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O V E R D E L H O

E N T R E O S A Ç O R E S E A R Ú S S I A

O vinho é talvez o único produto que tem partilhado as mesmas rotas da guerra,
do comércio e da religião durante séculos sem se alterar. E tal como a dilatação dos
grandes impérios, a Expansão e os Descobrimentos portugueses, alargando a visão do
mundo até às fronteiras do possível, fez chegar o vinho europeu mediterrânico da costa
atlântica tão longe quanto as caravelas puderam ir.

Seguindo a tradição mediterrânica mitificada pelos Micénicos, Cretenses e


Gregos, os Portugueses herdaram e assumiram a diáspora de um mar fechado
(Mediterrâneo) alargando-a; sonharam o Atlântico como os gregos e romanos, mas
dilataram-se muito mais na aventura e na descoberta. Nesta mesma proeza oceânica, os
helénicos e os itálicos deixaram a sua marca indelével nos portos onde comerciaram e
aí, além de uma cultura material evidente pela arqueologia, através de edifícios e de
objectos de um quotidiano religioso e social, deixaram as famosas anphŏrae tão
cobiçadas por quem amava o vinho e o azeite.

O néctar dos deuses espalhou-se por todo o mediterrâneo e transbordou além das
Colunas de Hércules. Assim, c. de 2.000 a.C. terá sido cultivada em Tartessos
(Andaluzia) e igualmente entre o Tejo e o Sado; seguindo o movimento natural dos
povos e suas migrações, os Fenícios (séc. X a.C.), os Gregos (séc. VII a.C.) e os Celtas
(séc. VI a.C.) difundiram a cultura da vinha na Península Ibérica, donde mais tarde os
romanos a importaram. Durante a expansão do Império Romano a cultura do vinho era
já muito diversificada em toda a Europa (mediterrânica), que o comércio e as vias
imperiais faziam escoar pelos quatro cantos do mundo. Com a queda de Roma, os
Suevos e os Visigodos herdaram as mesmas rotas comerciais e o vinho, incluindo-o
largamente nos rituais cristãos e acompanhando a sua expansão entre os séculos VI e
VII.

Com as invasões árabes na Península Ibérica, e dada a proibição religiosa imposta


pelo Corão para o consumo do vinho e outras bebidas fermentadas, a cultura da vinha
decresceu consideravelmente, principalmente durante os períodos Almorávida e
Almóada (séculos XI-XII). Porém, e dadas as características culturais do al-Andalus
(Algarve e Andaluzia), o cultivo da vinha continuou, produzido em quantidades
reduzidas, mas com qualidade suficiente para assegurar a diversidade de oferta no
comércio do Mediterrâneo.

A reconquista cristã veio trazer de novo a produção do vinho a um nível de


excelência, e nos séculos XII e XIII representou o primeiro produto exportado mais
importante. O vinho português começou a ser conhecido em quase toda a Europa, e
desde a fundação de Portugal passou a ter a marca da nacionalidade, acompanhando
todo o seu percurso de evolução económica, social e climática, e atingindo um
crescendo produtivo no séc. XIV. Porém, nem sempre o clima continental ofereceu as
melhores condições para a produção agrícola, com uma incidência muito especial para a
vinicultura. Os cereais como as vinhas são sensíveis às variações climáticas, e
ressentem-se enormemente com temperaturas muito elevadas assim como com
temperaturas muito baixas.

A grande expansão da vinha, consequente produção e exportação do vinho para a


Europa e bacia mediterrânea, correspondeu a um momento climático conhecido por
Período Quente Medieval, durante o qual ouve abundância em quase toda a Europa.
Após este ciclo quente deu-se um arrefecimento generalizado conhecido por Pequena
Era Glacial, que se estendeu desde o final da idade Média até inícios do século XVIII.
Durante este longo período na história da Europa e de todo o hemisfério norte, a
produção cerealífera e vinícola foi profundamente afectada, e Portugal assistiu a anos
consecutivos de surtos de peste, fomes e outras calamidades (secas, tempestades, cheias,
geadas e granizo). A França, a Alemanha, a Itália e principalmente os países do norte da
Europa sofreram dramaticamente durante a Pequena Era Glacial e quando começou a
faltar o cereal em Portugal, a França e a Alemanha passaram a ser, por pouco tempo, o
celeiro mais perto. Em consequência da descida brusca de temperatura, durante os
invernos de 1407-1408 e de 1422-1423 o Báltico congelou, permitindo a travessia de
pessoas com a passagem de lobos da Noruega para a Dinamarca; a Groenlândia ficou
completamente inacessível por causa do gelo durante 310 anos e os canais da Holanda
congelaram; os glaciares dos Alpes avançaram consideravelmente e todo o mar à volta
da Islândia ficou gelado impedindo o seu acesso em 1695; os esquimós do Ártico
caçaram repetidas vezes junto das ilhas Orkney no norte da Escócia entre 1690 e 1728;
as grandes tempestades de 1421, 1446 e de 1570 devastaram a Europa; ventos fortes
chegaram a matar mais de 100.000 pessoas, como resultado das vagas que varreram as
costas no Mar do Norte. Em Inglaterra uma epidemia matou em 1550 um terço da
população rural; a mortalidade provocada pelas tempestades do séc. XVI atingiu
400.000 pessoas.

