga meramente produtor. Surge aqui novamente a ideia de participação, a qual permite pensar a ideia como ser que Iunda a coisa, assim que o ser do objeto vive do ser da ideia, pois dela participa. A ideia enquanto razão de ser e simultaneamente a origem das obras. O conceito de origem no texto do drama barroco parece assemelhar-se ao que no texto de A linguagem em geral e a linguagem dos homens Ioi compreendido como tradução, ou seja, que o conhecimento da verdade equivale a tradução da palavra de Deus em processo de enunciação, ou ideia, para a palavra humana, ou nome, que no barroco vem a ser o luto. Mas todo o texto sobre o barroco parte da premissa de que o nome se da pela experiência, a qual se encontra indiretamente nas obras e, assim, tem acesso a linguagem de acordo com as proprias possibilidades da sua contradição sempre ocorrentes. Portanto, o ser das coisas encontra-se na obra e, como ja 278 Ioi dito, e a tareIa da IilosoIia critica proporcionar indiretamente na experiência a recordação compreensivel pela apresentação expositiva. A IilosoIia em sua tareIa critica, portanto, não pode esquecer o seu proprio comprometimento na atividade de escuta e recordação, bem como não pode esquecer-se do Iato de que a obra tambem não e um produto que se pudesse desvincular da atividade da sua realização. Isto signiIica que a origem que se maniIesta na obra não e externa, pelo Iato de ser ideia que se maniIesta. Desta maneira, o autor não pode ser considerado como alguem que simplesmente esta alienado enquanto externo e distante da sua obra, pois tambem ele e maniIestação da ideia a ponto de o seu trabalho de escrita das palavras encontrar-se bem alem da sua consciência: a atividade de escrita da obra e, em ultima analise, a realização da ideia. A experiência historica em que a ideia esta inscrita preIigura a obra, que no autor depois ira desenvolver-se. Mas a ideia presente na experiência historica ainda e imperIeita pelo Iato de não se evidenciar ao ser humano. Tornar evidente a ideia na recordação por meio da apresentação expositiva e a atividade IilosoIica. Essa Iorma de vir a ser, deste modo ja sendo ser, não se possibilita pelo vies do nexo causal que signiIicaria a recaida na reduzida Iundamentação de tudo pela consciência. O nexo causal tem o seu valor na explicação de relações e eIeitos multiplos de objetos na ciência, enquanto que o signiIicado do conceito de origem indica o surgimento das obras de modo não-causal. Origem, apesar de ser certamente categoria historica, mesmo assim, nào tem nada em comum com surgimento. Com origem nào se quer di:er nenhum devir do surgido, mas antes o que surge do devir e passar.(GS I-1, 226).
Essa estranha expressão de Benjamin contem uma das questões centrais da sua concepção de linguagem e historia. E evidente que o homem conta com a origem como categoria historica para a narrativa de Iatos e episodios, relacionando-os em termos de causa e eIeito. O mundo historico da compreensibilidade normal não existiria sem esse modo de pensar. A concatenação dos acontecimentos na historia desenvolve-se pela explicação em termos de causa e eIeito. Mas estas categorias dão exatamente a dimensão da queda no mundo objetivo e separado daquele que assim explica, comprometendo-se, quanto a contradição da linguagem, exatamente com o esquecimento do proprio envolvimento imediato com a explicação. Acontece simplesmente que a imediação distante 279 e, ao mesmo tempo, proxima demais diIiculta a recordação do proprio comprometimento da explicação na tentativa de evocar entidades alem da linguagem para cumprirem com o papel de Iundamento. Por isso, o signiIicado do termo origem indica que a consciência, no uso aplicativo dessas categorias, desde ha muito esta numa situação de dependência que jamais conseguira explicitar por proposições, pois a explicitação supõe algo que não pode ser explicitado, apesar de toda a proximidade. Ursprung, origem, ou, salto original esta precisamente naquilo de que e origem, tanto que o surgido não e diIerente da origem. Na expressão em linguagem teologica, a origem e a elocução da palavra de Deus, ou, diIerentemente, a ideia e o mundo Iinito. Em sentido de autocriação o mundo Iinito tem a sua origem na ideia e e por este motivo que a origem nada tem a ver com surgimento, pois o que surgiu necessariamente esta separado do que surgiu de acordo com as categorias de causa e eIeito. A origem e inIinita e não pode ser a causa do devir e do passar, mas a propria percepção do devir e do passar tem a origem como suposto em si mesmo. Qualquer explicação pelas categorias de causa e eIeito neste caso sempre se daria obedecendo ao estatuto do a posteriori, que em sua ocorrência deve supor um a priori enquanto total inIinito que necessita supor de modo incontornavel. A origem se locali:a no fluxo do devir como um redemoinho e arrasta para o seu ritmo o material do surgimento. O original nunca se da a conhecer na condiçào manifesta e bruta do fatico, e o seu ritmo unicamente se evidencia a uma visào dupla. Ela quer ser reconhecida como restauraçào, reconstituiçào por um lado e, por outro, precisamente por isso, como incompleto e inacabado. Em cada fenomeno de origem se determina a forma com a qual sempre de novo uma ideia se confronta com o mundo historico, ate que alcance a plenitude na totalidade da sua historia. A origem, portanto, nào se destaca dos fatos, mas se refere a sua pre e pos-historia. As diretri:es da contemplaçào filosofica estào esboçadas na dialetica imanente a origem. Nela se comprova como em todo o essencial o que e unico e o recorrente se condicionam mutuamente. (GS I-1, 226).
No exemplo, a ideia e simbolizada pelo Iluxo que e inIinito em relação ao Iinito que em determinada epoca contem. O Iatico que surge na ideia, mostrando a sua conIiguração na epoca e na obra, contesta o seu inIinito, sem, porem, poder negar a sua atividade que jamais se deixa limitar. O inIinito e o Iinito em realização constitui o decorrer da historia, da qual não se pode prognosticar o seu Iim, pois o inIinito apresenta-se sem limitação. Cada Ienômeno e acompanhado pela presença de um inIinito enquanto ideia e que e atividade vislumbrada na recordação a partir da experiência. O redemoinho que acontece e 280 um trecho do proprio Iluxo em que parte deste se acelera de Iorma circular provocando em si a gênese do Iinito em si mesmo, na qual o inIinito como que se movimenta de Iorma diversa interrompendo a identidade do Iluxo numa estrutura temporal. O movimento circular do redemoinho e ao mesmo tempo o seu ritmo original que da a Iorma ao que surge e na qual o eterno Iluxo enquanto ideia se torna visivel em todos os diIerentes Ienômenos Iisicos, mas idênticos entre si quanto ao seu teor. O redemoinho, portanto, em sua aceleração Iorma a sua circunscrição temporalmente como se o inIinito promovesse limitação e determinação dentro de si em seu Iluxo. O redemoinho não e uma Iormação rigorosamente Iechada em si mesma a ponto de a sua Iorça e o seu movimento ser menor em sua periIeria, adequando-se a seqüência do Iluxo geral e soIrendo a sua interIerência. Do mesmo modo são Iormadas as epocas historicas que no Iluxo geral não tem limites temporais ritmicos rigorosamente deIinidos, cabendo ao centro do redemoinho esboçar mais nitidamente todo o movimento. Por isso e que, no exemplo, a pre e pos-historia são citadas como que a indicar que se trata daquilo que acontece na beira do redemoinho em que ele tange ao seu proprio passado e Iuturo, pois os seus elementos são Iormados do material em que esta a acontecer de Iorma acelerada tornando-se mais visiveis. Assim, elementos Iormais do drama barroco podem ser encontrados em todas as outras epocas, mas não de Iorma tão explicita como na epoca determinada para tal. Pre e pos-historia que pertencem a mesma origem ja apontam, como que virtualmente, para a epoca de torvelinho que se dara ou que ja Ioi num tempo acelerado. Estes mesmos Ienômenos da pre e pos- historia de modo algum carecem de importância, pois dão muito maior visão ao que acontece no centro do redemoinho. Por outro lado, o inIinito incondicionado so pode ser apresentado na inIinita signiIicação da ideia enquanto atividade sem barreiras, que assim se expõe em sua visibilidade de redemoinho, de modo que a quantidade de Ienômenos originais, com que no redemoinho a ideia se apresenta, e tambem necessariamente sempre incompleta. A historia filosofica enquanto ciência da origem e a forma, que, dos extremos distantes e dos aparentes excessos do desenvolvimento, permite a emergência da configuraçào da ideia enquanto totalidade determinada pela possibilidade da coexistência significativa desses contrastes. A exposiçào de uma ideia nào pode de maneira alguma ser considerada bem sucedida enquanto o ciclo dos seus possiveis extremos virtualmente nào tiver sido percorrido. Esse percurso permanece virtual. (GS I-1, 227).
281 A virtualidade desse percurso, que sempre deve permanecer, indica que o ciclo dos Ienômenos extremos e inIinito. A ideia maniIesta-se no Ienômeno e mesmo que ele seja extremo e estranho devera de algum modo ser identiIicado como nela corretamente alocado, a Iim de complementar a sua Iisionomia, o seu quadro, o mosaico geral. Isso Iaz com que o Ienômeno possa ser de carater unico, extremo e estranho, mas, ao mesmo tempo, imprescindivel por ser exatamente assim. A IilosoIia tem, portanto, por tareIa tambem o indiciamento da totalidade no particular, sob pena de Iracassar em sua razão de ser. E quanto a este aspecto que Benjamin critica Hegel quando este, de acordo com a logica do seu sistema, descreve as relações essenciais do mesmo enquanto maniIestação da ideia na realidade, mas não consegue realizar a sua intenção no mundo dos Iatos. Por isso, autêntica de Iato e a concepção quando consegue expor o conteudo de todos os Ienômenos de Iorma imediata enquanto relacionados na ideia, sem, portanto, absolutizar o procedimento de deduções logicas, as quais necessariamente não alcançam a totalidade dos Ienômenos. Pelo exposto, depreende-se que as ideias enquanto origens não podem ser qualiIicadas como causas que estivessem alem do que surgiu, mesmo que estejam na base do ente tendo-o como ocasião da sua maniIestação. De acordo com o exemplo do redemoinho, as ideias estão contidas naquilo de que são origem, numa contradição que se assemelha a contradição da propria linguagem e ao mesmo tempo identiIicando a sua tensão interna, ou, a sua expressão enquanto ritmo diIerenciado. Elas, portanto, não Iormam um mundus intelligibilis a parte, mas existem junto com os Ienômenos Iaticos. Elas Iormam um numero limitado, que consegue abarcar a multiplicidade das ocorrências na historia. Caso as ideias existissem em numero ilimitado, não haveria mais a possibilidade da atividade IilosoIica do reconhecimento enquanto recordação, pois numa Iragmentação inIinita nada mais e possivel reconhecer. Por outro lado, o aparecimento da ideia enquanto origem de determinada totalidade se evidencia tambem como expressão no Ienômeno individual, mesmo que de modo Iragmentado. As ideias são parte da verdade e os Ienômenos parte das ideias. Como no exemplo das pedras do Sinai ou na concepção das mônadas de Leiniz, cada Ienômeno tem a sua inscrição na totalidade do processo pelo Iato de serem unidades que em si carregam a estrutura do todo. Mesmo que em espaço e tempo as coisas sejam percebidas como separadas umas das outras, isto apenas se constitui num eIeito de superIicie, pois no todo o Iragmentario Iorma uma unidade implicita e encoberta. Essa Iorma de perceber a totalidade, por sua vez, de novo não e tributaria da explicação por causa e eIeito, pois esta e reIerida a Iorma de saber proposicional tipica do entendimento e 282 que, por isso, jamais alcança a ideia. Tal concepção leva Benjamin a negar que haja historia da arte elaborada pelo calculo de eIeitos e de causas. A obra de arte em si não teria historia e o nexo relacional entre as obras seria o da intensidade por meio precisamente da interpretação para a conIiguração da ideia. Haveria uma relação entre as obras em termos de historia dos materiais e das Iormas, mas que não consegue reIerir-se ao essencial delas, que e o seu teor. Aquilo que na obra se expressa esta alem dos Iatos que se pudessem condicionar mutuamente ao modo de causa e eIeito. Existe a historia reIerida as explicações de causa e eIeito, da qual a obra de arte Iaz parte, mas, como sempre, existe tambem uma dimensão alem dessa articulação proposicional que e incondicional e que precisamente se Iaz presente nas obras enquanto o seu teor e, neste caso, quanto a sua origem. A origem não tem historia e essa origem identiIica as obras, pois e nelas que a sua expressão se da, de modo que apenas interpretativamente o acesso a elas e liberado. A ideia e monada e isso significa em poucas palavras. cada ideia contem a imagem do mundo. E atribuida a sua exposiçào nada menos do que elaborar a imagem do mundo em sua forma abreviada. (GS I-1, 228).
Benjamin compara esse estado de coisas com o calculo inIinitesimal de Leibniz pelo qual a totalidade e calculada com o aporte de inIinitas pequenas grandezas e, como se sabe, supõe a inexistência de espaço vazio entre elas. Novamente o exemplo do mosaico vem a tona, no qual tambem não se conta com o espaço vazio entre uma peça e outra para, por Iim, Iormar a imagem. Tudo o que e limitado tem a sua origem no incondicionado e, deste modo, a propria historia elaborada e Iormalizada pela razão no uso de proposições com intenção de objetivação absoluta deve poder ser ela mesma algo mais do que apenas uma concatenação de objetos e acontecimentos Iinitos. A origem ja contem a propria historia em sua explicação costumeira por meio da pretensa autonomia da consciência em elaborar Iatos dela separados. A origem ja contem de antemão todo o devir, mas, por outro lado, o individual contem em si a totalidade do devir ao modo da signiIicação das mônadas de Leibniz. O percurso permanece virtual. Pois o que foi captado pela ideia da origem tem a historia somente ainda como um teor, e nào mais um acontecer que pudesse afeta-lo. Conhece historia primeiramente de forma interior, a saber, nào mais no sentido imponderavel, mas no sentido que se refere ao ser essencial, o 283 qual permite caracteri:a-la como a sua pre e pos-historia.(GS I- 1,227).
Na concepção da ideia de origem, que ja traz consigo a compreensão do ser ativo e em totalidade, a historia caracterizada pelo vies de causa e eIeito e uma imagem, um teor um mosaico para a contemplação, e não mais diretamente o acontecer bruto que pudesse aIeta-la. Alem da historia articulada por proposições na intenção de objetivação, encontra- se a ideia de origem que tem a historia como que por dentro, pois engloba e assume o comprometimento com toda a Iorma de explicação possivel. Nessa condição o olhar do pesquisador, ou IilosoIo, tem a possibilidade de se tornar muito mais abrangente, visualizando pela compreensão a pre e pos-historia da epoca em que esta, pois, do contrario, pelos calculos de causa e eIeito a historia resulta precisamente imponderavel. A ideia de origem e mais competente para a interpretação do devir do que a mera classiIicação indutiva ou dedutiva por notas comuns. Por isso, tambem a narrativa historica em seqüência e em suposta correção logica por proposições pode ser vista como uma possibilidade, mas que nunca e capaz de sobrepujar a descoberta do aspecto Iisionômico do teor que se maniIesta na imediação do Iatico, que, por sua vez, e apenas acessivel pela experiência na recordação. Nesta perspectiva torna-se evidente que a percepção da pre e pos-historia de uma epoca ou de uma obra não necessita obedecer ao sistema causal, mas a origem, a qual esta ligada do modo mais ou menos distante pelo vies da historia de explicação causal. Esta historia, dependente da articulação da consciência numa explicação causal, Benjamin considera como a historia pura, enquanto que a historia sob o ponto de vista da ideia, que em seu teor se maniIesta nos Ienômenos originais, ele identiIica como historia natural, a qual inclui a pre e pos-historia. O conceito de historia natural quer expressar a dimensão tratada ate aqui como a que esta alem da atividade da consciência, de acordo com o Iato de que o teor da obra sempre vai alem daquilo que o proprio autor pode e quer comunicar: a pretensa subjetividade autônoma do autor em sua obra o ultrapassa tanto no momento da criação, como, tambem, posteriormente no aspecto da recepção. A historia pura, assim, identiIica-se com a dimensão do conhecimento dependente das concatenações causais, enquanto que a historia natural reIere-se a verdade, isto e, ao teor que se maniIesta nas produções do conhecimento. O teor de verdade e reunido no recinto das ideias (GS I-1, 227) em que o objeto e preservado de seu passamento total. Quando esse ser redimido e registrado na ideia, entào a presença da inautêntica, isto e, da pre e pos-historia da historia natural 284 permanece virtual. Ela nào e mais pragmaticamente efica:, mas, precisa ser lida como historia natural no consumado e sossegado status da essência. Com isso, de um novo modo a tendência de toda a formaçào dos conceitos filosoficos se redefine no antigo sentido. constatar o devir dos fenomenos em seu ser. Pois o conceito de ser da ciência filosofica nào se satisfa: no fenomeno, mas somente na absorçào da sua historia. (GS I-1, 227).
A IilosoIia não pode se dar por satisIeita em Iundar o ser pela Iundamentação de que a consciência imagina ser capaz. Ela não pode querer organizar o ser a partir da sua capacidade organizatoria. A inovação que Benjamin aqui reputa antiga e a escuta dos Ienômenos, uma atividade em que ate a suposta Iundação na consciência esta incluida. A historia dos Ienômenos que a IilosoIia precisa absorver e inclusive a historia de todas as tentativas de Iundamentação havidas na historia pura em termos de causa e eIeito. A absorção e a contemplação e o exame reIlexivo, sob o aspecto da contradição da linguagem, de todas estas Iormas de expressão do ser nas peripecias da linguagem atraves dos tempos. A historia natural não e mais pragmaticamente eIicaz, porque o seu movimento e de retorno em direção da recordação para a Iormação da imagem, da ideia em que, na passagem de uma a outra, a verdade se Iaz ouvir como relação sonante entre constelações para aquele que e capaz de ouvir com atenção. Ja no citado Fragmento teologico-politico a concepção era a de que ha uma tensão entre a Iorça historico politica enquanto ordem do proIano a procura da construção para o seu declinio na Ielicidade, e o movimento messiânico que na imediação deste mesmo proIano representa uma Iorça contraria, Iorça de recordação e que percebe o o ritmo desse mundano em desvanecimento, desvanecendo-se em sua totalidade, desvanecendo em sua totalidade espacial, mas tambem temporal, o ritmo da nature:a messianica, e felicidade. Pois messianica e a nature:a a partir da sua eterna e total passagem.(GS II-1, 275).
A IilosoIia e a atividade que percebe as duas dimensões da historia: a do Ienômeno articulado enquanto objeto pelos recursos da racionalidade da sua mitica autonomia, e a como quase paisagem, como ideia, como recordação, como retorno ao local onde sempre se esteve exatamente a Iazer parte da ideia e da paisagem e onde os nomes se dão. A continuidade do texto de Origem do drama barroco alemào e a execução da apresentação expositiva dos elementos em Iorma de mosaico para que a ideia possa maniIestar-se. 285 A percepção e a angustia da contradição da linguagem acompanha Benjamin em toda a sua escrita, agora em Iorma de compreensão do comprometimento com o sistema de explicação pela categoria da relação ao modo de causa e eIeito, e a possibilidade do tratado, que por interpretação de ensaio a ensaio, vai maniIestando a ideia que perpassa todo os elementos materiais, a obra pronta, o autor e o virtual leitor.
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7. A CONTRADIÇÄO ENTRE A DILUIÇÄO TOTAL E A OB1ETIVAÇÄO DELIRANTE: AO SOL
No texto Sobre o programa da filosofia vindoura, Benjamin, nos rastros de Kant, estipula que as condições do conhecimento são as mesmas que possibilitam a experiência. Nesse texto apresenta tambem a exigência da inclusão das preocupações quanto a experiência religiosa e quanto a linguagem. A ligação de linguagem e experiência parece ter sido uma ocupação central em seus esIorços IilosoIicos. A imagem de pensamento do texto Ao sol, datada de 15 de junho de 1932, indica a possibilidade de se perceber a mencionada preocupação de junção entre linguagem e experiência. O texto Ioi redigido mais ou menos seis meses antes da Doutrina do semelhante, este ja uma tentativa de reIormulação e adaptação da sua IilosoIia da linguagem a perspectiva materialista. A imagem de pensamento Ao sol apresenta serias diIiculdades de interpretação pelo Iato de que esta imagem procura evocar uma Iigura de pensamento IilosoIico-lingüistica. Alem disso, apresenta um quadro teorico conceitual, mas que não tem a pretensão de se explicitar claramente em termos proposicionais. A intenção Iundamental do quadro e postular a experiência enquanto impossivel de ser captada por uma consciência que se quer por si mesma autora de uma relação autônoma com o mundo e, ainda, tornar plausivel a abstrata concepção da tradução da linguagem das coisas na linguagem dos homens como uma relação de conhecimento concreto. Kant entende a experiência como resultado das elaborações da intuição sensivel e do entendimento, de modo que o mundo da experiência e o mundo sinteticamente constituido por conceitos do entendimento e assim constituido apenas pela consciência. O mundo e produzido pela consciência e para a consciência. Essa concepção de Eu e de consciência Benjamin rotula como resquicios da mitologia. Não concorda com a representação de que haja um 'Eu que por meio dos sentidos recebe as sensações e sob 287 cujo Iundamento Iorma as suas representações¨ (GS II-1, 161). Ele põe em questão o dualismo kantiano, por um lado, de sensações recebidas, e, de outro, de capacidade espontânea de articulação das mesmas pelas categorias do entendimento. Caso se trate de mitologia, como e que deve ser, então, a relação com o mundo, na qual não são as sensações que devem prestar-se a intuição e o entendimento, e nem o entendimento de pensar? Surge o problema da percepção pelo Iato de que se revoga a separação de intuição e pensar. Benjamin indica de algum modo que deve tratar-se de uma percepção que supera os limites do meramente sensivel, mas na qual ao mesmo tempo possam ser recebidos conteudos espirituais, na qual a materia não e simplesmente materia e a qual e capaz de trazer o espirito a participação enquanto palavra em elocução. O desaIio esta em Iormular o conceito de uma intuição que seja mais do que mera percepção no sentido de uma junção unica de sensibilidade e mundo, Iazendo surgir um sentido em que o inteligivel se Iaz perceptivel diretamente e não mais pela intermediação imaginaria de um pensamento abstrato. O conceito de experiência de Benjamin, porem, indica a anulação da separação de intuição e pensamento e a substituição deles pela percepção. Capta-se o mundo imediatamente de acordo com uma concepção de identidade entre real e ideal. Assim a linguagem pode tornar-se orgão da experiência, na qual ela pode expressar a percepção. No Fragmento 17 lemos: Wahrnehmen ist lesen |Perceber e ler| (GS V-32|. A percepção constitui-se, portanto, em leitura direta. No Iragmento 'Psychologie¨ |Psicologia| de 1917/18 Benjamin Iormula primeiramente a pergunta Iundamental da psicologia: 'como surgem no homem Iormas espirituais de comportamento?¨ (GS VI, 65). Na pergunta ja se encontra a concepção de que o homem dever ser considerado como essência espiritual a parte da sua corporeidade. E contra esta tese que Benjamin postula a identidade de espirito e materia, alma e corpo, pois ja desde sempre os comportamentos psicologicos apenas são acessiveis como comportamentos corporais: 'Vida espiritual estranha....não e captada, mas vista na corporeidade que lhe pertence como vida espiritual....A psicologia, por assim dizer, ....e uma ciência descritiva, e não explicativa¨. (GS VI, 65). A ultima ressalva aponta para uma diIerenciação que Benjamin tambem mais tarde Iara entre conhecimento enquanto conexão expressiva e conexão causal: Marx apresenta a conexào causal entre economia e cultura. Aqui interessa a conexào da expressào. Nào se trata de apresentar o surgimento economico da cultura, mas a expressào da economia em sua cultura. Trata-se, em outras palavras, da tentativa da captar um processo economico como fenomeno compreensivo, do 288 qual surgem todas as forma de vida das passagens (e nesse sentido do seculo 19). (GS V-1, 573)
Benjamin, portanto, desde cedo ate as suas ultimas produções não pretendeu estabelecer a conexão expressiva como algo provindo do interior, como se acontecimentos que se dessem na consciência pudessem revelar-se em paralelo externamente no corpo. A pretensão de Benjamin e o contrario, ou seja, explicitar a compreensão de que se ha de suspender o paralelismo que sempre signiIicou a dicotomia de consciência e mundo, alma e corpo. Neste modo de compreensão da psicologia, a linguagem torna-se ponto Iocal da percepção. Na psicologia, então, a linguagem se torna como que orgão da percepção e ao mesmo tempo objeto. A ponto de se poder dizer que no homem a linguagem olha para si mesma, pois o homem e linguagem e ele consegue perceber-se nessa imediação. O que aparece no corpo enquanto perceptivel ja se identiIica com a capacidade que torna possivel percebê-lo. O nome ja e imediatamente percebido na imagem, ou na Iigura, pois nela não ha algo sensivel que Iosse captado pelo pensamento para articulação posterior, isto e, ela não e um conteudo de pensamento, mas nome e percebido são idênticos. O nome e algo sensivelmente evidenciado. No Iim do Iragmento Psicologia tal estado de coisas e assim explicado: Pelo fato de a linguagem ser o canone da percepçào e o homem percebido ser o obfeto da psicologia, a relaçào da figura humana com a linguagem e o obfeto da psicologia. Esta e oculta enquanto a moralidade permanece problematica (Quando falo com uma pessoa e surge em relaçào a ela uma duvida em mim, entào a sua imagem [figura] se turva, eu ainda a vefo, mas nào posso mais percebê-la). (GS VI, 66).
E necessario lembrar que a palavra percepçào não traduz a imagem da palavra alemã wahrnehmen utilizada por Benjamin, pois esta remete etimologicamente ao processo de tomar por verdade, como a signiIicar que a verdade se da na imediata ocorrência da percepção, sem a ideia de separação de sensação e pensamento. A correta compreensão desse teor Iacilita o entendimento dos conceitos de Iigura e imagem, que são centrais na IilosoIia de Benjamin. O termo Iigura denota a unidade do inteligivel e do empirico no mundo da percepção. Uma Iigura não se constitui como se Iosse algum objeto empirico reconhecivel, mas acontece como ato de percepção que não tem extensão temporal, pois interrompe o Iluxo do devir e então, na imagem, se Iorma enquanto Iigura. Desse modo a Iigura não e nem conteudo do pensamento, nem a conexão do pensamento com sensações, 289 mas como que uma unidade de signiIicado intuida: não representa um sentido, mas o expressa na imediação do seu acontecer. A imagem e a unidade original da percepção pela interrupção do Iluxo do devir estabelecido na mecanicidade do cotidiano. Ha que, porem, acentuar imediatamente o aspecto relacional deste estado de coisas, pois a compreensão de algo substancial sempre esta a espreita: 'a existência individual do homem |e| a percepção de uma relação em que se encontra, mas não uma percepção de um substrato, de uma substância de si como o corpo sensivelmente apresenta uma igual¨. (GS VI, 79). O mundo objetivado das coisas corresponde ao mundo da consciência, ao passo que Iiguras e imagens não se deixam Iixar conceitualmente de modo deIinitivo. De acordo com o paradigma da consciência existem coisas, porque o entendimento Iixa em categorias e proposições aquilo que e meramente intuido, mas, na acepção elaborada, a Iigura, ou a imagem existe sempre alem do controle da consciência, reIutando constantemente ser por ela apanhada e identiIicada na tentativa meramente proposicional. O teor ideal das coisas pode ser percebido unicamente de Iorma imediata pela percepção. A Iigura e a imagem constituem-se em compreensão como modos de aparecer, como Ienômenos do real que nesse processo exsudam de modo imediato algo inteligivel. A Iigura e ja linguagem Iormada, intuição captada, processo de percepção lingüistica como imediação de experiência. O vir a ser e o alvo de interesse, vir a ser que se capta exatamente na sua interrupção Iormadora de imagem. O que nesse processo e conhecido e captado depende ao mesmo tempo do modo pelo qual aquele que capta e interrompe inclui a si mesmo e se compromete. E possivel dizer que desta maneira o conhecimento, ou a verdade e parte do acontecer e não algo abstrato que estivesse alem do tempo para uma contemplação extasiada e para ser instaurada como Iundamento e estatuto de justiIicação da normalização dos juizos em geral. Na imagem, portanto, o acontecer e sem mediação, e nessa imediação o homem se encontra numa circunscrição que não se deIine nem pelo mundo objetivo e nem pela esIera do pensamento da objetivação, nem na sintese de ambos, mas lhe e revelada a realidade alem da consciência e da mera percepção sensivel. O estado, ou o acontecer da imediação na percepção da imagem e como que anterior a tudo aquilo que pode ser dito depois de modo reduzido em termos de coisas ou conceitos. E e exatamente por isso que o teor |Gehalt| da imagem so pode ser captado de modo não-predicativo. 290 A imagem e o vir a ser interrompido em seu Iluxo. O Iluxo da historia costumeiramente e entendido como se acontecesse por conexões causais. Se a imagem e a interrupção deste Iluxo, alem ou aquem das conexões causais da historia, então o surgimento da imagem não pode ser explicado causalmente, mas somente e possivel apontar um simples acontecer concreto e expressivo em si. O ser que se diz conceitualmente, como ja visto, e dependente da atividade do entendimento que sinteticamente propõe-se a elaborar dados dos sentidos. Ao contrario disso, a imagem não se deixa ordenar por nenhum sujeito, pois ela surge quando a consciência de algum modo se perdeu no devir, e e ela que, enquadrando o sujeito, se lhe Iaze perceptiva conIigurando o homem em seu proprio acontecer. O surgimento da imagem como interrupção pode mudar no tempo, mas não esta sujeita ao Iluxo do tempo: ela se da no agora da sua reconhecibilidade de acordo com a quinta tese do texto Sobre o conceito de historia (GS I- 2, 691). Neste sentido o modo de vir a ser de uma imagem e o da Iorma abreviada de todo o transcurso da historia que nela se torna sobremaneira intensivo como que na dinâmica de uma mônada, que numa compreensão Iulminante, desloca signiIicados para novas conIigurações. De acordo com a contradição da linguagem, ha sempre a ânsia da procura por um ser duradouro que garanta a validade de uma verdade intemporal, mas, numa ironia paradoxal, essa meta esta sempre Iadada ao Iracasso pelo Iato de ter de se ater as condições das proposições dos nexos causais historicistas, conIiantes na substancialidade da consciência com a sua sugestão de ter estabelecido um tempo continuo e sem os sustos dos deslocamentos pelas imagens. Ainda em seu ultimo texto, em Sobre o conceito de historia, Benjamin aborda esta questão do seguinte modo: O historicismo contenta-se com estabelecer um nexo causal entre diversos momentos da historia. Mas nenhuma realidade de fato e, a titulo de causa, um fato fa historico. Tornou-se tal, a titulo postumo, graças a acontecimentos que podem estar separados dela por milênios. O historiador que parte dai cessa de desfiar a sucessào dos acontecimentos como se fosse um rosario. Ele aprende a constelaçào que sua epoca passou a integrar com uma epoca anterior bem determinada. Funda assim um conceito de presente como tempo agora no qual foram encravadas lascas do tempo messianico.(GS I-2, 704).
Sabemos que o conhecimento do mundo das coisas e repetivel a exaustão, mas a imagem de que aqui se trata aparece apenas num exato momento e ponto sem extensão alguma. Ela e unica precisamente enquanto não proposicional e pode ser relacionada com o 291 termo aura. Na percepção de uma paisagem rural não são percebidos apenas os animais, os passaros, as plantas, a variedade de cores, o aroma, o azul do ceu, mas, ao mesmo tempo, tambem o percurso de vida numa apreciação que jamais se repetira de modo igual como naquela hora e naquele local em que se conjugavam recordações de ontem com saudade de Iuturo. A imagem auratica Iormada e unica e Iugidia e, precisamente por isso, diIerencia-se Iundamentalmente da repetição e dos retornos programados de uma imagem a ser idolatrada. O idolo se torna coisa enquanto objeto reproduzivel a exaustão e, por isso, reproduzivel e aquilo que e objetivavel, que e aproximado e Iixo para ser preso a proximidade e disponivel a qualquer hora. A proximidade requerida como condição espacial exige coisiIicação de um mundo Iisico e manipulavel pelos recursos da consciência que se quer autônoma. No mundo moderno a percepção para construção da objetivação por proximidade signiIica maior diIiculdade de compreensão da experiência em imediação perceptiva. A aura e escamoteada continuamente num mundo alucinado pela intenção de repetição da reprodução em massa de todas as Iormas perceptivas. Curiosamente Benjamin tematizou o termo aura pela primeira vez no texto de Pequena historia da fotografia (GS II-1, 368). Depois do seu desenvolvimento tecnico, a IotograIia representa a realização do pensamento objetivador quando intenta dominar as coisas por meio da reprodução colocando-as ao dispor daquele que percebe. A IotograIia produz proximidade trazendo as coisas para a circunscrição dominadora do sujeito, exatamente para o espaço em que a consciência pode deitar a mão nelas. ConIorme Benjamin, esta e a mesma estrutura do jornalismo, pois tambem ele trata de um saber em que a experiência desapareceu. A intenção da imprensa consiste em isolar os acontecimentos do ambito em que pudesse di:er respeito a experiência do leitor. Os principios da informaçào fornalistica (novidade, concisào, compreensibilidade e, antes de tudo, falta de conexào das noticias individuais entre si) cooperam para esse resultado como a paginaçào e a administraçào da linguagem. Karl Kraus nào se cansava de comprovar como o habito de linguagem dos fornais aleifa a imaginaçào dos seus leitores (GS I-2, ¯10).
