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COMO NÃO IMPLANTAR UMA TRILHA: ESTUDO DE CASO EM UM CAPÃO

COM ARAUCÁRIAS NO MUNICÍPIO DE CURITIBA, PARANÁ, BRASIL


José Aurélio Almeida Caiut (Bicho Planta)
jacaiut@yahoo.com.br / (41) 9644-7445
Andréa Carla da Costa

Eixo: A Trilha Sub-eixo: Técnicas de construção e manutenção


Apresentação oral

Introdução
As trilhas e caminhos, para Lechner (2006) são provavelmente, as rotas de
viagem mais disseminadas pelo mundo. Mesmo com as rodovias modernas, para
milhões de pessoas as trilhas ainda são as rotas básicas de acesso ou de viagem,
mesmo em áreas urbanas modernas. Em áreas naturais protegidas, a trilha pode ser o
único acesso à maior parte da área.
Conforme Andrade (1997), a principal função das trilhas sempre foi suprir a
necessidade de deslocamento. Porém, pôde-se verificar que ao longo dos anos houve
uma alteração de valores em relação às trilhas. De um simples meio de deslocamento,
as trilhas se tornaram um novo meio de contato com a natureza; e assim sendo, a
caminhada incorpora uma nova concepção passando a ter um sentido em si própria,
recebendo mais adeptos.
As trilhas em áreas naturais protegidas desempenham tanto a função de prover
o acesso e oportunidades recreacionistas aos visitantes, quanto proteger o recurso
(COLE, et al. apud PASSOLD, 2002). Portanto, seu planejamento e construção devem
obedecer a uma série de pressupostos para que atenda, tanto às necessidades dos
usuários, como a conservação da área onde está inserida.
A trilha deve apresentar um caminho bem planejado, pois se isto não ocorrer,
os visitantes procurarão alternativas mais convenientes, perdendo-se o investimento
financeiro aplicado na sua implantação. Problemas podem ser causados por forças da
natureza, porém é muito comum, que devido a um planejamento equivocado e sem
objetividade, tais erros possam acarretar aberturas de atalhos (ao invés da
recuperação do trecho antigo) (RAUEN, 1996). As melhores trilhas mostram poucos
sinais do trabalho feito nelas e, quando bem planejadas, são fáceis de se manter.
Moore (1993) indica que as trilhas devem ser simples, bem sinalizadas e
construídas com técnicas e materiais adequados às características particulares de
cada área, não sendo prático nem desejável a construção de caminhos muito
complicados.
Porém, é comum encontrar trilhas que são construídas sem planejamento, que
não recebem manutenção adequada e nem monitoradas, o que acarreta em prejuízos
para o ambiente e à qualidade da experiência vivida pelo visitante. Na maioria das
vezes, as trilhas em áreas naturais são acompanhadas apenas empiricamente. Seu
monitoramento possibilita uma coleta sistematizada e periódica de dados que servirão
para compreender o funcionamento da estrutura, analisando a influência de fatores
abióticos, bióticos e antrópicos, e avaliar o seu efeito no ambiente onde está inserida.
Os impactos causados pela utilização das áreas naturais pelos visitantes
devem ser medidos e avaliados, para se minimizarem seus efeitos que o excesso de
uso pode provocar como danos à vegetação, compactação do solo, diminuição da taxa
de infiltração de água no solo, alargamento da trilha (TAKAHASHI, 2004).
As atividades a serem desenvolvidas em uma área natural como a implantação
de trilhas e um sistema de interpretação da natureza, devem estar sempre vinculados
ao componente educativo para estimular o aprendizado do visitante e não
simplesmente seu entretenimento (MILANO, 2001). Por isso, as trilhas que foram
planejadas para o capão com araucárias na Cidade Industrial de Curitiba (CIC),
tiveram seu enfoque direcionado à educação ambiental e a interpretação da natureza,
mesmo quando não houver a presença de um guia, pois o visitante poderá instruir-se
sobre os assuntos relacionados com a área em que estas trilhas estarão inseridas.
A Floresta com Araucárias é caracterizada por possuir o dossel dominado pelo
pinheiro-do-paraná, Araucaria angustifolia (Bert O. Kuntze). As principais espécies
associadas à araucária são: Ocotea Porosa (Nees et Martius ex Nees), Ocotea spp.
Nectandra spp. Ilex paraguariensis (St.Hilaire) e Podocarpus lambertii (Klotzsch. ex
Endl.). Neste tipo de ambiente ocorrem cipós e epífitas, sendo também comuns os
taquarais. A palavra capão, muito usada quando se trata de araucárias, tem origem
indígena e significa “mata redonda”. Os capões de pinheiros instalados sobre os
campos situam-se nas pequenas depressões de terreno nos locais onde brotam fontes
de água e em outros pontos cujo solo é mais favorável (SPVS, 1996).
O Código Florestal do Município de Curitiba, lei n° 9.806 de 03 de janeiro de
2000, reconhece como áreas naturais protegidas os remanescentes com araucária na
cidade de Curitiba. Eles estão inclusos em uma categoria de manejo chamada
Bosques Nativos Relevantes, que pela sua tipologia florestal, localização e porte
sejam inscritos no cadastro do Setor Especial de Áreas Verdes, junto à Secretaria
Municipal do Meio Ambiente (SMMA). Essas áreas para serem reconhecidas como
Bosque Nativo Relevante (BNR), devem ser maciços de mata nativa representativos
da flora do Município de Curitiba, que visem a preservação de águas existentes, do
habitat da fauna, da estabilidade dos solos, da proteção paisagística e manutenção da
distribuição equilibrada dos maciços florestais (SMMA, 2006).
Existe uma indefinição quanto à nomenclatura correta para os remanescentes
florestais da cidade de Curitiba; alguns autores se referem como bosques, outros
como capões. Para este trabalho utilizou-se no título a maneira como a empresa
proprietária se refere à área de estudo.
O planejamento de trilhas nos remanescentes da cidade de Curitiba requer
muitos cuidados devido à fragilidade do local e à legislação municipal, que é bastante
rígida quanto ao manejo destas áreas. Os projetos de trilhas nessas áreas devem
atender as especificações da SMMA, as expectativas dos proprietários e mais
importante, garantir o mínimo impacto possível para a fauna e vegetação.
O objetivo deste trabalho é demonstrar, através de um estudo de caso, como
uma trilha projetada em um local de fácil implantação e baixos custos, foi dificultada
pela burocracia e intervenção do proprietário e do empreiteiro, cujas alterações no
projeto original interferirão na viabilidade da trilha ao longo do tempo e possivelmente,
trarão mais impactos no local que o originalmente previsto.

