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Trabalho Realizado por:

Mário Matos, nº 18672


Manuel Bogalheiro, nº 1904
Índice

I . Introdução pág.03
II . Teoria crítica da Escola de Frankfurt pág.04
Indústria cultural como sistema pág.05
O indivíduo na era da indústria cultural pág.06
A qualidade dos produtos culturais pág.07
Romances populares pág.08

Música ligeira pág.08

Filme pág.08

Novelas (televisão) pág.08

Os efeitos dos mass media pág.09


Os géneros pág.09
O expoente de Habermas pág.10
Características fundamentais da Teoria Crítica pág.11
Teoria de inspiração marxista pág.11

Estudo da sociedade industrializada pág.11

Passagem do paradigma da qualidade para o da quantidade pág.11

Manipulação ideológica pág.11

III . Aspectos positivos da Teoria Crítica pág.12


IV . Aspectos negativos da Teoria Crítica pág.15
Bibliografia pág.19

pág. 2
I. Introdução

Apesar de ser um chavão moderno, é irrefutável que vivemos no mundo do


espectáculo. O entretenimento e os conteúdos desempenham na sociedade de massas,
um lugar tão importante como o da informação. A própria informação cede cada vez
mais ao entretenimento. Relativamente a este tema, a Escola de Frankfurt, com a sua
teoria crítica, foi o primeiro grande movimento teórico a reflectir na produção em massa
de conteúdos culturais e produtos artísticos e de entretenimento.

O impacto da Teoria Crítica do Instituto de Pesquisa Social da Escola de


Frankfurt extrapolou o seu domínio, inicialmente algo restrito de especulação filosófica
e social, e estendeu-se a áreas como a sociologia, os denominados cultural studies, as
ciências políticas, os estudos sobre a ideologia e a comunicação. Todavia, enquanto
sistema de posições radicais, a Teoria Crítica suscitou desde o seu início manifestações
de contestação e aprovação. Neste aspecto, seria uma via de reflexão, equacionar os
vários argumentos, positivos ou negativos, que até aos dias de hoje foram motivados
pelas teses da escola de Frankfurt avaliando a validade de tais críticas.

No entanto, para o efeito do nosso trabalho, interessa-nos rever a Teoria Crítica à


luz do presente de modo a retirar conclusões sobre a sua actualidade e sobre os seus
aspectos teóricos que o tempo e a realidade revelaram como equívocos (ideológicos e
históricos), o que para este propósito não podemos ignorar algumas das discussões
passadas em torno desta teoria.

Assim, dividimos o nosso trabalho em duas partes. A primeira trata-se de


recuperar as linhas básicas da Escola de Frankfurt. Numa segunda parte, procede-se à
avaliação crítica, à luz do presente, das teorias frankfurtianas, que simultaneamente
funcionará como conclusão deste trabalho.

pág. 3
II. Teoria crítica da Escola de Frankfurt

A teoria crítica identifica-se com um grupo de investigadores que frequentou o


Institut für Sozialforschung (Instituto de Pesquisa Social), em Frankfurt. Fundado em
1923, tornou-se um importante centro de produção de conhecimento, sobretudo nas
ciências sociais e humanas.
Com a emergência dos fascismos, os seus principais representantes emigraram
para França e EUA. O instituto foi reaberto em 1950, fiel aos seus objectivos de tentar
criar abordagens críticas no confronto ciência/cultura, propondo uma reorganização
racional e política da sociedade, como forma de superar a crise da razão.
A identidade central da teoria crítica centra-se em dois pontos: por um lado a
análise dos fenómenos que investiga, por outro, na atribuição desses fenómenos às
forças causadoras destes. Estes pontos pressupõem entender a sociedade como um todo,
surgindo aqui a dificuldade da sectorização da sociedade, especializadas em diferentes
campos de competência.
Desta forma de procederem, as disciplinas desviam-se da percepção da sociedade
como um todo, acabando por desempenhar uma função de manutenção da ordem social
existente. A teoria crítica pretende exactamente o oposto, evitar a função ideológica das
ciências e das disciplinas sectoridas.
O ponto de partida da teoria crítica é a análise do sistema da economia de
mercado. Este advém da denúncia da separação e oposição do indivíduo em relação à
sociedade, como resultante da divisão histórica de classes. Neste âmbito, pode ser
descrita como uma teoria que leva os agentes sociais a questionar o que se tem como
garantido, promovendo o desenvolvimento de uma sociedade livre que recusa a
ideologia ilusória veiculadas pelos veículos condutores utilizados pelos órgãos da
indústria cultural, como os media.
A originalidade dos autores1 da escola de Frankfurt em encarar novas temáticas
com realidades sociais da época como o autoritarismo, indústria cultural e mutabilidade
constante das sociedades altamente industrial. Como diz Rusconi, “a teoria crítica
pretende penetrar no sentido dos fenómenos estruturais e primários da sociedade
contemporânea, o capitalismo e a industrialização”.