Os resultados das estruturas do saber objetivador e que produzem a separação de imagem e reprodução, distância e proximidade, linguagem comunicativa e linguagem enquanto expressão participante, experiência de percepção imanente e mera vivência na repetição do igual previa e Iixamente organizado. A reprodução e a inIormação jornalistica caracterizam-se pelo Iato de que o seu conteudo pode ser objetivado. Enquanto mero 292 sistema de sinais, tambem a linguagem pode ser utilizada para a apresentação de proposições, como tambem ser reproduzida ao bel prazer. Mas como ja visto, a experiência na imagem se torna intuicionante e reconhecivel no nome, na linguagem, sem se deixar coisiIicar. A experiência e algo que se tem, mas do que não se pode dispor como se Iosse um objeto, pois o seu saber no âmbito da percepção esta distante da situação de manipular e combinar objetos em que o sujeito se encontra na imediação do seu esquecimento cotidiano e atareIado. Na relação Ieita entre experiência e aura, ha que compreender que a aparição auratica e entendida enquanto unica e irrepetivel e não emerge somente porque o homem capta e interrompe o devir, mas porque na percepção da imagem aquele que percebe perde a sua condição de observador neutro e distanciado: desaparece a diIerenciação entre sujeito e objeto. A imagem não denota uma reprodução IotograIica que Iosse resultado do perceptor, mas ela ocorre aparecendo quando este se torna uma unidade com o proprio acontecer. Aquilo que esta alem ou aquem da separação de si mesmo e de mundo supostamente completamente objetivado e a experiência. No texto Ao sol somos inicialmente conIrontados com um homem que numa paisagem de uma ilha do Mediterrâneo Iantasia sobre o desejo de conhecer mais proIundamente todos os objetos que encontra, pois ja não se da mais por satisIeito com a sua mera denominação por rotulação individual. Di:em que ha de:essete especies de figos na ilha. Dever-se-ia conhecer seus nomes di: para si mesmo o homem que se pòe a caminho ao sol. Sim, dever-se-ia ter visto nào somente os capins e os animais que dào rosto, som e cheiro a ilha, as formaçòes da montanha e os tipos de solo que vào do poeirento amarelo ate o marrom violeta, com as largas superficies de estanho no meio mas, antes de tudo, dever-se-ia saber os seus nomes. (GS IV, 417).
A descrição especiIicada dos objetos enumerados não satisIaz o homem. Ha a sensibilidade da visão de se ver um determinado conjunto como se Iosse um rosto, e a capacidade de diIerenciação pela visão dos animais, plantas e montanha, pela captação do odor, da cor e do som da paisagem. Ha tambem conhecimento geologico sobre montanha, solo e seus materiais especiIicos. A objetividade e os conhecimentos cientiIicos estão a postos: o que poderia estar Iazendo Ialta? A resposta e que ele prescinde de algo anterior: dever-se-ia saber os seus nomes. Os nomes, então, não são nem as designações utilizadas, nem as representações e nem os conceitos, e eles devem expressar uma condição que esta 293 alem do que e captavel sensivelmente e possivel de ser sintetizado pelo pensamento. Do texto 'Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens¨ e possivel recordar que a natureza pode e deve ser reconhecida como palavra expressa e, no Iim da presente citação, nota-se uma ruptura que aponta para essa direção, numa mudança de perspectiva: Nào constitui cada regiào a lei de um encontro sem repetiçào de plantas e animais e, portanto, cada denominaçào de lugar um codigo sob o qual flora e fauna se encontram pela primeira e ultima ve:? (GS IV, 417).
Na totalidade do devir os encontros nunca se repetem de modo igual, e esta e a lei Iundamental. Plantas, animais e terra estão num encontro bem determinado e irrepetivel exatamente agora, mas a lei que rege tais encontros e a anti-lei, ja que e a lei do irregular ate a impossibilidade da repetição da mesma conIiguração. A anti-lei trata de liqueIazer imediatamente as pretensões de ordenamento espacial e organização temporal dos encontros em repetição, pois qualquer estruturação não comporta encontros de primeira e ultima vez. A desistência de qualquer ponto de partida para a Iixação de algum substrato que pudesse justiIicar o conhecimento anteriormente ostentado apresenta-se na ironia de que a denominação de lugar pudesse constituir um codigo, uma ciIra, uma chave para a elucidação objetiva de tal encontro. De acordo com essa anti-lei as coisas, plantas e animais perdem a condição de objetos assim reconhecidos pela repetição de acordo com os criterios de identidade e diIerença. E total o desmanche da conIiabilidade no processo de ordenamento por estruturas administradas pelo pensamento: ao inIinito tudo e sem repetição, tudo e sem lei e tudo sempre e pela primeira e ultima vez. Quando visto bem de perto, o conhecimento ordenado não e possivel e a Iarsa da consciência unicamente ordenadora perde todo o seu encanto e a sua magia. A ciência e a tecnologia em objetivação e Iuncionamento são um milagre a ser ainda desvendado ou uma catastroIe esquecida de si, porem, mesmo nelas nada se repete, pois ja a cada volta em torno de um circulo a numeração, o tempo e o lugar são outros. Mas o que e unico, conjugado e sem repetição e aparição perceptivel enquanto imagem. Entre a organização de um espaço geograIico Iuncionalmente sinalizado pela linguagem e a completa dissolução na indistinção absoluta, ha a possibilidade dos encontros de primeira e ultima vez, a possibilidade do acontecimento da percepção Iundamental da imagem no sentido de que a propria percepção Iaz parte da paisagem que percebe num agregado unico. A imagem enquanto encontro irrepetivel se relaciona com o 294 lugar em que se da como na relação existente entre a designação e o nome. A designação comprometida com as intenções de autonomia da consciência da lugar ao nome que desde sempre a possibilitou. O nome atras do sinal não Iorma uma nova classe de palavras. Trata- se sempre da mesma palavra: por um lado, a palavra na intenção de designar algo outro no sentido de representar uma grandeza deIinivel e objetivavel, que e o lugar como espaço Iisico a conter objetos determinados e identiIicaveis, e, por outro, o nome enquanto expressão da reunião que nesse mesmo local acontece. Conceito, isto e, sinal, pertence a uma ordem do saber enquanto o nome e de outra ordem e ambas tratam de realidades diIerentes. Apesar disso o mundo das coisas designadas e o mundo da imagem e o mesmo mundo, como o sinal e o nome pertencem a mesma linguagem. O nome e perceptivel numa imediação que Iica inIinitamente alem ou aquem da percepção apenas direcionada e interessada na constituição de objetos Iixos. Entre a Iixidez designativa e a abertura ao caos, emergem a imagem e o nome circunscrevendo uma reunião em que o eu da consciência se dilui para Iazer parte da ocorrência da experiência. Como se diz a experiência que não se deixa designar supondo indeIinidamente a condição anterior a qualquer designação? Qual a alternativa entre a elaboração designativa e o silêncio diluido num espaço indiIerenciado e num tempo embotado na imobilidade absoluta? O viajante em seu caminho chega a outra paisagem na ocorrência do seu pensamento e Iormula a hipotese: Mas o agricultor certamente tem a chave da escrita cifrada. Ele sabe os nomes. Mesmo assim nào lhe foi concedido expressar algo sobre o seu lugar. Os nomes nào o teriam tornado num homem laconico? Entào a opulência da palavra cabe apenas aquele que tem o saber sem os nomes, mas a plenitude do silenciar aquele que nada mais tem do que os nomes? (GS IV, 417).
Por que o camponês haveria de ter a chave dos nomes, a chave da escrita ciIrada? O agricultor e aquele mesmo que mais adiante no texto aparece como alguem que desde seculos anda pelos caminhos da ilha, plantando e colhendo nos seus campos. E uma indicação de que em todos os seus gestos ha uma experiência que não pode ser reduzida imediatamente a um conjunto de proposições para descrição objetiva. O viajante e estrangeiro e se movimenta pela primeira vez naquele solo, mas o agricultor e da ilha, e durante toda a sua vida Iez parte daquela paisagem em que ha muito cunhou os seus caminhos deixando rastros bem deIinidos, que testemunham a sua união com aquela natureza. Convivio duradouro, então, perIaz uma relação de mundo qualitativamente 295 diIerente que engloba o seu perceptor: e a experiência. O tempo de convivência Iaz surgir um saber que e o do nome que a propria vida Iaz transparecer. Do chão da tradição nasce a experiência que e a outra Iorma de saber, pois capta o mundo de uma Iorma que a sensação historicamente alheia ao lugar não percebe e o entendimento não consegue elaborar. A tradição possibilita uma interação com o mundo Irente ao que a consciência e uma atividade extremamente reduzida: ela não pode ser conduzida pela consciência. Aquilo que e resultado do exercicio no tempo secular não pode ser objetivado por um entendimento com intenções de manipulação. Alem da separação de sujeito e objeto estende-se uma conexão de compreensão entre o eu e o mundo na imanente realização pratica da vida em geral, a qual não se pode reIerir como se Iosse um objeto a sua Irente. Assim, a experiência e uma Iorma de saber não imediatamente proposicional. O camponês em sua situação e parte integrante da totalidade de um mundo articulado como experiência e do qual não mais pode tomar distância para uma veriIicação objetiva. Mas exatamente esta situação lhe da a chave da escrita ciIrada sobre a paisagem de que Iaz parte. Com essa chave ele e necessariamente lacônico a respeito de si mesmo enquanto paisagem, porque nesse encontro da e na paisagem teria de usar o todo da linguagem para a tradução sonora e objetiva do que esta a acontecer a ele e ao seu entorno. A linguagem do nome que conhece e em que se encontra Iaz com que tenha cuidados quanto a tagarelice, pois, sobre qualquer coisa que disser, ele sabe que ressoara como eco em seu ouvido pelas conexões do seu entorno em que esta inapelavelmente enredado. Portanto, o camponês sabe que qualquer elocução sua não e apenas a atividade de um entendimento constituido solitariamente para a produção de objetividades especiIicamente direcionadas, mas que signiIica ja a maniIestação expressiva e total de tudo que o constitui enquanto cercania de que mesmo Iaz parte na condição de Ialante. O camponês e lacônico pelo Iato de se perceber coadjuvante naquela sinIonia em execução em que percebe que a sua contribuição de vida deve ser bem executada na interpretação da peça orquestral ja em pleno andamento: a solidariedade imediatamente imanente não lhe pesa como uma contribuição Iorçada a ser contabilizada em termos de acertos e erros por criterios explicitos de algum agente externo com arrogante e Iicticia autoridade para tanto. Esta experiência caracteristica do camponês Ialta ao estranho que se movimenta na circunscrição da linguagem proposicional esquecida da sua condição expressiva. A opulência do seu discurso que parece a propria clareza que tudo torna proximo constitui-o em estranho no meio em que se encontra, pois as suas palavras soam completamente estranhas na intenção de uso enquanto instrumentos de 296 descrição positiva no processo de objetivação que promove. As suas palavras são instrumentos ativados para a ediIicação do conhecimento de uma subjetividade que se considera autônoma e inIinitamente divorciada do que manipula. A opulência da sua Iala instrumental não tem o estatuto dos nomes e isso Iaz com que seja estranho a si mesmo e a suas palavras. Certamente, aquele que assim no caminho medita reflexivamente nào provem daqui, e quando em casa sob ceu aberto lhe vieram os pensamentos, fa era noite. Apenas com estranhe:a tra: a memoria que povos inteiros fudeus, indianos, mouros edificaram o seu sistema doutrinal sob apenas um sol que parece impedir-lhes o pensar. (GS IV, 417).
A estranheza do viajante e o motivo de ele não conhecer os nomes. A meditação reIlexiva de um eu preocupado e abalado por essa sensação de estranheza que lhe acontece parece ser um sinal indicando o isolamento dessa atividade e da solidão em que se encontra. A meditação reIlexiva como exercicio de autonomia para auto-certiIicação de si enquanto eu centrado e manipulador e atrapalhada sob o ceu aberto da noite em que os pensamentos lhe vêm. Quem parecia manejar pensamentos de repente se vê a ter de reconhecer em sua noite que os pensamentos lhe vêm sem convite e impositivos, arrebentando o casulo em que estava encapsulado e obrigando-o a se dar conta da existência de um ceu aberto muito mais alem. A noite do eu Iaz-lhe surgir a estranheza do sol sob o qual judeus, indianos e mouros construiram o seu ediIicio doutrinal, as suas ilhas em que expressam o seu ser. Nesse gesto, a noite do ocidente do pensamento IilosoIico reconhece a sua estranha diIerença em relação ao sol do oriente. O sol assume o seu antigo e natural paradigma de luz do conhecimento, so que aos judeus, indianos e mouros ele parece ter impedido o pensamento objetiIicador. Eles Iorjaram as suas doutrinas sob o calor do sol assumindo-as como a luz da sua expressão imediata em seu ser assim, sem a constituição Iiccional da possibilidade de um centro de outorga de luminosidade e validação absoluta. Na noite do eu ocidental o viajante da-se conta da sua estranheza ao perceber pensamentos lhe advirem sob ceu aberto: trata-se de uma luz desconhecida que se revela a alguem como que divorciado da natureza e prisioneiro da sua propria subjetividade. Estranhas lhe parecem as ediIicações doutrinais que não Ioram produzidas por uma racionalidade em busca da certeza dos seus proprios Iundamentos. O sol queima penetrando com a sua luz a escuridão do eu encapsulado e atrapalha pondo em duvida as produções do entendimento solitario. 297 Esse sol esta lhe queimando as costas. Resina e tomilho impregnam o ar, no qual ele, puxando folego, crê sufocar. Um :angào bate em seu ouvido. Mal ele tinha percebido a sua proximidade e fa o turbilhào do silêncio novamente o levou embora. A mensagem de muitos veròes a que renunciara distraidamente pela primeira ve: presta atençào a ela e ai ela se interrompe. (GS IV, 417).
Debaixo do sol os orientais Iorjaram as suas doutrinas de que são expressões, e esse sol a queimar as costas do viajante lhe indica que toda a elaboração IilosoIica do ocidente tambem o inscreve na expressão do que e, sem a possibilidade de realização da separação absoluta de um centro articulador do conhecimento do ser. A ardência do sol como que Iunde o eu na sua pretensão de isolamento complementando os odores da resina e do tomilho que arrastam o seu corpo a imanência da terra obrigando-o a resIolegar e se aperceber da proximidade do chão. Puxado para a quietitude da planura a Iim de Iazer parte da paisagem, inicia a perceber a transIormação que nele se opera, pois um zangão depois de bater no seu ouvido vai-se embora lhe trazendo a enormidade do silêncio que agora o cerca. Nisso ha uma mensagem que pela primeira vez escuta e tenta elabora-la descritivamente, mas oscila entre permanecer rente a terra e prestar atenção para uma descrição positiva e competente. A oscilação se da na escuta da mensagem do entorno, entre a sua elaboração discursiva para a manutenção do eu e a escuta interruptora simplesmente: a mensagem pode virar escuta numa relação de imediação tradutora. 'A vereda quase apagada torna-se mais larga; rastros conduzem a uma carvoaria. La atras no nevoeiro se esconde a montanha para a qual os olhares do escalador se dirigiam¨. (GS IV, 417). A vereda do conhecimento objetivo quase apagada torna-se paradoxalmente mais larga. Apesar de os primeiros rastros indicarem a pretidão de uma carvoaria, o olhar daquele que sobe vê a montanha ainda distante depois do cinza de um nevoeiro. A proximidade da representação objetiva tornou-se rastro de carvão, o que instiga naquele que sobe, isto e, no viajante, a visão e a sede da distância alem do nevoeiro. A aura do proximo e do distante acontece. A proximidade e a objetivação Iaceira que se torna rastro do que sempre supôs e sempre tera de supor em seu exercicio: o distante essencial que não esta ao dispor do saber proposicional. A aproximação de ambos num amalgama Iaz desaparecer a distância entre o si mesmo e o mundo: a atenção e a percepção consciente do mundo como externo empalidecem. 298 Algo frio se torna perceptivel em sua face. Ele o toma por uma mosca e ai bate. Mas e apenas a primeira gota de suor. Logo vem a sede. Ela nào vem do palato, mas da barriga. Dai ela se espalha por toda a parte instruindo o corpo, grande quanto e, para ser capa: de aspirar e beber por todos os poros o mais miseravel sopro.(GS IV, 417).
O corpo começa a reivindicar os seus direitos. Ainda algo externo parecendo uma mosca parece arriscar-se a uma interIerência indevida no curso dos pensamentos em Iusão com os arredores. Quando bate contra o rosto para se desIazer do que imagina estar atrapalhando escandalosamente as suas ultimas resistências ao desmonte do controle externo, percebe que e seu proprio corpo a se integrar no mapa orgânico da natureza: e uma gota de suor. Primeiramente completamente absorto em reIlexões, logo começa a sentir no corpo a necessidade proIundamente exigente de maior integração. Independentemente de qualquer resolução da vontade de teorizações para a construção autônoma de si mesmo de modo separado, surge a sede que vem bem de dentro de si expressando o seu comando a toda a extensão do corpo ate aos limites dos poros da pele, que, na verdade, limites não são, pois pela sucção de qualquer brisa indicam dependência, integração e reunião anteriores a tudo. O eu não perde somente o controle sobre o que arbitrariamente estipulou como exterior, mas tambem sobre a interioridade corporal, bem como a resolução imperiosa do mando da dependência e da reunião ja sempre anterior a quaisquer decisões. Os costumeiros caminhos do dominio das sensações pela consciência estão interditados a ponto de não ser mais possivel localizar ao certo a sede, pois o corpo tomou por si mesmo as redeas como centro de sensações. Um alheamento cada vez maior cresce ate a perda do controle sobre o que esta a acontecer. 'Ha muito, a camisa ja escorregou do seu ombro e, quando ele a puxa para si a Iim de se proteger da ardência do sol, e como se manejasse uma capa molhada¨. (GS IV, 317). A roupa tem a Iunção de preservar a diIerença entre mundo externo e corpo, mas ja nem sentira a sua queda dos ombros e somente a sensação de ardência do sol tem a Iorça de ativa-lo para que instintivamente se proteja com algo que agora lhe parece uma capa molhada do suor provindo do seu corpo e que nela depositou: recolhe ao corpo o que o corpo exsudou numa nova Iorma de integração. Cada vez mais se Iorma uma indiIerenciação entre interno e externo. Tanto que a tematização das sensações oscila não respeitando mais qualquer limite entre as sensações que supostamente avisam exterioridade e as que notam interioridade. Corre solta a divagação entre tudo e todo, entre externo e 299 interno, sem mediação, porque a percepção da imersão numa totalidade suposta se consumou. A camisa molhada repassa ao viajante a inutilidade da proteção que prometia ser para a conservação de limites. Por isso tudo, o salto de um assunto ao outro acompanhando percepções e pensamentos podem dai por diante suceder num Iôlego so, sem causar a impressão de serem desconexos e deixando de causar maior estranheza e sobressalto. Amendoeiras numa descida profetam a sua sombra aos pes do tronco. Amêndoas sào a rique:a da terra. Nenhuma fruta da ao agricultor mais remuneraçào. Nesta epoca e a unica madura, e andando e agradavel alongar o braço ate os ramos. (GS IV, 418).
No limiar, a percepção da projeção da sombra das amendoeiras mescla-se com a notação racional econômica a respeito da vantagem da remuneração possivel pelas amêndoas e, então, volta para a sensação de agradabilidade em colhê-las na sua parcial madureza alongando o braço ao que as arvores ao natural oIerecem. O braço que se alonga, a amendoeira com ramos e Irutos, o aproveitamento econômico, o agricultor e a epoca de amêndoas quase maduras Iormam um quadro so. O viajante deglute as Irutas deslocando consigo parte da arvore em Iorma de amêndoas e cascas na mão. 'Apenas com muito custo a mão se separa das cascas descaroçadas. Leva-as durante algum tempo consigo, deixa que sejam levadas numa corrente que as arrasta para diante¨. (GS IV 418). As cascas não têm mais valor econômico e, mesmo assim, permanecem na mão como se esta tivesse sentimento e impulso proprios, como se ela estivesse desligando-se da centralidade da vontade orgânica que supõe comando Ierreamente insistente, ou ate como se as proprias cascas na palma da mão pudessem decidir os seus destinos externando o desejo de viagem mais longa na decisão de serem atiradas na corrente de um corrego para levar muito mais adiante a noticia da arvore generosa. A consciência deixou de guiar as ações, a mão deixou de reagir por suas sensações solitarias e quem comanda o processo e o conjunto de casca, mão e distanciamento possivel pelas aguas do corrego. Na desistência da pretensão absoluta da centralidade da vontade ha, assim, uma reunião do proximo e do distante que elimina a pretensão do observador Iazendo com que o viajante Iaça parte do acontecer geral da arvore, da amêndoa com seu caroço e cascas, do burburinho das aguas do corrego, da proximidade e da distância que se resumem num atimo de tempo. Joga-se Iora os limites cascudos dos Irutos que se Iormaram para proteger o que posteriormente e deglutido? Ou 300 as cascas quebradas enquanto limites desIeitos exigem maior expansão dos seus horizontes na correnteza de um corrego? DiIicilmente a consciência enquanto nucleo se desIaz dos seus limites. Mas quando acontece o rompimento das suas barreiras, quais são as aguas que as levam e qual e o corpo que deglute o seu caroço avaliando a sua madureza e diluindo-o em si mesmo? A quebra dos limites da consciência e o processo da sua destruição ou da ampliação dos seus horizontes? Da arvore de que nasceu como caroço e casca, a consciência sabe da ilha e da paisagem de que Iaz parte como expressão? Os caroços estào maduros, mas nào completamente, o suco neles e mais fresco do que depois, quando a sua pele e marrom e nào mais se pode tirar. Agora eles têm a cor do marfim como queifo de cabra e espartilho de mulher. O seu gosto e de marfim. Quem os tem entre os dentes ouve, impassivel, fontes rumorefarem na folhagem das figueiras. Mas os figos estào cravados, verdes e duros, mal visiveis nos eixos das folhas. (GS IV, 418).
Os objetos agora não são mais coisas simplesmente a Irente para serem analisadas, mas são imagens que se mesclam com as sensações e recordações do viajante a ponto de este intuir a sua essência. Essa essência não e nem deIinivel, nem exatamente descritivel por uma linguagem que primasse pela apresentação dos seus Iundamentos conscientemente postos para a produção de absoluta objetivação, mas apenas se deixa captar pela indicação signiIicativa dos nomes. Alem das associações meramente subjetivas acontece a integração perceptiva em que se revela a essência da coisa mesma ao modo de imagem intuitiva por meio das sensações. O tornar-se uma unidade com as coisas conhecendo-lhes os nomes na imediação intuitiva ocasiona um continuo de quase alucinação no viajante: os caroços não tão maduros, com o seu suco perceptivel ao paladar, com a cor visivel na sua pele, com o seu som entre os dentes Iazem ouvir Iontes rumorejantes nas Iigueiras. No rumorejar das Iigueiras diretamente ligado ao ruido da mastigação de caroços de amêndoas, o som da origem se Iaz tempo agora para indicar a reunião da integração de tudo: a origem do Iundo dos tempos esta presente na diversiIicação das sensações, pensamentos e palavras que simultaneamente ocorrem Iazendo parte do processo em andamento. As sensações, os pensamentos e as palavras não são nem posteriores e nem anteriores ao que ha, mas se integram numa participação em que uma Iigueira dita e uma das perspectivas possiveis da sua propria essência original enquanto tradução continua da origem de tudo. A linguagem do viajante nesse momento não e nem a validação e nem a verdade da Iigueira, mas a propria continuidade de um dos seus aspectos enquanto percepção tradutora. Na origem, a 301 Iigueira participa irradiante de todas as sensações que possibilita para receber a marca da linguagem humana que tambem passa a integrar. A percepção inicialmente Iragmentaria e balbuciante do viajante ao sol Iaz adivinhar o que se quer dizer com a linguagem paradisiaca em que o dom de Ialar era a doação dos nomes como participação da propria essência do homem em meio a criação. A sensação, o pensamento e a palavra humana não são mecanismos de triagem organizada entre si para a produção de verdades absolutas com que se Iez a noite do ocidente, mas o compartilhamento numa reunião em que simplesmente o merito das coisas se apresenta Iazendo rumorejar a origem em nominação expressiva. Assim acontece que a natureza recupera sua original vivacidade na capacidade da participação da sua nomeação. Amêndoas quase maduras, mas Iigos ainda verdes e em parte escondidos, isto e, para quem iniciou a viagem de volta na quebra da sua auto- limitação, ha promessa de continuidade de muito mais caminho de se andar. O sentido pode tornar-se doação mutua num sentimento de mutua dependência numa relação original. Chegou o momento em que parece que apenas as arvores vivem. Nos pinheiros as cigarras tinem, o seu :umbido ressoa desde os campos poeirentos. Eles agora se encontram apos a colheita com a expressào tosca daqueles que se desfi:eram de tudo. A sombra, o seu ultimo bem, se encolhe reunida aos pes das altas medas. Pois e a hora do recolhimento.(GS IV, 418).
A imagem signiIicativa se Iortalece cada vez mais e a distância entre o eu e o mundo se desvanece IluidiIicando-se na vastidão da paisagem com a perda da sua Iixidez. O mundo das coisas mortas objetivadas da lugar a imagem viva e perceptivel provinda de todas as direções. O pensamento objetivador costumeiramente articulado em proposições positivas da lugar a uma unidade tambem inteligivel no nome que se sabe em vasta dependência. Os campos apos a colheita se assemelham precisamente ao viajante que perdeu todos os bens que Iormavam a couraça limitada do seu eu, que agora se estende, se expõe e se integra na vasta nudez do se espalhar no todo. A unica coisa que resta aos campos e ao viajante e a sombra do que Ioi aos pes dos montes de palha. Na hora da reunião, o orgulho da consciência autônoma perdeu o seu aguilhão, as sensações estão sob o Ieitiço da distância e as imagens se impõem ao viajante. 'Os proprios bosques dispõem-se em torno dos cimos como se o ancinho do verão os tivesse recolhido¨. (GS IV, 417). As imagens conseguem ludibriar o tempo, pois no momento da sua emergência permanecem paralisadas impondo-se as sensações e ao 302 pensamento a ponto de Iazerem parte do quadro. Por isso, não e possivel identiIicar uma percepção racional objetivadora com uma percepção de imagem. Ambas constituem Iormas diIerentes de saber, pois na imagem o observador nela se dilui na percepção de uma dependência que o torna imanente ao quadro, enquanto que no processo racional acontece o esquecimento Iundamental dessa mesma dependência na procura e na aIirmação de um Iundamento separado do todo que se expressa para a Iixação de um mundo de objetos como se pudesse estar em paralelo com o mundo da linguagem. Na imagem de pensamento 'A distância e a imagem¨ Benjamin compara a condição da primeira Iorma de saber com o prazer do sonhador: 'Acaso o prazer pelo mundo das imagens não se alimenta da sombria teimosia contra o saber?...Assim, interromper a natureza na moldura de imagens esmaecidas e o prazer do sonhador¨. (GS IV, 427). Da aparência de sonho ao perceber parece ser apenas um passo: a Iorma de saber que possibilita a percepção visual da imagem e traduzida acusticamente no nome. A intencionalidade da capacidade do entendimento se desvanece na abrangência total da realidade da imagem, os objetos do conhecimento não mais existem e a natureza compartilha os seus segredos quando o homem se desIaz das grades da sua egolatria em que esta preso por um esquecimento que o alucina. Apenas vimeiros encontram-se isoladamente nos restolhos e a sua folhagem brilha em preto e branco como prata de tule. Nenhuma e mais embandeirada e, mesmo assim, quebradiça, rica em acenos quase nào mais perceptiveis. Mesmo assim um deles acerta o transeunte. (GS IV, 418).
Quem ingressa no mundo dos nomes recebe acenos. O viajante tem a vaga impressão de que a Iolhagem das arvores lhe acena, tanto que a de uma delas ate o acerta. Ele esta na situação de perceber que a natureza tambem o percebe e procura a partilha da comunicação. Recorda-se do que realmente ja lhe aconteceu quando se tornou uma unidade com uma arvore e ouviu a sua linguagem. Jem-lhe a mente o dia em que sentiu funto com uma arvore. Naquele tempo bastava apenas aquela a quem ele amava ela estava na relva bem indiferente a ele, e a sua triste:a ou o seu cansaço. Ai ele escorou as costas num tronco e este o ensinou a sentir. Quando o tronco iniciava a balouçar com ele aprendeu a tomar folego e a expirar quando o tronco balouçava de volta.(GS IV, 418).
A recordação do luto e da tristeza pela indiIerença e perda da amada de outrora se junta a sensação da experiência havida de sentir-se arvore a balouçar recebendo acenos em 303 dialogo com os arredores. Uma outra imagem de pensamento de Benjamin, 'A arvore e a linguagem¨, evoca algo semelhante quando passa a entender e Ialar a linguagem da arvore como se com ela estivesse unido por conubio desde todos os tempos. (GS IV, 425). Sentir junto com a arvore e entender a linguagem dela como se Iosse um casamento parecem lembrar a Ielicidade erotica paradisiaca em que o cumprimento da Ielicidade e imediato e constante. Perder tudo, como um campo em epoca de colheita e como o viajante em situação de diluição das costumeiras objetivações Iixas em que estava enredado, leva ao sentimento de perda e de renuncia que Iavorece o sentir-se unido a arvore. A aspiração ao conhecimento dos nomes desse modo constitui-se de um desejo erotico de Ielicidade imediata, isto e, sem a intermediação do pensamento racional voltado a Iins que insistentemente apenas se tem como instrumento e nunca como consumação. O pensamento instrumentalizado somente para a Ielicidade Iutura torna-se vitima da impotência de se isolar na ganância de tudo querer e de nada usuIruir num esquecimento embotado de que ja esta em plena situação de participação. A surdez ao recado original dos arredores como que arremessa a consumação da Ielicidade a negatividade inIinita. O saber dos nomes enquanto tradução de uma relação completamente diIerente de si mesmo e com o entorno e um saber imediatamente pratico que não se ativa na posse intentando a dominação doentia da natureza para a consecução de Iins julgados imprescindiveis. O Eros, do qual se trata, certamente procura Iazer a religação do eu com o mundo, mas evidentemente num sentimento de unidade paradisiaca que não elimina qualquer um dos polos em questão: aspira uni-los sem os misturar. Na imagem, a sincronia dos movimentos de arvore e homem lembra a execução de uma notação musical em que ha consonância sem intenção, numa dependência de um em relação ao outro. Esta mesma sincronia dos movimentos e uma convivência em que simultaneamente se processa a tradução em aprendizado mutuo num dialogo de imagens. A movimentação da arvore e articulação muda compreendida não como sinais, mas como a sua expressão imediata. Como no texto de 'A linguagem em geral e a linguagem dos homens¨, a essência da arvore participa a si mesma ao seu modo para neste aspecto ser traduzida na expressão da linguagem do homem, o que, por sua vez, e a expressão deste. Sem duvida, tratava-se apenas do tronco cultivado de uma arvore ornamental e de modo inimaginavel a vida daquele que poderia aprender com esta arvore rachada, a qual, ainda mais fendida, desenvolve-se triplamente a partir do chào e funda um mundo inexplorado que se reparte na direçào de três pontos cardeais. Nenhuma vereda torna-o acessivel. (GS IV, 418). 304
Daquela vez tratava-se de uma arvore ornamental, sendo que agora recebe o aceno de uma arvore rachada que se desenvolve de três partes desde o chão. Que aceno estaria ela a dar? De que mundo invisivel as suas raizes de dentro do chão ela expressaria para que o viajante de agora o percebesse enquanto imagem? Perceber-se no subsolo para sugar a seiva da terra e possivel aprender? Como se transIorma o inorgânico em orgânico? Como seria a completa desistência na diluição de si mesmo numa escuridão vital e original propiciando, numa Iermentação e germinação primeira, a continuidade da vida em todas as direções sob a luz do sol? Que mundo abissal e inexplorado e esse que a partir de si Iunda os outros? O que e que vem antes de tudo para que o que esta sendo seja? O viajante percebe que para la não ha vereda, mas apenas a vereda da oscilação do ja ser. Experimentar o ensinamento da imagem da arvore Iendida em três direções ja iniciaria por se perceber sugando a seiva desconhecida da terra a partir de três direções. São pontos cardeais, civilizações, povos? E a duvida sobre a proveniência de toda a divida que o constitui enquanto emergência de sensação, pensamento e palavra na integração suposta? E a impossivel vereda a ser trilhada, pois leva ao abismar-se sem solução na proibição de qualquer reconhecença. O Iundamento da participação sempre de novo sera participação, e a insistente procura alucinada leva ao esquecimento de que qualquer construção e apenas a continuidade de uma paisagem ja sempre a vista. Onde o eu se perde: e no reconhecimento da sua proveniência diluida e esparsa, ou e no esquecimento crente da atividade de uma razão autônoma? Na indecisão oscilante, a solução e seguir caminho. Mas qual? Mas enquanto indeciso ele segue outro caminho que a cada momento ameaça trai-lo, ora fa:endo mençào de se perder enquanto senda, ora de interromper-se diante de uma touceira de espinhos, como homem tem a si novamente nas proprias màos, quando os blocos de pedra se escalonam em terraços e marcas de veiculos ai impressos indicam uma casa de campo na proximidade. (GS IV, 419).