Descrição da área
O Município de Curitiba, Paraná, com 432,418 km2, acha-se localizado na
porção centro-sul do primeiro planalto paranaense limitando-se a leste pela serra do
mar e a oeste pela Escarpa Devoniana (SMMA, 2006). Nesse planalto, com altitudes
entre 500 e 1200 metros acima do nível médio do mar; encontravam-se originalmente
as seguintes formações fitofisionômicas: a Floresta Ombrófila Mista ou Floresta com
Araucárias e os Campos com Capões de Araucária (IBGE, 1992).
Essa região não sofre influência direta do oceano, mas apresenta chuvas bem
distribuídas ao longo do ano e ocorrência regular de geadas. Essas características
climáticas associadas a condições edáficas locais são determinantes para esse tipo de
vegetação (SPVS, 1996).
A exploração da araucária iniciou com a ocupação gradativa do interior no Sul
do Brasil. Além do espaço físico para os colonos se instalarem, eles também
necessitavam de árvores para fazer suas casas, cercas, galpões, móveis, carroças,
utensílios domésticos e para obter lenha.
Com o longo processo de destruição dos pinheirais, bem como os demais
ecossistemas florestais do sul do país, pode-se verificar a falta de consciência da
comunidade e das autoridades sobre a terrível e sistemática agressão que vinha
sofrendo a natureza, e que continua sofrendo, mesmo com a araucária inserida na
lista de espécies ameaçadas de extinção.
Dos 80% de cobertura vegetal do Estado do Paraná, hoje restam apenas 20%
do que havia há 100 anos. Sobre a Floresta com Araucária, não restou nem 1% de
sua cobertura vegetal. Até o início do século XX a Araucaria angustifolia dominava as
paisagens do sul do Brasil onde cobria boa parte do Planalto Meridional (SPVS, 1996).
O remanescente, com aproximadamente 57 hectares, onde foi planejada e
implantada a trilha (figura 1) localiza-se na Cidade Industrial, no município de Curitiba,
Paraná, pertence a uma grande indústria multinacional com sede localizada na
Europa. É uma amostra da vegetação que dominou a paisagem da região antes de
sua colonização. Abriga ainda várias espécies da vegetação e fauna características
dessa fitofisionomia, mais resistentes ao processo de antropização que ocorreu em
seu entorno.