1
Pertenceram ao instituto autores como Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas

pág. 4
A teoria crítica propõe-se, assim, a concretizar o que escapa à sociologia, uma
teoria da sociedade que implique uma avaliação crítica da própria construção científica.2
Neste sentido os autores propõem a experimentação contínua dos pressupostos teóricos
criados, numa tentativa de provar o negar a veracidade dos mesmos.

Indústria cultural como sistema

Este termo “indústria cultural” foi pela primeira vez utilizado por Adorno e
Horkheimer no livro “Dialética e Iluminismo” publicado em 1947 e veio substituir o
conceito de “cultura de massas”, uma cultura que nasce instintivamente nas massas. O
significado lato de “indústria cultural” é totalmente distinto do de “cultura de massas”.
O sistema da indústria cultural é constituído pelos “filmes, rádio e imprensa”3. A
justificação deste sistema que é tecnológico, baseia-se no facto de o mercado de massas
impor estandardização e organização, gostos do público e as suas necessidades que
exigem patamares baixos e estereotipados de qualidade que obedecem e são fruto do
surgimento das indústrias de entretenimento que emergiram na Europa e Estados
Unidos da América nos finais do século XIX.
A estratificação dos produtos culturais, por qualidade técnica ou interesse adequa-
se ao sistema produtivo, oferece-se produtos em quantidade, mas de baixa qualidade,
não havendo nada de novo, mas uma representação, de contornos diferentes, de algo que
no fundo é sempre igual. Multiplicam-se os produtos culturais, mantendo-se
invariavelmente a essência. Neste sistema cultural, o processo é uniforme e raramente
mutável, existindo uma aproximação dos formatos, de modo a completarem-se e
rentabilizarem-se comercialmente de forma mútua. Desde o elemento mais básico,
como o argumento de um filme, até ao resultado final, como na cadeia de montagem de
Taylor, em que tudo se produz automática e sequencialmente.
Este modelo condiciona de forma clara todo processo de consumo, qualidade do
produto e autonomia do consumidor. No fundo, o aparelho da indústria cultural
determina o consumo e exclui tudo o que é inédito e possa acarretar riscos, preferindo a
eficácia dos seus produtos.

2
“Os fins específicos da teoria crítica são a organização de um vida em que o destino dos indivíduos seja dependente
não já do acaso e da cega necessidade de incontrolados laços económicos, mas da realização programada as
possibilidades humanas”, Marcuse, 1936
3
Adorno e Horkheimer, 1930, citado em “Teorias da Comunicação”, Mauro Wolf

pág. 5
A obra de arte foi mercantilizada pela indústria cultural. Perdeu o seu carácter
único de autonomia e “priva os seres humanos, de maneira enganosa, precisamente
daquela libertação do princípio de utilidade que deveria inaugurar. A sua contemplação
e gozo são substituídos pela troca de uma mercadoria que é valorizada, primariamente,
pelo seu valor de troca e não pelo seu carácter estético intrínseco”4.

O indivíduo na era da indústria cultural

O indivíduo deixa de ter autonomia de decisão, a capacidade crítica é a solução


para o conflito entre a consciência e o impulso (a prisão a que cada pessoa está sujeita
na sociedade de consumo de hoje).
A sociedade manipula o homem a seu bel-prazer. Existe um consumidor com
pouca capacidade de decisão, um indivíduo que não é sujeito mas objecto da indústria
cultural, ao contrário do que esta faz crer. Este controlo é de tal forma elevado que a
própria ocupação dos tempos livres se encontra controlada por determinadas pressões e,
apesar de o indivíduo pensar que se encontra longe dos “rígidos mecanismos
produtivos, na realidade, os rígidos mecanismos produtivos”5 estão aplicados, de forma
sub-reptícia na maneira como cada elemento da sociedade de consumo preenche o seu
tempo livre. À medida que a indústria cultural consolida e solidifica a sua posição,
maior é o poder que exerce sobre as necessidades do consumidor, guiando-o e
controlando-o não deixando margem de manobra para escolhas pessoais. “Divertir-se
significa estar de acordo (…), significa sempre não dever pensar”.6
Ao contrário das formas ideológicas anteriores, o carácter ideológico da indústria
cultural na ausência de independência da realidade social. Os seus produtos são criados
com a finalidade de reflectirem essa realidade e recebidos pelos consumidores
“induzindo as pessoas a identificarem-se com as normas sociais existentes e a
continuarem a ser o que já são”7.