O descobrimento das ilhas atlânticas e a temperatura amena ofereceu uma nova


oportunidade ao continente, acalentando as esperanças de uma recuperação agrícola.
Cedo porém se percebeu que qualquer produção cerealífera seria sempre insuficiente
para alimentar o continente, mas para a produção vinícola os resultados iriam tornar-se
promissores. A partir do século XV, com o povoamento da Madeira e dos Açores, a
vinha é aqui introduzida,

O vinho, de uma forma geral, consubstanciou-se no imaginário dos povos pela


mitificação da espiritualidade, e de uma forma particular, o vinho português ficou
intrinsecamente ligado às Descobertas e à Expansão. De uma certa forma representou
para aqueles que o importaram o mesmo que as especiarias, e embora todos os países
europeus da orla mediterrânica o tenham produzido, foi o vinho português que primeiro
chegou além-mar, no Marrocos e em África, no Brasil e no Oriente.

No caso tão único que é o vinho Verdelho, a sua produção é o reflexo directo da
primeira fase da expansão portuguesa atlântica. Nela participaram não só Portugueses
(na sua maioria), como alguns Italianos e Flamengos que, ficando ao serviço do rei de
Portugal, se enfileiraram nas primeiras vagas migratórias para as ilhas atlânticas,
levando consigo hábitos e técnicas.
CARTA

COM DATA DE 16 DE JUNHO DE 1814


EMITIDA DO PALÁCIO DO RIO DE JANEIRO
PELO MARQUEZ DE AGUIAR

Instruçoens para a Negociação do Novo Tratado de Amizade, Navegação, e Commercio


entre Portugal e a Rússia.
Ilmº. Exmº. Sr. O Príncipe Regente meu Senhor tem os mais vivos
desejos de promover o Commercio entre os seus Estados, e o
Imperador da Rússia; porque a experiência tem mostrado o quanto
elle he vantajoso. Tendo expiado o prazo do Tratado de 1798,
assignou-se em Petersburgo na data de 29 de Maio [a] 7 de Junho de
1812, uma Convenção entre os dous Soberanos, em que se proróga a
validade do repetido Tratado por mais trez annos, afim de se
negociar entretanto um Tratado definitivo.
A Negociação que se vai emprender pode dividirse
em duas partes: a primeira consiste nas alterações, que os dous
Gabinetes julgarem precizas ao Tratado de 1798: a segunda nas
addiçoens, que se devem estipular com muito interesse, por ocasião
de haver S. A. R. Abolido o sistema exclusivo de Commercio, que
existia entre o Portugal e as suas Colónias, athé o tempo da Sua
chegada ao Brasil. Tanto na primeira, como na segunda parte he
precizo evitar, no que for possível, implicâncias com o Tratado de
Commercio entre Portugal, e a Grande Bretanha, sem com tudo
perdermos a vantagem da ampliação das nossas relações
commerciais com a Rússia.
[...]
O Artigo 6. que determina os Direitos de Entrada
que o Sal, e vinhos de Portugal devem pagar nas Alfandegas da
Rússia, parece não ter que alterar-se, excepto se S: M. I. quizer
ampliar mais em quantidade a importação do Sal com o mesmo
favor. No caso de se ter posto em execução, e de haver prosperado o
projecto da pescaria no Mar Glacial, he provável que seja preferido
o Sal de Setúbal, como he nas pescarias de Gottemburgo, e em todas
ou outras do Mar Germânico. [...]
TRATADO
de
AMIZADE, NAVEGAÇÃO, E COMMERCIO
RENOVAÇÃO ENTRE
PORTUGAL
EA
RUSSIA,
E ASSINADO EM PETESBOURGO
AOS 16/27 DE DEZEMBRO DE 1798