Figura 1: Araucárias no remanescente onde foi implantada a trilha.

Nesta área há diversos pequenos córregos cujas nascentes estão inseridas


dentro desta propriedade. Esses pequenos cursos d’água criam, em determinados
locais, brejos importantes para a fauna local e ótimos pontos para a sensibilização
quanto à importância da conservação da natureza. Há também na propriedade um
reflorestamento de Pinus sp, em avançado grau de maturidade e áreas em
regeneração natural que encontram-se no estádio sucessional de capoeira e
capoeirão.
Metodologia
O primeiro contato com a empresa ocorreu em dezembro de 2004, através do
setor responsável pela gestão de meio ambiente da mesma. Em reuniões com a
responsável pelo setor, verificou-se a necessidade em se planejar e implantar uma
trilha na área da empresa que complementasse o Centro de Educação Ambiental
(CEA) que estava sendo projetado. Esse CEA ocupará uma casa tombada pelo
patrimônio histórico de Curitiba, no perímetro do remanescente florestal. Além da
trilha, foi solicitado também que o projeto fosse licenciado junto aos órgãos ambientais
e que fosse o mais econômico possível, e que a implantação tivesse um baixo custo.
Estabeleceu-se que o público alvo para a trilha eram crianças em idade de 7 a
12 anos e pré-adolescentes da rede pública de ensino de Curitiba, e a experiência a
ser oferecida seria o contato com um remanescente de Floresta com Araucárias
(Floresta Ombrófila Mista) para apresentá-las as formas de vida presentes no interior
deste fragmento.
O planejamento das trilhas no remanescente da empresa, assim como o
planejamento do sistema de painéis interpretativos foram realizados entre os meses
de janeiro e agosto de 2005, garantindo que durante esta etapa se conhecessem as
condições da trilha, tanto em época chuvosa (janeiro a abril), quanto em época seca
(junho a agosto). A implantação ocorreu entre agosto e outubro de 2006, no período
de seca na região.
Durante todo o planejamento em campo, foram utilizados: bússola Silva NL2
Explorer; uma trena Volder de 50 metros, um clinômetro Suunto M-1 Degrees &
Percent; um GPS Garmin modelo E-trex Vista; uma câmara digital Fujifilm A303, 3,2
Mega Pixel e cartas planialtimétricas 1:2000 da área, de propriedade da empresa.
A digitalização das figuras e dos croquis de estruturas apresentadas no
trabalho para a empresa foi realizada com o auxílio dos programas Adobe Photoshop
versão 7.0 e Microsoft Office PowerPoint 2003.
Os dados como distância, direção e intervenção nos pontos das trilhas foram
levantados com o auxílio de fichas de campo planialtimétricas em PVC, através de
pontos identificados com fitas plásticas coloridas colocadas em cada inflexão das
trilhas amostradas. Todas as informações obtidas foram lançadas nos programas
Microsoft Office Excel, 2003, e GPS Track Maker.
O método de planejamento consistiu-se em caracterizar o ambiente onde foram
implantadas estas novas trilhas, estudar seu trajeto e propor sua implantação visando
o mínimo impacto, através de sugestões de infra-estrutura, materiais a serem
utilizados e técnicas apropriadas para o local.
O trabalho foi iniciado com diversas visitas a campo, onde foi realizada uma
análise de sítio e estabelecidos todos os limitantes e oportunidades de uso da trilha.
Na seqüência, demarcou-se com fitas plásticas um traçado básico ligando as
oportunidades, desviando os limitantes e levando-se em conta a declividade do terreno
e caminhos de drenagem. Após várias opções de traçado, aceitou-se um que melhor
se adaptava à área. Um trecho, de uma pequena picada já existente no fragmento, foi
aproveitado na trilha. Este trecho, com orientação Leste Oeste, passou por um
levantamento preliminar dos impactos que ele causava na área, como por exemplo,
problemas com a drenagem.
Esboçaram-se então, croquis (figuras 2 e 3) correspondentes à trilha do
bosque, onde foi possível observar como ficou seu trajeto, com 984 metros, junto com
as recomendações para sua manutenção, sugerindo as situações ideais para mitigar,
ao máximo, o impacto na mesma, visando sua durabilidade. Também foram sugeridos
pontos interpretativos e textos para placas e painéis interpretativos.