4
John B. Thompson, “Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa”
2ª Edição, Editora Vozes, 1998
5
“Embora os indivíduos acreditem que os seus tempos livres se subtraem aos rígidos mecanismos produtivos, na
realidade, a mecanização determina tão integralmente o fabrico dos produtos de divertimento que aquilo que se
consome é apenas uma cópia e reprodução do próprio processo de trabalho”, in Wolf, Mauro; Teorias da
comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
6
Horkheimer – Adorno, 1947
7
Ibidem ‘5

pág. 6
O controlo psicológico emerge nas sociedades, verifica-se um desaparecimento da
individualidade, substituída pela “pseudo-individualidade”8, o indivíduo está veiculado
a uma identidade construída no seio da sociedade e limitada pela indústria cultural. A
forma estandardizada, repetitiva e homogénea dos produtos criados por esta indústria
para o consumo, faz da cultura moderna de massas “um meio de controlo psicológico
inaudito”9. Actualmente a indústria cultural é uma estrutura social em crescente estado
de hierarquização e autoritária que transforma a mensagem de obediência irreflectida
em valor dominante.
Na invariável superioridade da sociedade, enquanto conjunto, face ao indivíduo
alienado, este “não passa de um fantoche manipulado pelas normas sociais”10. A
individualidade do consumidor altera-se. A influência da indústria cultural, em todas as
manifestações, transforma o sujeito num “prisioneiro que cede à tortura e acaba por
confessar seja o que for, mesmo aquilo que não fez” 11. Vejamos o exemplo do ouvinte
de música ligeira ou popular: devido às pressões exercidas pela estrutura social, cria-se
uma vontade de desistir, de acabar com a resistência tal o peso que tem sobre si, a
“unidade do indivíduo começa a desmoronar-se”12

A qualidade dos produtos culturais

Os produtos da indústria cultural neutralizam, tornam inúteis a imaginação e


espontaneidade dado o seu grau de objectividade, criado para “impedir a actividade
mental do espectador”13.
Individualmente, cada produto, construído para o consumo desenfreado e
descontraído, “reflecte o modelo de mecanismo que domina o tempo do trabalho e o
tempo do lazer”14 e favorece a “lógica da dominação, […] que não é efeito mas próprio
de toda a indústria cultural e do papel que desempenha nas sociedades actuais”.15 Como
afirmam Horkheimer e Adorno, “qualquer conexão lógica que exija perspicácia
intelectual é escrupulosamente evitada”.

8
Wolf, Mauro; Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
9
Ibidem ‘7
10
Ibidem
11
Ibidem
12
Adorno, 1941/44
13
Horkheimer e Adorno, 1947, citados por Mauro Wolf
14
Wolf, Mauro; Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
15
Ibidem ‘13

pág. 7
A essência permanece a mesma em qualquer dos produtos culturais, o interesse
daqueles que neles investiram reside no rendimento que possam retirar. Assim,
verifiquemos os casos de alguns desses produtos.
1. Romances populares: são as novelas, os romances populares e policiais,
elaborados de forma simplista e formatada. Os autores de Frankfurt
consideravam esta literatura a antítese da literatura clássica, que eles
caracterizavam da seguinte forma: moral da história é entrecruzada com
enredos secundários com inúmeras tramas, quase uma por personagem, para
arrastar os leitores ao longo das páginas do jogo narrativo.
2. Música ligeira: criada de forma específica que permite que a composição
captada pelo ouvinte seja simples e facilmente compreensível e não exija
esforço de entendimento. “Desta forma, a música ligeira priva o ouvinte da
sua espontaneidade e fomenta reflexos condicionados. Assemelha-se (…) a
um questionário de escolha múltipla, quem o preenche está invariavelmente
limitado a alternativas muito precisas e limitadas”16. No estremo oposto
encontra-se a música clássica, em que todos os elementos são organizados
num todo unido, adquirindo significado. Neste género musical, como na
poesia, cada nota adquire o seu sentido a partir da unidade e totalidade do
conjunto e não do seu uso quotidiano ou denotado. O reconhecimento pela
reflexão torna-se um fim e não um meio e assume-se como a única forma de
extrair algo de novo.
3. Filme: o espectador de um policial adivinha o final. A tensão apenas se
mantém superficialmente, sendo impossível obter um efeito sério. Baseado,
tal como os romances populares e as novelas, em fórmulas de sucesso
repetidas até a exaustão, com pequenas alterações formais, mantendo-se os
mesmos conteúdos.
4. Novelas (televisão): de traços característicos idênticos ao romances
populares e filmes. Sem arriscar sucessivamente em novos modelos, copiam-
se e alteram-se ligeiramente os assuntos tratados em cada produção, tendo,
invariavelmente, por base a mesma estrutura simples com lugares comuns
como amor, traição, valores como a maldade, bondade, pureza de espírito,
teorias da conspiração e o assassínio, o mistério da morte, transportado dos