Nós Dona Maria, por graça de Deos Rainha de Portugal, e dos Algarves, d’aquém, e
d’além mar, em Africa Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio da
Ethiopia, Arábia, Pérsia, e da Índia, &c. Fazemos saber a todos os que a presente Carta
de Renovação, Confirmação, Approvação, e Ratificação virem: Que em 16/27 de
Dezembro do anno de mil setecentos noventa e oito próximo precedente se concluiu, e
assinou em São Petesbourgo a renovação do Tratado de Amizade, de Navegação, e de
Commercio de 9/20 de Dezembro do anno de mil setecentos oitenta e sete entre Nós, e o
Sereníssimo, e potentíssimo Senhor Paulo I. Imperador 1 , e Autocrator de Todas as
Russias, Irmão Nosso Caríssimo; sendo Plenipotenciários para esse effeito da Nossa
parte, Francisco José de Horta Machado 2 , do Nosso Conselho, Nosso Ministro
Plenipotenciário junto a Sua Magestade Imperial de Todas as Russias, e Comendador da
Ordem de Christo; e por parte de Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias,
Alexandre Príncipe de Bezborodko 3 , Chanceller, Conselheiro Privado actual, Senador,
Director Geral das Portas, e Cavalleiro das Ordens de Santo André, de Santo Alexandre
Newsky, e de Santa Anna, e Grão Cruz das de São João de Jerusalém, e de São
Vladimir da Primeira Classe; Victor de Kotschoubey, Vice-Chanceller, Conselheiro
privado actural, Camarista actual, Cavalleiro da Ordem de S. Alexandre Newsky, e
Grão Cruz da de São Vladimir da segunda Classe, Theodoro de Rostopsin, Comselheiro
privado actual, Membro do Collegio dos Negócios Estrangeiros, Cavalleiro da Ordem
de São Alexandre Newsky, e da de Santa Anna da primeira Classe; e Pedro de
Soimonoff, Conselheiro privado actual, Senador, Presidente do Collegio do Commercio,
Cavalleiro das Ordens de São Alexandre Newsky, e de Santa Anna da primeira Classe, e
Grão Cruz da de São Vladimir da segunda Classe; da qual renovação do Tratado o theor
he o seguinte:

Em Nome da Santíssima, e Indivisível Trindade.

(...)

A R T I G O V I .

Os Vassallos Commerciantes das duas Altas Potencias Contratantes pagarão pelas


suas mercadorias nos Estados respectivos, os direitos d’Alfandega, e os mais
determinados pelas Pautas, e Ordenações actualmente em vigor, ou que para o futuro
existirem; e quanto á fórma do pagamento dos direitos de entrada na Rússia,
conformar-se-ão os Vassallos Portuguezes com o que se pratica, ou se praticar pelo
1
Paulo I da Rússia (1754-1801), filho de Catarina a Grande.
2
Foi o primeiro embaixador português na Rússia e em 1813 Guarda-Mor da Torre do Tombo.
3
AlexandreAndreyevich Bezborodko (1747-1799), Grande Chanceler da Rússia e arquitecto chefe de
Catarian a Grande.
tempo adiante com os próprios Vassallos Russianos. A fim porém de animar cada vez
mais o Commercio das duas Nações, de huma, e de outra parte se conveio em conceder-
lhes as vantagens seguintes.
Iº. Da parte da Rússia: Que todos os Vinhos da produção de Portugal, das Ilhas da
Madeira, e dos Açores, introduzidos na Rússia em Embarcações Portuguezas, ou
Russianas, por conta dos Vassallos Portuguezes, ou Russianos, não pagaráõ de direito
de entrada mais do que quatro Rublos, e cinquenta Copeicas, por cada barrica, ou oxhoft
de seis ancoras, ou duzentas e quarenta botelhas; mas huns, e outros não poderão gozar
desta vantagem, sem apresentar Certidões do Cônsul da Rússia, e em sua falta da
Alfandega, ou do Magistrado do lugar, donde os ditos Vinhos houverem sido expedidos,
e pelas quaes conste que são verdadeiramente da produção das terras assima
mencionadas, e por conta dos Vassallos Portuguezes ou Russianos.
Quanto aos sobreditos vinhos, que forem introduzidos na Rússia em Navios de
outras Nações, observar-se-há o que a Pauta Geral do mez de Outubro do anno de 1797
a este respeito determina.
2º. Sua Magestade o Imperador de Todas as Russias Consente que os Navios
Portuguezes possão transportar cada anno a todos os pórtos dos seus Domínios, em que
a entrada do Sal Estrangeiro he permittida, seis mil lastes de Sal de Portugal 4 , em
quanto durar o presente Tratado, não pagando por este género mais do que ametade dos
direitos da Alfandega, e os mais determinados pelas Pautas que existem, ou que para o
futuro existirem nos ditos portos. Todavia, não gozarão os Navios Portuguezes desta
vantagem senão com condição de apresentar Certidões passadas em devida fórma, que
provem que o dito Sal he verdadeiramente da produção de Portugal, que do mesmo
Reino foi transportado directamente em Navios Portuguezes, e por conta dos Vassallos
Portuguezes, ou Russianos.