Figura 2: Croqui da trilha proposta com os pontos interpretativos sugeridos.

Figura 3: Croqui altimétrico da trilha proposta.

O projeto
A proposta inicial foi levada ao conhecimento da empresa que aprovou o
traçado e solicitou alguns adendos ao projeto. Neste momento iniciaram-se os
problemas. O público alvo foi alterado, não sendo mais apenas as crianças e pré-
adolescentes. Agora seria necessário adaptar o projeto para que se conciliassem as
expectativas e se oferecessem oportunidades de recreação e interpretação ambiental
aos seguintes públicos: escoteiros, portadores de necessidades especiais, terceira
idade, funcionários da empresa e seus familiares. O presidente da empresa é
praticante de Cooper e exigiu que se pudesse praticar essa modalidade na trilha, pois
segundo ele: “Sonho em correr pelo capão toda manhã”. Ele também mandou criar um
programa de estímulo aos funcionários administrativos para que eles, em sua hora de
almoço, percorressem a trilha. Isto gerou o seguinte problema: atualmente os
funcionários têm 1h15min de almoço e gastam 45 min entre deslocamentos e a
refeição. Os 30 min ociosos deveriam ser suficientes para eles chegarem até a trilha,
partindo dos refeitórios, percorrerem seu percurso, e retornarem aos seus postos de
trabalho. Ademais, estes funcionários utilizam calçados sociais, as mulheres utilizam
salto alto, exigindo um piso compacto e homogêneo.
O ponto mais próximo da trilha, a 800 metros em linha reta do refeitório, não
possuía nenhuma ligação com a fábrica, nem com a associação recreativa de
funcionários que é vizinha ao fragmento. Seria necessário criar um acesso para que os
funcionários pudessem alcançar a trilha, mas, apenas para caminhar neste acesso,
eles gastariam todo seu tempo disponível.
Outro problema era o acesso pelo fragmento, para que os funcionários e
suas famílias utilizassem a trilha em fins de semana, quando desfrutam dos campos
de futebol, quadras poli esportivas e quiosques com churrasqueiras presentes na
associação dos funcionários. Eram comuns incursões pelo interior do fragmento por
crianças, ou mesmo funcionários, para coletarem pinhões, criando diversas picadas e
acessos aos pinheiros, impactando seriamente a regeneração no sub-bosque.
A empresa mantém um grupo de escoteiros formado por filhos de
funcionários cujo “chefe” é um dos diretores da empresa, que nos fins de semana
utiliza o remanescente para suas atividades e acampamentos. Eles também criaram
suas picadas, a maioria às margens dos córregos existentes na área e abriram uma
clareira no centro do fragmento com 64 metros quadrados para suas reuniões.
Pela falta de acessos ao fragmento, a segurança patrimonial não realiza
patrulhas em seu interior. No processo de análise de sítio e levantamento de
oportunidades/limitantes foram encontradas armadilhas para pequenos mamíferos,
indicando a necessidade em se prover acesso para a fiscalização.
Para solucionar esses problemas, foram projetadas três trilhas interligadas
entre si, funcionando como um circuito, onde uma serviria aos funcionários, outra
serviria à educação ambiental e a terceira ligaria as estas duas. Foram denominadas
deste modo: Trilha de Educação Ambiental (EA), Trilha dos Funcionários e Trilha
Central. Todas as trilhas foram projetadas para servirem à interpretação da natureza.
A Trilha EA foi planejada pensando-se em permitir o acesso de portadores de
necessidades especiais e terceira idade, dado o cuidado com a sua declividade. As
duas novas trilhas passaram pelo mesmo processo que a primeira, cumprindo todas
as etapas de planejamento até a demarcação do traçado final.
A Trilha dos Funcionários fornece acesso desde a fábrica e associação dos
funcionários ao interior do fragmento. Foi mensurada a distância entre o refeitório e o
inicio desta trilha (400 metros) e deste local aos escritórios (470 metros). Também foi
tomado o tempo médio destes trajetos e chegou-se ao tempo real de caminhada na
trilha de 12 min, em média. Com este dado estipulou-se que o traçado de tal trilha
deveria ter no máximo 500 metros. O traçado final desta trilha conta com 6 pontos
interpretativos e 498 metros de comprimento (figura 4).