16
Adorno, citado por Mauro Wolf em Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992

pág. 8
romances policiais para o pequeno ecrã em prol da vertente economicista da
indústria cultural que alimenta a sociedade de massas em que vivemos.
No fundo, instala-se o easy listening, uma perda de expressividade que resulta da
simplificação de processos, da automatização da compreensão que dispensa esforço por
parte do receptor das mensagens, sejam elas escritas, faladas ou por imagens.

Os efeitos dos mass media

A estrutura multi-estratificada das mensagens é reflexo da estratégia manipuladora


da indústria cultural. Toda a comunicação é organizada com o único objectivo de
seduzir os espectadores, sobretudo a nível psicológico. Desta forma, “a mensagem
oculta pode ser mais importante do que a que se vê”17, uma vez que escapa ao
entendimento imediato do público.
Uma grande parte dos “espectáculos televisivos visa a produção ou, pelo menos, a
reprodução de muita mediocridade, inércia intelectual e credulidade, que parecem
adequar-se aos credos totalitários, mesmo que a mensagem explícita e visível dos
espectáculos possa ser anti-totalitária”18.
A manipulação do público converte-se num dos efeitos da televisão, realçando níveis
das mensagens que os emissores pretendem enfatizar. Isto significa que as palavras
dizem algo, mas têm um sentido diferente. Aparentando o vazio, estão na verdade a
“reforçar a escravidão do público, o seu estado de servidão. Através do material que
recebe, o observador é continuamente colocado, sem o saber, na situação de absorver
ordens, indicações e proibições”19.

Os géneros

A indústria cultural aplica uma série de estratégias, entre elas o método do


estereotipado. O estereótipo é um elemento indispensável na organização e antecipação
da realidade social a que o indivíduo está sujeito, “impedem o caos cognitivo, a

17
Adorno (1954) citado por Mauro Wolf em Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
18
Ibidem
19
Mauro Wolf, Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992

pág. 9
desorganização mental, constituem, em suma, um instrumento necessário de economia
na aprendizagem”20
A capacidade de antevisão é resultado do crescimento da divisão do conteúdo
televisivo em género (policial, acção, comédia, romance, etc.) “conduziu ao
desenvolvimento de formas rígidas, fixas e importantes porque definem o modelo de
atitude do espectador, antes de este se interrogar acerca de qualquer conteúdo
específico, determinando, assim, em larga medida, o modo como esse conteúdo é
percebido”21.
A forma como as indústrias culturais investem nos seus produtos apenas se “interessa
pelos indivíduos como clientes e empregados”22. Segundo Adorno, este fortalecimento
dos estereótipos vai minimizando o espaço concedido para as pessoas modificarem os
seus preconceitos, no sentido de opiniões preconcebidas, sobre o mundo que as rodeia.
“Quanto mais dura e complicada a vida moderna se torna, mais as pessoas se sentem
tentadas a agarrar-se a clichés que parecem conferir uma certa ordem àquilo que, de
outra forma, seria incompreensível”23.

O expoente de Habermas

Ainda que o nosso foco de análise seja a chamada primeira geração da Escola de
Frankfurt, constituída pelo núcleo duro de Adorno e Horkheimer, preferencialmente
direccionada para a análise dos produtos culturais e da arte, não deixamos de referir,
como nota, a aplicação da Teoria Crítica à informação e à esfera pública que conheceu o
seu expoente com Habermas.
Para o pensador alemão, à semelhança do que acontece com a arte e a cultura,
também a informação e a esfera pública se degradariam com a emergência das
indústrias culturais.
Na mudança estrutural da esfera pública, “A comercialização da comunicação de
massa alterou o seu carácter de maneira fundamental: o que tinha sido, numa época, um
fórum privilegiado de debate racional-crítico transformou-se em apenas mais um campo
de consumo cultural, e a esfera pública emergente transformou-se num mundo