4
Oriundo de Setúbal, com consta na carta autografa do Marquez de Aguiar emitida do Rio de Janeiro a
16 de Junho de 1814, fl. 4.
TRATADO
ENTRE
PORTUGAL
EA
RUSSIA
O Tratado de Amizade, Navegação e Commercio concluído entre Petesburgo a
26(27) de Dezembro de 1798 entre as Cortes de Portugal, e da Rússia, estando perto de
seu termo, as duas altas partes contractantes tem convencionado proroga-lo até 5(17) de
Junho de 1815, e recuperarem-se imediatamente nas estipulações de hum novo Tratado,
que fexe de hum modo permanente, e consolide as relações directas do Commercio
entre os seus Vassallos, Possessões, e Estados respectivos sobre as novas bazes
indicadas pelos interesses das duas potencias, e pelas mudanças praticadas no systema
comercial das Colónias Portuguesas.
Em consequência, S. A. R. O Príncipe Regente de Portugal, e S. M. o Imperador
de todas as Russias se obrigão, e promettem reciprocamente executar, observar, e
cumprir em todos os pontos as estipulações dos Tratados de Commercio de 16(27) de
Desembro de 1798, como se ellas aqui fossem insertas palavra por palavra, á excepção
da seguinte mudança feita no artigo 6º do dito tratado.
Visto o augmento de direitos estabelecido pela ultima pauta sobre os vinhos
importados na Rússia, foi convencionado, segundo a proporção dos que erão fixados
pela pauta precedente, que os vinhos da produção de Portugal, das Ilhas da Madeira, e
Açores, que em virtude do artigo 6º do dito tratado não pagavão senão 4 rublos, e 50
copechs de direito de entrada por barrica ou orhofft de seis ancoras, pagarião 20 rublos
por barrica, ou orhoff em quanto durar a presente convenção, mas se antes do seu termo
o direito d’entrada sobre os vinhos viesse a ser modificado a favor de hua Nação,
qualquer que fosse, ou de Portugal, Madeira, e Açores 5 gozarão desta vantagem na
proporção de ¾ de menos, conforme as disposições do artigo 6º do Tratado de
Commercio, e ás acima mençionadas, bem entendido que os ditos Vinhos so poderão ter
direito a huma tal beneficação sendo importados em Navios Portuguezes, ou Russianos,
e comservado a sua origem, e propriedade pelos attestados, que exige o sobredito artigo
do mesmo Tratado.
Esta Convenção subrestirá, e será obrigatoria durante o termo acima fixado, e o
presente acto terá seu effeito desde a data da sua assignatura: os abaixo assinados
prometendo, e garantindo em nome dos seus respectivos Soberanos a enteira, e plena
execução de tudo o que aqui he estipulado.
Em fé do que nos abaixo assgnados, para isto devidamente authorizados, temos
assignado a presente Declaração, e a faremos sellar com o sello das nossas Armas.
Feita em St. Petesburgo á 29 de Maio (20 de Junho) de 1812.
João Paulo Bezerra
Assignados = Dimetry de Gourioff = O Conde Alex. Sottykoff.

5
Trata-se aqui do vinho verdelho.
IMAGENS

D. Maria I

Paulo I da Rússia (1754-1801), filho de Catarina a Grande.


AlexandreAndreyevich Bezborodko (1747-1799).
Grande Chanceler da Rússia e arquitecto chefe de Catarian a Grande.
BIBLIOGRAFIA

Tratado de Amizade, Navegação, e Commercio Renovado entre Portugal e a Rússia, e


assinado em Petesbourgo aos 16/27 de Dezembro de 1798, Lisboa, Regia Officina
Typografica, 1800. [In Colecção Trigioso – Legislação, (vol. 28, 1798-1800),
Academia das Ciências de Lisboa].

GIRALDES, Coronel Pedro Cardozo Casado


Resumo dos Tratados de Paz, Alliança e Commercio com Diversos Soberanos da
Europa, Extraídos dos Periódicos desde 1792, in Manuscritos (série azul), nº
146, vol. A (vol. II, pp. 44-45), Academia das Ciências de Lisboa.

LAMB, H.
― Climate: Present, past, and future, Bd. 1., London, Methuen, 1972, pp. 186,
456.
― Climate, Change and the Modern World, 2nd ed., Routledge, London, New
York, 1995.

MARQUES, A. H. Oliveira
Introdução à história da agricultura em Portugal (A questão cerealífera durante
a Idade Média), pp. 257-280.

SANTAREM, Visconde
Quadro Elementar. Secção XXV. Portugal, a Turquia e a Rússia (1456-1816), in
Manuscritos, nº 1552, Academia das Ciências de Lisboa.

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