No mergulho mistico de uma participação sem reIerências a perda de si e iminente e as touceiras de espinhos são varias. Ter-se ainda na mão como homem e o reconhecer de que o discurso sobre inicio absoluto e esquecimento de que o mundo ja sempre Ioi e de que sempre se esta no meio. Ver blocos de pedra que escalonam terraços e marcas de veiculos e o sinal da civilização, a qual se pertence e de que se participa, mas, tambem, que a propria civilização e um modo de ser com as suas raizes no Iundo da terra e dos tempos. O 305 eu, que se perde na diluição total para alem da linguagem dos nomes ou no esquecimento de uma razão que se intenta absolutamente auto-centrada, por Iim encontra a sua identiIicação da oscilação entre a proximidade e a distância. Ter-se ainda na mão como homem signiIica, para o viajante, o reconhecimento dos rastros da cultura que o aIeta. A casa de campo na proximidade e a realização do viajante a andar a procura do conhecimento dos nomes. Nenhum som acusa a vi:inhança dessas povoaçòes. Em sua periferia o silêncio do meio-dia parece duplicado. Mas agora rareiam os campos para desbloquear a regiào para um segundo, um terceiro caminho, e, enquanto ha tempo os muros e as eiras esconderam-se atras de cumes da terra ou de folhagem, no abandono dos campos abre-se a encru:ilhada que funda o meio.(GS IV, 419).
Na menção do meio-dia como um momento especial Benjamin parece reIerir-se a Nietzsche como o Iaz na imagem de pensamento Sombras curtas, onde Iinaliza dizendo que o meio-dia e 'a hora de Zaratustra, do pensador no meio-dia da vida`, no jardim de verão`¨. 'Pois o conhecimento contorna as coisas com maximo rigor como o sol a pino¨. (GS IV, 428). E a hora em que o tempo parece parar e em que o mundo parece ter alcançado a perIeição pelo Iato de não estar atras de algum alvo. Os objetos são vistos sem as suas sombras, perIeitamente delineados, mas tambem o conhecimento como participação no meio do mundo e perIeitamente delineado para não deixar sombra de duvida. Então se Iaz silêncio dos discursos delirantes de sistemas que a tudo pretendem englobar e a paz reina no deixar acontecer de uma calmaria geral no meio-dia da vida. Na oscilação de ca para la entre diluição total e objetivação delirante Iaz-se a experiência do meio da vida em plena contradição da linguagem, que indica participação constante no mesmo instante em que objetiva. O que, porem, possibilita esse meio e a experiência. Nào se apresentam como calçadas e estradas postais, mas tambem nào como picadas e sendas, entretanto, ai esta o lugar em que os caminhos se encontram em campo aberto, nos quais desde seculos agricultores e suas mulheres, crianças e rebanhos vêm andando de campo em campo, de casa em casa, de pastagem em pastagem e muito raramente acontecia que no mesmo dia nào voltassem para dormir sob o seu teto novamente.(GS V, 419).
As veredas que se apresentam não são mais trilhas de caça de animais, simples picadas e sendas, mas caminhos ha muito trilhados. Apesar de Iazerem parte da paisagem não pertencem mais a natureza original, pois contam parte da historia secular da atividade de seres humanos. E 306 assim são os caminhos da experiência, a qual indica o meio entre a perda da identidade caracteristica humana, diluindo-se completamente como so uma das suas vozes, e a assunção da Iala humana como expressão tradutora numa seqüência de milênios de historia. A eIetividade de experiência ja havida não permite que o homem se desligue da natureza e da historia e nem que se dilua por completo a ponto de desistir da propria capacidade da recordação. Os caminhos da experiência conservam o meio como ambiente entre a linguagem e a natureza como se precisamente eles Iossem o Iundamento em que polos opostos se unem, mas sem perder as suas caracteristicas, ou seja, sem prescindir da aIirmação das suas diIerenças. Nos caminhos da experiência não ha a perda na mitiIicação da razão autônoma e nem o Ieitiço de uma imersão total na natureza. Corresponde a ideia de experiência uma determinada unidade no tempo, uma totalidade historica em que a compreensão e a linguagem se dão. Neste sentido e que os agricultores a caminho sempre voltam a casa, pois Iazem parte da paisagem e da historia dos seus proprios caminhos ha muito experimentados. E e este tambem o sentido do meio-dia como o meio dos tempos. O meio-dia sob o sol a pino indica o meio do tempo da historia e o meio entre natureza e homem. A situação do viajante e tambem a do meio a partir da sua experiência na ilha, pois primeiramente, como homem de razão acostumado com a proximidade dos objetos, sem entender a linguagem dos nomes e separado da natureza, então atravessa pela distante sensação de vertigem de perder a sua identidade numa saudade de união erotica em que ai lhe acontece a experiência da unidade, que tudo liga e relaciona. Percebe, porem, a tempo que a união não elimina as diIerenças: ha unidade entre o si mesmo e o mundo, mas, ao mesmo tempo, preservação de cada um dos polos. O chào aqui soa oco, o som com o qual ele responde ao passo fa: bem aquele que esta a caminho. Com este som terra coloca a solidào a seus pes. Quando chega a locais que lhe sào agradaveis, ele sabe que foi ela que os indicou, ela lhe destinou esta pedra para assento, esta depressào como ninho para os seus membros.(GS IV, 419).
O viajante chega assim a compreensão de que chão não e apenas uma metaIora, mas Iundamento que o carrega na união geral ate onde consegue perceber. Quando antes imaginava que unicamente as decisões proprias no estrito sentido racional conduziam-no pelo caminho da vida, agora percebe uma diIerença Iundamental. As suas decisões ja Iazem parte de todos os caminhos no chão que o carrega. A unidade da natureza ha muito o esperou, notou e contou com ele. Toda a sua situação de vida não Ioi e não e apenas um Iragmento de espaço e tempo completamente isolado da movimentação que percebeu e percebe ao derredor, na proximidade e na distância. Tem a nitida sensação necessaria de 307 que a totalidade do ser tem em si inserido o todo do seu proprio signiIicado e que deste modo a solidão, que o acometia enquanto um eu preocupado com a Iixação separada de si e de objetos de todos os conhecimentos, não tem mais razão de ser. Inapreensivel e esse estado de coisas a razão do viajante com as suas aspirações de autonomia e Iundamento articulador, e mesmo esta compreensão lhe e concedida na mesma medida em que ele desiste das suas investidas meramente intencionais. O som da terra oca lhe revela a existência do inIinito de possibilidades de ser no regaço de uma união que desde sempre o carregou. O som da terra lhe e um aceno indicando locais agradaveis em que o compartilhamento em sua compreensão e mais propicio. E a natureza que reivindica ser compreendida. Na condição do meio-dia da vida, a reunião de si mesmo no abrigo do ser leva-o a condição de êxtase que se extroverte como cansaço, mas agora sem a vertigem do aIundamento na totalidade como quando em contato com a amendoeira e a Iigueira. O recado do cansaço e o de que agora consegue oscilar ate a perda do controle consciente do seu corpo e continuar mecanicamente trajetos do seu caminho liberando e deixando alongar-se ao derredor distante a Iantasia que dele como que se desprendeu. Mas ele fa esta cansado demais para se deter, e, enquanto perde o dominio sobre os seus pes que o levam ligeiro demais, ele se da conta de como a sua fantasia dele se desprendeu e, escorada contra aquela larga encosta que ao longe acompanha o seu caminho, ela inicia a dispor dele com vontade propria. Ela desloca rochedo e cumes? Ou ela os toca apenas como se fosse um bafefo? Ela nào deixa pedra sobre pedra ou deixa tudo como era? (GS IV, 419). A Iantasia encarna a encosta ao longe e a encosta dele dispõe para resolver questões da paisagem geral. Sujeito e objeto uniram-se num saber que lembra um desmaio da vontade do eu carregado de intenções, cuja proveniência desconhece, Iestejam a unidade do mundo não como ele e, mas como seria na situação da perIeição. Tanto o mundo Iactual e eIetivo como tambem o verdadeiro por antecipação são revelados ao viajante, agora capaz de uma atenção abrangendo espaço geograIico, tempo historico e experiência de percurso de vida ja navegado. A historia da procura por Iundamentação pela instituição de instâncias primeiras, alem do ser que imediatamente e em expressão total, e o seqüente isolamento Irente a objetos de si mesmo absolutamente separados leva o viajante a compreensão do desvio Iundamental, da queda primeira, ou da Ialta original cometida e sentida a cada segundo na contradição da linguagem entre o conhecimento dos nomes e a sinalização instrumental das coisas. A compreensão do acontecimento da aspiração a certiIicação do Iundamento racional para a explicação de tudo por meio de juizos leva o 308 viajante a entender o juizo sobre si mesmo. E esta compreensão e Iorça messiânica em si mesma pelo aceno da origem enquanto sentimento de unidade que reivindica tambem o pensamento e a palavra. A propria historia do homem traz consigo a imagem da consumação possivel pelo seu reverso: onde ela e vista apenas como a eIetivação da vontade construtora e Iormadora de mundos intencionalmente planiIicados para os Iins de Ielicidade tambem administrada, a sua queda no antigo abismo aparece com nitidez, como tambem a possibilidade de romper com a repetição se apresenta enquanto compreensão do sentido expressivo das Iundamentações Iicticias ocorridas. No 'Fragmento teologico- politico¨ a questão e colocada em termos de politico-proIano e teologico: A ordem do profano deve ser erigida com base na ideia da felicidade. A relaçào dessa ordem com o messianico e um dos ensinamentos essenciais da filosofia da historia. E, precisamente, a partir dela se determina uma concepçào mistica da historia, cufo problema permite ser exposto numa figura. Quando uma seta designa o alvo no qual a dinamis do profano age, uma outra indica a direçào da intensidade messianica, sem duvida assim a procura por felicidade da humanidade livre aspira distanciar-se daquela direçào messianica, mas, como uma força por sua direçào e capa: de promover uma outra direcionada em caminho contraposto, assim tambem a ordem profana do profano em relaçào a vinda do reino messianico. O profano, portanto, certamente nào e uma categoria do reino, mas uma categoria da sua silenciosa aproximaçào, e, sem duvida, uma das mais exatas. (GS-II, 203).
A Iantasia não deixa pedra sobre pedra ou deixa tudo como era? A Iantasia e de cunho compreensivo quando, voltada ao passado numa dimensão pratica, Iorma o reverso da historia autônoma da razão alocando-a na unidade da expressão do ser. Do mesmo modo a Iantasia e de cunho epistêmico quando descobre a possivel unidade alem da prisão Ierrea conIigurada na realidade do presente enquanto algum absoluto posto. Por intermedio dela a constelação Iormada pode se abrir a novas possibilidades na relativização dos seus Iundamentos separados e esquecidos como expressão a ser descoberta. A Iantasia deslinda- se da subjetividade Iantasmagorica e doentia por auto-reIerência crônica e se torna capaz de acontecer captando a disIormidade congênita de um mundo visto como mera elaboração por Iundamentação racional. Na relação erotica de se misturar com o mundo, Iormar com a natureza uma unidade e acompanhar a oscilação ate o êxtase da quase auto-diluição, libera- se a Iantasia do exilio da subjetividade Iixamente centrada. A Iantasia se escora na encosta la ao longe adivinhando possibilidades por si mesma, o que libera a existência das suas 309 limitações para aspirar tambem a unidade alem de toda a consciência possivel, a unidade da verdade em expressão sempre parcial, ou seja, o inalcançavel objeto de desejo de Eros, conIorme ja Platão. Mas essa especie de diluição não destroi desertiIicando tudo, não cria um mundo completamente novo a partir do nada, mas tangencia o verdadeiro que ai sempre ja estava, mas encoberto. A Iantasia liberta o verdadeiro das Iormulações de Iundamento Iixos e disIormes da realidade parcial em relação ao todo. Quando concepções de mundo se alocam teorica e praticamente enquanto realidade, a Iantasia pode recoloca- las na direção da sua verdadeira dimensão, isto e, para alem das possibilidades parciais que se Iixaram como unicas no esquecimento do que exatamente as possibilita. Entre os chassidistas ha uma sentença sobre o mundo vindouro, que di:. la tudo estara preparado como entre nos. Como a nossa sala agora e, assim ela tambem sera no mundo que vira, onde a nossa criança agora dorme, ai ela tambem dormira no mundo vindouro. O que neste mundo tra:emos sobre o corpo, nos tambem estaremos vestindo no mundo que vira. Tudo sera como aqui apenas um pouco diferente. Assim o sustenta a fantasia. E apenas um veu que ela estende sobre a distancia. Tudo podera permanecer como esta, mas o veu flutua e imperceptivelmente ha deslocamento embaixo dele. (GS-I, 419).
O mesmo mundo pode ser visto de duas maneiras bem diversas. Uma maneira e a realidade nua e crua como construção maquinal de acordo com uma conIiguração de criterios que administram a compreensão na aplicação, no ajuizamento, na organização ordenada de todos os Ienômenos em termos de serventia ou não, e de utilidade atual. A outra maneira e a percepção da Iantasia que, vendo a distância como que atraves de um veu Iormado de realidade, relativiza a redução do absoluto Iixado para se compreender enquanto expressão do inominado que exatamente enquanto expressão se nomeia. E apenas um veu que a Iantasia estende sobre a distância. A pretensão de Iundamento, sempre apto a construção de certezas para todas as divisões entre bem e mal, a vista desse veu se transverte em expressão Ilutuante sobre o abismo em que as hipoteses construtivas podem recordar os caminhos que ja Ioram e, por isso, ja ha muito são. Uma nova percepção, portanto, toma conta do viajante quando ha o encontro na união do si mesmo e da natureza, mas com a adução da percepção de que a Iantasia se separa da consciência e se escora na encosta ao longe, tornando-se como que independente. Ai ja ocorre o desaparecimento da imagem pelo Iato de que ela aproximou-se por demais e se perdeu em nova objetividade. Pela proximidade demasiada da Iantasia, a imagem se 310 desvanece ocultando novamente a imagem. Vê-se a imagem a distância como que atraves do veu da realidade proxima objetivada. Algumas obras de Salvador Dali produzem exatamente esse eIeito: olhados de perto apresentam muitas Iiguras da realidade proxima por vezes completamente desconexas entre si, mas, quando vistas a distância com olhar disperso, Iazem aparecer uma imagem, isto e, o seu pano de Iundo subjacente como se Iosse a ideia que a tudo conjuga, tudo une, tudo relaciona. Na obra 'Espanha¨ do mestre ha na proximidade objetiva primeiramente um cenario geral cinza-escuro com pessoas incluidas, o qual da a impressão de distância, mas, quando olhado a distância aparece em proximidade distante a Iigura de uma mulher escorada num movel. O mesmo eIeito proporciona um quadro seu em que aparece a Iigura de Cristo distante-proximo a englobar, resumir e reunir, como se Iosse a ideia geral, uma serie de pequenos cenarios proximos, salientes e completamente disparatados entre si. Na proximidade o veu torna-se intransparente pela positivação de cada coisa detalhada, indicando que a verdade não se deixa captar como objeto do conhecimento. Pode-se compreender que o veu e a propria realidade proxima objetivada de tal modo que o pano de Iundo que a possibilita so e visto como eIeito de visão de conjunto a distância e num reconhecimento em que o proprio sujeito, que se julgava a parte, tem a possibilidade de se entender como parte da emergência da imagem. Na imagem de pensamento 'Perto demais¨ Benjamin elabora a descrição do eIeito de se ter chegado perto demais da imagem. Em sonho na margem esquerda do Sena diante de Notre Dame. La estava eu, mas nada ali havia que se parecesse com Notre Dame. Uma construçào de tifolos erguia-se apenas com os ultimos degraus do seu maciço acima de um alto revestimento de madeira. Mas eu la estava, dominado, mas fustamente diante de Notre Dame. E o que me dominava era saudade. Saudade fustamente da Paris na qual eu aqui no sonho me encontrava. De onde, portanto, essa saudade? E de onde este seu obfeto totalmente desfigurado, irreconhecivel? Em suma. no sonho eu dele me havia aproximado demais. A inaudita saudade que aqui me sobreveio no coraçào do que era almefado nào era aquela que da distancia impele a imagem. Era a saudade feli: que fa ultrapassou o limiar da imagem e da posse apenas ainda sabe da força do nome, do qual vive o que e amado, se transforma, envelhece, refuvenesce e, sem imagem, e o refugio de todas as imagens. (GS IV, 370).
A saudade neste caso não se satisIez com a percepção desejosa do seu objeto enquanto imagem, mas quis ainda possui-la e, exatamente por isso, promoveu o seu desaparecimento em troca dos objetos desIigurados agora a sua Irente. O que a distância e visivel enquanto quadro imagetico, no qual o observador mesmo esta incluido, não mais e reconhecivel na proximidade 311 objetal. Mas a saudade, que no sonho mesmo assim permanece, Iaz ver a incompletude de uma construção de tijolos para preservar a indicação da distância. O Eros nunca podera alcançar o que almeja e, por isso, a saudade inaudita permanece intensa, mesmo na posse do objeto e sua Iixação logo em Irente. Mas, apesar de tudo, toda a signiIicação da imagem migra para o nome. O teor inteiro da imagem se dilui e se concentra ao mesmo tempo no nome sonoro enquanto expressão de todo o percurso ocorrido. Mesmo não sendo mais imagem, o nome zela pelo velamento do que e amado e nessa condição se conserva. Uma mesma palavra, portanto, pode aparecer como conceito, mas tambem se metamorIosear em nome na compreensão ocorrente como recordação de imagem em que sujeito e objeto aparecem unidos. O conceito de Notre Dame trata, como de costume, de um objeto a vista de todos, mas a experiência do acontecimento da imagem do sonhador e semelhante ao que o viajante ao sol tambem captou. O viajante tambem oscila entre objeto, imagem e transIiguração aos nomes que lhe conservam a revelação. E uma mudança e uma permuta, nada permanece e nada desaparece. Dessa tecedura, porem, desprendem-se os nomes de uma so ve:, sem palavras eles penetram o caminheiro, e, enquanto os seus labios os formam, ele os reconhece. Eles emergem, e de que necessita mais essa paisagem? (GS IV, 420).
O aparecimento dos nomes lembra uma permuta, uma mudança, uma tecedura, um reconhecimento, uma emergência, em suma, uma imediação que mais parece doação que se da por revelação e em que o receptor esta evidentemente implicado. Benjamin, porem, tem outros modos de tematizar o mesmo. Logo no inicio da imagem de pensamento 'San Giminiano¨ diz: Achar palavras para o que se tem diante dos olhos quào dificil isso pode ser' Quando, porem, elas vêm, batem como pequenos martelos contra o real ate que tenham extraido dele a imagem como de uma chapa de cobre. (GS I, 364).
Dai se depreende mais seguramente que não ha a minima possibilidade de perceber a imagem no sentido de reprodução de uma realidade a parte. Achar palavras sobre alguma coisa ja existente como algo separado e diIerente de achar palavras para algo em que o observador e parte integrante do processo que acontece. A imagem não e algo nem que pudesse servir de vocabulo para o real, nem ocupa o seu lugar e nem se coloca no lugar dele. Não e tambem apenas a realidade separada que ai e elaborada ao modo da linguagem, mas uma realidade ja trabalhada com os olhos de quem vê. Não e uma realidade objetiva que estivesse a Irente, mas algo irredutivelmente novo e dinâmico que surge e que repassa por tradução essa carga ao nome de Iorma sonora. Com o exemplo do martelo e claro que 312 Benjamin não quer dizer que se trata de um esIorço de algum eu manipulando instrumentos num trabalho intencional para a produção competente de nomes. Na imediação da dinâmica em descrição surgem simplesmente novos modos de percepção do derredor que desvelam no mundo costumeiro objetivado um momento de imagem certamente sempre presente e realizado no cotidiano, mas a respeito do qual os atores ainda nada atinaram. Esse enigma que acompanha a realidade positivada so se pode descobrir a medida que 'nos o reencontramos no cotidiano graças a uma otica dialetica que reconhece o cotidiano como impenetravel e o impenetravel como cotidiano¨ (GS II, 307). No começo do caminho do viajante ao sol havia o seu desejo de alcançar aquele saber não proposicional de que o camponês da ilha dispunha. Mas a sua estrutura de compreensão não permitia tal saber, pois para tanto haveria de ter primeiramente a experiência da reconciliação entre o eu e a natureza, da não separação entre espirito e natureza, da relativização do si mesmo que se põe como Iundamento de toda a objetivação para um saber positivado. Um saber dessa ordem e avesso ao conhecimento do entendimento solitario, propondo em seu lugar o mundo da unidade, da criação em seu estado original. No caminho dessa experiência o mundo das coisas objetivadas pela atividade do entendimento e deixado de lado e o viajante descobre o mundo das imagens. A medida que vão desaparecendo os limites de si mesmo e mundo, a sua percepção vai mudando. No Iim desse processo ate a imagem desaparece e acontece a sua tradução em Iorma de nomes em que as coisas participam dinamicamente na linguagem do viajante: a partir da sua mudez enquanto imagem, elas agora Iazem parte da sua linguagem sonora de Iorma dinâmica. O costumeiro objeto meramente separado a Irente do sujeito para ser simplesmente por este manipulado não mais existe e, em seu lugar, ha o que sensivelmente aparece enquanto algo puramente signiIicativo que na tradição da literatura teologica e compreendida como a elocução do nome de Deus. Desse modo não se trata da signiIicação de coisas independentes que se produzem a partir de um material como que previamente sempre existente ao modo de natureza morta, mas de um acontecer que conIigura a experiência de uma relação superior de vida. Para tanto, porem, e necessaria tambem a duração, o tempo paralisado, motivo pelo qual o viajante no conhecimento dos nomes somente retrospectivamente se da conta do ocorrido. Retrospectivamente o viajante se apercebe de todo um conjunto de vida em que estava e esta imerso, o qual não se deixa captar na sinalização continuada de objetos simplesmente. A experiência do nome e, portanto, sempre historica de um modo especial: ela suspende o acontecimento costumeiro 313 em seu Iluxo objetivado impondo uma cesura a continuidade da experiência assim como e normalmente concebida. A experiência de que agora se trata não e carregada da intenção de transmitir saberes ao modo de dominação de dados, Iatos e relações de causa e eIeito, mas impõe a paralisação da Iorma de saber em termos de adequação de palavra e objeto oIerecendo outro modo de compreensão em que ate o pensamento suspende a sua dinâmica normalmente instituida: Nào e so movimentar o pensamento que e proprio ao pensar, mas, igualmente, imobili:a-lo. Ali onde o pensamento se imobili:a repentinamente em uma constelaçào saturada de tensòes, ai ele comunica a essa um choque que fa: com que ele proprio se cristali:e em monada.(GS I-2, 691).
Na situação de recordação não se pode pensar na contraposição kantiana entre receptividade e espontaneidade, pois essa diIerença ja se considera eliminada pelo Iato de que os nomes emergem da unidade para serem traduzidos em Iorma de palavras sonoras que conservam sua Iorça de instauração primordial. O viajante agora não so se ocupa com o nome de Iigos e amêndoas que perIazem as relações de vida do agricultor, mas e arrebatado ao enlevo de visualizar os nomes relacionados com as conexões da sua propria vida. Em cada imensa distancia la adiante eles passam sem deixar um rastro sequer. Nomes das ilhas que ao primeiro olhar elevaram-se do mar como grupos de marmore, das escarpas, que tornam o hori:onte amolgado, das estrelas que no barco o surpreendiam quando na prematura escuridào se pòe de guarda. (GS IV, 420).
O viajante se apercebe da sua propria experiência, que nele acorda o desejo e a saudade sempre comandados por Eros a lhe imprimir uma Iorça peculiar: a Iorça imediatamente pratica dos nomes em Iorma de recordação, a qual leva a antecipação do Iuturo, pois por esse tipo de experiência o Iuturo e inegavelmente pautado por tal recordação. O desejo na paralisação de tudo e a saudade do universal tangenciam o incondicionado e o inIinito unicamente capazes de superar o atavismo da prisão de uma razão que se quer especializada na consecução de metas em grande parte ainda veladas em sua razão ultima e suspeitamente certiIicadas na gloriIicação da instrumentação de tudo. Apos a recordação dos nomes junto com o silêncio das cigarras, da sede que passou e do dia dissipado, o viajante aos poucos sai do seu estado de êxtase recordativo num mundo da Iantasia. Os sons que surgem, porem, agora são sons como se Iossem noticias do 314 todo provindas das proIundezas e de todos os lados em Iorma de chamados distantes: o viajante ainda esta no limiar da grande experiência. Como que acordando de um sonho para o sonho da consciência, precisa de tempo para se orientar acusticamente ate que, com os sons, o eu recobra o dominio do corpo e da mente. No Iinal e apesar de tudo ainda permanece a oscilação entre lirios objetivos que Ilorescem no canto da sebe de cactos e o desejo e a saudade representados nas mulheres imensas e Ilutuantes. O canto das cigarras emudeceu, a sede passou, o dia se dissipou. Das profunde:as sobem ruidos. Latido de càes, a queda de uma pedra, ou um chamado distante? Enquanto o ouvinte ainda procura distingui-lo, em seu interior reune-se tom por tom a penca de campanulas. Agora ela amadurece e intumesce em seu sangue. Lirios florescem no canto da sebe de cactos. Ao longe, nos campos entre oliveiras e amendoeiras, passa um carro, mas silenciosamente, e quando as rodas desaparecem atras da folhagem, entào mulheres gigantescas parecem flutuar imoveis sobre a terra imovel com o rosto voltado para ele.(GS IV, 420).
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8. COMPLEMENTAÇÄO À CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM: ~DOUTRINA DO SEMELHANTE¨
O texto Doutrina do semelhante Ioi escrito em 1933 e se constitui no ultimo trabalho de Benjamin diretamente ligado a questão da linguagem e que mereceu uma re- elaboração ainda no mesmo ano, a qual leva o titulo Sobre a faculdade mimetica. (GS II-1, 211-213). O artigo conserva os resultados basicos de A linguagem em geral e a linguagem dos homens, mas com a complementação de algumas questões, principalmente pelo conceito de semelhança. Numa carta a Gershom Scholem datada de 28.2.1933 Benjamin explica que as preocupações sobre a questão da semelhança e o texto surgiram para constituir uma reIlexão teorica para a primeira parte da Infancia berlinense por volta de 1900 (GS VII-1, 385), intitulada Lofias e que aborda o tema da recordação O titulo do artigo Doutrina do semelhante causa espanto por si mesmo. Para um IilosoIo como Benjamin, desde sempre considerado antidogmatico, o uso do termo doutrina da o que pensar. Não e possivel imaginar que o titulo expresse um dever ser com base em algum dogma conhecido e estabelecido para a implementação de um comando em Iorma de principio a ser deIendido ao modo de ordenamento de semelhanças. E necessario, portanto, que desde o inicio não se entenda o termo doutrina no sentido de dogma. Trata- se, no titulo, antes de tudo da veriIicação e indicação de que o homem desde sempre Iaz uso da semelhança em sua Iala e em sua compreensão. O raciocinio em geral por semelhança esta presente na Iorma com que o homem apresenta a si mesmo e ao mundo que expressa em sua linguagem. A veriIicação de que eIetivamente o homem usa a Iorma da semelhança para o ordenamento do seu mundo e da sua compreensão leva a curiosidade sobre a origem e a condição de possibilidade desta pratica. A curiosidade que surge direciona-se a um âmbito ainda oculto de cujas raizes cresce e IrutiIica a arvore dos Irutos da semelhança e da diIerença no uso da linguagem. A doutrina do semelhante remete, portanto, a um suposto que inevitavelmente ja comanda o acontecimento da compreensão e da Iala humana. 316 Uma circunscrição comandando processos e, ao mesmo tempo, oculta para a propria compreensão, da noticias da sua existência pela sua aplicação pratica o que, por sua vez, apresenta a diIiculdade da sua descoberta. A doutrina caracteriza-se por ser um suposto conhecido pela sua aplicabilidade no decorrer de toda a compreensão, mas um pressuposto desconhecido no que tange a sua origem e a sua justiIicação. A diIiculdade que se apresenta e a do argumento circular, pois como pode a compreensão visualizar os seus suportes a não ser por si mesma como compreensão ocorrente? E por essa razão que logo na primeira Irase do artigo e mencionada a diIiculdade da compreensão do saber oculto. A compreensão que se da enquanto ja aplicação em percepção por semelhanças deve procurar lançar o seu olhar não para semelhanças ja existentes, mas para o âmbito de reprodução dos processos que as possibilitam e que de alguma Iorma esta oculto. O olhar pode dirigir-se em primeiro lugar para a natureza, na qual e possivel perceber o engendramento de semelhanças pelo mimetismo com que os organismos procuram conIundir-se com membros de outra especie por motivos de adaptação e de sobrevivência. E o homem, porem, 'que tem a suprema capacidade de produzir semelhanças¨. (GS II-1, 104). A produção de semelhanças pelo homem no sentido ontogenetico pode ser identiIicada nas brincadeiras com que as crianças imitam pessoas em suas proIissões, bem como 'moinhos de vento e trem¨. (Idem). Por que Iazem isso? Alguns indicios Iilogeneticos na historia e no tempo presente podem dar uma ideia: antigamente o raciocinio por semelhanças ocorria com muita Ireqüência como experiência de comparação entre o macrocosmo e o microcosmo. Hoje, de Iorma inconsciente, os homens são determinados de inumeras maneiras pela compreensão por semelhança, mas so se dão contas de alguns casos, como, por exemplo, entre os rostos das pessoas. Alem da inconsciência de agora condicionada pela naturalização que o processo Iilogenetico impõe, ha que contar tambem com a possivel transIormação dessa capacidade de produção compreensiva por mimetismo, e ate com o deslocamento da mesma de uma area para outra, constituindo-se este mesmo deslocamento numa evolução bem determinada. A capacidade de perceber correspondências magicas entre os Ienômenos possivelmente soIreu uma metamorIose que a astrologia pode mostrar quando tenta pôr em relação as constelações e a totalidade espiritual de um ser humano aninhando-o numa totalidade cosmica. Rapido como o raio e no momento especiIico do nascimento de 317 alguem, o astrologo percebe semelhanças entre as constelações e conjunções dos astros, ligando deste modo tal percepção a uma dimensão temporal e relacionando-a com a vida Iutura do recem-nascido. Mas o que antes na historia era uma percepção sensivel pela visão do olho primitivo, agora se deslocou para uma semelhança não sensivel, ou extra- sensivel, no modo de prognosticar do astrologo, pelo Iato de ele não mais conseguir perceber sensivelmente a semelhança entre uma constelação e um ser humano. O zodiaco tornou-se um cânone de percepções não sensiveis a semelhança da linguagem. Benjamin chama a atenção para o Iato de que 'apesar da precisão de todos os seus instrumentos de observação, o astrônomo neste caso Iracassa¨. (GS II-1, 207). O astrônomo esta reIerido as ciências empirico-analiticas em geral e em sua atividade não pode valorizar uma impressão não sensivel, pois trata de ordenar os Ienômenos da natureza exatamente pelas notas sensiveis dos objetos e Ienômenos em geral para que possam ser percebidos adequadamente, calculados em sua trajetoria pela matematica e relacionados ordenadamente pelos conceitos de causa e eIeitos. Todos os seus objetos são por ele considerados em sua existência separada da consciência, que utiliza instrumentalmente a linguagem e o calculo para a construção de uma representação das movimentações exteriores. E como se tudo estivesse dividido em dois em que, conIorme Descartes, uma res cogitans analisa, observa, calcula uma res extensa, a qual, por sua vez, Iica a mercê de quaisquer manipulações para um determinado Iim. Ja o astrologo não pode estar reIerido a estrita questão cientiIico-empirica, pois elabora as suas soluções pela interpretação a base de esquemas que lhe Iora transmitidos como signiIicação secular e os quais não se dispõe a reduzir a objetos para analise mais acurada. O seu saber e instantâneo enquanto elocução de sentido sob o pano de Iundo de sistemas de semelhanças sensivelmente percebidas em algum ponto da historia, mas que agora se deslocam para a signiIicação não sensivel das palavras de diagnostico e prognostico de acordo com a epoca do nascimento. A caracteristica da elaboração astrologica e a suposição de que o ser humano na totalidade das suas maniIestações esta no seio da natureza como sua igual recebendo as suas inIluências num grande encontro do universo e, portanto, numa situação de dependência em tudo o que individualmente e e Iara. Reportando-se a essa doutrina de semelhanças que uma vez eram percebidas como marca sensivel entre astros e nascimento, o astrônomo produz semelhanças em seu discurso interpretativo. 318 O conceito de semelhanças não sensiveis reIere-se, portanto, ao que na nossa percepção sensivel não mais existe em reIerência a relação entre uma constelação e uma vida humana, mas que permaneceu deslocando-se para a linguagem. Um modelo que sempre estamos a utilizar e precisamente a linguagem, pois a parte sensivel do som das palavras veicula a signiIicação de semelhanças, sem que, quem sabe, tenhamos ainda a capacidade de nos aperceber desse Iato. E certo que a linguagem, 'como e evidente para os mais perspicazes, não e um sistema de signos convencional¨ (GS II-1, 207) e, por isso, não pode ser considerada como mero instrumento intermediario entre o homem e a natureza, como ja Ioi sobejamente acentuado em A linguagem em geral e a linguagem dos homens. Para acentuar esse encontro producente de semelhanças em que o homem se aloca no seio da natureza percebendo-a como sua igual, Benjamin chama a atenção para as teorias onomatopeicas, mas, conIorme diz, 'em sua Iorma mais crua e mais primitiva¨ (Idem). A chave para a compreensão de que todas as palavras e todas as linguas são onomatopeicas deve identiIicada no desaparecimento dessa percepção de modo cruamente sensivel e na simultânea conservação dessas semelhanças por deslocamento esquecido na memoria dos tempos. Descartando a ideia de que a linguagem seja um sistema arbitrario de signos, podemos perceber a intenção subjacente de todas as linguas diIerentes de tornarem as palavras semelhantes a algum objeto a Irente. Ordenando-as em torno de um signiIicado, podemos perceber a intenção de cada uma das linguas em se tornar semelhante a ele, mas agora não mais de modo sensivel e, sim, em sua signiIicação não-sensivel. De acordo com Benjamin, esse movimento intencional ver-se-ia tambem na relação entre a Iala e a escrita. Esta semelhança não-sensivel e a mais diaIana, mas, mesmo assim, por mais diIicil que seja, deve manter-se a suposição da sua existência, pois em parte e corroborada pelos indicios que a graIologia descobre, ao desvendar imagens e quebra- cabeças que o inconsciente do autor deixa naquilo que escreve. 'Ao lado da linguagem, a escrita tornou-se, assim, um arquivo de semelhanças não-sensiveis, de correspondências não-sensiveis¨ (GS II-1, 213). Esta e precisamente a caracteristica magica da linguagem, pois indica a ligação imediata e proIunda entre ela e a natureza a partir do que nomeia. A contradição da linguagem pode ter o seu inicio exatamente nesse esquecimento do que ha de magicamente semelhante entre palavra e coisa reduzindo a linguagem constantemente a instrumento de comunicação. Uma vez havendo a contradição da linguagem Ieita pela imbricação dessas duas dimensões, e possivel pensar que o lado semiotico esteja hoje representando indiretamente a dimensão magica que alerta para o encontro de natureza e 319 homem pelo tornar-se semelhante. E por esse Iato que a dimensão semiotica pode ser considerada como carregando imediatamente consigo a dimensão magica da linguagem, sendo isso, porem, amiude esquecido nas proprias teorias da linguagem, as quais propõem desde o principio a separação por representação, a divisão entre natureza e linguagem. A concepção de Benjamin vai no sentido de compreender o semiotico carregando internamente em si mesmo o lado esquecido, o lado magico da ligação por semelhança, isto e, a dimensão semiotica alienada ja em si mesma seria expressão do esquecimento da dimensão magica que em si sustenta. Esse lado magico - se assim se quiser - tanto da linguagem como da escrita nào acompanha de modo desconexo a outra dimensào, ou sefa, a semiotica. Pelo contrario, tudo o que e mimetico na linguagem e uma intençào fundada, que em geral so pode aparecer em algo estranho, precisamente a dimensào semiotica, comunicativa da linguagem enquanto a sua base. (GS II-1, 208).