20
Ibidem, ‘18
21
Adorno (1954), citado por Mauro Wolf em Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
22
Mauro Wolf, Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992
23
Horkheimer – Adorno citados por Mauro Wolf em em Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992

pág. 10
fraudulento de pseudo-privacidade que é criticado e controlado pela indústria cultural”.
Para Habermas, a comercialização da informação de massa levaria mesmo à destruição
progressiva da esfera pública.
Características fundamentais da Teoria Crítica

Não querendo ser demasiado redutores, apresentamos algumas das características


essenciais que se retiram da teoria avançada pela escola de Frankfurt e posteriormente
adaptada e continuada, de formas diferentes por diversos outros autores, que dela
retiraram ideias cruciais, adaptadas e verificadas empiricamente.
Desta forma, deve ser realçado:
1. Teoria de inspiração marxista – adoptando a divisão de classes no
acesso aos bens culturais e o ideal de fenómenos histórico-naturais como naturais
(industrialização, etc.). No entanto, abandona a luta de classes como forma única
de terminar com o despotismo burguês, acreditando numa sociedade onde ordem,
justiça e supressão da pobreza são valores fundamentais, mantendo a convicção
do socialismo como única forma de superar as injustiças do capitalismo.
2. Estudo da sociedade industrializada – são um conjunto de ensaios que
examinam uma sociedade industrializada, aplicando investigações da sociologia,
economia, política, psicologia, etc., tornando-a interdisciplinar.
3. Passagem do paradigma da qualidade para o da quantidade – a
aplicação de processos de uniformização e standardização de processo como
meio para atingir o retorno económico para as indústrias produtoras.
4. Manipulação ideológica – mensagens veiculadas pelos diversos canais,
entre os quais os media, com a finalidade de condicionar o pensamento das
massas e se possível anulá-lo, para a maior receptividade às ideias apresentadas
por determinadas elites burguesas, detentoras das empresas líderes da produção
da indústria cultural.

pág. 11
III. Aspectos positivos da Teoria Crítica

Em primeiro lugar, há que destacar a sensibilidade cultural dos teóricos de


Frankfurt e o vector humanístico das suas teorias. Apesar de mais à frente podermos ver
que a sua crítica às novas formas de arte e aos novos produtos culturais do Século XX
pecou por alguma incompreensão dessas mesmas formas e produtos, a Teoria Crítica
foi, porventura, a primeira reflexão sobre os efeitos negativos que a difusão em massa
da cultura, da arte e do entretenimento.

A “reprodutibilidade técnica” da obra de arte24, que conhece no início do Século


XX a sua expressão máxima, possibilitada por uma revolução dos meios de difusão em
massa e reprodução técnica que se manifestou com os casos paradigmáticos do cinema e
da fotografia, mas também da literatura cuja reprodução para as massas se concretizou
efectivamente, realização esta à qual não foi indiferente o aumento do nível de
alfabetização de alguns países da Europa de Norte e Central.

Como insistiu Walter Benjamin, mais um inspirador do que propriamente um


membro do grupo de Adorno e Horkheimer, a obra de arte perde a sua “aura”, perde o
carácter de uma construção única num dado tempo e espaço e consagrada ao processo
íntimo de criação com o autor, para passar a algo potencialmente reprodutível em que
não interessa tanto a autoria mas a agradabilidade imediata às massas sedentas por um
hedonismo que compense as frustrações e as lacunas da sociedade de massas do início
do Século XX alienada, fragmentada e constrangida à ruptura das relações sociais
básicas.

A Teoria Crítica primou, então, por frisar que as indústrias culturais tiveram o
efeito de romper com a tradicional autonomia dos produtos culturais em relação ao
mercado. Com a cultura de massas e as indústrias culturais a arte foi, precisamente,
direccionado para os mercados e o paradigma da criatividade simbólica e romântica foi
substituído pelo paradigma da criatividade instrumentalizada e racionalizada, por
estudos de mercado e de rentabilidade, para formatos preparados para as massas. Neste
quadro, não é despropositado ponderar um empobrecimento e um atrofiamento da

24
Benjamin, Walter, Sobre arte, técnica, linguagem e política; Relógio de Água; Lisboa; 1992

pág. 12
criatividade e da liberdade artística. Ainda que comprometida ideologicamente, a
denúncia de Frankfurt da lógica capitalista, que transformou as obras de arte e os
produtos culturais em meras mercadorias para consumos em massas e cujo valor
dependia do nível de rentabilidade e aceitação popular, assume hoje contornos,
particularmente, pertinentes.