Figura 4: Croqui da Trilha dos Funcionários e seus pontos interpretativos.

Quanto ao calçado dos funcionários, será realizada uma campanha interna


para aqueles que quiserem utilizar a trilha levarem para o trabalho algum calçado para
caminhadas e utilizá-lo no horário de almoço.
A Trilha EA manteve o primeiro traçado definido com 984 metros, 9 pontos
interpretativos, uma passarela suspensa de 28 metros e atende ao Centro de
Educação Ambiental servindo às crianças, à terceira idade e à sociedade em geral.
A terceira trilha, a Central, oferece acesso ao interior do fragmento de forma
adequada, pois serve como alternativa de traçado para pessoas que querem percorrer
uma distância maior como os praticantes de Cooper, por exemplo; fornece mais
pontos interpretativos aos condutores de visitantes do CEA; e possibilita a ligação
entre as duas primeiras trilhas. Ela pode ser percorrida a partir do CEA ou da
Indústria/Associação de Funcionários. Seu comprimento é de 563 metros (figura 5).

Figura 5: Croqui da Trilha Central e seus pontos interpretativos.

As trilhas se sobrepõem em alguns trechos, e estão conectadas entre si


conforme mostra a figura 6. O comprimento total das trilhas propostas para a área do
fragmento da empresa é de 2045 metros. Estabeleceram-se as dimensões mínimas de
corredor:
• Trilha EA: 1,30 m de largura e altura de 2,5 m, e piso de 1,0 m.
• Trilha Central: 1,30 m de largura e altura de 2,5 m, e piso de 1,0 m.
• Trilha dos Funcionários: 1,50 m de largura e 2,5 m de altura e piso de 1,2 m.
Desta forma, as trilhas ocupariam 2.556,6 metros quadrados, ou 0,255
hectares. Isto representa que, aproximadamente, 0,44% da área seriam sacrificados
para a implantação das trilhas. Esse valor foi calculado considerando-se que 155
metros da Trilha dos Funcionários sobrepuseram a Trilha Central; então neste trecho
considerou-se uma largura de 1,5 m de corredor.

Figura 6: Croqui das três trilhas interligadas.