O que se reputa como pura dimensão semiotica, na verdade seria o Iuncionamento do codigo de semelhanças esquecido, que na velocidade do relâmpago Iaz a junção de som de palavra e coisa. O deslocamento e a velocidade do processo impede de percebê-lo sensivelmente a ponto de ha muito tempo estar automatizado levando aos enganos sobre a signiIicação da propria linguagem. 'O aluno lê o abecedario e o astrologo lê o Iuturo nas estrelas¨. (GS II-1, 209). No astrologo vislumbram-se ainda as duas dimensões separadamente, mas no aluno e como se houvesse apenas a sinalização da escrita. A leitura a partir dos astros, visceras e acasos pode ter sido a Iorma de leitura em tempos ancestrais e, por algumas mediações, como e o caso das runas em sua escrita cheia de misterio, o antigo talento ate clarividente da mimese, deslocou as suas Iunções para a linguagem numa vagarosa evolução milenar. A linguagem, então, seria o meio no qual estão conservadas estas capacidades de modo não-sensivel. 'Em outras palavras: escrita e linguagem são o elemento a Iavor de quem a clarividência delegou as suas antigas Iorças¨. (GS II-1, 209). Instantaneamente, como num raio, as semelhanças das coisas hoje relampejam Iormando a semelhança entre coisa e palavra, tanto na leitura como na escrita. A leitura somente semiotica, denominada proIana por Benjamin agora, deve dar-se conta da dimensão magica que em si carrega. O talento de ver semelhanças e decorrente da ancestral necessidade de tornar-se semelhante e de se comportar assim. Essa capacidade era extremamente desenvolvida em 320 relação ao pouco que nos resta hoje em nosso mundo perceptivel sensivelmente, isto e, perdemos a grande capacidade sensivel de perceber semelhanças e, por deslocamento, substituimos a mesma pela Iala e pela escrita numa Iorma automatizada da linguagem dita apenas semiotica.
8.1. Sobre a faculdade mimética
Nesse texto, Benjamin repete muito das Irases e dos pensamentos, mas promovendo algumas acentuações a mais em relação a Doutrina do semelhante. Primeiramente reIere-se ao mimetismo existente na natureza para logo em seguida ressalvar que a maior capacidade em produzir semelhanças e a do homem. InIerimos logo de inicio, portanto, que o homem não so percebe sensivelmente de modo passivo as semelhanças ocorrentes na natureza, mas que ativamente nela inIlui produzindo semelhanças, ou seja, o ser humano esta proIundamente relacionado a natureza com todas as suas Iaculdades de percepção atentas as semelhanças que ela lhe participa, como tambem ele ativamente interIere em seu curso nomeando semelhanças. Esta capacidade, conIorme Benjamin, tem uma historia Iilogenetica e ontogenetica. Pelo vies ontogenetico os brinquedos das crianças são elucidativos, pois demonstram naturalmente a Iaculdade mimetica em seus brinquedos em que imitam seres humanos e tambem arteIatos da civilização, como moinho de vento e trem. Que proveito, porem, teria isso? A resposta esta no aspecto Iilogenetico da questão. Em primeiro lugar, a lei da semelhança em tempos de antanho era muito mais abrangente regendo microcosmo e macrocosmo e as correspondências naturais serviam constantemente de estimulantes para a propria repetição no homem. Ao longo do tempo, porem, a Iorça mimetica do homem como tambem os objetos se transIormaram, conIorme se pode perceber na Iunção mimetica das danças que se metamorIosearam ao sabor dos tempos, a ponto de tambem a capacidade de reconhecer semelhanças se modiIicou enIraquecendo-se no seu sentido original. Pouco resta de semelhanças, correspondências e analogias na cultura de hoje. Mas não signiIicaria isso uma transIormação por mero deslocamento? Pela mediação da astrologia, das danças e dos ritos religiosos chegamos a linguagem que e o local para onde tudo se deslocou e ainda com o acrescimo de produzir 321 semelhanças, com a diIerença de que tais semelhanças se tornaram não-sensiveis. A linguagem de algum modo sempre esteve ligada a essa questão sem muita consciência disso, o que nos indica a Iormação das palavras por onomatopeia. Benjamin repete os argumentos e exemplos do artigo da Doutrina do semelhante, que são os das palavras de diversas linguas que tentam assemelhar-se ao objeto em torno do qual se encontram, e da graIologia com a sua capacidade de descobrir imagens do inconsciente do escritor. Tambem a relação entre a dimensão de semelhança não-sensivel com a dimensão semiotica da linguagem e abordada, mas por outro exemplo: Pelo contrario, todos os elementos mimeticos da linguagem podem apenas aparecer semelhantemente a uma chama numa especie de portador. Esse portador e o semiotico. Assim, a conexào de sentido das palavras ou frases e o portador em que, como um raio, as semelhanças aparecem. (GS II01, 213).
Como a dimensão semiotica não pode ser apenas um sistema de signos, mas deve incluir a semelhança percebida como recado da natureza e ao mesmo tempo a capacidade da mesma linguagem em produzir semelhanças, mesmo que esse vies seja sensivel e esteja esquecido como semelhança não-sensivel, pode-se imaginar uma imbricação, ou ate amalgama, em que o primeiro a aparecer e o portador semiotico para deixar que o segundo, a chama apareça como recordação, ou como aura, apesar de Benjamin nesse texto não Iazer esta identiIicação. 'Ler o que nunca Ioi escrito`. Essa leitura e a mais antiga¨. (GS II -1, 213). A linguagem como a mais alta expressão do comportamento mimetico e o mais perIeito arquivo de semelhanças não-sensiveis. Desse modo a linguagem seria o mais alto grau de comportamento mimetico e o mais perfeito arquivo da semelhança nào-sensivel. um meio para o qual sem resto as antigas forças da produçào e da percepçào mimetica transmigraram ate conseguirem liquidar a percepçào da magia.(GS II-1, 213).
Na linguagem Ialada e escrita e possivel ouvir e ver de Iorma não-sensivel toda a sensibilidade havida desde sempre. Alem de todos os aspectos de produção de objetivações, a linguagem e tambem o local e a ocasião da recordação. A contradição da linguagem retoma constantemente os seus direitos no surgir do esquecimento das duas dimensões da linguagem, mas se aquieta contemplativamente quando emerge a recordação. A chama da magia da linguagem possibilita o vislumbre das imagens que se tornaram sonoras. O nome continua sendo uma transposição tradutora da linguagem muda das coisas 322 para a linguagem humana com a complementação do envolvimento direto de um encontro em que ambos se identiIicam, e o mesmo, isto e, Iormam uma ideia que o encontro conIigura. O acontecimento do encontro, porem, e sempre imponderavel no aIã da vida, mas pode ser preparado e esperado na escuta silenciosa e atenta do dito e do dizer, pois ele se da precisamente na compreensão do homem desse acontecer. Como ja havia sido a opinião expressa na 'Origem do drama barroco¨, na recordação se torna possivel perceber o nome das coisas, uma participação imediata, mas inacessivel ao entendimento objetivador. A percepção da participação se aloca e se deposita na memoria como que entrando pela porta dos Iundos da consciência para aIlorar em determinado momento enquanto recordação. A recordação neste processo recebe a vida vivida em imagens, precisamente o teor do que ja Ioi elaborado e que no momento presente se reveste de um imenso signiIicado. Assim os cortes no fundo de um prato de estanho narram a historia de todas as refeiçòes em que esteve presente, e do mesmo modo a forma da cada regiào contem, a formaçào das dunas e rochedos, com escrita natural a historia da terra, cada seixo arredondado que o oceano expele, ela iria narrar a uma alma, que nele estaria tào acorrentada como a nossa no nosso cerebro. Di:-se que consta em Lichtenberg, Escritos I p.223. Certo e que a infancia assim nos acorrenta as coisas. Sim, talve: ela atravessa o mundo das coisas em estaçòes de uma viafem, de cufo tamanho nào temos nem ideia. Nào poderia ser que ela inicia pelo mais distante? (GS JII, 792).
Alma e cerebro acorrentados dão a medida da compreensão de Benjamin, que ele corrobora na sua citação, de que mundo e o eu, ou o si mesmo permanecem unidos. A recordação da experiência da mais tenra inIância põe diante dos olhos do homem a percepção da sua mutua dependência. Essa compreensão e tambem a concepção Iundamental da experiência que traz a luz uma unidade relacional superior a mera separação de sujeito e objeto, pois as coisas na recordação Iormam uma condição de teor inteligivel que não pode ser atribuido a atividade produtora do sujeito da consciência. A inIância e a vida que no presente se oculta de modo Iragmentado deixando rastros na memoria. A citação de Lichtenberg tem o sentido de atribuir o teor da vida as imagens em recordação, pois na sua imediação não se constituem como apenas metaIoras, mas Ialam por si mesmas na linguagem que as reconhece. A propria linguagem traz consigo as coisas de Iorma transIormada: precisamente em linguagem humana, que não e instrumento, mas 323 ja nova participação no todo que tudo supõe. Imagens de experiências de unidade recordadas transIormam-se, portanto, em linguagem sonora com um signiIicado não primeiramente comprometido com proposições de objetivação para separação de sujeito e objeto. Trata-se da recordação de se estar acorrentado as coisas como a alma esta acorrentada ao cerebro: e a Iaculdade de se tornar semelhante. O saber oculto, que o semelhante abriga, igualmente não e acessivel ao simples entendimento intencionalmente articulador, pois ele indica precisamente o saber oculto que so se desoculta pelo clarão do relâmpago da recordação ligando presente e passado distante, mas contido no atual. Por isso e que Benjamin aIirma que 'trata-se, porem, de chegar a tal conhecimento menos pela prova de semelhanças encontradas, mas mais pela reconstituição de processos, que produzem tais semelhanças¨. (II-1, 204). A semelhança e assim uma Iorça objetiva que na sensibilidade e percebida de modo imediato e que se transIere, preservando-se, como ja visto, na linguagem de maneira não sensivel. Sendo uma Iorça objetiva que envolve o sujeito e o objeto, tambem por isso o encontro na semelhança não pode ser atribuido a uma consciência que a tivesse ao seu dispor na linguagem. A indicação da contradição da linguagem novamente se Iaz ver sob este aspecto, ou seja, de que a linguagem em sua magia mimetica liga-se ao nome, e o seu lado semiotico a objetivação separada. Poder-se- ia perguntar sobre como se da a tradução do nome elaborado nas coisas para a linguagem dos homens, isto e, sobre como se da a percepção da linguagem das coisas. A resposta seria exatamente a mesma de sempre, ou seja, de que nessa questão Iundamental não se trata de consciência que explicasse, mas precisamente de uma Iaculdade que, alem de ser Iatica, e a suposição da unidade primordial, que tanto se impõe pela impossibilidade de Iundamentação por causa e eIeito, quanto pelo acontecer sempre emergente de uma totalidade que assim se expressa e que se da no vislumbre da recordação Iazendo-se sonora na linguagem. Na semelhança e a totalidade da vida que de Iato se mostra, a unidade do eu com o mundo, a que a pretensão de objetivação esta na contramão. A curiosa pretensão costumeira de objetivar a semelhança Iorçada no rito das IotograIias de documentação de idade produz um sentimento de agonia, estranheza e mal-estar: O talento que possuimos de enxergar semelhanças nada mais e do que um rudimento fraco da antiga e poderosa coaçào de se tornar semelhante e se comportar como tal. Ainda os nossos pais a exerciam sobre nos. Nunca de forma tào penosa como funto ao fotografo. (GS JII-2, 793). 324
Forçar a semelhança programaticamente produz precisamente a sensação contraria da unidade com o derredor. Mesmo assim, porem, uma IotograIia tirada a contragosto na inIância possibilita a recordação de deslocamento ou ate desIiguração a que se estava sendo empurrado em direção da vida adulta e do esquecimento. O teor da vida vivida permanece de qualquer maneira na IotograIia pela recordação de quem a vê, trazendo a memoria a unidade de vida que em grande parte se perdeu. A recordação não e, pois, um ato intencional e voluntario, mas depende de novo das correspondências que se Iormaram entre o presente e o passado, pois so agora no presente o adulto compreende todo o signiIicado que as coisas do passado lhe conIiaram participando ativamente da sua vida. Na recordação, porem, as coisas estão em Iorma de linguagem e não mais como eram em si mesmas. Em Escavar e lembrar de Imagens de pensamento Benjamin da uma ideia da relação entre recordação e linguagem: A linguagem inequivocamente estabeleceu que a memoria nào e um instrumento para a averiguaçào do que passou, mas antes um medium. Ela e o medium do vivido como a terra e o medium em que as velhas cidades se encontram soterradas. Quem procura aproximar-se do seu proprio passado soterrado, deve proceder como um homem que cava. Antes de tudo nào deve recear de novamente sempre voltar para o mesmo estado das coisas espalha-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois estados de coisa nada mais sào alem de camadas que, pela cuidadosa pesquisa, entregam [extraditam] aquilo que recompensa a escavaçào. A saber, as imagens que desprendidas e soltas de todas as conexòes mais primitivas, encontram-se como preciosidades nos recintos austeros da nossa compreensào posterior como torsos na galeria do colecionador. E certamente e util proceder na escavaçào de acordo com planos. Mas mesmo assim e imprescindivel o corte da pa cuidadoso e tateante na terra escura. E logra a si mesmo quanto ao melhor aquele que apenas fa: o inventario dos achados e nào consegue indicar o local exato no solo de hofe, no qual ele conserva o antigo. Assim verdadeiras recordaçòes devem proceder muito menos informativamente do que indicar exatamente o lugar em que o pesquisador delas se apoderou. No sentido rigorosamente epico e rapsodico, a recordaçào deve dar ao mesmo tempo uma imagem daquele que se recorda, como um bom relato arqueologico nào so deve indicar as camadas, das quais os seus obfetos descobertos provêm, mas antes de tudo aquelas que era necessario atravessar antes. (GS IJ-1, 400).
Na citação Benjamin novamente indica as duas dimensões da contradição da linguagem. Estados de coisa, Iatos em geral, são conteudos de conhecimento objetivaveis 325 que aquele que se lembra ainda pode manter como objetos como se Iossem externos num sentido proposicional. Mas ha uma outra Iorma de saber ligada a linguagem que e exatamente o tesouro da escavação e que não contem conhecimentos objetivaveis. Esse saber não podendo ser transmitido pela linguagem de modo proposicional esta, contudo, nela oculto. Os objetos lembrados estão agora no meio da linguagem, mas não no estatuto de objetos e, sim, no modo de construções signiIicativas que são os nomes. O comportamento mimetico primeiramente se apresenta como Ienômeno na criança, a qual percebe a sua imediação na unidade de si mesma e todas as coisas. Posteriormente essa experiência de semelhança e transIormada para aIlorar no medium da linguagem enquanto saber não proposicional em Iorma de recordação. A experiência de semelhanças que se deu e que permanece indelevel, mas oculta sob as camadas de sentido ja articulado ao modo de proposição, so pode aparecer indiretamente a consciência e ao arrepio das suas intenções e, como ja vimos, 'A sua percepção em todo o caso esta relacionada a uma relampejar. Ela passa Iurtivamente, e talvez possa ser recuperada, mas não pode propriamente ser captada como outras percepções¨. (GS II-1, 206). Bem mais tarde, nos apontamentos para o seu trabalho sobre as passagens da cidade de Paris Benjamin assim se expressa, demonstrando que a contradição da linguagem aIlora em cada uma das suas abordagens: O que diferencia as imagens das essências da fenomenologia e o seu indice historico. (Heidegger procura inutilmente salvar de forma abstrata a historia para a fenomenologia por meio da historicidade). Estas imagens devem ser absolutamente separadas das categorias 'cientifico-espirituais`, do assim chamado habitus, do estilo, etc. E que o indice historico das imagens nào apenas di: que elas pertencem a uma determinada epoca, mas antes de tudo ele di: que elas apenas num determinado tempo chegam a legibilidade. E, com efeito, esse chegar 'a legibilidade` e um determinado ponto critico do movimento em seu interior. Todo o presente e determinado por meio daquelas imagens que com ele sào sincronicas. todo agora e o agora de uma determinada reconhecibilidade. Nele a verdade esta carregada de tempo a ponto de ruptura. (Este rompimento, nada alem, e a morte da intentio, portanto, a morte que coincide com o nascimento do genuino tempo historico, o tempo da verdade). Nào e assim que o que passou lance a sua lu: sobre o atual, ou o atual lance a sua lu: sobre o que passou, mas imagem e aquilo em que o fa sido reune-se qual relampago com o agora numa constelaçào. Em outras palavras. imagem e a dialetica em repouso. Pois, enquanto a relaçào do presente com o passado e puramente temporal, a relaçào do fa sido com o agora e dialetica. nào de nature:a temporal, mas imagetica. Apenas imagens dialeticas sào genuinamente historicas, isto e, nào imagens arcaicas. A imagem lida, isto quer di:er. a imagem no agora da reconhecibilidade tra: no mais alto grau o carimbo do 326 momento critico, perigoso, que esta na base de todo o ler. (GS J-1, 577). Nào e assim que aquilo que passou fogue a sua lu: sobre o presente ou que o presente fogue a sua lu: sobre o que passou, mas imagem e aquilo em que o que passou se reune com o agora, como um raio, numa constelaçào. Em outras palavras. Imagem e a dialetica no repouso. Pois enquanto a relaçào do presente com o passado e puramente temporal, continuado, a relaçào daquilo que foi com o agora e dialetica. nào e percurso, mas imagem, de modo brusco.- Apenas imagens dialeticas sào autênticas (isto e, nào arcaicas) imagens, e o lugar em que sào encontradas e a linguagem. (GS J-1, 576-577).
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9. A CONTRADIÇÄO DA LINGUAGEM EM APLICAÇÄO: FRANZ KAFKA.
O presente estudo trata de Fran: Kafka, artigo em que Walter Benjamin procura identiIicar no texto do escritor o pano de Iundo da contradição da linguagem. O artigo sobre Franz KaIka Ioi escrito entre maio e junho de 1934 e encontra-se em GS, II-2, 409- 438. Potemkin. O que poderia signiIicar a narrativa de Benjamin sobre o primeiro ministro da Russia, Potemkin, que soIria de depressões tão graves a ponto de não despachar por longos periodos para o desespero dos outros Iuncionarios do governo? Chuvalkin, um Iuncionario subalterno, consegue que Potemkin assine em gestos absortos e maquinais a totalidade dos papeis, mas, para o desespero de todos, veriIicam depois todos que Potemkin assinara trocando o seu nome pelo do subordinado Chuvalkin. No inicio, a primeira leitura, a narrativa parece não render sentido algum. Mas ha uma possibilidade quando se leva em conta o conjunto do texto. Potemkin e o prototipo do anão teologico a sustentar uma imensa maquina administrativa, ele e todo poderoso Iuncionario e guardião dos criterios dos deuses, e simbolo e Iundamento da movimentação das aplicações pela maquinaria que determina de modo basilar a compreensão existente e o ordenamento da vida. Ele e a Iigura que, como parte do Iundamento responsavel pela aplicação e justiIicação da ordem geral, por vezes entra em depressão e, então, como resultado disso, deixa de despachar suspendendo a sua Iunção de criterio e justiIicativa para toda a processualidade social repetitiva e rotineira. Na sua situação de depressão e melancolia, em que se pergunta pelas condições, sentido e razão de ser da maquina, Potemkin sabe perceber muito bem que a totalidade Iunciona com o apoio das suas partes, estas representadas por todos os outros Iuncionarios que entendem a crise do cheIe no comando e do todo com ele comprometido. Ele tambem sabe de Chuvalkin que este ainda permanece na continuidade do costume e do uso do criterio de sempre, exigindo que o mesmo continue a Iuncionar normalmente. Chuvalkin e daqueles que não chega nem a 328 lembrar da possibilidade da pergunta por justiIicação e validade do existente, e não consegue entender o acontecimento da duvida sobre os criterios com que a maquina administrativa, da qual e parte integrante, costumeiramente Iunciona. Para ele a maquina e a mesma de todos, e quem assina os despachos que direcionam os processos praticos e compreensivos deve Iazê-lo necessariamente de acordo com o costume. Nem de longe Chuvalkin vislumbra qualquer duvida assim como Potemkin a soIre. Em sua ingenuidade natural, ele exige que o criterio da hierarquia seja preservado e cumprido sem qualquer hesitação mesmo nas brumas de uma melancolia depressiva, a qual põe em duvida o sistema que assegura a cada um a sua Iunção social. Assinando o nome de Chuvalkin, Potemkin responsabiliza-o pela crença no Iundamento que ele mesmo representa. Potemkin da uma lição a todos, mesmo aos outros Iuncionarios que em ansiedade aguardam e depois se desesperam com a troca de nomes. E nisso Potemkin tem razão, pois os Iundamentos de qualquer crença compreensiva em Iuncionamento pratico são postos pelos que por eles agem em aplicações Iuncionais diversas. A objetivação original e doutrinaria pela entronização da divindade justiIicadora e requerida pela totalidade dos Iuncionarios mesmo que entendendo a crise da sua justiIicação e, muito mais por Shuvalkin, que continua na situação constrangedora de uma positivação ingênua, sem sequer imaginar que possa haver duvidas quanto a sua crença. Potemkin, na narrativa, da a sua lição a todos assinando os papeis com o nome de Chuvalkin e, com isso, identiIicando-se com ele, pois no Iundo ele sabe que ambos são o mesmo na perspectiva do estado e na dimensão da duvida e da reminiscência quanto a precariedade da justiIicação da maquina em Iuncionamento, isto e, de tudo o que esta a acontecer, mas que apenas na eIetividade objetivada da contradição da linguagem não podem trocar de Iunções. A maquina em posição de exercicio aplicativo, que todos são enquanto compreensão concreta, não desiste da sua objetividade Iuncional. A precariedade da justiIicação do sistema mostra-se quando as convicções são abaladas pela pergunta sobre o sentido da sua legitimidade, validade e razão de ser. Na narrativa, portanto, Potemkin como primeiro ministro encarna a imagem do Iundamento para a justiIicação de toda a compreensão administrativa do reino compreensivo. Se aquele que representa o Iundamento entra em depressão, toda a maquinaria administradora da vida tambem para. A crise do Iundamento aIeta a todos os que de algum modo estão envolvidos como Iuncionarios atentos a maquina que despende 329 vida organizada administrativamente, menos alguns incautos, estes por sua vez conIiantes na eternidade da eIiciência da imagem decisiva subjacente. Benjamin explica: 'O zeloso Chuvalkin, para quem tudo parece tão Iacil e que acaba voltando de mãos vazias e K., de KaIka¨. (GS II-2, 410). Em ultima analise entende que Kafka pode ser identiIicado com Chuvalkin, porem, enquanto alguem que percebe ser administrado e comandado por seres todo poderosos, instalados nos sotãos da compreensão, juizes invisiveis de sistemas encastelados que por vezes parecem aIundar quando descobertos, mas que a toda hora podem ressurgir na plenitude do seu poder. A vida, bem como todas as coisas na expressão de sua organização Iuncional noticiam a ordem imposta desde a distância dos tempos de esquecimento. Tais seres parecem estar constantemente cansados pelo trabalho de sustentação a que estão obrigados, isto e, a sustentação do cotidiano em todas as suas circunvoluções de repetição possivel. Eles estão presentes nas palavras e nos gestos mais ordinarios do dia a dia, os quais, por sua vez, tem- nos por base incorporada ao seu movimento e geralmente invisivel por Ialta de atenção. E para a compreensão desses dados que Benjamin relata a opinião de Lukacs, do qual aIirma que pensa em periodos historicos: 'para construir hoje uma mesa decente e preciso dispor de gênio arquitetônico de um Miguel Ângelo¨. (GS II-2, 410). De acordo com a sensibilidade de hoje, uma mesa exige a expressão da positivação estetica dos gênios do passado que assim nela estão presentes. Em vez de calcular apenas periodos historicos como Lukacs, KaIka contaria com a presença de periodos cosmicos: 'Caiando um pedaço de parede, o homem precisa pôr em movimento periodos cosmicos¨. (GS II-2, 410). Isso signiIica que em qualquer gesto, mesmo na inconsciência de um agora eIetivo, ha o comprometimento com criterios, deuses, mitos e Iormas ancestrais que reivindicam a sua sobrevida eternizando-se no mascaramento das repetições concretas do que vem a ser considerada a realidade positiva. Lukacs pensa em apenas periodos historicos, porque esta reIerido ao regime de explicação pelas categorias de causa e eIeito para a compreensão competente e normal de uma historia linear em processo, ou ainda, comprometido com justiIicações para o acerto do dizer teorico por meio da produção de evidências de acordo com pressupostos esquecidos, mas que, sem duvida, são elementos de relação da totalidade que supõe, totalidade objetivada por discurso proposicional. KaIka, por sua vez, pensa em periodos cosmicos, porque torna presente, justapõe, contrapõe e põe em seqüência principios 330 arcaicos embutidos na linguagem e nos gestos contemporâneos. Mas esses principios não estão so embutidos como algo a mais, mas ele os vê como comandos em ação na Iragmentação multiIacetada dos comportamentos atuais ativados em compreensão pela linguagem que a tudo carrega. A racionalização apenas escamoteia arcaismos, que no sabor do envolvimento com a luta pela conservação de posições atuais, são esquecidos. A propria luta e esquecida pelo Iato de que e justiIicada pelo processo racionalizado em que o mero aspecto teleologico a procura do sucesso na implementação prevalece, mesmo quando se apresentam razões subjacentes e ordenadoras primordiais intentando a sua negação. As razões teleologicas dirigidas a um Iuturo distante e apenas conIessadas superIicialmente, por sua vez, escamoteiam seu comprometimento imediato com causas que as acompanham como arcaismos, ou são representações e disIarces dos mesmos. Os pais são os representantes presentes mais imediatos das mencionadas Iorças cosmicas e arcaicas em ação concreta, e precisamente essa proximidade diIiculta a identiIicação pela naturalidade com que as suas determinações se apresentam na rede tecida da compreensão geral no uso rotineiro. São terrivelmente eIicientes. Benjamin chama a atenção para o relato de KaIka sobre o gesto do Iilho ao querer cobrir o pai na cama com a coberta no intuito de o tranqüilizar. O pai, completamente possesso, não aceita de modo algum esse gesto condenando o Iilho ao aIogamento. O pai repele com a coberta o Iardo do mundo. Como se 'repele o Iardo do mundo?¨ (GS II-2, 411). Repelindo o Iardo das cobertas com que o Iilho o quer proteger. Com a proteção, o pai entende que o recado do Iilho e o de que todo o esquema, o sistema e tudo o que Ioi, e agora apenas parte do passado irreversivel, pertence a antiga geração do pai que e agora objetivado e identiIicado exatamente como parte de toda a obra esquematica e sistematizada. O Iilho impinge responsabilidade ao pai por tudo o que Ioi dito e Ieito como se ele, como Iilho, pudesse livremente objetivar separando a sua propria pessoa da construção compreensiva que esta a elaborar. O pai percebe que deste modo o Iilho quer liquida-lo como inIluência essencial e continuada de si mesmo para todo o sempre numa objetivação historicista. O mundo e o Iardo da compreensão objetivada e tal Iardo do mundo assim percebido, explicado e repassado e a coberta, a cobertura velada que o pai não quer aceitar. O Iilho, ao cobrir o pai, tenta na objetivação aIastar e eliminar a inIluência do pai, o mundo do pai, a genetica cultural milenar. Mas não e possivel cobrir, renegar, reprimir de todo o pai, pois ele sempre 331 e uma Iorça na compreensão Iora do alcance do seu poder de a eliminar. O Iilho nele deve perceber-se afogado, como, alias, na narrativa de KaIka o Iilho realmente corre em pânico apos a reprimenda e se aIoga, curiosamente saltando da ponte, local sempre aludido como oIerta simbolica de ligação entre margens separadas e limites interpostos. 'O pai e a Iigura que pune¨. (GS II-2, 412) e tal aIirmação indica as diretrizes implantadas na consciência do Iilho e que inevitavelmente o determinam. O pai e a sinalização da totalidade da compreensão do Iilho. O Iilho, conIorme diz o pai, e inocente, mas a verdade mais proIunda e que ele se constitui num ser diabolico que constantemente procura instituir a alternativa de si pela objetivação do passado, seja de que modo Ior. O pai pune pelo Iato de praticar o mesmo que quer negar ao Iilho: a separação de vida e obra. 