Com efeito, na actualidade, assiste-se à “especialização de novas profissões, à


adopção de normas estilísticas e de convenções narrativas e organizacionais”25 que
desde a literatura – que para além da cultura dos policiais e das novelas criticada por
Adorno, formata novos estilos que saem em massa como os romances históricos,
sobretudo os de temas religiosos, onde o famoso “Código da Vinci” de Dan Brown
ocupa ligar cimeiro, até aos livros (pretensamente) esotéricos e de auto-ajuda –,
passando pela música – na qual a revolução electrónica com os softwares de produção
padronizados uniformizou, aberrantemente, a música pop – e acabando no cinema –
talvez o exemplo mais explícito com a indústria de Hollywood a ditar a estética mundial
dos códigos cinematográficos que resultam em blockbuster’s de narrativas análogas e
efeitos especiais idênticos, os quais são aplicados como numa cadeia em série e que, não
obstante a sua constante actualização, dispensam a contemplação artística dos seus
criadores.

Destes últimos aspectos, decorre um segundo pioneirismo reflexivo dos autores da


Escola de Frankfurt: a Teoria Crítica terá, também, sido a primeira reflexão a antecipar
o fenómeno do merchandising que meio século mais tarde se concretizaria no seu pleno.
“No sistema da indústria cultural, o processo operativo integra cada elemento, «desde o
enredo do romance que tem já em mira as filmagens, até ao último dos efeitos
sonoros»”26. Os produtos são elaborados logo à partida com potencialidades de
adaptação a outros formatos de forma a potencializarem a comercialização e o lucro.
Como refere Mauro Wolf relativamente a este aspecto da Teoria Crítica: “os cineastas
examinam com desconfiança qualquer manuscrito em que não se encontre já um
tranquilizante best-seller”27.

Actualmente o caso mais efectivo deste fenómeno é com efeito o cinema. A


mercantilização torna-se, particularmente, visível nas cadeias comerciais despoletadas
25
Correia, João Carlos; Os administradores de ilusões: espectáculos, subjectividade e ideologia na cultura mediática
contemporânea (pág.6); consultado in www.bocc.ubi.pt a 9 de Janeiro; 2003
26
Mauro Wolf, Teorias da comunicação (pág.74); Editorial Presença; Lisboa; 1992
27
Ibidem ‘26

pág. 13
por um filme que gera toda uma linha de produtos associados à sua temática, ainda que
por mais díspares em termos de forma: roupa, brinquedos, álbuns de música, reedição
em DVD, entre outros. Por outro lado, numa perspectiva mais sociológica, a Teoria
Crítica destacou-se por realçar o que para muitos estudos de comunicação ainda não era
claro no seu tempo: os media como as novas, e tendencialmente dominantes,
instituições de sociabilização.

Na actualidade, as instituições tradicionais como a família, a escola ou a Igreja


vêem-se cada vez mais confrontadas pelo papel equivalente desempenhado pelos meios
de comunicação e pela mediatização das indústrias culturais. A experiência pessoal e
social é cada vez mais mediatizada e, então, cabe cada vez mais aos enunciadores de
conteúdos, o que além da informação também inclui os produtos culturais e outras
formas de expressão simbólica, as construções das categorias da experiência e
percepção do mundo.

Por último, há que dar o mérito à dimensão humanista e existencialista da Teoria


Crítica. Pese embora o pessimismo algo exacerbado e o desencanto perante o Mundo, os
autores da Escola de Frankfurt tiveram uma aguda consciência dos efeitos,
tendencialmente negativos, da dimensão técnica, capitalista e industrial da sociedade de
massas. “A sua posição ética, a sua angústia sobre o destino da humanidade, a sua
preocupação humanista com o futuro da civilização ocidental”28, assim como as
preocupações de teor ideológico sobre o indivíduo constrangido à manipulação num
mundo reificado29, constituíram, independentemente da sua validade no tempo, um
importante alerta para as carências ou imperfeições das sociedades de massas.

28
Tar, Zoltán; A escola Francoforte (pág.201); Edições 70; Lisboa; 1977
29
Pressupõe-se aqui a Teoria da Reificação: o conhecimento de uma realidade naturalizada que se afirma como única
e não como construção histórico-material, em relação à qual o homem perdeu a capacidade de pensar ou recriar uma
versão alternativa dessa realidade que conhece.

pág. 14
IV. Aspectos positivos da Teoria Crítica

Antes de referirmos os aspectos negativos relativos à actualidade da Teoria Crítica


à luz do tempo e das sociedades presentes, começamos por referir uma crítica feita ao
pensamento da escola de Frankfurt, praticamente, desde o seu aparecimento: a falta de
empirismo. Os opositores da Teoria Crítica acusaram-na de desenvolver apenas
especulação filosófica de apriorismo político sobre os mass media, pecando por falta de
confrontação experimental ou empírica das teorias com a realidade.