No projeto encaminhado a SMMA, indicou-se que com a implantação das
trilhas haveria alguns momentos em que seria necessária a relocação de algumas
espécies vegetais que deveriam ser transplantadas, e suas raízes expostas cobertas
com solo. As picadas existentes no fragmento deveriam ser recuperadas utilizando-se
toda a vegetação que precisasse ser removida do traçado da trilha. Nesta etapa do
trabalho, certas práticas adotadas na recuperação de áreas degradadas deveriam ser
seguidas, como a descompactação do solo nas picadas.
Após a análise do projeto e uma visita técnica na área, a SMMA emitiu um
parecer com restrições à implantação da trilha, impondo diversas alterações ao
projeto, para que fosse aprovado. Além de referências ao piso da trilha, que deveria
ser permeável (o que já estava previsto no projeto), a SMMA solicitou a substituição da
trilha suspensa por uma ponte de mesmo comprimento, exigindo também que não
houvesse nenhum trecho de trilha dentro das áreas de preservação permanente (APP)
ou da parte do remanescente reconhecido como Bosque Natural Relevante (BNR); ou
seja, praticamente impedia a construção da trilha, pois as APP e o BNR representam,
ainda que sobrepostos, 97% da área, os 3% restantes correspondem ao
reflorestamento de pinus, aceiros e estrada de acesso ao reflorestamento.
O projeto previa 4 pontes, a maior com 5 m de vão, mas o parecer da SMMA
exigia que as pontes tivessem sua cabeceira construída, a pelo menos, 30 metros das
margens, originando pontes com 60 m de vão, contrariando seu o próprio parecer que
proibia a implantação da trilha e estruturas dentro das APP.
O processo de defesa do projeto gastou um ano de trabalho, com a
elaboração de diversas justificativas e inúmeras visitas técnicas. Ao fim deste tempo, o
projeto foi licenciado da forma como foi proposto inicialmente, respeitando o traçado
original, as estruturas e suas dimensões.