'A culpa os atrai¨ (GS II-2, 412), ou seja, os Iuncionarios da justiça e os pais nunca permitem a separação que os Iilhos procuram Iazer quanto ao processo proposicional intentando indicação Iora da linguagem e do acontecer. As rotas ja estão predeterminadas e a navegação por desvios em caminhos de Iuga e proibida. Não e possivel a separação unicamente objetiva de vida e obra, pois ambas estão vinculadas como expressão mutua como no caso da linguagem: a objetivação não pode jamais chegar ao estatuto de independência do seu proprio acontecer. O pai produz a objetivação de si no Iilho procurando aIoga-lo por identidade absoluta, por extensão, por Iormação de copia. No exemplo classico da narrativa de Gênesis tambem entre Abraão e Isaak periodos cosmicos entram em choque. O normal seria a morte de Isaak em sacriIicio ao deus da objetivação identiIicante, ja que a construção objetiva de Abraão e seu Iilho Isaak que assim seria anulado em sua maldade de ediIicar a alternativa objetiva de si. Abraão, em vez disso, anulou a sua imagem objetivada como construção, ou seja, a compreensão da posse como possibilidade, ou ainda, a separação do Iilho como simples obra objetivada e não acontecimento de si mesmo. A culpa os atrai, porque ninguem melhor do que eles conhece a culpa da objetivação. Matar a imagem do carneiro em si mesmo num sacriIicio em Iavor da vida do Iilho que expressa o seu proprio acontecer e para muito poucos. O sistema vigente patriarcal aIoga, mata, e queima milhares de Iilhos culpados em todos os acontecimentos tendentes a inovações sem a descoberta do pai: pai descoberto e, por sua vez, pai posto e indiciado como a propria agua em que o Iilho se percebe aIogado. Pai em processo de 332 cobertura e sistema religioso em vigência de solidiIicação sem a abertura para o choque inevitavel e o pressentimento do sacriIicio sempre iminente. O Iilho que consegue encobrir o pai para acalma-lo, sem que este se revolte, esta a institui-lo a socapa erigindo-o como determinante em todos os seus gestos de vida. O Iilho que consegue cobrir o pai objetivando-o não pode ouvir a revolta do mesmo descobrindo-se para a sua propria descoberta de, exatamente, Iilho a se aIogar no pântano da tradição. Como Abrãao substitui a morte do que considera a sua construção objetivada, que e seu Iilho, pelo carneiro, para que Isaak seja compreendido como expressão inevitavel de si, assim o pai de KaIka revolta-se com o gesto de objetivação encobridora do Iilho Iazendo com que entenda que com isso seria precisamente sacriIicado na inconsciência do processo de que e vitima. O que resta? Resta o rito da liquidação da separação entre agente e objetivação. O carneiro e a imagem do poder incondicional e inevitavel que se estabelece na relação entre pai e Iilho, entre homem e tradição. De qualquer modo 'O pai sobrevive as custas do Iilho como um parasita¨. (GS II-2, 412). 'Nunca os Iilhos viram o local da luta surda que os Iilhos encetaram contra os pais¨. (GS, II-1, 91). Não ha como desligar o acontecer da reivindicação dos ancestrais nos Iilhos de agora, conIorme Benjamin tambem explica na II Tese de Sobre o conceito de historia (GS I-2, 691): 'Um dos traços mais surpreendentes da alma humana, ao lado de tanto egoismo nos detalhes, e a inapetência de todo e qualquer presente relativamente a seu futuro`. Essa reflexào de Lot:e nos leva a perceber isto. a imagem de felicidade que acalentamos e inteiramente marcada pelo tempo ao qual nos remeteu inapelavelmente o curso da nossa propria existência. A felicidade que nos poderia apetecer existe apenas na atmosfera que fa respiramos antes, funto a pessoas com quem poderiamos ter falado, a mulheres que se poderiam ter doado a nos.Em outras palavras, na imagem da felicidade vibras, inseparavel dela, a representaçào da libertaçào. Da-se o mesmo com a concepçào de passado que a Historia constitui. O passado leva consigo um indicador que o fa: referir-se a libertaçào. Nào somos nos bafefados por um sopro do ar que envolvia os antigos? Nào soa nas vo:es a que damos ouvidos o eco dos agora fa emudecidos? Nào têm as mulheres que cortefamos irmàs que nào chegaram a conhecer? Se assim e, ha um compromisso tacito entre as geraçòes passadas e a nossa geraçào. Entào, fomos esperados na Terra, entào, foi-nos atribuida, como a cada uma das geraçòes anteriores, uma debil força messianica, força essa que o passado reivindica. Nào e facil desembaraçar-se dessa reivindicaçào. O materialista historico sabe disso. 333 O passado acompanha-os passo a passo com todos os seus rastros que aqui e ali reconhecem e então percebem que o são. Ha um constante processo de pendência e queda no que se denomina pecado original como positivação desmembrada da obra que o homem e quando pendura partes dela em cabides Iantasmaticos que lhe parecem sustentar a ilusão de uma separação objetiva pela contradição da linguagem, alem de espelharem o esquecimento da ocorrência que esta a ser. Pecado, culpa, castigo e acusação Iormam o circulo de um processo sempre pendente no âmbito do esquecimento da contradição da linguagem. O mesmo raciocinio se desloca para a questão do pai como Iuncionario representante de deuses e Iundamentos desconhecidos. O pai e primeiramente semelhante a Potemkin que e capaz de se ver representado na assinatura de Chuvalkin, e este, por sua vez, e semelhante ao Iilho que permanece no sistema tentando encobertar a verdadeira tareIa de Potemkin. De Iorma alguma Chuvalkin deixara de cumprir a sua Iunção social determinada ha muito tempo: exigira que a maquina Iuncione conIorme o desde sempre combinado, para o que e necessario o encobrimento. Potemkin em sua depressão da o recado inverso, isto e, de que sempre Chuvalkin Iara parte da maquina não se deixando nunca cobrir de todo com o manto da objetivação: a maquina e enquanto atividade de relação da totalidade dos que nela são, crêem e assim compreendem. A administração e a Iamilia têm contatos multiplos. Trata-se das decisões numa administração nesses periodos cosmicos, nessas paragens que nunca desaparecem. As decisões são timidas, isto e, nunca são compreensões com movimentos bruscos capazes de interIerir no processo, talvez ate interrompendo-o. As decisões são burocratizadas e prestam-se a tudo como as moças devassas descritas em O castelo de KaIka. Figuram o leque de possibilidades previstas na propria burocracia milenar, que inclui o envolvimento sentimental e sexual, a sua construção e posterior Iuncionamento. As decisões cosmicas envolvendo milênios são encontradas a todo o instante em seu caminho. Em vão tenta salvar-se. No castelo as prostitutas não são belas, pois desde sempre elas Iazem o jogo do sistema adaptando-se a qualquer inovação programada em termos de objetivação: elas são o cotidiano costumeiro articulado numa linguagem em uso. Ao contrario disso, belos são sempre os acusados. Os acusados são sempre aqueles que querem desvendar e com isso interromper o sistema em seu Iluxo dando noticias de possibilidades alem dele e, assim, pondo em perigo os esteios da totalidade reduzida em que o proprio sistema se 334 Iundamenta. 'So pode ser o processo movido contra eles, que de algum modo adere ao seu corpo¨. (GS, II-2, 413). Os acusados são sempre simultaneamente acusadores, pois não se adaptam a redução de vida imposta e, assim, são tambem arautos da beleza que e precisamente a sua verdade em ação e que advem dando noticias de mais alem do que a mera repetição que o cotidiano impõe. Acusados por suas ações, eles no Iundo perguntam por Iundamentos distanciando-se do automatismo com que os mesmos Iuncionam praticamente e se indignam, são outsider, diIerentes de uma massa obedecendo a comandos gerados por criterios que desconhece. Quem alguma vez vislumbrou um mundo alem da transparente administração geral não mais consegue voltar impunemente ao imediato do exercicio de aplicação das ações burocratizadas, pois a mudança e Iatal. A visão dos objetos relacionados desmantela-se espalhando os mesmos pelo chão e a emergência da melancolia não permite qualquer esperança em Ielicidade programada, mas apenas o sentimento de uma novidade de antigos comandos presentes ja ha muito tempo, porem, raramente entrevistos, pois a imersão na aplicabilidade dos mesmos ja substituiu a vida e instaurou uma compreensão automatizada. A esperança de absolvição não constitui esperança alguma, mas talvez maior tedio e sentimento de impotência Irente a Babel em construção. 'Nenhuma esperança aos acusados, mesmo quando subsiste a esperança de absolvição¨ (GS II-2, 413): isto quer dizer que mesmo quando absolvidos, Iatalmente continuarão culpados e acusados por se situarem numa circunscrição a qual não mais podem voltar e a ela pertencer. Benjamin menciona que KaIka disse a seu amigo Max Brod: 'Somos pensamentos suicidas que surgem na cabeça de Deus¨. (GS II-2, 412). A pergunta por Iundamentação indica a crença de que Iundamentação e possivel e isso sempre e exercitado nas proposições da linguagem. Mas sabe-se que ao mesmo tempo a Iundamentação posta nem de longe atende a todas as questões, perguntas e duvidas, e que a investigação continuada na busca de Iundamento mais proIundo deve acontecer simultaneamente, proibindo a decisão deIinitiva em Iavor de qualquer um deles para justiIicar um determinado sistema. Cavoucamos sem parar e sempre encontramos apenas a nos mesmos que nos expressamos na procura por Iundamentação: somos eternos retirantes do nosso chão. E nessa conclusão qualquer divindade desaparece porque tem de desaparecer: o seu estatuto e o de procurada por alguem que precisamente pela procura se deIine e nesse aIã nunca podera encontra-la objetivamente, ja que agora sabe que a queda e exatamente a objetivação do que jamais 335 podera ser objetivado. Mas como podera não se Iazer parte do chão em que sempre de algum modo se esta a acontecer? 'No Gênio Deus Iala e escuta a contradição da linguagem¨ (GS II-1, 9) enquanto somos pensamentos suicidas na sua cabeça Iazendo parte dele, mesmo numa compreensão itinerante. Por isso, 'Ha esperança inIinita, mas não para nos¨. (GS, II-2, 412). A esperança e para aqueles que ja sabem o que podem esperar e crêem de acordo com um Iundamento posto e que lhes parece inquestionavel. Mas para quem se tornou migrante contestando em seu aIastamento compreensivo qualquer circunscrição Iixa, acusado de destruir todos os Iundamentos e, alem de tudo, ainda vive ao sabor da burocracia instituida, não ha esperança alguma. Ha tanto tipo de esperança quanto o numero de Iundamentos ja postos e praticados, mas para quem chegou ao Iundo do poço da melancolia e vê todos os ordenamentos como apenas jogos acirrados com regras impostas como vida, resta apenas a atitude da visão dos objetos dispersos do anjo melancolico de Duerer. Max Brod na citação de Benjamin chega a ideia de que o mundo e o pecado original de Deus, ou seja, se tudo e visto a partir do ponto de vista ingênuo de uma criação objetivada dele separada, então, ele mesmo e a propria contradição. Mas Brod não percebe que essa solução e precisamente a objetivação dele mesmo na contradição da linguagem, um equivoco que KaIka não cometeria. Pode talvez existir esperança para os seres Iora de qualquer ambiente Iamiliar e Benjamin pinça-os da obra de KaIka mencionando-os: 'o vigarista desmascarado, o estudante, os loucos, criaturas inacabadas ainda em estado de nevoa, os que ainda não abandonaram de todo o seio da natureza, em suma, os inabeis e os inacabados¨. (Idem, 414). Poder-se-ia dizer que eles ou ainda estão a procura, ou estão completamente incapacitados por embotamento total. Quem podera dizer? Porque ao dizer isto ou aquilo os que são pensamentos suicidas na cabeça de Deus chegam ao mesmo patamar a que ja chegaram: não tem mais direito de instaurar a origem deIinitiva e o exercito de explicações necessario para a sua manutenção. "O mundo mitico...e mais jovem que o mundo de KaIka¨. (GS II-2, 415) Para KaIka o mito ja seria o parar da reIlexão pelo estar imanente a ele aceitando o que explica em processo de auto-compreensão. Mas o mundo para o qual regrediu, o qual descobriu e elaborou em esIorço compreensivo e bem mais antigo do que apenas o desvelamento da organização mitologica. Os poderes miticos ja Ioram descobertos e inaugurados enquanto materiais de justiIicação para Iundamentação e agora, na atualidade, ate se prestam para 336 Iazer parte de um repertorio, uma seleção que possibilita ir mais adiante, mais ao Iundo do passado na compreensão presente. Para os pensamentos suicidas na cabeça de Deus os mitos são Iormas e teorias a serem empregadas com astucia pela razão. Assim, alem dos judeus e dos chineses, tambem Ulisses e ancestral de KaIka: o grego vence os poderes miticos reconhecendo-os pela razão e vencendo-os pela astucia. Chegou a perceber que a arma mais terrivel das sereias não era o seu canto, mas o seu silêncio. Ulisses, conIorme KaIka e de acordo com a interpretação de Benjamin, ja sabia que os mitos comandam, organizam e batalham no silêncio e que se trata de prestar atenção a esse silêncio, essa invisibilidade, essa naturalidade com que os ordenamentos são aceitos como se Iosse a regra eterna da vida. Perceber o comando silencioso do canto ordenador mitico e ter descoberto o seu poder de conIiguração da realidade. Voltado para o indiciamento e a superação mitica e de modo algum agenciando o sucesso dos desejos de Ielicidade, e assim que KaIka vê o passado presente. O seu movimento principal e o de se voltar para retornar ao local de onde veio e que adivinha estar ai numa presença tão avassaladora, transparente e envolvente a ponto de ser extremamente diIicil de se ver e dizer. A razão e a astucia são condições para Ulisses, KaIka e Benjamin considerarem os mitos apenas como justiIicações de Iundamentação possivel e não mais a possibilidade da ultima relação Iundante. A razão e a astucia consistem em saber que os mitos ordenam silenciosamente a realidade e, portanto, em tambem se exercitar na navegação por entre o burburinho e o tumulto concretos de um mundo em conIiguração mitologica. As conIigurações mitologicas expressam-se como vida concreta em todos os lugares exsudando o mito maior da objetividade. Mas a Odisseia ja e caminho de retorno e Ulisses sabe que tera de vencer o mito em si mesmo, nos outros e ainda utiliza-lo como material de navegação. Ulisses, como KaIka e Benjamin sabem que o mito objetivado como intenção de verdade e antes de tudo expressão, um grito, uma voz no âmbito da linguagem total. Eles sabem que o mito, tambem como outras Iormas de conIiguração e relação de Ienômenos, e apenas uma parte de uma totalidade da qual e noticia na compreensão dos personagens que encontra. Pela razão e pela astucia Ulisses, portanto, ja conta com o mito e consegue em parte manipula-lo a seu Iavor na sua viagem de retorno a tal ponto que, como diz KaIka-Benjamin, 'era tão astuto, uma raposa tão Iina, que nem sequer a deusa do destino conseguiu devassar o seu interior¨. (Idem, 415). Descobrindo a intenção do mito, o 337 navegador ja sabe contar com ele e utiliza-lo para os seus Iins de retorno, angariando experiência cada vez maior para poder enganar o ordenamento de rota do proprio destino, que sempre e viagem para Irente sob o seu comando e nunca para tras assumindo as suas redeas. Assim, astucia e razão na vida e o direcionamento das velas da nau da viagem apontando para o retorno. KaIka e tambem navegador quando escreve contos sendo exatamente o conto a propria Iorma de narração de uma tradição que testemunha a vitoria sobre os poderes do mito como, por exemplo, no caso de O silêncio das sereias. Alias, dizer que 'Em KaIka as sereias silenciam¨ (GS II-2, 415) equivale a dizer que o segredo do mito esta descoberto como possivel expressão compreensiva e resultante organização sonora de Iuga na atividade de retornar. Portanto, em KaIka as sereias silenciam. Nisso se anuncia que mito e mito quando não visto em seus ordenamentos nas inumeras Iormas de compreensão e vida. Mas mito deixa de ser comando imediato na compreensão da Iormação de mundo quando se o descobre e se sabe que Iaz parte do compreender e que, por isso, num mundo intermediario e ate uma especie de ajudante nas circunvoluções de todas as percepções ainda inacabadas, ainda em viagem, ainda na saudade de não ter chegado. Ao perder a sua Iorça imediata de ordenamento, os mitos de ontem e hoje ajudam estrategicamente dando condições no trabalho de tecer as redes da compreensão, de reavaliação e alocação de Ienômenos, de mistura de ideias, de seleção e coleção de arteIatos miticos e ideias de Iundamentações possiveis. Quando as sereias silenciam com o seu chamado mitico e objetivamente poderoso, então o seu canto ja se transverteu em expressão musical e não signiIica mais a voz da morte provinda de entre os dentes de uma objetividade que se instalou como sentido Iixo e objetivo. Suspende-se a voz da objetividade e se permanece num 'pequeno mundo intermediario, ao mesmo tempo acabado e cotidiano, consolador e absurdo, no qual vivem os ajudantes¨. (GS, II-2, 416). Tal mundo parece que e inacabado, porque não tem resposta deIinitiva mesmo apos a descoberta dos mitos no silêncio do seu canto expressivo; e cotidiano pelo Iato de todo o dia haver deslocamento sonoro de um mito a outro; e consolador, porque pela descoberta de que todos os mitos que o compõem são expressão; por Iim, e absurdo pela constante Iatuidade das explicações intentadas pelos mesmos mitos. Na interpretação de Benjamin, 'KaIka e como o menino que saiu de casa para aprender a ter medo¨. (GS II, 416). E para sair da casa Iamiliar para terra estranha não e 338 necessario andar de uma paisagem a outra, pois basta a mesma paisagem apenas vista de outro modo. Freud, em seu estudo sobre a estranheza, procura acompanhar a linguagem indicando que heimlich tem o sentido de familiar, do pais natal, caseiro, domestico, indigena, mas que pode vir a ter o sentido de escondido secreto, furtivo, escondido, dissimulado, clandestino, reservado, intimo, oculto (Freud, GS IV, 241). Assim heimlich |a situação caseira e Iamiliar| pode chegar ao oposto do seu sentido como unheimlich, ou seja, estranho e ate assustador. Como situações Iamiliares podem adquirir conotações extremamente estranhas embaralhando o sentimento de quem nelas se encontra, mas nunca se encontrou de Iato, assim, inversamente, situações estranhas podem parecer sumamente Iamiliares como se Iossem esperadas ha muito tempo, ou ate como ja sempre presentes de certo modo e nas quais pode haver uma estranha sensação de encontro como se Iosse muito Iamiliar. Freud no mesmo estudo cita Schelling: 'As horas unheimlich e terriveis da noite. ... Unheimlich e o nome de tudo que deveria ter permanecido...secreto e oculto |heimlich|, mas veio a luz¨. (GS ii-2, 242). A ambivalência do termo unheimlich tambem pode ser relacionada com a questão que Freud apresentada em seu pequeno estudo sobre (Freud, GS, IV, 227): Über den Gegensinn der Urworte |Sobre o sentido oposto das palavras primitivas|. Ai ele lembra estudos sobre antigas palavras egipcias que signiIicavam algo e, ao mesmo tempo, podiam signiIicar o contrario disso como se da nos sonhos em que muitas vezes o signiIicado seria o contrario da trama sonhada. A mais extraordinaria excentricidade da antiga lingua egipcia ainda seria outra, ou seja, a de que dois vocabulos de sentido oposto podiam Iormar um so vocabulo composto que ai teriam o sentido de apenas um deles para lembrar a dependência do seu contrario em cada uso concreto. A decisão entre um sentido e outro teria estado na dependência do gesto do Ialante. KaIka tem especial interesse pelos gestos, pois, mesmo que em grande parte incompreensiveis e deslocados na organização do sentido da vida administrada de hoje, eles estão a dar agora noticia do que passou e ainda neles mesmos se movimenta. Uma fotografia de criança. Retornar pelo caminho do Iamiliar que se torna estranho em direção do estranho que se torna Iamiliar parece ser o gesto Iundamental de Kafka. Ele retrocedeu a visão da imensa maquinaria administrativa que se desmancha no seu sem-sentido na melancolia do palacio de Potemkin, mas terminou por descobrir em seu porão uma ratinha cantora, de cujas caracteristicas Benjamin cita: 'existe nela algo de uma inIância breve e pobre, mas tambem algo da vida ativa de hoje, com suas pequenas 339 alegrias, incompreensiveis, mas reais, e que ninguem pode extinguir¨. (GS II-2, 416). E signiIicativo que com isso KaIka aluda a uma vida real que ninguem pode extinguir, certamente porque depende de determinada conIiguração compreensiva em ação e plena aplicação historica e social objetivada. Eliminar a Iorça dos mitos parecia prometer a descoberta de um grande Iundamento, mas no Iim das contas encontra-se uma pequena Ielicidade, mas tão real quanto o ordenamento de um pequeno mito pode ser. Com essa apresentação da irrealidade em plena realidade ou a realidade em plena irrealidade, como no caso da oposição dos vocabulos nos textos da antiga lingua egipcia, Benfamin no seu artigo sobre KaIka introduz a tematica de Uma fotografia de criança de olhos tristes em meio a uma paisagem que lhe Ioi predeterminada e a qual e perscrutada atentamente por sua grande orelha a ouvir. E tambem uma descrição de KaIka quando adulto, ou seja, o seu esIorço de prestar atenção as paisagens que lhe Ioram predeterminadas como caminho de compreensão e nunca se satisIazer em simplesmente seguir caminho sendo somente azucrinado pelos estalidos do chicote do mito naquilo que ele impõe pensar. Benjamin tem sempre presente a contradição da linguagem e no artigo sobre KaIka procura desenvolver de nova Iorma o mesmo impasse Iundamental que e descrever a propria expressão da descrição que percebe em KaIka. Descrever a expressão da descrição requer que sempre se diga outra coisa para desenvolver o mesmo que se intenta. Benjamin identiIica esse vies em KaIka e procura acompanha-lo, portanto, na consciência de que ele mesmo e de um jeito e esta em continuo tornar-se pela descrição do que Ior. O sentido pode ser o mais diverso possivel a partir de qualquer descrição, desde que aponte para a Iatuidade da contradição da linguagem no proprio momento da descrição. Benjamin, por isso, da-se o direito de embaralhar noticias avulsas sobre KaIka, parte dos seus escritos de varias epocas da sua vida, comentarios de outras pessoas sobre ele, com aquilo que depreende de uma IotograIia da epoca da sua inIância. Benjamin percebe que na descrição objetivada de um retrato de KaIka esta a expressar a sua propria questão, as diIiculdades da sua compreensão, o esIorço de encetar o caminho do retorno ao reencontro das determinações primeiras que o acossam de um modo Iamiliar demais a ponto de se tornarem sinistra transparência de tudo, a qual induz a suspeita de um oIuscamento mortal. Portanto, a paisagem descrita em Uma fotografia de criança e familiar perIazendo um conjunto muito estranho que deve ser perscrutado com 340 os ouvidos para a oitiva do cenario ja ha milênios montado com palavras e cuja programação esta nele mesmo esquecido e enterrado a espera de escavação atenta. Na percepção de paisagem predeterminada surge o desejo de encarar a atividade da decodiIicação de tudo a luz dos mitos e criterios subjacentes. A diIiculdade e a de sempre, isto e, saber-se extremamente proximo pelo Iato de dela Iazer parte pelo modo com que a si mesmo expressa descrevendo e, ao mesmo tempo, muito distante perscrutando-a tentando ouvir e descobrir as suas determinações, o seu canto de sereia. E essa a triste esperteza na decodiIicação da multiIormidade de paisagens que, vindo a ser, insistentemente reivindicam o estatuto da objetividade de acordo com um criterio absoluto ainda não descoberto, indiciado e instaurado para a certiIicação do real. Mas a melancolia expressa nos olhos tristes, desde sempre sabe da tareIa de se escutar as determinações da perspectiva paisagistica junto de si para so, na volta, usuIruir as pequenas alegrias da pequena realidade do encontro. Por um lado, a tristeza provinda da predeterminação de toda a paisagem compreensiva nos termos de objetivação pela linguagem pode aderir a sentença do escritor do Eclesiastes quando diz que nada ha de novo debaixo do sol, pois tudo e vaidade (Eclesiastes I, 2), pois tudo são velhas e novas quedas na objetividade num tempo para tudo: Tudo tem o seu tempo determinado, e ha tempo para todo o proposito debaixo do ceu. ha tempo de nascer, e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar, e tempo de curar, tempo de derribar, e tempo de edificar, tempo de chorar, e tempo de rir, tempo de prantear, e tampo de saltar de alegria, tempo de espalhar pedras, e tempo de afuntar pedras, tempo da abraçar, e tempo de se afastar do abraço, tempo de buscar e tempo de perder, tempo de guardar, e tempo de deitar fora, tempo de rasgar, e tempo de coser, tempo de estar calado, e tempo de falar, tempo de amar, a tempo de aborrecer, tempo de guerra e tempo de pa: (Eclesiastes, 3, 1-8).
Por outro lado, como no caso da ratinha cantora, a tristeza pode ser contrabalançada pela realização da compreensão no desejo de ser indio, de identiIicar-se no encontro com a paisagem a ponto de desaparecer e ser ela mesma. Para explicar, Benjamin cita: 'Como seria bom ser um indio sempre pronto e sobre o cavalo a galope...sem redeas e sem nada ....quase sem ver diante de si o prado de vegetação rala, ja sem o pescoço do cavalo, ja sem a cabeça do cavalo¨. (GS II-2, 416-41). Antes de America, KaIka so se identiIica em sua 341 obra pela inicial K., agora assume um renascimento compreensivo com a menção do nome completo Karl, uma identiIicação direta com o personagem objetivado na obra. No desejo de ser indio 'a realização revela o seu segredo¨. (GS II-2, 417). Apos a tristeza da paisagem desconexa e estranha cujas determinações miticas e necessario descobrir para lhe entender as condições de uma objetivação que se esIacela na melancolia, agora, tornar-se indio e se Iazer terra e cenario signiIica a sede, a saudade do Iamiliar que se tornara estranho, realiza-se a compreensão de que a paisagem e o constante encontro do que advem com o que se escuta a partir das proprias condições de recepção. Benjamin esta como que a desenhar a bipolaridade da contradição da linguagem acentuando de um lado a objetividade sempre absolutizada que sempre podera levar a crise com a relativização do seu Iundamento e, de outro, a descoberta de que o Iundamento e uma posição possivel dando condições de uma perspectiva possivel de compreensão ao liberar a mesma compreensão para a descoberta da dimensão do acontecer no seio da propria linguagem. No segundo caso o Iundamento e percebido como ja Iazendo parte eIetiva da compreensão que se da num todo sempre ainda a ser compreendido. Assim Karl e a encarnação mais Ieliz de KaIka, pois ele ai percebe a objetivação enquanto acontecimento de encontro com o que advem como paisagem da qual ele mesmo Iaz parte. Trata-se de ser artista, embarcar no papel que se esta a desempenhar e ter Iuturo na trama que se concebe. Trata-se de assumir que somos o teatro de Oklahoma, o teatro da natureza e da vida que ao mesmo tempo e uma pista de corrida, organizada, quem sabe, de acordo com a lei de Darwin e suas variantes. Benjamin chama de novo a atenção: Essa pista de corrida e ao mesmo tempo um teatro, e isso constitui um enigma. Porem, o lugar enigmatico e a figura inteiramente transparente e nào enigmatica de Karl Rossmann pertencem-se mutuamente (GS II-2, 427).
Karl e a compreensão participante junto com aquilo que ele objetiva, tanto que o contexto objetivado ele compreende como o seu acontecer. A vida encarada como pista de corrida e teatro em que se cumpre um papel eIetivo no jogo teorico, por exemplo, da lei de Darwin e periIerias, e a eIetividade de uma compreensão que conIigura um enigma, pois se posiciona em gesto de Iuga da objetivação ao compreender o seu objetivar como acontecer, mas ao mesmo tempo compreendendo que tambem precisamente isto e obrigada a aIirmar como nova objetivação. A compreensão ao ver-se embarcada na alternativa da vida como pista de corrida percebe-se como Karl Rossmann simplesmente e, ao mesmo tempo, a vida 342 como teatro objetivo num pertencimento mutuo. Não ha a possibilidade de descolamento de KaIka e da sua compreensão objetiva de que a objetividade seja um acontecer expressivo. Assim, aIirmar a ambivalência de uma condição simultânea e aIirmar um enigma que e a contradição da linguagem. Essa ambivalência resulta numa curiosa concepção do sabio que, a exemplo de Confucio, apaga todas as particularidades no sentido de uma imersão inocente em qualquer objetivação contingente a ponto de resultar na permanência da situação compreensiva de Ialta de carater. E o Durchschnittsmensch, ou seja, paradoxalmente o homem medio, o homem da rua que e capaz de jogar qualquer papel no teatro da vida pelo Iato de encarnar o repertorio resumido de todas as organizações compreensivas eIetivas ja havidas no transcorrer dos milênios. Sem os comprometimentos de uma compreensão imediatamente imbuida com a manutenção eIetivamente Iuncional de qualquer sistema organizatorio, o homem chinês não se caracterizaria por seu carater, mas por sua Iundamental pure:a de sentimentos, uma pureza enquanto instrumento competente de avaliação do comportamento gestual, pois este, nos seus movimentos encarna a memoria dos milênios muitas vezes sem a possibilidade do acompanhamento da sua tradução ou expressão conceitual. Com a tematização dos gestos em KaIka e a sua relação com o teatro gestual chinês e como se Benjamin quisesse dizer que e necessario indiciar gestos e tentar deciIra-los para que seja possivel o voltar-se da compreensão em direção as suas determinações que a escravizam num regime Iuncional milenar incompreendido. Nos gestos estão dissolvidos e sempre lembrados, num vies mitico, tanto acontecimentos quanto imposições teoricas de milênios, e que ainda no presente não perderam a sua intenção de mando. Neste sentido, tambem Kafka em sua escrita estaria descrevendo gestos: O teatro ao ar livre de Oklahoma remete ao teatro classico chinês, que e um teatro gestual.....toda a obra de Kafka representa um codigo de gestos, cufa significaçào simbolica nào e de modo algum evidente para o autor desde o inicio, mas a mesma e procurada sempre de novo em outras relaçòes e outras tentativas de ordenamento (GS II-2, 418).
Desse modo estamos sempre a encontrar personagens nas obras de KaIka que em seu exagero enIaticamente acentuado remetem a mundos supostamente mais distantes, estranhos e esquecidos, mas ao mesmo tempo assustadoramente proximos, presentes e 343 como que Iamiliares. E Benjamin da dois exemplos em que no primeiro KaIka traz uma justiIicação para o procedimento gestual, dispensando-a, porem, no segundo: Na Jerwandlung (Metamorfose) lemos sobre a maneira estranha que se tem de se sentar na escrivaninha e falar com o empregado de cima para baixo, o qual, alem disso, deve chegar bem perto devido a surde: do chefe. Mas no Pro:ess (O processo) nào existem mais essas fustificaçòes. No penultimo capitulo, K. parou nos primeiros bancos, mas ao sacerdote a distancia ainda parecia excessiva, ele estendeu a mào e mostrou, com o dedo indicador bem inclinado para baixo, um local bem proximo ao pulpito. K. tambem nisso obedeceu precisando inclinar a cabeça fortemente para tras a fim de ainda ver o sacerdote. (GS II-2, 418).