Neste particular, as principais acusações foram relativas à falta ou ausência de


análise individual dos meios nas suas características. Apenas Adorno ainda desenvolveu
alguma pesquisa neste sentido, ainda que não abandonasse o estilo teórico,
nomeadamente em relação à televisão. Esta crítica foi principalmente desenvolvida nos
Estados Unidos, aquando do exílio político dos autores alemães no país, onde a
denominada “pesquisa administrativa” liderada por Lazarsfeld – um dos principais
críticos da Escola de Frankfurt – assente sobretudo na observação experimental das
realidades estudadas.

Já tendo como ponto de referência as sociedades actuais, a primeiro aspecto


negativo que apontamos à Teoria Crítica prende-se com o pressuposto de Adorno e
Horkheimer, de que as indústrias culturais promoveriam as assimetrias sócias, isto é, as
classes, de forma ideológica. Ora, o tempo veio-nos provar que a tendência defendida
pelos dois autores não é linear. Em primeiro lugar, as sociedades actuais pautam-se cada
vez menos pelo binómio marxista do patronato e do proletariado e a ideologia a actuar,
manifesta-se na esfera cultural das etnias e do multi-culturalismo. Em segundo lugar, os
conteúdos culturais dos media vieram provar várias vezes a possibilidade de criação de
espaços de referência para uma sociabilização democrática, nomeadamente em
iniciativas de empenho cívico por parte dos media, e de outros para afirmação das
identidades.

Já no que toca aos produtos artísticos e culturais apontados como ameaças à


capacidade crítica das sociedades, nos quais se destacavam o cinema, a rádio ou a
fotografia, podemos antever nesta desconsideração uma certa falta de compreensão

pág. 15
destes formas de expressão simbólica. Por outras palavras, a perspectiva demasiado
pejorativa destes produtos pelos autores de Frankfurt resulta de uma visão constrangida
e limitada à arte clássica – onde se integra a música clássica, a pintura tradicional, o
teatro ou a literatura clássica - e de uma certa incapacidade de renovar essa arte para
novos padrões emergentes em que a técnica interviesse para a sua democratização, isto
é, para o aumento da sua acessibilidade aos públicos.

A possibilidade de reprodução técnica, os formatos mecânicos ou a difusão em


massa eram vistos como partes de um processo de desumanização e desvalorização da
arte. Se a cultura e a arte eram direccionadas para as massas, então perdiam valor. Os
autores da Teoria Crítica viram-se como que inibidos de conhecer melhor essas novas
formas emergentes e analisá-las empiricamente nas suas características particulares e
artísticas. Por seu lado, de forma algo temperamental, construíram uma visão reificada e
homogeneizada de todos esses produtos culturais que não deixa de esconder uma certa
presunção elitista.

Por um lado, a história das manifestações culturais e artísticas do Século XX


permitiu conhecer melhor as novas formas como o cinema ou a fotografia e despojá-las
da conotação inicial de inartísticas e mecânicas para as compreender como novas
formas de arte onde a criatividade e a arte se podem expandir como nas formas artísticas
tradicionais. Por outro lado, apesar de, como já dissemos e fizemos valer o nosso elogio,
reconhecermos uma tendência actual para a formatação e mercantilização da cultura, o
tempo apresenta-nos vários exemplos que contrariaram a visão demasiado radical
defendida por Adorno e Horkheimer – e é por ser tão radical que, precisamente, peca –
de que os produtos artísticos, por serem produzidos para as massas, serão todos
formatados e limitados criativamente.

Se o cinema foi uma das áreas mais afectadas em relação à qual Adorno que ele
próprio se sentia mais estupidificado, os casos de Chaplin, Worson Welles, Hitchcock,
Howard Hawks ou mais recentemente Woody Allen, David Fincher, David Lynch ou
Steven Sodenbergh haveriam de mostrar uma utilização inteligente, criativa e urdida dos

pág. 16
códigos pré-fabricados30, os quais, para os autores de Frankfurt estavam condenados à
formatação estupidificante.

Também a fotografia e a literatura deram sinais da sua arte entre a formatação das
formas e o caso da música clássica até terá beneficiado com a reprodutibilidade como
meio para a sua familiarização. Desta forma, os públicos não ficaram, exclusivamente,
limitados a conteúdos estupidificantes que não lhes exigisse esforço de descodificação e
puderam exercitar a sua capacidade crítica e interpretante em variados tipos de
conteúdos.