A implantação
Com o projeto licenciado foi realizada uma reunião na sede da empresa para
coordenar os trabalhos de implantação. O empreiteiro que ganhou a concorrência para
a implantação da trilha estava presente. Sua proposta foi de US$ 32,559.00 (dólar
comercial, cotação usada de R$ 2,15 por dólar) para realizar o serviço em 60 dias
úteis, uma exigência da empresa. Nessa concorrência, um outro empreiteiro
apresentou uma proposta de US$ 139,534.00 para o mesmo serviço.
O trabalho foi iniciado com a determinação do ponto central da trilha no
terreno, ou seja, a marcação com estacas de onde a trilha deveria passar. Estas
estacas distavam 3 m entre si. Nesse momento enfrentou-se um novo problema: a
retirada das fitas e estacas de marcação pelos escoteiros da empresa, sendo
necessário realizar mais de uma vez esta etapa do trabalho. Concluída essa etapa,
partiu-se para a supressão e transplante da vegetação, e retirada do solo orgânico.
O acompanhamento do trabalho nessa etapa gastou, pelo menos, dezesseis
horas semanais, quando as dúvidas sobre o projeto eram sanadas com o empreiteiro
e seus funcionários orientados quanto ao serviço.
A técnica responsável pelo setor de meio ambiente da empresa e o
empreiteiro, nesta fase do trabalho fizeram alterações no projeto original das trilhas.
Durante uma reunião, os técnicos responsáveis pelo planejamento e licenciamento
das trilhas tomaram ciência deste fato, que descaracterizou o projeto original, e
mesmo com os questionamentos e tentativas de mantê-lo como foi licenciado pela
SMMA, não houve acordo. Ambos insistiram em manter as alterações, pois alegaram
que a trilha era da empresa, era sua contribuição ao trabalho, e já haviam comprado
todo o material que acharam necessário para atender às tais mudanças. Foi solicitado
por escrito, que a técnica de meio ambiente da empresa enviasse por conta própria,
um adendo ao projeto inicialmente aprovado à SMMA, solicitando essas mudanças. As
alterações foram:
• Material do piso: o material original era saibro, que oferecia uma boa
compactação, é permeável, barato e fácil de conseguir. Na alteração, utilizou-se o
saibro para criar uma base de 0,10 m de espessura em toda a trilha e em seguida
foi colocado um piso de pedra brita moída. Esse material é caro, de difícil
obtenção, sua compactação é muito lenta; na chuva é facilmente erodido e está
sendo carreado para o interior do fragmento, e como apresenta a cor característica
da pedra brita, ao espalhar-se pela área ao redor da trilha, cria um efeito azulado
no terreno;
• Meio-fio: optaram por instalar um meio-fio ao longo de toda a trilha para torná-la
mais “bonita”, demarcá-la e “evitar que a serrapilheira invadisse a trilha e a
sujasse”. Mesmo com toda a explicação sobre a drenagem de água, pontos críticos
e a não necessidade deste meio-fio, ele foi mantido;
• Aumento da largura das Trilhas Central e Trilha EA: em virtude da implantação
do meio-fio, foi necessário, segundo eles, padronizar a largura do piso. Para isso
ocorrer, utilizaram a largura da Trilha dos Funcionários. Mesmo demonstrando que,
ao invés de 0,44% da área a ser sacrificada, esta agora representaria 0,68% do
total do fragmento, eles mantiveram a largura maior;
• Implantação de três novos acessos às trilhas: estes três novos acessos foram
implantados na área em locais sem licenciamento da SMMA. Esses acessos foram
realizados pelo empreiteiro sem o planejamento adequado, a pedido da técnica da
empresa. Não seguem os limites máximos de inclinação propostos para a Trilha de
EA de 5%, e para as Trilhas Central e dos Funcionários de 15%. A inclinação
média nesses acessos foi de 21%, com a máxima de 38%;
• Pontos interpretativos: foi sugerida a instalação de até 18 pontos interpretativos
fixos no total para as três trilhas, mas a técnica responsável resolveu instalar
sinalização (painéis ou placas) em pelo menos 40 pontos.
Apesar de todas as orientações técnicas contrárias, as alterações foram
executadas. Nesse momento, iniciou-se um trabalho de mitigação dos efeitos
causados pelas alterações visando aumentar a vida útil da trilha e reduzir os impactos
no bosque.
O piso e o meio-fio foram as alterações mais preocupantes, pois material
escolhido é de difícil compactação e inadequado para as trilhas deste trabalho. Meio-
fio nunca deve ser utilizado em uma trilha. As figuras de 7 a 10 mostram a implantação
do piso e colocação do meio-fio no início da Trilha EA.

Figura 7: Início da demarcação no Figura 8: Trilha com piso indicado no


terreno e retirada da vegetação e solo projeto original.
orgânico.

Figura 9: Trilha com meio-fio e pó-de- Figura 10: Trilha no interior do


brita (contrariando o projeto original). fragmento, criando um canal para a
água que começa a carrear o piso.
Para minimizarem os problemas do piso, foi elevada a base de saibro por baixo
do pó-de-brita e rebaixado o meio-fio até o nível do terreno. Isso causou um grande re-
trabalho na sua implantação. Além disso, foram dispostos mais desvios de água do
que inicialmente indicado.
Outras alterações: como o piso das trilhas foi ampliado a 1,5 m, para se
evitarem mais impactos estabeleceu-se que o corredor teria 1,5 m de largura,
coincidindo com o piso; sacrificando, desta forma, 0,5% da área, ao invés de 0,68%.
Os acessos novos e os inúmeros painéis foram mantidos inicialmente, mas essa
alteração depende do parecer favorável da SMMA. Quanto à “sujeira” causada pelas
folhas secas e/ou serrapilheira, observadas na figura 10, a responsável pela área de
meio ambiente da empresa criou um novo posto de trabalho, contratando um
funcionário para “varrer a trilha diariamente” e deixá-la “bonita”.
Outro problema na implantação foi a recusa por parte do empreiteiro em
implantar todos os desvios de água que estavam previstos. Segundo ele, os desvios
não eram necessários. Essa recusa causou outro impasse na implantação, mas foi
contornado, quando foi demonstrado que a trilha estava sendo muito erodida pela
chuva.