O gesto em KaIka da noticia de um mundo ilimitado no qual cada um representa todo um processo, ou cada um e um drama para si num palco que e o teatro do mundo tendo o ceu por pano de Iundo. Mas cada gesto ocupa uma centralidade tal que o ceu se rasga para se tornar moldura de um desenho na parede como se cada um tambem movimentasse periodos cosmicos distantes e proximos ao mesmo tempo. Nessa perspectiva alguns gestos são extremamente enigmaticos e simples ao mesmo tempo como se Iossem animalescos, instintivos, automaticos: estão incorporados a compreensão presente e a sua maniIestação a tal ponto que os proprios atores no teatro da vida não os entendem mais por estarem proximos demais e exatamente por isso distantes demais para explicitações e reIlexões interpretativas elaboradas. Nos contos de KaIka o parentesco com os gestos animais vai tão longe que as vezes custa a acreditar que esteja realmente Ialando numa situação de animais e não de humanos, e noutra situação de humanos e não de animais. Benjamin quanto a isso se expressa curiosamente: 'Mas isso e sempre KaIka; ele tira os esteios tradicionais do gesto humano e nele tem, então, um objeto para reIlexões que não tem Iim¨. (GS II-2, 420). Tirar os esteios do gesto e priva-lo da sua conotação de objetividade nas e em que pretende ter um sentido evidente e Iazê-lo expressão presente e proxima da distância milenar durante a qual se manteve pela sua capacidade de adaptação no desdobramento de cada mundo cosmico. KaIka em suas reIlexões e aquele que procura voltar no sentido inverso da dobra ja Ieita, ou seja, no verdadeiro sentido de desdobrar, o que, alias, ele implementa em suas parabolas: dobramento ja houve, seus resultados ca estão e agora se trata de percorrer o caminho inverso. Por exemplo, a parabola Jor dem Geset: (Diante da lei) parece merecer o seu desdobramento na totalidade do romance Der Pro:ess (O 344 processo) na voz do sacerdote, mas num sentido pelo qual se entende a evolução ja havida como o desdobramento de um botão em uma Ilor e não no sentido de desdobrar tornando liso um papel ja amarIanhado. Desdobrar um papel dobrado: 'Mas isso e sempre KaIka¨ (Idem, 420), o qual vai a procura de si numa criação literaria na tentativa de comentar milenares determinações culturais compreensivas presentes nas explicitações, tidas geralmente como objetivas, e em gestos teoricos e corporais automatizados na trama do contexto cultural de agora. Para exempliIicar tem-se a relação entre a Halaca e Agadah. A Halaca e uma tradição legalista do judaismo, uma doutrina religiosa que intenta construção positivamente objetiva conIrontando-se, por isso, com aspectos teologicos, eticos e Iolcloricos, e voltada para a ediIicação do Iuturo sem permitir a relativização dos seus principios dogmaticos. A Agadah, pelo contrario, e entendida como sempre voltada ao passado que se torna presente enquanto relato da libertação de Israel do cativeiro egipcio por Moises e merecedora de comentarios e interpretações continuas tendo como resultado a atualização do seu sentido nos acontecimentos do presente. Em KaIka desapareceu a doutrina e a historia objetivada em positividade dogmatica, permanecendo apenas os gestos rituais impositivos e expressivos de algo a ser descoberto, narrado, interpretado e, assim, instaurado. Residuos de doutrina podem ter sustentado a sua continuidade da narrativa ou, inversamente, preparar uma doutrina adveniente. Ha que se estar alerta quanto a propria compreensão, pois de algum modo o destino da compreensão e a organização, algo impenetravel quando se leva em conta o vies construtivo dela pelo lado da ingenuidade puramente objetivista e, pelo outro, a ocorrência de um comando organizatorio subjacente nunca totalmente elucidado. Toda a carga de impenetrabilidade do destino da compreensão enquanto organização pesa-se na aIirmação de que Iundamentalmente se 'trata da questão da organização da vida e do trabalho na comunidade humana¨. Pois, a 'organização se assemelha ao destino¨. (GS II-2, 420). De um trecho de A muralha da China, Benjamin cita. A muralha deveria servir de proteçào durante seculos, Por isso, o maximo de cuidado na construçào, a utili:açào dos conhecimentos arquitetonicos de todos os tempos e de todos os povos e um duradouro sentimento de responsabilidade por parte dos construtores eram pressupostos indispensaveis para esse trabalho. Para as obras acessorias podiam ser usados assalariados do povo, homens, mulheres, crianças, enfim, todos os que se empregavam para ganhar dinheiro, mas fa para dirigir quatro desses assalariados um homem culto era necessario, especiali:ado em arquitetura...Nos estou falando aqui em muitos nomes - somente aprendemos a nos conhecer soletrando as instruçòes dos 345 nossos condutores superiores, descobrindo que sem a sua liderança nosso saber acadêmico e nosso bom senso nào teriam sido suficientes para podermos executar a pequena funçào que nos cabia no grande todo (GS II-2, 421).
Num grande todo em que as Iunções e as tareIas são inIinitas o homem simples não pode entender todo o enredo, captar todas as relações, os limites da compreensão tornam- se evidentes e o grande enigma põe-se de novo. Ha um grande todo, uma grande Muralha da China em construção e em que o homem esta incluido a participar cumprindo a sua tareIa, pensando, compreendendo, expressando-se na linguagem, perdendo-se em algum lugar entre a objetivação e a expressão. Objetivando o todo por meio de alguma denominação, então o absolutiza reduzindo-o as dimensões da sua objetivação de acordo com os seus criterios de descrição, como se pudesse dele se distanciar esquecendo-se que precisamente a sua atividade de instauração de clariIicação, mesmo por meio das mais soIisticadas circunvoluções de analise da linguagem, deve Iazer parte desse mesmo todo suposto para poder de algum modo ser expressão no seu dizer. Qualquer deIinição objetiva do todo que se queira dar deve, de acordo com a contradição da linguagem, incluir simultaneamente a si mesma tornando, assim, relativa a propria pretensão da objetividade da deIinição e tendo que assumi-la como acontecimento emergente no mesmo todo que propõe. Na elaboração da sua proximidade com KaIka, Benjamin se expressa: Kafka dispunha de uma rara força para produ:ir parabolas para si. Apesar disso, ele famais se esgota no que e interpretavel, pelo contrario, tomou todas as precauçòes imaginaveis contra a interpretaçào dos seus textos (GS II, 422).
Qualquer tipo de interpretação clara e evidente apenas no sentido objetivo talvez parecesse um convite para Iacilitar as coisas de modo a desviar-se do cerne da questão. No todo da construção, porem, KaIka queria ser incluido entre os homens comuns, pois caso quisesse parecer grande pretenderia saber de todos os planos de ediIicação da grande muralha para então poder descrevê-la em seus contornos a partir de uma maquete previa ou de algum lugar extremamente aIastado para visualiza-la totalmente. E ele levou tão a serio a sua angustia de gênio que, como se sabe, deu instruções para que toda a sua obra Iosse destruida como que a Iim de redimir-se de uma grande culpa de objetivação em detrimento da compreensão da ocorrência Iantastica, incompreensivel, mas incrivelmente colossal de 346 tudo. Talvez tenha sido este o seu recado, o seu testamento deIinitivo para todos, inspirado numa parabola sua sobre um homem que pede por passagem na porta da lei, Irente a qual esta um guardião que não o deixa passar de modo algum, mas que deste mesmo guardião, no Iim de toda sua vida de espera, Iica sabendo que ninguem mais poderia passar, pois a entrada ai estava destinada so para ele e que agora iria Iechar. E que a lei não existe como Iundamento ultimo, e não existe deste modo pelo Iato de que qualquer Iundamento explicativo da totalidade Iatalmente deve ja Iazer parte da totalidade suposta e que esta a aIirmar como sua expressão. O homem pede, espera e indaga e recebe sempre a mesma resposta num eterno retorno indicando o mesmo local em que ja sempre esteve diante da mesma entrada que e especiIicamente dele pelo repertorio de questões, perguntas e reclamações que apresenta, sem jamais ter a minima chance de querer e poder desistir. Por isso e que: 'O mundo de KaIka e um teatro do mundo. Para ele, o homem esta desde o inicio no palco¨. (GS II-2 422). Estando desde o inicio no palco, o homem representa papeis impingidos? São papeis Ialsamente assumidos? Nunca podera chegar a autenticidade? O convite ao palco e sempre para representar o papel da inautenticidade? A essência do ser humano parece ser a sua grande capacidade de mutabilidade em representar papeis que não parecem ser ele mesmo. Benjamin sentencia: 'Que eles em ultimo caso possam ser o que alegam esta excluido do leque de possibilidades¨. (GS II-2, 422). Ou seja, novamente a objetivação representativa traz problemas. Que os personagens devam representar a si mesmos, e isto que deles se espera, mas não atinam que pudessem ser o que alegam em suas objetivações. Melhor, o teatro do mundo justapõe o que são e o que alegam objetivando de mil maneiras. Bem entendido: as pessoas são o que dizem, Iazem, compreendem. 'Mas o proprio crânio bloqueia... o caminho¨, (GS II-2, 422) assim cita Benjamin. Todos são personagens numa maquina teatralizada, sem se dar conta que a perIazem, que são ela mesma. Eles são o simulacro e não outra coisa que julgam ser a parte do objetivado. O personagem K. no Iim do Processo, ao ser levado a morte, parece ter compreendido a questão crucial que o dominava quando pergunta aos seus dois algozes histriões sobre o teatro que estariam representando. Ambos nem chegam a entender a pergunta, mas se assustam para valer olhando um para o outro sem saber o que dizer a respeito disso. Pelo susto e com sua objetividade Iuncional servindo de papel teatral 'provavelmente permanecerão dai por diante a procura de um abrigo como os seis personagens de Pirandelo¨ (GS II-2, 422) estavam a procura de um autor extremamente proximo. 347 No teatro de Oklahoma inclusive a auto-imagem que os atores tentam produzir e angelical e generosa consigo mesmos. Mesmo assim, não adentrarão a si mesmos na porta da lei que, pelo modo com a compreendem, apenas existe como Iicção enganosa para a queda constante na mera objetivação e assim 'esta excluido do leque de possibilidades que eles possam ser o que alegam¨. Segundo Benjamin, Soma Morgenstern teria expressado: 'Em KaIka, como em todos os Iundadores de religião, sopra um ar de aldeia¨. (GS II-2, 423). Talvez isso provenha da incrivel simplicidade dos Iatos e dos dados Iundamentais da condição humana descritos por ele como se observasse a nudez do rei-homem que insistentemente se desnuda na objetividade pensando com ela exatamente se vestir. Os Iundadores de religião dão as costas ao Iuturo e tecem considerações sobre o passado presente, pelas quais as pessoas reconhecem a Iamiliaridade do estranho esquecida ha muito tempo. Muitas vezes, porem, a incrivel simplicidade não e vista e se torna diIicil de compreender, pois quanto maior a total construção objetiva, menor a possibilidade de nela se reconhecer. A simplicidade e a piedade transluzem na descrição de Das nàchste Dorf (A aldeia proxima) de KaIka inspirado na parabola de Lao Tse: 'Duas aldeias vizinhas podem estar ao alcance da vista de modo que se assim, as pessoas deveriam morrer em idade bem avançada, sem jamais viajarem de uma a outra.¨ (GS II-2, 424). A primeira vista a parabola traz uma serie de diIiculdades, pois qual relação deveria ter a concepção de piedade de Lao Tse com a parabola A aldeia proxima? Seriam os habitantes da aldeia motivados a não se visitarem, porque se negam a mudança de si mesmos, a qual resultaria da relação e, portanto, como Iidelidade a si mesmos? Ou seriam motivados pela analise inIinita dos enigmas de cada aldeia, portanto, sem tempo para visitar a outra? Talvez deva tratar-se da identiIicação dos aldeões consigo mesmo e suas obras no teatro do mundo? Ou, simplesmente se trata de um exemplo da diIiculdade das metaIoras exposta dessa Iorma pelo autor no intuito de suscitar a reIlexão? Vendo a vida da outra aldeia de longe, sem os envolvimentos passionais diretos e intensos na organização das cidades assim mecanizadas, a observação e a descoberta do que move o todo e mais Iavoravel a cada habitante? A contemplação tranqüila a distância Iavorece a visão da armação do palco e do teatro em andamento? De qualquer modo, a ilustração da piedade pela concepção Iigural de duas aldeias em que as pessoas morrem de velhas, sem viajarem de uma a outra, tem um enigma em si, pois se trata de uma indicação de direção. Chama a atenção a expressão: ...os habitantes deveriam morrer em idade avançada, sem famais...A vida toda em um lugar Iavorece o exame do que se da em volta. E a manutenção 348 de um ponto de vista, de uma questão central e unica, de uma pergunta Iundamental como se diz que cada grande homem sempre tem um so Ioco de conversação (GS I-1, 96). Neste caso, trata-se de KaIka a propor parabolas como se Iosse um instaurador de religião, porem, sem o ser de Iato, pois procura simplesmente expressar o cerne da condição humana na contradição da linguagem, tentando insistentemente destroçar a objetividade construida para poder permanecer na expressão dela. Assim, as suas parabolas são construidas de tal Iorma que promovem o alargamento do sentido em que o proprio sentido objetivado e a questão, e em que acontece a destruição das camadas de sentido objetivo superIicial costumeiro, pois exatamente este quer ser visto em sua proIundidade em termos de ocorrência. KaIka permanece sempre no mesmo lugar, no mesmo ponto de vista de um aldeão embasbacado com os acontecimentos da sua aldeia, que o acossam como se eles representassem a propria concentração de todas as Iorças cosmicas ai objetivadas em ocorrência cotidiana. Benjamin relaciona neste contexto tambem a aldeia que Iica ao pe do castelo na obra O castelo, na qual o personagem K. recebe a curiosa e inesperada incumbência de agrimensor para medir o que nunca se permitira que seja medido. O homem agrimensor esta na condição de querer medir e analisar produzindo objetividades tendo por base um criterio Iundamental do qual alega ser independente por si como causa sui. Ele recebe a incumbência, sente-se capaz e chamado para cumprir uma tareIa que ao mesmo tempo e impossivel de ser levada a contento. Ele pergunta pelo todo a ser medido de Iora, mas nunca podera medir: permanece na aldeia como ponto de observação e lhe permitem que Iaça incursões esporadicas para o conhecimento da sua burocracia. Tambem para este contexto Benjamin evoca uma lenda talmudica: A princesa alma esta exilada numa aldeia estranha que e o corpo, do qual ela não conhece a linguagem, mas esta a espera do noivo Messias. A noticia da vinda do Messias, a sua noiva alma prepara um Iestim para o corpo aldeia, da qual não conhece a linguagem. E Benjamin interpreta: 'O homem de hoje desliza para Iora do corpo e lhe e hostil¨.(GS II-2, 424). Ou seja, ha um divorcio, uma cisão Iundamental. O mundo como corpo e aldeia objetivado parece completamente exterior ao acontecer simultâneo enquanto alma a ponto de não se lhe conhecer a linguagem. A objetivação distancia inexoravelmente o corpo objetivado e a alma ocorrência. Pode acontecer o processo de metamorIose em que o homem percebe o distanciamento e, então, avança na seqüência de se tornar inseto em que, pela 349 compreensão, o corpo mundo dele aos poucos se apodera, ou ele o incorpora por assunção, de tal modo que todos percebem a semelhança a chiqueiro, mau cheiro e ar pestilento. A aldeia que não recebe a visita dos aldeões da outra seria o objeto de estudo das almas que ai vivem? Duas aldeias, dois corpos sendo estudados pela piedade dos aldeões atentos? Em apontamentos para a Ieitura do ensaio sobre KaIka, Benjamin escreveu: Quem Kafka era, isso nem ele mesmo quereria di:er claramente poder-se-ia criar a lenda de que ele tenha sido um homem que ininterruptamente estivesse ocupado com a sua pesquisa sobre si mesmo, mas sem famais ter olhado no espelho (GS II-3, 1196).
Assim, os aldeões estão ocupados consigo quando eles se debruçam sobre a sua propria aldeia, cujas circunstâncias são a sua objetivação. Em vez de medirem a aldeia distante, ou ate mesmo o castelo todo, são agrimensores do seu proprio chão e do rastro nele ja imprimido. A IotograIia de KaIka quando menino de olhos tristes e a escutar atentamente os recados de uma paisagem montada como se Iosse um palco para a exibição de papeis objetivos continua como emblema de toda uma vida e de toda uma obra enquanto vida. O homen:inho corcunda. Benjamin procura especiIicar a sua opinião sobre KaIka relatando um outro exemplo de escritor quanto a relação entre vida e obra. Trata-se da opinião de Knut Hamsun, veiculada como artigo em jornal, sobre uma mulher que matou o seu Iilho e o castigo que ela mereceria por sua ação. Um episodio igual aparece posteriormente em sua obra 'Benção da terra¨. O escritor Hamsun copia a si mesmo, ou aborda um Iato acontecido de maneira literaria? Benjamin quer acentuar a identidade de vida e obra. Em seu artigo de jornal Hamsun pretende um julgamento moral objetivo ligado diretamente a vida em seu transcurso e talvez não concordasse com a insinuação de que o julgamento e ele mesmo a acontecer, pois em sua argumentação pretende ter base totalmente solida, objetiva e dele independente para a sua Iundamentação. Hamsun expõe a sua compreensão em obras de acordo com a sua compreensão sobre a vida ate em noticia de jornal. A obra retrata constantemente a compreensão de vida objetiva e tal criterio deve ser observado na interpretação da obra de KaIka. Vida e obra identiIicam-se. A objetivação produzida em opiniões e ações da vida no registro da sua compreensão e o que o escritor imediatamente e, tanto que reitera a sua compreensão em obra artistica. A contradição da linguagem pode ser descrita no primeiro passo, quando o escritor da a sua opinião com 350 intenção de objetividade absoluta a base de Iundamento absoluto, sem perceber que a ocorrência de tal julgamento e ele mesmo. Ja no segundo passo, a obra artistica esta a indicar que em sua circunscrição, desde a sua concepção, não se trata jamais de objetividade a base de um Iundamento inconteste sob pena de perder o seu carater de criação. Na obra artistica, a mulher assassina e julgada do mesmo modo, mas como narrativa em que o escritor a vê enquanto obra de assumida criação sua, como se entendesse que no caso do juizo no artigo de jornal a mesma compreensão ocorrente Iora esquecida, resultando na queda da objetivação e na colocação de um Iundamento absoluto. O que aconteceu com Hamsun e o aparecimento inesperado e estranho do homenzinho corcunda na lembrança da contradição da linguagem. O corcunda destroi e mostra o lado Iraco da organização compreensiva objetivada, a totalidade de horizontes reduzidos se esboroa traindo-se, os supostos de Iundamentação são postos a prova. Assim, ja agora, o aparecimento do corcunda signiIica a indicação da volta, do retorno a visão das raizes e tematizações sobre a justiIicação da propria colocação de Iundamentos ultimos e esquecidos. Forças arcaicas atravessam a obra de KaIka, as quais ainda são identiIicaveis nos dias de hoje. Benjamin diz que essas Iorças reivindicam a obra de KaIka como se a obra Iosse o resultado delas e como se continuassem com a sua Iorça diIicil de reconhecer ate na atualidade. KaIka não as teria conhecido, mas tais Iorças do pre-mundo mostravam-lhe a culpa como se Iosse um espelho em que ele constantemente adivinhava o Iuturo em Iorma de tribunal julgador. 'Ele apenas deixou que aparecesse o Iuturo em Iorma de julgamento no espelho que o pre- mundo colocava a sua Irente em Iorma de culpa¨ (GS II-2, 435). A culpa que KaIka constantemente abordava eram para ele Iorças presentes que o acossavam na propria compreensão produtora de objetivação por meio de julgamentos e simultânea inconsciência pelo esquecimento delas. Uma compreensão comprometida com tais Iorças constantemente solidiIica-as em repetição. Trata-se de uma compreensão mecânica e inconscientemente empurrada para a produção de julgamentos, tendo por base Iorças do pre-mundo ate então desconhecidas, ou por demais conhecidas e invisiveis pela sua proximidade e participação eIetiva na elaboração do pensamento. Tais Iorças do pre-mundo apresentam-se metamorIoseadas, disIarçadas, camuIladas em Iorma de argumentos e justiIicativas para a continuidade da construção da objetivação e, a qualquer voz que recorde disso, promovem 351 a continuidade de si repassando a culpa por meio da acusação de qualquer outro. A culpa que KaIka aborda e a sua propria compreensão comprometida com a objetivação, com a Iicção de um mundo separado de si que se pudesse descrever, julgar, nele interIerir de modo asseptico sem nele sujar as mãos. Na visão desse comprometimento no proprio cerne da compreensão, KaIka via-se em espelho, e a propria manutenção de tal visão de si transluz a culpa original e a tareIa iniciante do julgamento. Instaura-se o tribunal que promove um curioso processo em que o juiz renitente e peremptoriamente exibe apenas as credenciais de poder aplicar principios Iundamentais para a objetivação de juizos, e exatamente por isso e acusado num lento e angustiante processo de condenação. Benjamin nesse sentido pergunta e conclui: 'Como então se deve pensar isso não seria o juizo Iinal? O juiz não se converte em acusado? O castigo não esta no proprio processo? - KaIka não deu resposta a isso¨ - (GS II-2, 427). O Iato de Kafka não dar resposta a essas perguntas indica que ele quer adiar a sentença de um processo instalado no âmago da compreensão. Decidir-se pela condenação ainda em vida signiIica nova auto-condenação pela objetivação julgadora que tal sentença implica; decidir-se pela não condenação em vida signiIica a continuidade da justiIicação da objetivação; assim, a saida e ou a morte ou o adiamento da sentença na continuidade do proprio processo em vida. O juizo Iinal ai se adia por impossibilidade de solução humana constituindo a perspectiva do tempo Iuturo. Cavoucar nas entranhas de um passado presente e a oportunidade de instaurar criativamente o tempo Iuturo por adiamento constante do juizo Iinal. Como nos contos de Cheera:ade, que têm a caracteristica epica de sempre adiar de algum modo o que esta prestes e Iatalmente a vir, este e um dos gestos de KaIka em sua obra. Trata-se do adiamento da sentença Iinal quanto mais se puder como acontece no O processo, onde a esperança do acusado e que o procedimento judicial não leve aos poucos a sentença. Adiar a sentença e permanecer no constante procedimento judicial entre o esquecimento na objetivação empurrada por Iorças do pre-mundo na continuidade de uma compreensão Iuncionaria e a percepção da propria ocorrência de si nos julgamentos que promove. Mas tambem essa Iorça de adiamento esta presente nos dias de hoje como tipiIicação em Abraão, considerado patriarca pelo mundo judaico-cristão. Entre as Iorças do pre-mundo presentes na atualidade esta, portanto, a exempliIicação da condição humana por parte de Abraão, o patriarca, como alguem que 352 precisamente promove o adiamento da sentença, o juizo Iinal. Abraão põe-se como juiz e culpado no episodio do sacriIicio do Iilho Isaak, pois compreendeu como adiar num processo de culpa e castigo. Matou a imagem de si mesmo, isto e, a objetivação esquecida de si mesmo, mas, simultaneamente se reconheceu na objetivação. Como KaIka no Iim da sua vida pediu que toda a sua obra Iosse queimada sem ser obedecido por seu amigo Max Brod e por todos os que se preocupam e se reconhecem em sua obra, mesmo na continuidade de uma objetivação considerada inevitavel, Abraão compreendeu a inexorabilidade da sua condição de ser juiz e de ser acusado por o ser. E possivel imaginar um outro Abraão, ou seja, alguem que sempre tem algo a mais a Iazer e não se dispõe a obediência do sacriIicio, pois e meramente construtor de uma imagem separada, Ialante o tempo todo, deIensor de um discurso proprio capaz de Iazer adeptos Iervorosos, moto perpetuo esquecido do seu impulso inicial, alguem com trejeitos de garçom. Ser como garçom obsequioso seria o modo de obediência cega num esquema pre-Iormado em Iorma de objetivação implantada por Iorças arcaicas e teatralizada como Ie cega e esquecida em sua pura aplicabilidade. Apesar de garçom, nunca Iaz de Iato o sacriIicio da objetivação, porque nada compreendeu e a execução pura e simples de mandados e contra-senso, ja que e simplesmente a continuidade do igual, o eterno retorno do igual. ConIorme o relato biblico, Abraão ainda arruma as suas coisas, mas vai para o cumprimento do absurdo que resulta na compreensão da contradição da linguagem, da morte do discurso objetivado, da morte de si em imagem conIigurada em rito de rememoração no sacriIicio do carneiro, e, ainda, do compreender a ingenuidade de que poderia ser puro acontecer. Abraão e patriarca, porque se identiIica com o julgamento que promove: ele e o processo de julgamento em que se torna visivel a condição humana e e exatamente esta compreensão que ele transIere a Isaak que em Iase inIantil nada disso compreende, mas ja adivinha que agora e visto como dadiva diaria e não como posse de uma vez por todas E extremamente signiIicativo que KaIka na hora da sua morte tenha ordenado o sacriIicio da sua obra e tenha transIerido a decisão da execução eIetiva e Iinal a alguem que permaneceria na condição em que ele mesmo sempre se encontrou, ou seja, no processo de adiamento. Com a sua ordem simplesmente transIeriu a permanente angustia da decisão entre objetivação esquecida e assunção compreensiva. Ate o Iim KaIka vê-se como Iracassado em seu intuito de transIormar a poesia, enquanto compreensão de vida e 353 obra, em doutrina objetivada, o que parece impossivel, e o seu pedido Iinal parece ter o intuito de ser Iiel ate o Iim ao que sempre procurou: a compreensão impossivel da objetivação da ocorrência em que estava imerso. Fracassada foi a sua grandiosa tentativa de transformar a poesia em doutrina, devolvendo-lhe, enquanto parabola, a consistência e a modestia que a lu: da ra:ào lhe pareceram ser as unicas apropriadas. Nenhum poeta cumpriu tào corretamente o mandado. 'Tu nào deves construir imagens` (GS II-2, 428).