A quarta crítica que apontamos ao pensamento da escola de Frankfurt é relativa ao


entendimento que este faz dos efeitos dos mass media, isto é, a sua visão simplista da
recepção dos conteúdos culturais e artísticos emitidos pelos media. Para os autores da
Teoria Crítica, os produtos das indústrias culturais têm um efeito directo e imediato na
manipulação das massas para fins ideológicos, mais precisamente, em função da
preservação do regime e do pensamento da classe dominante.

Assim, os conteúdos emitidos iam enformados em mensagens ideológicas às quais


os indivíduos, altamente reduzidos na autonomia e capacidade crítica reagiam como
estímulos. Ora, esta perspectiva, novamente unificadora e homogeneizante, situa-se
num nível muito primário da análise dos efeitos dos media ou no que se poderá designar
uma análise, puramente, hipodérmica dos efeitos da comunicação de massa. Como
afirma João Pissarra Esteves, que além de responder ao que foi dito imediatamente
atrás, responde também ao pessimismo de Habermas, “mais que nunca, hoje em dia esta
tese apresenta-se inaceitável tendo em conta a experiência cultural de um debate vivo e
das discussões intensas em torno dos media, que dão a ver um espaço de comunicação
profundamente agonístico, onde se confrontam não apenas experiências simbólicas
divergentes ao nível da recepção dos bens culturais, como também ao nível dos usos e
utilizações dos media (mobilizadoras de formas originais de sociabilidade e de
agregação dos indivíduos).

Estas novas experiências de produção e recepção dos bens culturais estão


associadas não apenas aos novos media emergentes – as redes informáticas às mais
variadas escalas, as novas tecnologias da televisão (satélite, cabo, programação
30
Cfr. Correia, João Carlos; Os administradores de ilusões: espectáculos, subjectividade e ideologia na cultura
mediática contemporânea; consultado in www.bocc.ubi.pt a 9 de Janeiro; 2003

pág. 17
individual), a radiodifusão directa, etc. – como também aos media electrónicos
convencionais, que são objecto das mais variadas reapropriações simbólicas originais e
imprevisíveis por parte dos indivíduos (na imprensa, na fotografia, no cinema, etc.).”31

Por fim, referir que toda a Teoria Crítica acusa condições específicas do seu
tempo, que entendidas no comprometimento ideológico de índole marxista, acaba por
limitar o seu alcance científico e a sua validade no tempo.

Estas condições históricas dividem-se em duas. A primeira é referente aos regimes


autoritários e fascistas da época – que obrigaram ao exílio destes autores – e que na sua
eficaz exploração propagandística e ideológica dos meios de comunicação para o
inculcamento das massas, condicionaram a perspectiva hipodérmica que a Teoria
Crítica concluiu dos efeitos dos mass media. Os segundos condicionalismos históricos
advém do contacto, talvez brusco, destes autores com a sociedade mais consumista do
momento, os Estados Unidos da América.

Já à partida condenado pela concepção marxista, o capitalismo americano no seu


puro estado de desenvolvimento em que tudo é mercantilizável e produzido na óptica do
consumo, fez com que estes autores tecessem uma pessimista visão do futuro da arte e
dos produtos culturais, apenas reduzidos a formatos e mercadoria.

31
Esteves, João Pissarra; Questões Políticas Acerca da Teoria Crítica: A indústria da cultura, nº33; UFBa/FC; São
Salvador da Baía; 1995

pág. 18
Bibliografia
(Ordenada alfabeticamente por nome de autor)

Bottomore, Tom; The Frankfurt School; Routledge; Londres; 1984


Benjamin, Walter, Sobre arte, técnica, linguagem e política; Relógio de Água; Lisboa;
1992
Correia, João Carlos; Os administradores de ilusões: espectáculos, subjectividade e
ideologia na cultura mediática contemporânea; consultado in www.bocc.ubi.pt a 9 de
Janeiro; 2003
Esteves, João Pissarra; Questões Políticas Acerca da Teoria Crítica: A indústria da
cultura, nº33; UFBa/FC; São Salvador da Baía; 1995
Hesmondalgh, David; The Cultural Industries; Sage Publications; Londres; 2002
Rasmussen, M. David; The handbook of critical theory; Blackwell Publishers; 1996
Tar, Zoltán; A escola Francoforte; Edições 70; Lisboa; 1977
Thompson, John B; Ideologia e Cultura Moderna; Editora Vozes; Petrópolis, Brasil;
1990
Wolf, Mauro; Teorias da comunicação; Editorial Presença; Lisboa; 1992

pág. 19
pág. 20

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