Custos
O projeto original estimou os custos das três trilhas a serem implantadas no
fragmento em um valor mínimo de US$ 16,000.00 e um valor máximo de US$
20,000.00. Em virtude das modificações incluídas no projeto e do re-trabalho na
implantação, os custos superaram, e em muito, esses valores.
Inicialmente, o custo de construção estimado das trilhas, por metro quadrado,
era um valor entre US$ 6.00 a US$ 8.00. O custo real, de acordo com o projeto
original, considerando-se os custos listados durante a construção, seria de
aproximadamente, US$ 6.50 o metro quadrado. Com as modificações, esse custo
passou para quase US$ 14.80 o metro quadrado.
Se a implantação tivesse seguido o projeto original, teria custado cerca de
US$ 18,500.00. A fuga do planejamento encareceu o projeto em 127% para os cofres
da empresa. O empreiteiro gastou aproximadamente, US$ 31,000.00, e seu lucro foi
severamente reduzido.
Na tabela 1, estão listados todos os custos envolvidos na construção. Estes
custos foram levantados durante a implantação, em anotações pessoais e também
através de valores fornecidos pela empresa proprietária das trilhas e pelo empreiteiro.
Tabela 01: Custos de Planejamento e Implantação
Planejam ento Descrição do custo US$ R$ % da obra
Processo de licenciam ento 1 processo 409 891,62 0,99
Taxa de licenciam ento 1 licença 37 80,66 0,09
Projeto da trilha 1 projeto 1734 3780,12 4,2
Interpretação Am biental da Trilha 1 projeto 765 1667,70 1,85
Visitas de planejam ento 10 visitas 94 204,92 0,23
Program ação visual 1 projeto 1396 3043,28 3,38
Texto para placas e painéis 40 textos 1163 2535,34 2,82
Sub-total planejam ento 5598 12203,64 13,56

Im plantação Descrição do custo US$ R$ % da obra


Estacas 700 estacas 162 350,00 0,39
Saibro 426 m cúbicos 2176 4678,40 5,2
Pó-de-brita 567 m cúbicos 4932 10603,80 11,8
Meio-fio 4730 unidades 10120 21758,00 24,2
Preparação de traçado 352 hom ens/hora 938 2016,70 2,24
Im plantação de m eio-fio 1056 hom ens/hora 2814 6050,10 6,73
Im plantação de base 1152 hom ens/hora 3069 6598,35 7,34
Im plantação de piso de pó-de-brita 1104 hom ens/hora 2941 6323,15 7,03
Im plantação de estruturas de desvio de água 312 hom ens/hora 832 1788,80 1,99
Locação de com pactador 5 diárias 168 361,20 0,4
Fretes - 828 1780,20 1,98
Pontes e passarelas 47 m etros lineares 2012 4325,80 4,81
Painéis e placas 8 painés e 32 placas 4287 9217,05 10,26
Acom panham ento técnico - 867 1864,05 2,07
Sub-total im plantação 36146 77715,60 86,44

Total de custos da trilha 41744 89919,24 100,00

Conclusões
O projeto de uma trilha deve ser extremamente bem fundamentado e amarrado
ao licenciamento pelo órgão responsável, e sua execução deve garantir que o projeto
seja cumprido com poucos ajustes, sem a sua descaracterização.
Decisões de leigos na implantação de uma trilha, além de colocar em risco o
projeto e o local onde ele está inserido, comprometem a reputação do profissional
responsável pelo planejamento, pois a trilha, mesmo não atendendo as especificações
técnicas propostas mantém a assinatura do técnico responsável. Num campo de
atuação tão restrito como este, o dano à imagem do profissional pode ser grande e
irreversível.
A decisão em não abandonar o projeto no momento em que as modificações
foram implantadas deveu-se à necessidade de mitigar os impactos que as trilhas
causariam no fragmento. No futuro, os programas de monitoramento e de manutenção
das trilhas indicarão se as mitigações ampliaram a vida útil da trilha e diminuíram os
impactos que seriam causados na área.

Bibliografia Citada
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