Abraão pôs em ordem a sua casa, objetivou, mas sacriIicou a imagem Ieita permanecendo no adiamento enquanto processo de juiz objetivador em auto-condenação, de culpa e castigo, de esquecimento e rememoração. E o gesto de KaIka. A semelhança de Abraào, não quer construir imagens e, por isso, procura constantemente destrui-las pela reescrita para, num gesto de volta, indiciar insistentemente as determinações arcaicas Iundamentais que não deixam de o seduzir. As construções de imagens objetivadas elaboradas a base de Iundamento separado e objetivo devem ser sacriIicadas pela recordação, pois e esta a proibição e e esta a queda, a culpa e o castigo. Mas era sempre 'como se a vergonha devesse lhe sobreviver¨. Vergonha de si, da sua Iamilia, da sociedade e do mundo todo na condição de Iuncionarios do repasse geral das Iorças cosmicas que em sua compreensão percebe acabrunhado, ja que tambem eles Iazem parte do seu ser. Na sua escrita instauradora de indiciamento de tais Iorças arcaicas na compreensão, ele movimenta os periodos cosmicos no presente agora, que se transIiguram em culpa e castigo, juizo e condenação, passado e Iuturo, objetivação e adiamento, sacriIicio enquanto lembrança do esquecer que se trata da morte da imagem enquanto insistente boneco Iantasmatico. KaIka sabe que obedece aos ditames exigentes dessa Iamilia e desse mundo que o envergonham e que lhe reivindicam a escrita. Mas no seu proprio indiciamento ele inaugura o aparecimento objetivando e permanecendo inexoravelmente na contradição da linguagem. O lado de baixo do rochedo de SisiIo ai se torna visivel, o que primeiramente não e agradavel por signiIicar que ja não ha mais Iundamento absoluto, mas apesar disso, e erguido como se Iosse discurso objetivado e justiIicado deIinitivamente e, mesmo na subida, ja consciente que ira rolar ladeira abaixo. E uma vergonha o que e em mera objetivação e em ocorrência: a vergonha sobrevive. Benjamin diz de 'KaIka que os seus romances se passam num lamaçal,...que o esquecimento o torna presente..., que ...esquecimento e enjôo em terra Iirme... e que e inesgotavel na sua descrição da natureza 354 oscilante das experiências¨. (GS II-2, 428). Tudo se passa como se houvesse Iundamento, mas ao mesmo tempo não, tanto que a condição de possibilidade e sua execução permanecem simultâneas em sua ambivalência, e tanto que o esquecimento e a presença do arcaico hetairico e a recordação em seu indiciamento se torna nova inauguração. E como que O enfoo em terra firme, expressão que e uma reIlexão partindo do balanço das experiências oscilantes, como no caso que KaIka conta sobre a irmã que bateu o portão, mas que logo depois Iica em duvida se bateu ou não bateu. Se ela bateu ou não bateu, ja não sabe mais, ou seja, ja não ha mais experiência absoluta objetivada, pois sempre havera apenas resto e rastro do que Ioi e que paulatinamente se ajunta enquanto cacos de novo acontecer. Como pode ter certeza se e acontecer de si ou nova objetivação? Como pode querer depurar o transcendental quando dele precisamente se Iala em objetivação e quando a propria depuração que se pretende pela linguagem e uma Iraude da contradição pelo seu vies de absoluto? Ha um pântano anterior em que todas as tentativas de tal Iraude acontecem: um pre- mundo que não e o mundo, mas que escondido no mundo interIere enviando o seu convite no presente. Esse pântano, esse âmbito de experiências e que Iaz emergir os personagens Iemininos de KaIka, que são, como diz, Iiguras do terreno pantanoso. O caos anterior a qualquer ordem que as mulheres de KaIka lembram e o simbolo da voluptuosidade, do gozo, de um passado sem compromissos de explicação construtiva em que a compreensão a procura da luz da evidência e da transparência se apaga, mas que, por isso, ao mesmo tempo parece ser o reino dadivoso de todas as perspectivas, ja que o reino da luz produz o oIuscamento de uma construção absoluta e acalenta o esquecimento de todas as outras possibilidades. Esse pântano caotico cujo terreno não consente Iundamentações duradouras e tambem um simbolo do passado presente em que os esteios da compreensão estão mergulhados e a oscilar no seu balanço proprio. Em O castelo a ambigua Frieda, ja engajada num programa administrativo e luzente, recorda-se com saudade da sua vida passada plena de possibilidades e diz: 'Belos tempos. Nunca me perguntaste sobre o meu passado¨ (GS II-2, 429). Como no gozo da copula as luzes da compreensão engajada se apagam numa situação sem pretensões de argumentação explicativa, mas pleno de promessa e possibilidade de vida, assim tambem a volta ao mergulho atencioso no passado presente traz a luz da atualidade a novidade de se compreender a condição humana ativa e circunscrita na contradição da linguagem. 355 Benjamin chama a atenção de que a tecnica narrativa de KaIka e Iazer com que se digam coisas completamente inesperadas, como no caso de Frieda sobre o passado, como se Iosse muito simples e normal, como se sempre ja se devesse saber sobre o passado presente pantanoso, como se não Iosse nada de novo e que so esta esquecido nos circunloquios inocentemente justiIicativos. Por isso, o grande heroi e o esquecimento, o atributo maior do ser humano que e 'o esquecimento de si¨ (GS II-2, 429), ou seja, o esquecer-se do esquecimento da objetivação. O acusado e o que se esquece de que ha esquecimento: e a acusação que recebe e e a sua culpa, pois esquece da ocorrência de que simplesmente e e vai a procura da solidez das justiIicativas do que se coloca como meramente imposto na comunidade humana. Mas, por outro lado, esse esquecimento não e apenas um caso individual, pois o individuo em seu mundo esta a esquecer todo o pre-mundo que com ele tem relação multiIorme, ja que, como ja visto, esta presente como as proIundezas do oceano acompanham a superIicie podendo aleatoriamente Iazer parte dela a qualquer momento. Benjamin da outra imagem: 'O esquecimento e o receptaculo do qual emerge ansioso o inesgotavel mundo intermediario nas narrativas de KaIka¨. (GS II-2, 430). Como nos cultos aos ancestrais na China, a aglomeração dos espiritos ai emerge cada vez mais. Ou como no totemismo dos primitivos, os animais são receptaculos do que Ioi esquecido. Tambem a exemplo do romântico Tiecks, KaIka e incansavel em perscrutar nos animais o que Ioi esquecido. Assim o cavoucar galerias subterrâneas da toupeira pode ser o gesto da reIlexão, o ziguezague da borboleta em desespero lembra alguem oscilante que Ioge da consciência da sua culpa, e podemos aduzir o signiIicado de que da mera queda na objetivação para a compreensão do acontecer sem Iundamento deIinitivo ou, ainda, a visão do Iundamento como acontecer e apenas o dar-se conta do esquecimento. Como que reIlexão animal, o mundo do pensamento em angustia e acontecer sem a pretensão do dominio de si que, se assim não Iosse, seria nova objetivação. E este um movimento como no direito que inevitavelmente se corrompe no processo da ediIicação do seu discurso comprometido com objetivações que jamais podera provar e na corrupção liquida a sua pretensão inicial. A angustia emerge deteriorando o Iluxo do processo mental ordinario e exatamente por isso e a indicação para a procura do rastro de si esquecido. O proprio corpo objetivado de tantos modos, de toda a manada, e o animal mais proximo, desconhecido e mais esquecido e e por isto que KaIka chamava de o animal a tosse que o 356 roia por dentro. A angustia existencial e no minimo a suspensão das explicações pela categoria de causa e eIeito, central para qualquer intenção de construção signiIicativamente coerente. Nessa suspensão ha a possibilidade da recordação do esquecimento por uma ruptura com os compromissos de argumentação meramente construtiva para uma compreensão administrada. E o corpo que somos e animal simultaneamente proximo e distante, e pais estrangeiro e mudo, pois e aldeia cuja linguagem não conhecemos, a exemplo da parabola anterior. Mesmo sendo mudo, maniIesta-se no presente como pre- mundo, por mais que se construam desvios cientiIico-explicativos: e Iome, sede, ardor sexual e dor que o homem e, mas não sabe o que e, e, quando diz que sabe, promove a elocução de construtos como discurso do corpo. Na continuidade da tematização sobre o esquecimento encontra-se Odradek, uma Iigura em Iorma de um pouco carretel, um pouco estrela com alguns Iios enrolados e dois palitos sobre os quais se equilibra e sabe correr sem nunca ser alcançado. Benjamin interpreta-o como sendo um produto bastardo do pre-mundo com a culpa. Pre-mundo e o conjunto das Iorças do passado presente que apenas e percebido num gesto de volta atento, mas que se relaciona com a objetivação da compreensão presente. A culpa e o esquecimento da eIetividade da objetivação em processo atual, ou ainda, e um misto de objetivação e percepção da objetivação, pois signiIica a necessidade da permanência nela em meio a insistentes avisos acompanhados de angustia e preocupação. Odradek e o simbolo do esquecimento da objetivação, ou a Iorma das coisas no estado de esquecimento. Ele e o reverso da realidade representacional, quando as coisas são como arteIato produzido numa objetivação separada e não vistas na perspectiva do acontecer do pensamento sem representação por Iundamento algum. Odradek e Ieito de materiais caoticos do lixo pantanoso presente, do reverso da compreensão oIiciosamente elaborada, lixo que parece merecer que se jogue Iora continuamente num processo de persistente repressão, mas que se impõe a recordação na imediação do pensamento enquanto ainda não depurado para o traquejo auto-constitutivo da compreensão do individuo reIem da sociabilidade imposta. Como mestiço, tem elementos do pântano do pre-mundo caotico que se vão agarrando a culpa que e a percepção da impossibilidade de não objetivar, pois e obrigado a objetivar ate o pântano instaurando-o como entidade signiIicativa. A sua Iigura lembra a agonia da separação 357 inIinita da compreensão em objetivação esquecida e a recordação do seu acontecer resultando em culpa original e eterna enquanto condição humana. E a questão do pensamento em duplicata, pois como sera? Se o pensamento Ior a compreensão enquanto imediação ocorrente, então não pode ser a representação da realidade elaborada na linguagem, mas o mundo, as coisas, o pensamento e a linguagem são emergência constante e participações numa totalidade relacionada. Mas, apesar disso, mesmo esta imediação ocorrente permanece inevitavelmente objetivada no dizer eIetivo, centrando-se na agonia inIinita da cisão entre a recordação compreensiva disso e a instauração objetivada do proprio processo da recordação e do seu conteudo. A instauração compreensiva da propria compreensão e um juizo em Iuga que a si mesmo se quer apanhar sentenciando a contradição da linguagem a repetição inIinita, pois a compreende e na imediação da mesma compreensão sempre a repõe. Tal juizo em rapida Iuga e a Iigura de Odradek, do qual Benjamin diz que 'Ele preIere os mesmos locais que são os do julgamento a procura de culpa e e a Iorma que as coisas assumem no esquecimento¨. (GS II-2, 431). A oscilação ambivalente ou a rapida Iuga de Odradek permitem dizer duas coisas ao mesmo tempo como se Iosse uma maldição: que Deus existe porque se diz que existe e não existe exatamente por ter sido dito, ja que e parte da expressão do dizer. A razão sonha com a liberdade absoluta na autonomia do seu dizer e a compreensão como alma sabe da sua terrivel escravidão no passo a passo de discursos eivados de esquecimento. Odradek e a Iigura da preocupação e da angustia que acompanha qualquer compreensão intencionalmente organizada e administrada para Iins de apresentação expressiva e tem, por isso, a marca do deslocamento possivel enquanto percepção da precariedade de qualquer Iundamento. A Iigura do homenzinho corcunda e o prototipo desse deslocamento. O gesto corcunda em KaIka aparece no homem que inclina a cabeça sobre o seu peito denotando, por exemplo, o cansaço dos membros do tribunal, o tedio desistente Irente a quem em plena demonstração de Ie ainda insiste na pergunta e na procura de Iundamento do exercicio em concreta aplicação de uma sentença ja ha muito tempo promulgada. De alguma Iorma os membros do tribunal ja intuiram que ha milênios são culpados e que são cumpridores de uma lei que na justiIicativa da sua aplicação ja se desmancha. Eles sabem que julgam por supostos que não se sustentam e ja estão no estagio de julgar exatamente aqueles que não entenderam a inevitabilidade dessa situação. Eles ja levam a carga de milênios as costas e se impacientam com quem ainda não deciIrou a inutilidade da revolta, 358 nada sabe disso, esta sendo acusado de culpado exatamente por isso e parece não querer entender. Em Strafkolonie |Colonia penal| a culpa e a sentença, que o culpado desconhece, são gravadas em suas costas por uma antiga maquina de tortura ate que as proprias costas tornem-se capazes de deciIrar tudo: as costas tornam-se clarividentes, talvez pela situação pedagogica da dor, da angustia, do acostumar-se com a preocupação e, quem sabe, do tedio mortal. A antiga maquina de tortura e a nossa velha e conhecida objetivação geral com todos os seus resultados e em pleno vigor da contradição da linguagem. O homem culpado leva gravado e cravado nas costas todo o peso da objetivação Ieita qual camelo da cultura por um deserto sem Iim. Enquanto as costas não se tornarem clarividentes a situação permanece capaz de ser descrita pela metaIora do sono Ieito entorpecimento compreensivo, quase cegado pela luminosidade oIuscante da mesma realidade objetiva que agora lhe aparece a Irente. Entre o estar desperto, mesmo numa compreensão administrada para Iins construtivos sem revisão constante dos pressupostos, e o sono para o descanso das batalhas que parecem uteis, ha semelhanças que uma compreensão não atenta desconhece. Entre uma compreensão atenta ao seu proprio sono instituido e a capacidade de permanecer insistentemente alerta e acordada, ha deslocamentos que ela mesma não pode compreender. E então e a vez do ja celebre homen:inho corcunda de Benjamin, assemelhado com o Odradek de KaIka, que nada explicam quando aparecem, mas so lembram a diIiculdade do deslocamento para a compreensão da precariedade de qualquer Iundamento como que zombando com um risinho debochado da inocência alheia. ConIorme um rabino, o Messias viria ao mundo apenas para retiIica-lo um pouquinho por deslocamento. Assim, o homen:inho corcunda desaparecera. Benjamin Iaz questão de lembrar de que tudo isso não trata de 'pressentimento mitico¨ ou de 'teologia existencial¨, mas de um tipo de oração cara tanto para KaIka e, certamente, para ele mesmo e que Malebranche deIinia como 'a atenção a prece natural da alma¨ (GS II-2, 432). A Iorça messiânica inicia com a atenção silenciosa para a percepção do pântano presente como condição para iniciar a existência no compreender o processo de compreensão, mesmo que seja pela agonia da angustia. Sancho Pansa. Benjamin apresenta uma parabola que, em poucas palavras, trata de algumas pessoas numa estalagem que entabulam proposições sobre o que desejariam se um unico desejo pudesse ser atendido de Iato. Depois de todos Ialarem, notam um mendigo ao canto e lhe perguntam o que Iaria. O mendigo conta uma Iantasia sobre ser rei, ter tudo o que quisesse, mas depois ter de Iugir apressado apenas com uma camisa e sentar então no 359 mesmo banco em que agora esta. Quando lhe perguntam o que teria ganhado com isso, ele responde: - 'Uma camisa¨. (GS II-2, 443). Com a parabola Benjamin quer introduzir a intuição do tempo alem da Iorma topica de abordagem em termos de deslocamento, ou de oscilação da compreensão em si mesma. O tempo como intuição tambem se apresenta deIormado quando somente e objetivado como suporte de equações matematicas e imagens geometricas. Pelo contrario, o tempo pode expandir-se ao inIinito imemorial e, senão simultaneamente, então pelo menos, imediatamente comprimir-se num ponto so. Assim todos os periodos cosmicos ou todos os seculos de algum modo estão presentes na atualidade de cada gesto humano, bem como cada gesto e inIima ressonância do tempo total. A compreensão veicula o tempo para si mesma, para a sua propria atividade reduzindo-se ao mais entranhado inIinito microcosmo ate a radiação inIinitamente expansiva do macrocosmo. Nesse contexto ressurge, na prosa de Benfamin, a estoria das duas aldeias proximas de Lao Tse, cujos habitantes nunca deveriam visitar-se como exemplo de piedade. So que Lao Tse agora aparece, num tempo comprimindo seculos, como avô de KaIka, o qual, porem, Iaz o contrario, pois se queixa da expansão inIinita do tempo da sua memoria explicando: A vida e inacreditavelmente curta. Agora na recordaçào ela se comprime de tal forma para mim que custo a compreender como um fovem pode decidir-se a cavalgar ate a proxima aldeia, sem temer mesmo deixando de lado acidentes previsiveis que fa o tempo de uma vida normal de bom êxito sefa insuficiente para o termino de tal cavalgada (GS II, 433).
A queixa e de que a vida seja curta em relação ao tempo da possibilidade da narrativa em recordação dos inIinitos detalhes. Portanto, o tempo de vida e comprimido e, simultaneamente e inIinita em extensão quando a vida deve ser narrada para a compreensão de cada segundo. Mas, tambem simultaneamente o antigo todo a ser narrado esta presente no imediato de si extremamente proximo. Ai o tempo comprime o presente, o passado e o Iuturo em que a imensa massa dos Iatos aparece na presença da compreensão. Desse modo sempre ja se esta no lugar e no tempo em que se deve estar com uma versão narrativa mais rica de si mesmo. E isso que o mendigo do episodio anterior sabe: ele ja esta onde ja devia estar e cumpre, com a sua narrativa, a instauração compreensiva da sua presença. Benjamin diz que 'ele renuncia a qualquer desejo e troca-o por sua realização¨ (Idem, 434). O mendigo no Iundo nada deseja, Iala com relutância e, então, Iantasia sabendo da sua atual situação de realização compreensiva. O mendigo e o rei da 360 instauração na compreensão que tem da sua situação: ele esta consciente da sua situação concreta realizada em compreensão. 'Não tem tempo para um so desejo¨. |Idem| O desejo dos outros Ialantes na parabola ai parece a representação da construção de uma quimera no esquecimento de que tambem isso e acontecer vital, enquanto o desejo do mendigo e a narrativa de si como compreensão na sua situação de agora. A realização desta maneira e a vida em instauração compreensiva que percebe o tempo enquanto implicado no acontecer: o acontecer ja e tempo vivo. O acontecer do tempo vivo parece ser a excitação das criaturas de KaIka, de uma tribo do sul muito consciente de que a vida e breve e assim não dorme e não se cansa, porque todos são tolos, como os estudantes, as crianças, os seres ainda imperIeitos pelo Iato de talvez não serem ainda completamente deIinidos quanto a criterios e valores capazes de objetivação coagulada em ordem repetitiva. Ficam sem dormir de tanta excitação e temor diIuso de perder o melhor da Iesta da vida ou esquecer algo que possa ser importante. E Benjamin sentencia: 'Mas o esquecimento sempre diz respeito ao melhor, porque concerne a possibilidade da redenção¨. (GS II-2, 435). E e literalmente isso, pois, do esquecimento, do qual de Iato se sabe, sempre advem a salvação, precisamente o saber da ocorrência em objetivação. A objetivação e inevitavel, mas, simultânea a ela, o melhor de tudo pode ser a permanência persistente de se dar conta de existir na excitação da novidade daquilo que a cada instante vem a ser. ConIorme Benjamin, ha em KaIka a indicação de uma ascese mesmo que subterrânea, escondida, velada: Nos estudos os estudantes estào alerta, e talve: a melhor virtude dos estudos e mantê-los despertos. O artista da fome fefua, o guardiào da porta permanece em silêncio e os estudantes velam. Assim ocultas operam em Kafka as grandes regras da ascese (GS II-2, 434).
A possibilidade indicada de uma ascese e o exercicio da atenção desperta na admiração dos conteudos de objetivação que aparecem para justiIicação (como oração da alma), a disciplina corporal como o artista da Iome em seu jejum e o silêncio do guardião insistente e negador na escuta do que advem a Iim de entrar na porta da lei para Iazer parte do repertorio da construção objetivada por algum absoluto. O ponto alto de tudo e o estudo em andamento, cujos conteudos não tenham servido para nada, para o nada. Nada, o conteudo objetivado pratico como nada, pois pode ser 361 qualquer coisa por determinação social, imposição secular da Iamilia e da cultura, gestos, correria, ativismo inconseqüente e inconsciente de rumo. Mas tais estudos 'estão bem proximos aquele nada que primeiramente torna algo util a saber, ao Tao¨. (GS II-2, 435). E como um martelar extremamente aplicado na consciência constante e terrivel do inIinito. Que importância pode ter? Nenhuma, pois e nada entre passado e Iuturo e nada ha para ser relevado pelo grau assustador de minima importância de uma atividade banal diaria, cuja obrigação para Iazê-lo pode resultar num tedio atroz. A objetivação pratica de um trabalho inIimo e inutil em meio a um inIinito todo suposto Iaz emergir a revolta, ou a tristeza, ou o sentimento de Ialta de sentido de tudo. Mas como e que pode existir um martelar que se exibe de tal modo como se o proprio inIinito dele dependesse e, por isso, e pleno de entusiasmo? Como pode haver um quase Ianatismo no apressado estudar do estudo dos estudantes como se os segredos do universo ai se revelassem? Como pode haver importância na enorme atenção de um escrevente a copiar as palavras ditas por um Iuncionario que insiste em murmurar quase incompreensivelmente palavras que para ele mesmo ja desde muito perderam qualquer sentido: o escrevente, porem, esIorça-se na escuta como se as palavras Iossem oriundas da boca da mais importante pitonisa? E que ha um segredo nisso tudo. No teatro da natureza, os atores nada podem deixar escapar, ja que seria um mau ator aquele que esquecesse uma palavra ou um gesto. O ator executa a sua Iunção, sempre alerta e atento as nuances do seu desempenho e se vendo em processo numa peça teatral pre-determinada. A cada instante pode chegar a descobrir e compreender novidades completamente surpreendentes na sua Iala surrada acompanhada de gestos repetitivos. Do mesmo modo a teatralidade de um simples martelar esIorçado e diligente, alem de, com sua modestia, ja Iazer parte constitutiva do inIinito, pode revelar inIinitos aspectos na propria execução atentamente observada na interação de mão e martelo no conjunto das circunstâncias em volta. E como se houvesse a compreensão de um inIinito obrigado a se deslocar por aquilo que e Ieito, observado e descoberto. Na era da mais profunda alienaçào dos homens entre si, das ilimitadas relaçòes mediati:adas que se tornaram as unicas, o filme e o gramofone forma inventados. No filme o homem nào reconhece o seu proprio andar e no gramofone nào reconhece a propria vo: (GS II-2, 436).
Todas as palavras e todos os gestos que pareciam esgotados em seu signiIicado ja exaustivamente objetivado em discursos teoricos de inumeros matizes tornaram-se objeto 362 de estudos dando noticia de um inIinito logo ao lado ou junto a qualquer ação, mas um inIinito incomensuravelmente maior do que o suposto ate então como resultado da objetivação geral de acordo com a contradição da linguagem. O martelar com o seu som e em seu conjunto de mão, martelo e demais circunstâncias, apesar da sua aparente pouca importância no conjunto tedioso de uma maquinaria em repetição, tambem movimenta periodos cosmicos ainda invisiveis e inaudiveis, mas passiveis de serem ainda descobertos e ouvidos. 'A situação de cobaia humana desses experimentos era a situação de KaIka¨. (GS II-2, 436). Não se trata de deIesa do progresso pelo conhecimento produzido, mas da descoberta do que Ioi esquecido nos descaminhos internos e invisiveis da organização a vista em sua compreensibilidade sedimentada. Palavra dita a ser pensada, gesto concluido a ser deciIrado: ha uma inIinita tareIa do pensamento rememorativo a empreender. 'Pois e como que uma tempestade que sopra do âmbito do esquecimento. E o estudo e um galope contra essa tempestade¨.(GS II-2, 436). O passado presente em cada palavra e em cada gesto e o esquecimento a ser recordado e desdobrado, e a recuperação a ser Ieita pelo estudo tem a Iorma da tempestade que nos sopra no rosto reivindicando atenção para a sua ocorrência. Toda a palavra e todo o gesto estão carregados com o Iardo do passado esquecido e se trata de cavalgar em direção a esse esquecimento. 'Ai se realiza a Iantasia do cavaleiro bem-aventurado que arremete contra o passado numa viagem sem carga, Ieliz e sem peso para a sua montaria¨. (GS II-2, 436). Mas o contrario tambem vale: 'InIeliz, porem, o cavaleiro que esta preso a sua egua, porque se Iixou um objetivo no Iuturo mesmo que seja o mais proximo: o deposito de carvão¨. (GS II-2, 436). A vida enquanto continua descoberta do passado presente e simultânea instauração do seu signiIicado e o tempo expandindo-se ao inIinito, de modo que o verdadeiro Iuturo esta no passado. O verdadeiro estudo e a Umkehr, o retorno, a volta. E exatamente esta volta que possibilita compreender o avô, o antepassado Lao Tse que acha quase impossivel empreender uma cavalgada ate a aldeia proxima Irente as abruptas rupturas para parada recordativa. Quem de Iato sabe o caminho de volta e o cavalo de Alexandre, BuceIalo, o novo advogado o qual retornou sozinho, ao contrario do seu cavaleiro imbuido na conquista do Iuturo. BuceIalo e, assim, o novo tipo de advogado que, ao inves de construir seu ediIicio retorico e eIicaz sob Iundamentos não tematizados e esquecidos em aplicações praticas sucessivas, quer voltar a discussão dos proprios principios permanecendo atento a cada 363 gesto ou palavra em execução. Por incrivel que pareça, BuceIalo sabe que a justiça e mitica em seus Iundamentos postos e em aplicação e, por isso, tal qual revolução no direito que se quer em vigor para a ediIicação e manutenção bem administrada da ordem para todo o Iuturo, recorre a discussão e relativização do mesmo. No Iim das contas e tambem como o astuto Ulisses na sua volta a Itaca, tendo a sua Irente sempre a ira das tempestades de Netuno, que não quer que navegue, e as ilhas em que aporta como paragens para as pequenas e as vezes perigosas tentativas de envolvimento com a objetivação local, libertando-se sempre delas pela recordação do retorno, num esIorço hermenêutico deciIrando a situação em que se encontra. Tal e qual guardião diante da porta da lei, ele não quer deixar entrar ninguem do setor meramente argumentativo para objetivações gerais: a grande lei e a tareIa da ascese na volta pelo caminho de se compreender que cada palavra e cada gesto insigniIicante, maquinal e ja sempre objetivado na maquinaria mitica da objetivação costumeira, e expressão e sinal da palavra e do gesto inIinitos ainda não advindos, mas sempre em possivel advento. Numa critica ao mito do direito, o homem em Irente da porta da lei e a procura de entrada para solidiIicação de Iuturo previsivel em suas repetições, deve sempre ai permanecer em estudo de retorno intermitente a Iim de não poder transIormar tudo em mito de acordo com a objetivação na contradição da linguagem. Mas isso não signiIica que a justiça esteja deposta, mas e exatamente o contrario, pois e a justiça que depõe o mito precisamente no caminho de volta. 'O direito que não e mais praticado, mas apenas estudado, e a porta da justiça... A porta da justiça e o estudo¨. (GS II-2, 327). Benjamin arrisca que KaIka tenha encontrado a lei da sua viagem bem- aventurada pelo menos uma vez num texto seu que e uma interpretação de Don Quixote de Cervantes: Sancho Pansa, que, alias, nunca se gabou disso, conseguiu no decorrer dos anos desviar de si o seu demonio, que ele mais tarde denominou Don Quixote, fornecendo-lhe inumeros romances de cavalaria e pirataria, de tal modo que este foi levado a praticar as proe:as mais delirantes que, porem, por falta de um obfeto determinado, que deveria precisamente ser sido Sancho Pansa, nào fa:iam mal a ninguem. Sancho Pansa, um homem livre, talve: por um certo sentimento de responsabilidade, seguia Don Quixote com paciência e disso tinha um grande e util entretenimento ate o fim da vida (GS II-2, 438).
Sancho e um personagem em meio a trivialidade cotidiana geral, como, alias, o proprio KaIka, o qual desvia de si o demônio enquanto possibilidade do aIundamento na 364 objetividade com seus programados desejos, dos quais sabe que existem administrando-o no mundo objetivo pela corrupção quietista reduzindo-o a apenas objeto determinado e util da grande maquina organizada. Sancho, - ou KaIka -, deu-lhe todas as redeas na imaginação realista objetivada, resolveu que o cenario seria o tempo na composição da sua propria vida e o seguiu com atenção pacienciosa, isto e, na observação de si em tudo o que e cotidiano objetivado em palavras e gestos e, então, descobrindo e promovendo rupturas compreensivas num acompanhamento de um caminho de retorno ao passado, que a Don Quixote parecia Iuturo, divertiu-se a valer aplicando a ascese na compreensão da contradição da linguagem como o que e a lei da ocorrência do existir. Sancho Pansa volta ao passado acompanhando Dom Quixote para o Iuturo precisamente por ele sempre inaugurado. Por tras disso, em identiIicação seqüente, esta Cervantes, depois KaIka, depois Benjamin. 'Enquanto tolo ponderado e ajudante atrapalhado, Sancho Pansa mandou o seu cavaleiro na Irente¨, isto e, Ioi livrando-se da carga do esquecimento que pesa sobre as palavras e os gestos como se estivessem nas suas costas. O cavalo de Alexandre, 'BuceIalo sobreviveu a sua carga. Homem ou cavalo, pouco importa, desde que a carga seja tirada das costas¨. (GS II-2, 428).
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10. ENTRE O DIZER E O DITO
No artigo Hoffnung im Jergangenen (Szondi, P., 242) Peter Szondi reIere-se inicialmente ao livro de lembranças Infancia berlinense em 1900 de Walter Benjamin com uma longa citação de Tiergarten, em que Benjamin louva as vantagens de saber perder-se numa cidade como acontece na selva: 'Não saber orientar-se direito numa cidade...etc.¨ Szondi exlica que Infancia Berlinense, uma das mais belas poesias em prosa, surgiu em 1930, Ioi publicada em partes nos jornais ate surgir como obra completa em 1950, dez anos apos a morte do autor. Tal qual Proust, de quem era tradutor, Benjamin estava a procura do tempo perdido como indicam os titulos Coluna da vitoria, Loggias, Kaiserpanorama, Partida e regresso. Enquanto escrevia a obra, Benjamin conIessa a Adorno que nada mais quer ler de Proust, ja que percebe nisso uma dependência que chega as raias do vicio (Idem, 242). Tal conIissão leva a crer que Recherche du temps perdu signiIicava para ele não apenas uma simples inIluência casual, mas uma aIinidade eletiva que poderia explicar algo da caracteristica da sua obra. Rilke, Ernst Robert Curtius e Benjamin empenharam-se na tradução e divulgação da obra de Proust. O periodo nazista pôs um Iim nisso. Mas tanto Rilke quanto Benjamin Iicaram marcados pela obra de Proust, cada um a sua maneira. Alem do mais, chegando ao Iim da sua narrativa, em que o narrador coincide com o inicio do romance quando chega a decisão de narrar o ja narrado, Proust mesmo indica o que podera acontecer aos seus leitores: Mais pour em revenir a moi-même, fe pensais plus modestement a mon livre, et ce serait même inexact que de dire em pensant a ceux que le liraient, a mês lecteurs. Car ils ne seraient pas, selon moi, mes lecteurs, mais les propes lecteurs deux- mêmes, mon livre netant quune sorte de ces verres grossissants comme seux que tendait a uma acheteur lopticien de Combrav, mon livre, grace auquel fe leur fournirais le moven de lire em eux- mêmes.(Idem 243). 366
Mesmo levando-se em conta a grande diIerença entre uma obra e outra quanto a extensão e ao conteudo, percebe-se a enorme Iascinação de Benjamin quando diz: 'Como uma mãe que abriga o recem nascido em seu seio sem o acordar, assim a vida procede muito tempo com a ainda suave recordação da inIância¨ (Idem, 245). O sentido da Irase indica que quase tudo o que a inIância Ioi permanece encoberto por anos e anos ate que de repente e casualmente reaparece como se Iosse um presente. Mas o tema de Proust e o mesmo que o de Benjamin? A procura do tempo perdido obedece as mesmas intenções? Ou ha apenas a aparência da semelhança, podendo ser na verdade um o contrario do outro? Talvez a Iascinação beirando a dependência viciosa que Benjamin conIessa em relação a Proust queira indicar uma diIerença Iundamental que ele queira indicar. Pela comparação chega-se a conclusão de que ha diIerenças Iundamentais. O sentido da procura de Proust pelo tempo perdido encontra-se expresso no Iim do livro. O heroi do romance ai reconhece o sentido e tal Iato vem a ser o ponto alto da obra, pois por isto Ioi escrita e pelo percurso da mesma escrita se possibilitou. Duas são as Iontes de que provem tal conhecimento e que cedo na obra aparecem. A primeira e a Ionte de sentimento inexprimivel de Ielicidade quando sua mãe lhe da um biscoito Madeleine mergulhado no cha e pelo gosto lhe vem a recordação de toda a sua inIância, ja que quando criança muitas vezes havia recebido tal quitute desta Iorma. A segunda e Ionte de desolação, de suspeita dolorosa que lhe sobrevem quando o seu pai lhe diz que ele não esta Iora do tempo, mas que esta sujeito as leis do mesmo. Felicidade e susto, essas duas experiências são percebidas em sua conexão: a razão do sentimento de Ielicidade da primeira experiência e a libertação do susto da segunda. Proust vai a procura do passado como tempo perdido a Iim de encontrar esse mesmo tempo e escapar a sua esIera na coincidência de passado e presente. A sua meta e a perda do proprio tempo na procura do passado como o tempo perdido. Em Benjamin e diIerente: percebe em cada recordação o prognostico de uma experiência acontecida posteriormente. Em Tiergarten, quando la se encontra perdido diante do pedestal da rainha, escreve: 'Pois e aqui ou por perto que Ariadne deve ter posto o seu leito, em cuja proximidade compreendi pela primeira vez, e para nunca mais esquecer, o que mais tarde me veio (me coube) como palavra: amor¨ (Idem, 246). Cenas 367 semelhantes são narradas em Dispensa, Duas capelas de latào, O acordar do sexo, A febre, Caixa de leitura. Em cada uma dessas cenas Benjamin encontra indicios, pressagios e rastros da sua vida Iutura. Recordações que lhe advêm são as de cunho social quando os seus pais 'em sociedade¨ davam recepções. Primeiramente do seu quarto o menino ainda ouvia os convidados e a sua recepção. Depois a 'sociedade¨ que mal se Iormara parecia esvanecer- se para em quartos mais distantes dar noticia de si por passos e conversas. A burguesia com seus costumes observados pelo menino seriam objeto e motivo de reIlexão social e historica para o adulto posteriormente. A diIerença entre Proust e Benjamin torna-se evidente. Proust procura o passado para escapar ao tempo: anseia pela coincidência de passado e presente por meio de experiências que os juntem em experiências analogas. Em ultima analise procura saIar-se do Iuturo que signiIica a morte. Benjamin, por sua vez, procura o Iuturo exatamente no passado em seus traços vindouros. Proust escuta o eco do passado e Benjamin nesse mesmo tempo atenta aos sons de aIinação da execução orquestral Iutura. DiIerentemente de Proust, Benfamin não quer saIar-se a temporalidade almejando alguma essência trans- historica, mas anseia por experiência e conhecimento historicos. Com isso e reportado a um passado que não esta concluso, mas aberto o Iuturo. Trata-se do Iuturo do passado em que paradoxalmente ha Iuturo no passado. Benjamin escreve adivinhando a diIerença que o separa de Proust: O defa vu foi muitas ve:es descrito. A designaçào e propriamente feli:? Nào se deveria falar de fatos que nos atingem como um eco, cufo som que o gerou parece ter soado alguma ve: na escuridào da nossa vida passada?...Curioso que ainda nào se examinou o reverso desse encantamento o choque com que uma palavra nos torna perplexos como um mofo esquecido no nosso quarto. Como este nos fa: inferir algo estranho que ai estava, assim ha palavras ou pausas que nos fa:em inferir aquela estranhe:a invisivel. o futuro que ela esqueceu conosco. (Idem, 247).
DeIinições duplas por metaIoras são do estilo de Benjamin e o exemplo do defa vu pode servir tanto a sua propria intenção como tambem a procura ja mencionada de Proust. Mas o trabalho de Benjamin e o da recordação como se expressa na Irase: 'Como raios ultra-violeta a recordação mostra a cada um no livro da vida uma escrita, a qual glosava o texto qual proIecia¨. (Idem, 250). 368 Proust precisa contar toda a sua inIância para cumprir a sua tareIa, enquanto que Benjamin pode evocar somente aqueles momentos da inIância que abrigam o prenuncio do Iuturo. A relação entre Proust e Benjamin tambem possibilita perguntar pelo sentido da procura deste pelo tempo perdido, ja que pelo exposto e uma procura pelo Iuturo perdido. Tal perspectiva esta ligada ao restante da obra historico-IilosoIica de Benjamin em que tal motivo se torna premente. Adorno a respeito disso diz: 'O ar pelos cenarios que se dispõem a acordar na apresentação de Benjamin e mortal¨. (Idem, 251) O declinio que Benjamin conhece, o qual impede o olhar para o Iuturo e que lhe permite ver o vindouro apenas onde ja passou não e somente experiência sua na sua epoca. Por isso a Infancia berlinense pertence a pre-historia da modernidade, um tema em que trabalhou nos ultimos quinze anos da sua vida como tematica geral sob o titulo de Paris, a capital do seculo XIX. Como Benjamin viu a epoca da tecnica? O Iim de Rua de mào unica o mostra. Benjamin critica não a tecnica, mas a traição cometida em nome da realização da tecnica. A sua atenção volta-se não mais as possibilidades hodiernas da tecnica, mas ao tempo em que a tecnica ainda representava a possibilidade de uma relação entre homem e natureza no horizonte do Iuturo e não apenas dominação da natureza. Novamente ai se tem o movimento de enxergar o Iuturo no passado, mesmo que o presente esteja negando tal Iuturo. O caminho a origem e o caminho de volta, mas um caminho para algo vindouro mesmo que por enquanto ultrapassado e ate pervertido em sua ideia, mas não totalmente desistente da promessa original. E o caminho paradoxal do historiador que, de acordo com a deIinição de Schlegel, e um proIeta voltado para tras. De modo parecido Adorno se expressa em seu vies de analise da vida prefudicada em Minima moralia: Filosofia, como ainda somente se pode responsabili:ar frente ao desespero, seria a tentativa de considerar todas as coisas como por si se representam sob o ponto de vista da libertaçào. Conhecimento nào tem outra lu: do que aquela que a partir da libertaçào se dirige ao mundo. todo o resto se esgota na construçào imitativa e permanece um pedaço da tecnica. Perspectivas devem ser produ:idas, nas quais o mundo se desloca, aliena, revela os seus rasgòes e as suas fendas como um dia ai estara desfigurado na lu: messianica. (Idem, 252).
369 Ha que se comentar o Iato curioso de que aqui a citação de Adorno acerta o centro da IilosoIia de Benjamin no que concerne ao conhecimento. Pelo menos e o que parece na Irase sobre o conhecimento que so e possivel a partir da libertação. Falta dizer o que e, para onde se esta virado e o que se entende por luz messiânica. O desejo curioso de se saber perder na cidade e compreensivel a partir da perspectiva aventada e, como diz Benjamin, treinamento e necessario para tanto e, ainda, que ele mesmo so aprendeu isso bem tarde. Na Rua de mào unica lemos: 'Quando uma vez iniciamos a nos orientar no local, então aquela pristina imagem nunca mais pode se reconstituir¨. (Idem, 252). Por causa dessa imagem tão pristina e que existe o desejo da capacidade de se perder, pois e essa imagem que guarda a possibilidade da recordação do Iuturo. E interessante observar que no texto de Heidegger O que significa pensar ha uma reIerência a Nietzsche da epoca pouco anterior a sua loucura, um ultimo bilhete que escreveu a um amigo em que Iala de sempre se saber perder e que agora o amigo o teria achado e, portanto, estaria perdido de Iato. Este motivo da 'Infancia berlinense` e tambem reiterado nos escritos historicos, politicos e IilosoIicos de Benjamin. E evidente que tambem a mesma relação possa existir entre um livro autobiograIico e uma obra de cunho cientiIico como a sobre Origem do drama barroco alemào. Na sua Estetica o IilosoIo Hegel se expressa a respeito da cega erudição que passa ao largo da proIundeza sem a compreender, mesmo quando claramente expressa e apresentada. Deve-se perguntar, porem, se não e inevitavel errar tal proIundeza toda a vez em que se abstrai da experiência propria a Iavor de uma cientiIicidade mal compreendida, pois a objetividade esta relacionada a subjetividade. Objetividade desvinculada do sujeito e Iicção impossivel. Assim, conIorme relato de Adorno sobre Benjamin, a ideia central da Origem do drama barroco alemào surgiu da visão de um rei num teatro de marionetes cuja coroa se achava deslocada na sua cabeça.(Idem, 253). ( Nas Teses sobre o conceito de Historia lemos: 'O passado leva consigo um indice temporal pelo qual ele e reIerido a libertação¨. (Idem, 252) Essa Irase, por sua vez, pode ser relacionada com a que menciona a recordação, a qual mostra a cada um uma escrita que de modo invisivel enquanto proIecia glosava o texto. 370 O ultimo esIorço de Benjamin concentrou-se na Iundação de um novo conceito de historia que pudesse quebrar a concepção de um tempo homogêneo e vazio, do progresso como se Iosse uma norma historica. A sua concepção, ao contrario Iunda-se na dialetica de Iuturo e passado, no messianismo e na recordação. Numa das teses usou como distico a Irase de Karl Kraus: 'A origem e o alvo¨. Entende-se, então, que Benjamin estivesse na mesma epoca ocupado com a pre-historia da modernidade e, tambem, que tivesse ha mais de vinte anos escrito A origem do drama barroco alemào. Suas premissas são completamente diIerentes das costumeiras. Os conceitos de gênero da poetica estranhos a historia para ele se tornam problematicos e assim chega a seguinte determinação: Origem, apesar de inteiramente categoria historica, mesmo assim nada tem em comum com começo. Com origem nào se pensa em nenhum vir a ser do que surgiu, mas muito mais do que surge em meio ao vir a ser e deperecer. A origem encontra-se no rio do vir a ser como o redemoinho e puxa para dentro do seu turbilhào ritmico todo o material que surge. No nu e evidente estado do fatico o original nunca se da a conhecer, e apenas a uma visào dupla o seu ritmo se capta. Ela quer ser reconhecida como restauraçào, como reconstituiçào por um lado, e exatamente nisso, como incompleto, inconcluso por outro. Em cada fenomeno de origem se determina a figura pela qual uma ideia se arranfa com o mundo historico ate que se encontre consumada na totalidade da sua historia. Portanto, a origem nào se pòe em evidência frente ao estado fatual, mas concerne a sua historia anterior e posterior.[...] O autêntico aquele selo de origem nos fenomenos e obfeto de uma descoberta, uma descoberta que se liga de um modo unico com o reconhecimento.(Idem, 254).
A categoria que se relaciona com a recordação e a experiência, cuja atroIia a seu ver caracteriza a modernidade e da qual diz que Proust procurou reconstitui-la em meio as condições da sociedade de hoje pelo modo sintetico, ao passo que em 'Baudelaire a recordação recua em Iavor da memoria. Chama a atenção que nele ha poucas recordações de inIância¨.(Idem, 254). Mas qual seria a desvantagem disso? E o que outra Irase lapidar explica: Na memoria se precipitou a crescente alienação do homem que inventaria o seu passado como posses mortas. No seculo XIX a alegoria evacuou o mundo ao derredor para se instalar no mundo interior (Idem, 254). O inventario do passado, com o qual a alegoria do barroco e virada para o interior e o correlato com a concepção historica costumeira. As teses sobre a concepção da historia procuram destrui-la. 371 A compreensão disso talvez seja que perceber o passado como deIinitivamente passado, sem ação correlacionada no presente com o sujeito que assim percebe, expressa o sentimento de desvinculação orgânica do sujeito com o assim chamado externo das circunstâncias para se ensimesmar numa baraIunda puramente racional pretensamente manipulativa: a razão autônoma e solitaria explica e cria o assim chamado externo a partir das suas categorias. A explicação solitaria por alegoria e o substituto disso na procura do sujeito por sentido do que esta posto conIorme a pretensão de uma objetividade absolutamente desvinculada do mesmo sujeito. Benjamin editou uma coleção de 25 cartas sob o pseudônimo de Detlef Hol:, em que aparecem os nomes de Lichtenberg, Voss, Hoelderlin, Goethe, os irmãos Grimm, David Friedrich Strauss, Georg Buechner. O livro chama-se 'Personalidades alemãs¨ e, num exemplar, ele Ioi dedicado a sua irmã Dora para ser uma arca de acordo com o exemplo judeu. Por que? 'E dado o dom de acender a chama da esperança no passado apenas aquele historiador que e perpassado pela convicção: ate os mortos não estão seguros diante do inimigo quando ganha¨.(Idem, 254). Portanto, a arca signiIica a promessa que existe no exemplo dos mortos, que e capaz de alcançar aqueles sobreviventes que se deixaram enganar imaginando as circunstâncias da epoca como uma enchente IrutiIera, mas que na verdade era o proprio diluvio. Por Iim, pode-se aIirmar que Szondi percebe claramente a postura de Benjamin que e a de se voltar ao passado de si com as circunstâncias da epoca a Iim de vasculhar o signiIicado la inscrito como se Iosse uma escrita presente e postuma ao mesmo tempo, mas ainda capaz de acordar no tempo presente o bom leitor. A pergunta que se Iaz ouvir e: o que impede que na epoca exata se leia corretamente? O que impede que muitos não acordem pela rememoração nem em tempos posteriores? Ha um impedimento Iatal, uma diIiculdade enorme por vencer a Iim de que se chegue ao entendimento considerado correto. Que impedimento e esse? A tese e a de que se trata da contradição da linguagem quando esta se concentra exclusivamente na objetivação.
372 CONCLUSÄO
Rastlos vorwärts musst du streben, Nie ermüdet stille stehen, Willst du die Vollendung sehen; Musst ins Breite dich entIalten, Soll sich dir die Welt gestalten; In die TieIe musst du steigen, Soll sich dir das Wesen zeigen. Nur Beharrung Iührt zum Ziel, Nur die Fülle Iührt zur Klarheit, Und im Abgrund wohnt die Wahrheit.
(Sempre a Irente na aspiração, Jamais cansado Iica imovel, Se quiseres consumação; Em amplidão te desenvolvas, Que o mundo se molde a ti; As proIundezas tens que ir, Para mostrar-se a ti a essência. Leva ao alvo so a persistência, So o pleno da claridade, E no abismo esta a verdade.) (Schiller, F. Sprüche des ConIuzius, Saemtliche Werke, Bnd 1, S. 227.)
Na aposta de que uma posição IilosoIica enquanto ponto Iocal declaradamente determinante como tambem subjacente esteja a caracterizar todo o percurso teorico de Walter Benjamin aparentemente disperso em seus interesses voltados as mais variadas areas do saber, a presente tese almejou indiciar, elucidar, apresentar e tematizar, num percurso meditativo e critico imanente aos textos, a sua concepção de IilosoIia relacionada com a contradiçào da linguagem. Pôde-se ao longo das tematizações dos textos, que para esta tese mais de perto interessam, perceber que tal posição IilosoIica vai bem mais alem do que mera assunção, discussão e deIesa de grupos de conceitos epistemologicos ja estruturados como sistema, 373 mas convidando a estes mesmos nesse mesmo caminho para a revisão das suas proprias condições de argumentação para um dialogo que não esteja esquecido no desejo de somente autoconstrução, competição e eliminação mutua. A posição IilosoIica que se da conta da contradiçào da linguagem ativa-se alem da ja apequenada retorica de manutenção estrategica de pontos de vista IilosoIicos no apice da cultura, pois permanece na retaguarda e em meio ao exercicio dinâmico da escuta, da noticia mutua em admiração e da organização concreta de inter-relações. Alem das vantagens da sua aproximação com a arte, a teologia, a historia, a politica, a ciência e a tecnologia, a posição IilosoIica de Benjamin e um determinado âmbito de abstração reIlexiva que se expressa numa postura de avaliação de auto-compreensão como jeito de ser a medida que constantemente se da conta e descobre a contradiçào da linguagem nas objetivações que se sucedem. Pelo exposto, tambem o metodo empregado no presente trabalho Ioi o constante dialogo critico com os textos em questão para poder elucida-los em sua proIundidade. Ele pautou-se, por isso, numa interpretação interna e seqüente apresentação do sentido do texto. Ao longo da apresentação e elucidação dos textos enIocou a tese de que o pensamento IilosoIico de Walter Benjamin se elabora pela descoberta, apresentação e aplicação da contradiçào da linguagem. Mesmo que a IilosoIia de Benjamin a primeira vista se caracterize como amalgama ou ate proliIeração de ideias em desesperado descentramento tipico da Pos-modernidade, ela na verdade e uma provocação para um exercicio que em seu percurso apresenta insistente e intermitentemente a possibilidade de relação com todas as areas de saber. A aposta e a descoberta Iundamental e a de que, pela contradiçào da linguagem, ja ha uma relação entre todas as areas e modos de pensar e dizer que pode ser motivo de descoberta. Todas as maniIestações de construção de Iundamentação para os Iins da objetivação na linguagem mostram-se precarias, parciais, e e apenas no esquecimento da propria insuIiciência que se constroem absolutos. Um Iundo silencioso não identiIicavel, mas sempre suposto inevitavelmente na instauração do sentido na linguagem, e a propria abertura que possibilita a saida para novos horizontes alem dos reducionismos totalitarios dogmatica e competentemente instalados. Qualquer todo Iundamental que se apresente em sua descoberta expõe-se maniIestamente como parte, pois a sua circunscrição, deIinição e nomeação constantes chamam a atenção para o Iato de que sua exposição descritiva e 374 apenas atividade participativa nele, mas de evidente importância por agregar-se ao universo do sentido presente historicamente. Toda evolução operatoria construtiva que se mostra na ocorrência do empirico carrega consigo esse Iundo ambivalente que o reIere a contradiçào da linguagem. E ele transcendental enquanto presença de toda a pletora do sentido sempre presente na linguagem, elaborado por todos os seculos, na sua maior parte esquecido, mas atuante nas aplicações compreensivas sonâmbulas da atualidade? São as Iiguras platônicas que no Mito da caverna se interpõem entre o sol e o Iundo da caverna para em sua parede projetarem as sombras que enganam a quem esta amarrado e preso no assento da acomodação da irreIlexão a apontar movimentos absolutamente objetivos e deIinitivos em sua Iorma de explicação? Seja qual Ior a resposta a questão, sempre havera nela a intenção de aclarar objetivamente o estado de coisas a partir de um Iundamento mais alem, inevitavelmente suposto, desconhecido e imediato acompanhante dos esIorços na propria elaboração de qualquer dizer. A intenção da objetivação inerente a linguagem em ocorrência em qualquer discurso sempre aIirma muito mais do que propriamente consegue sustentar, pois aponta para um âmbito que considera estar separado dela na presunção de argumentos seguros a base de Iundamento conIiavel. Tanto o Iundamento presumido, porem, como tambem os objetos apontados não conseguem abandonar os limites da linguagem, da qual, então, Iazem parte relativizando-se como Ialsos absolutos para se aIirmarem como uma das suas expressões. Da sua continua, impetuosa e inevitavel tentação de inaugurar reinos metaIisicos alem de si mesma, e no esquecimento de si em auto-execução, a linguagem consegue buscar o retorno a si no desmonte do seu delirio construtivo pela recordação destruidora e silenciosa do que presentemente prima pela sua ausência. O dizer atual se expressa na presença de um dito silencioso que o carrega e no qual participa dele emergindo sem cessar ao modo de noticiamento em que o mensageiro continuadamente esquece a relação de si mesmo com a mensagem que certamente o deIine. Ha duas maneiras Iundamentais nos quais a linguagem imprime a sua dinâmica. A primeira delas e a direção de objetivação construtiva a partir de um Iundamento suposto na atividade do que e proposto como aplicação continuada pelo uso de estrategia politica, missões variadas, propaganda, retorica soIistica, apologia, deIesa e acusação juridica. Nesta direção o que interessa e a ediIicação de torres, que não pretendem jamais ser derrubadas na conIiança da excelência dos seus Iundamentos, e a arregimentação de 375 exercitos, que deIendem e atacam, conIiantes no bom desempenho dos instrumentos e das armas que utilizam mecanicamente e satisIeitos com as vozes de comando que parecem traduzir principios merecedores de cega obediência. A segunda delas e a volta e o retorno a veriIicação e a tematização dos Iundamentos, o que leva ao dar-se conta de que todos eles são expressão de linguagem endurecida por determinadas e superpostas teceduras Ieitas de conceituações carentes da recordação dos caminhos em que chegaram a vir a ser o que agora são. A primeira delas e a concepção que caracteriza a linguagem como instrumento de uso para a denotação, ou de sinalização objetiva e externa de algo que o Ialante aponta como se Iosse separado de si mesmo. Por essa perspectiva ele intenta reproduzir no pensamento e pela linguagem algo que se lhe apresenta como objeto de realidade em si e Iora da circunscrição da linguagem como se limites houvesse, bem como tambem ao modo de exterioridade daquele que Iala para que o mesmo possa constituir-se sujeito articulador do processo. O sujeito assim se supõe Iundamento para conhecer e representar em si Iigurativamente uma realidade objetiva externa a si pelo uso instrumental da linguagem. Desse modo ele considera a linguagem como um mero instrumento de uso inventado aleatoriamente para satisIazer os interesses da sua razão autônoma. Necessita, então, exercer sem cessar o controle e a analise sobre a realidade e as suas modiIicações no sentido externo, alem de ainda sobre as suas proprias capacidades motivado pela necessidade de vigilância para a eIiciência da representação que Iaz em termos da verdade como adequação. O sujeito julga-se suporte do seu discurso, pois considera que quanto mais puder observar, calcular e analisar o que se lhe apresenta como externo e separado de si e quanto mais puder estabelecer, tambem por analise, as proprias condições internas que lhe possibilitam que explique a correspondência entre ambos os polos, tanto mais Iirme permanecera em seu posto de autonomia racional. Num processo de recorrência continuada necessita, pois, assegurar-se de que as condições da Iundamentação em si mesmo e o uso da linguagem instrumental estejam corretas para que a adequação a realidade seja realizada por representação perIeita. Com tal processo de objetivação o sujeito procura instaurar um Iundamento sempre separado de si mesmo que precisamente o Iundamente como sujeito, a Iim de que seja possivel o julgamento sobre a correção do trabalho de analise e elaboração do objeto separado e Iixo em Irente. Todas as Iundamentações objetivadas resultam precarias por pretenderem estabelecer a totalidade absoluta por um discurso dela separado que nunca podera sustentar-se. O resultado, como ja dito, e a impossibilidade de 376 Iundamentação total e absoluta de qualquer discurso que suponha Iundamentação possivel para a justiIicação de objetivação separada do seu dizer. A segunda maneira com que a linguagem imprime a sua dinâmica de contradiçào trata da compreensão da mesma enquanto intermitente expressão da propria totalidade que necessaria e inevitavelmente sempre supõe pelo Iato de nela participar. Tal expressão inclui todas as Iormas de explicação ja elaboradas na linguagem sobre Iundamentação, subjetividade e objetividade. Como visto na primeira secção deste trabalho de tese, sendo a propria linguagem com todas as suas virtualidades ja imediatamente expressão da totalidade que inevitavelmente supõe, então todas as tentativas de Iundamentação Iazem parte do seu acervo expressivo, pois não ha como elaborar algo expressiva e signiIicativamente sem linguagem pela qual e inevitavelmente elaborado. Desse modo o homem se deIine pela linguagem que mesmo e, pois sempre se relaciona com a linguagem total das coisas que esta precisamente a traduzir conIorme visto na segunda secção. Qualquer maniIestação intencional de construir ediIicios de Iundamentação sera acompanhada pela linguagem que e, mas que esta a esquecer na ilusão do absolutismo da objetivação. No texto da primeira secção que versava sobre a indicação e a descoberta da contradição da linguagem chegamos a conclusão de que dizer que algo e, descrever que algo e desse ou daquele modo, o que implica supor que mesmo se e no e como exercicio de descrição, explicação e interpretação; implica a veracidade do seu exercicio e, mais ainda, implica supor que aquele que diz, ele mesmo esta sendo ao Ialar, o que podera tentar provar na atividade explicativa em objetivação e não o consegue, pois, para o conseguir, tera de mencionar algo alem de si, dentro de si ou ao lado de si, ou seja, para ser, precisa dizer algo outro dizendo a si mesmo, isto e, esta na condição de se aIirmar a si mesmo no exercicio de aIirmar algo outro. O outro em objetivação alem de si como se Iosse Iora de si, e que ele intenta expressar apontando-o, tambem não pode ser sem a aIirmação deIinidora daquele que se identiIica pelo ser que se expressa ao dizer a si mesmo justamente desta Iorma. Ainda no mesmo local acentuava-se que se aIirmar a si no exercicio de aIirmar ja e ser aIirmando algo que se coaduna com o que e como compreensão, um conteudo sobre o qual se julga. Mas, exatamente o conteudo julgado com pretensão de objetividade comunicativa e a aIirmação Ieita que descreve expressivamente aquele que a Iaz. Não ha como dizer algo outro sem se descrever a si mesmo no que diz e 377 descreve, ou ainda, sem Iazer expressivamente o desenho de si pelo proprio exercicio do dizer. Tudo o que se compreende ao dizer e inevitavelmente a propria compreensão que e um acontecer constante sem possibilidade da garantia de objetivar algo enquanto absolutamente outro como separado, a parte de si. A separação, a dicotomia entre o conteudo e o proprio exercicio de Ialar, entre objetivação necessaria e atividade pragmatica em ocorrência eIetiva e uma intenção sem sucesso, inexistente, mas e como se Iosse possibilitada por um determinado esquecimento, de modo que acontece um constante descrever-se a si mesmo, porem, na intenção de descrever o outro em termos de objeto. Por este vies, qualquer julgamento Ieito e julgamento de si mesmo e a divisão tentada e divisão de si mesmo. DeIinição explicativa apenas de outro seria hermenêutica parcial, separação e estranhamento no reino da objetivação pura, caso houver esquecimento de que não ha meios de haver separação. Esta segunda maneira de a linguagem imprimir a sua dinâmica de contradição inerente a si não se pode simplesmente identiIicar com o pensamento substancialista que se expressa como Teologia negativa, pois ja a nominação do todo e das suas qualidades pela via da negação ja aposta na possibilidade de deIinição. Trata-se antes do âmbito do silêncio em que o inIinito do dito com suas possibilidades jamais pensadas da condições e obriga a inaugurar o novo em constante descoberta pela recordação. E condição humana descrita como o anjo apavorado da IX Tese de Sobre o conceito de historia, que ja sempre Iaz parte do que vê e desaprova a ponto de ser sem poder alçar o seu vôo para algum alem onde se pudessem apresentar as garantias da Iundamentação absoluta ou grande novo inicio sem as ingerências do que ja Ioi produzido em termos de sentido objetivado e instaurado historicamente e de que Iaz parte. A libertação, ao contrario disso, inicia-se vendo e indicando a catastroIe, isto e, a solução vem a ser o indiciamento constante e a sua insistente aplicação a todos os materiais signiIicativos emergentes ao modo da objetivação na cultura humana, principalmente aos que veiculam o culto ao progresso pelo catastroIico esquecimento da contradiçào da linguagem, o qual tantos e tantos escombros ja produziu: 'Minhas asas estào prontas para o voo,/ de bom grado voltaria atras,/ pois mesmo se eu permanecesse tempo vivo/ minha felicidade seria menor.` (Gershom Scholem, Saudação do Ângelus) Ha um quadro de Klee denominado Angelus Novus. Representa ele um anfo que parece estar na iminência de afastar-se de algo em que crava fixamente os olhos. Tem os 378 olhos esbugalhados, a boca aberta, as asas desdobradas. Tal e o aspecto que deve ter o Anfo da Historia. Tem este o semblante voltado para o passado. La onde nos vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê apenas uma unica catastrofe que nào cessa de amontoar escombros sobre escombros e de arremessar esses escombros a seus pes. Bem gostaria ele de demorar-se, de ressuscitar os mortos e funtar o destroçado. Mas, do Paraiso, sopra uma tempestade que se prende a suas asas, tào fortemente, que o anfo nào as pode fechar. Essa tempestade o empurra incessantemente para o futuro, a que ele da as costas, enquanto diante dele o monte de destroços se acumula ate o ceu. Essa tempestade vem a ser precisamente o que se chama progresso.
A contradiçào da linguagem, pelo visto, recorda a possibilidade de inumeras interlocuções com teorias ja inauguradas e instituidas como Iator de compreensão em aplicação naturalizada no cotidiano, de acordo com a Irase ~Ai surgiu a juventude das conversas obscuras¨. (GS II-2, 96). ConIorme ja dito, trata-se dos limites entre o sonho e o despertar e a pergunta sempre sera sobre quando e sonho e quando e acordar. A visibilidade maxima da-se como intenção de estabelecer os limites precisos dos conceitos em uso a Iim de que possam ser considerados indiscutiveis: a clareza e a distinção que intenta possibilitar a transparência de qualquer conversa procura-se atender pela exata circunscrição dos conceitos utilizados. Mas tambem isso e construção ja que a ediIicação da delimitação asseptica de determinado numero de conceitos depende de mãos conceituais e cabeças compreensivas mergulhadas no imenso mar de possibilidades da linguagem que então assinala que os absolutos conceituais são apenas esquecidas possibilidades inscritas em seu meio. A primeira vista o altar da visibilidade parece ser o simbolo da saude da linguagem e da vida pela segurança da terapêutica que supostamente oIerece, mas logo se maniIesta como apenas deslocamento para o tumulo de uma compreensão compenetrada na aplicação de objetividade a base de Iundamentos que esqueceu de compreender como possibilidades advindas no âmbito da linguagem. Por isso, o surgir das conversas obscuras conjuga-se com a recordação de escutar as determinações da compreensão ocorrente de agora, no volver-se em admiração ao que surge para ser inaugurado e constituir a verdade da experiência. 'A essência irradiou¨. (GS II-1, 96). Na compreensão da contradiçào da linguagem, o esIorço de ediIicação por Iundamento torna-se vão, pois a irradiação da essência da-se na movimentação de se voltar num retorno a procura pela descoberta dos Iundamentos que ja sempre estão inIinitamente subjacentes. As Iundamentações 379 descobertas e inauguradas irradiam a essência enquanto continuidade da linguagem criativa e nomeadora. O esquecimento constitutivo tambem constitutivo da linguagem inaugura e instaura uma discussão a base de um Iundamento objetivado e dela separado e, por intermedio desse Iato, tambem o engano da possibilidade de uma construção de signiIicações que pudesse ser absoluta num percurso de um tempo homogêneo e vazio alastrando-se num espaço inIinito. Em tal construção absoluta o homem nunca esta em casa e continuamente se engana na perdição com tal Iamiliaridade suspeita. Institui-se constantemente e se e instituido. A tradição ativada pela tradução dos seus materiais lingüisticos e compreensivos e o meio em que se esta e que se e. Ela, porem, e agora instituida como determinante, pois ja e construção Ieita do material constituidor do que agora e. Nessas circunstâncias o passado e sempre resultado do que se diz agora e muda ao sabor do constante dizer. O sentido da repetição, a Iixação de sentidos e a permanência sem tematização de conteudos de compreensão so podem dar-se na inconsciência de suas operações a acontecerem simplesmente. A repetição como resultado da obediência aos comandos de Iundamentos esquecidos da condições ao surgimento do sentido do tempo a passar ou as regularidades dos dias de enIado nele atravessarem incessantemente. O tempo sem o idêntico repetido de vez por vez entre diIerentes desaparece. Como, alias, tudo desaparece permanecendo so o que na compreensão chega e some para dar lugar, qual sentido da Irase de Anaximandro 'Todas as coisas se dissipam onde tiveram a sua gênese, conIorme a necessidade do tempo; pois pagam umas as outras castigo e expiação pela injustiça, conIorme a determinação do tempo¨ (Bornheim, G., 25). Quem garante o rastro de si que quer deixar e quem garante a sua interpretação ja que o rastro sera, ou Ioi? Achegando-se mais a questão, quem garante a si mesmo a acontecer, a não ser o paradoxo do acontecimento que e e não domina no espanto da ocorrência da compreensão, seja la do que Ior pela contradiçào da linguagem? Qual o sentido de construções a partir de compreensões veiculadas por pressupostos que podem sempre ser cassados e eliminados, se a ocorrência do acontecer da compreensão e insondavel, seja ela automatizada para repetições, seja descortinadora e desveladora de novas paragens? Por que compreender e pensar? Como se compreendera o impeto que ha nas perguntas sobre por que, como, e para que? A criação catastroIica de monstros teoricos em que nos tornamos a compreender, quem e que avalia, liberta ou liquida? Como houve isso para agora estar havendo? O ouvinte, que no silêncio direciona a compreensão e o sentido, sendo tambem mero ocorrente, mera ocorrência compreensiva, sabe a direção? Resolve 380 para onde? Tambem ele e so compreensão, seja do que Ior e a pretensão do dominio e vã. Pois Iixada a compreensão, o que e que haveria? Fixação esquecida que ao primeiro tedio se esIuma para permanecer a mesma questão que e a questão. Pois como se daria a resposta para a pergunta sobre o sentido da pergunta? Qualquer resposta seria traição-ilusão e qualquer permanência na pergunta e a questão, o haver do ser em que esta como compreender, sem compreender a razão de tal ocorrência de compreender. A vaidade das construções compreensivas e castigo em ediIicação, vaidade esquecida mesmo que a vista. O reconhecimento da vaidade e o aspecto destrutivo ainda das construções que são, enquanto que a pergunta a querer compreender as compreensões tambem ainda esta comprometida com projeto, pois o que surge e o rastro instituido, nova construção. Não e nem perguntar, imergir no sonho da ocorrência da compreensão e admitir a representação teatral a passar, pode haver isso? O silêncio da palavra, a escuta inIinita, o desmonte da pretensão e a musica, o gozo e a morte? Entre a continuidade da pergunta, do ensaio de resposta e da pretensão de compreensão conteudista e objetal, melhor e o silêncio, e pronto? Que as bobagens, se e que são, a serem ouvidas tenham a mera compreensão de participação no riso da vida. Não se sabe quem e e nem quem esta de Iato a rir, e nem o que seja riso, ou a sua importância. Ha o riso IilosoIico, mas tambem o riso da criada do primeiro IilosoIo, Tales de Mileto, a tropeçar Iixando estrelas la no alto. Qual e mais participante? A contradiçào da linguagem Iaz lembrar, pela primeira das suas dimensões, o deboche que se Iazia a respeito da explicação da teoria da gravitação universal de Newton. Um burguês rico e ignorante ouve com satisIação do seu proIessor pobre, um nobre decadente da epoca, que a explicação da virtude que o opio tem de Iazer dormir e devido a causa da chamada virtus dormitiva. Qualquer grande metaIora ativada como explicação ultima Iunciona so enquanto desconhecida novidade instituida, numa crença de que seja explicação segura, ate novo reexame, nova pergunta, nova admiração descobridora e IilosoIica, ja que a resposta e elemento participativo na linguagem. A rigor, nada teria explicação absoluta, a não ser provisoriamente e, assim, toda a explicação, para poder Iuncionar, ja necessitaria do esquecimento da autoridade de principio que a instaurou como absoluto. Na tematização das mais diversas areas do saber Benjamin preocupa-se com a postura e o papel da IilosoIia. A pergunta central que transparece e a de como se pode ou deve entender a atividade IilosoIica em meio aos Ienômenos mais diversos da pos- 381 modernidade em seus deslocamentos radicais em termos de teorização no âmbito das ciências humanas, das ciências exatas, das artes e da teologia. Sem poder substituir a vitalidade emergente da atividade nos campos mencionados ela acontece como procura de relação pelo proprio processo de sua auto-limitação tendo a contradição da linguagem por pano de Iundo como que avaliador do que acontece na cena em Irente. A IilosoIia a partir da contradição da linguagem sempre relacionada com a historia, com a pesquisa e com o aspecto criativo da arte descobre deslocamentos, novas Iormações, transIormações a partir de elementos comuns e aponta a transIiguração dos mesmos em novas constelações ativadas como travejamento para a compreensão normalizada de epocas inteiras. A essa tematica agregam-se os conceitos de tradição, origem, aura e tempo para serem relacionados a compreensão do que seja a aventada normalidade da conexão entre sujeito e objeto. Não se pode esquecer que historia não pode prescindir da linguagem e sua contradição, pois e narração objetivada como qualquer discurso armado com conceitos para a sua auto-justiIicação. A linguagem assim e a expressão em locução ocorrente da essência e nunca a propria essência em si nela somente objetivada. A ideia e a de que a linguagem descreve o ser humano seja qual Ior o conteudo a que se atem, havendo, portanto, uma ambigüidade Iundamental nela mesma quando sempre exerce a capacidade de apresentação de si e dos conteudos veiculados em seu querer dizer. Repetimos a Irase de Benjamin numa nota do texto 'Sobre a linguagem em geral e a linguagem dos homens¨ e na qual pergunta: 'Ou não e antes a tentação de pôr a hipotese no inicio que Iaz o abismo de todo o IilosoIar?¨ (GS II-141). A pergunta, como ja visto, e pertinente e e a indicação de uma das questões IilosoIicas Iundamentais de Benjamin, isto e, a constante objetivação necessaria para que a linguagem possa existir como atividade de apontar para algo, mesmo que espiritual, em constante dependência das hipoteses que, desconhecendo-as ou não, possibilitam o seu exercicio atual. ConIorme ja aIirmado, a tese sobre Walter Benjamin se propõe acompanhar a presença do que ele mesmo denomina de a contradiçào da linguagem e veriIicar a sua importância como vetor de compreensão da sua obra em determinados escritos Iundamentais. Foram dez os escritos que constituiram a motivação das dez secções da presente tese em que a contradiçào da linguagem e descoberta, indiciada, apresentada, suposta e aplicada como ponto focal ou fio condutor para a compreensão da obra de Walter 382 Benjamin. A continuidade da pesquisa pode guiar-se pela hipotese de que em cada um dos textos a contradiçào da linguagem esteja representada nos termos ja indicados. Poder-se-a certamente tambem aproIundar a veriIicação da sua relação mais direta com a teologia, a historia, a arte, a politica, a ciência e a tecnologia Iavorecendo a interlocução que desde o inicio constituiu-se em motivação Iundamental para o presente trabalho. Alem disso, apresenta-se um leque de conceitos importantes, capaz de garantir a viabilidade e o interesse de pesquisa Iutura, quais sejam: alegoria, aura, experiência, recordar, Eros, narrar, ideia, critica, obra de arte, mito, salvação, revolução colecionador, destino, citação, passagens, e outros. As dez maniIestações literarias analisadas estão, portanto, sob a egide da contradiçào da linguagem como, alias, se depreende da organização dos titulos das dez secções. A expressão em si mesma reIere-se ao Iato de que na linguagem e com a linguagem se pressupõem duas aventadas dimensões Iundamentais. Por Iim, reiteramos o nucleo da tese: - A contradiçào da linguagem, com a qual Benjamin conta como Iio condutor em seu pensar sedimentado nos escritos analisados neste trabalho, da-se pelo suposto da objetivação inevitavel em que a razão humana ja ha tempo se perde como, por exemplo, no celebre Trilema de Muenchhausen por explicações que levam ao regressus ad infinitum, ao argumento da circularidade e do inicio por evidência na suposição de uma metaIora Iundamental que pudesse justiIicar todas as questões. - Pela objetivação ha sempre um suposto que, quando buscado, se elimina em Iavor de um pressuposto mais abrangente, mais proIundo, ou mais elevado, que tambem não bastara na sustentação de si como Iundamento primeiro, porque sempre e considerado Iora do âmbito da linguagem, percebido como separado da linguagem, a parte e independente dela como se ela pudesse nomina-lo. - Ninguem consegue escapar a contradição para Ialar de Iora dela, porque a Iala necessariamente objetiva e pressupõe e, ao mesmo tempo propriamente se expressa supondo um âmbito que nunca conseguira nominar. Na objetivação ocorrente da Iala ha a inevitabilidade do Iundamento assumido, mas na sua veriIicação sempre precario. - A contradiçào da linguagem e a propria ideia da possibilidade da IilosoIia como procura, relação, descoberta e avaliação dos Iundamentos de algo ja posto em atividade na ocorrência da compreensão pelo exercicio de aplicações rotineiras. E o movimento sempre 383 contrario ao contexto de justiIicação que prima pelo interesse da sedimentação continuada de construtos de Iundamentos. - A contradiçào da linguagem e o que sempre ja se Iala a partir da suposição de um Iundamento ja posto inevitavelmente e em exercicio, que na IilosoIia cabe descobrir em suas relações e dimensões. - A contradiçào da linguagem inaugura objetivando, mesmo na descoberta do Iundamento em exercicio aplicativo, e, ao mesmo tempo, pode recordar a participação da linguagem no âmbito do silêncio inacessivel a qualquer uma das suas deIinições sonoras. - A contradiçào da linguagem permite escutar, observar e avaliar discursos contraditorios esquecidos da sua verdadeira condição itinerante. Nos textos analisados, Benjamin supõe em sua abordagem que quem entendeu a questão de Iorma acurada Ioram Hoelderlin, conIorme a segunda secção, e KaIka, conIorme a nona secção. - A Iorma de Iigurar Benjamin e tal que ocorre na compreensão do seu modo de uso do esquadro da contradiçào da linguagem. Ela trata da condição humana.
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